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Reforma administrativa e relações trabalhistas no setor público: dilemas e perspectivas

Administrative reform and work relations in the public sector: dilemmas and perspectives

Réforme administrative et relations de travail dans le secteur publique: dilemmes et perspectives

Resumos

O objetivo principal do artigo é investigar as possibilidades e os limites da construção de um processo de cooperação entre os administradores e políticos responsáveis pela reforma do Estado no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e as entidades associativas (EAs) dos servidores públicos. O argumento é que a construção deste processo foi limitada e condicionada pela baixa institucionalização dos canais de interação entre governo e EAs, e por processos político-organizacionais que caracterizam a dinâmica interna tanto dos atores governamentais como dos associativos. Para fundamentar o argumento, é realizado um estudo de caso sobre um processo de interlocução entre o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), extinto em janeiro de 1999, e o Fórum das Carreiras Típicas de Estado (FCTE).

Sindicalismo; Reforma administrativa; Cooperação; Associativismo; Relações trabalhistas no setor público


The article examines the limits and possibilities for building cooperation between public managers and politicians attempting to promote administrative reform during the first Cardoso government and the public servants unions and associations. The main argument is that cooperation was limited and constrained by the under-institutionalization of communication/interaction channels among the actors, and by various internal organizational and political processes within both the government agencies and employee associations. This argument is illustrated through a case study of the interactions between the Ministry of Administration and State Reform and the Forum of Typical State Careers.

Syndicalism; Administrative reform; Cooperation; Associativism; Work relations in the public sector


Le principal objectif de cet article est de rechercher les possibilités et les limites de la construction d'un processus de coopération entre les administrateurs et les politiciens responsables pour la réforme de l'État au cours du premier mandat du président Fernando Henrique Cardoso et les groupements associatifs (EAs) des fonctionnaires. L'argument est celui selon lequel la construction de ce processus a été limitée et conditionnée par la faible institutionnalisation des canaux d'interaction entre le gouvernement et les EAs, et par des processus politiques et organisationnels qui caractérisent la dynamique interne aussi bien des acteurs gouvernementaux comme de ceux issus de groupements associatifs. Pour donner support à notre argument, nous réalisons une étude de cas sur un processus de communication entre le Ministère de l'Administration et de la Réforme de l'État (MARE), supprimé en janvier 1999, et le Forum des Carrières Typiques de l'État (FCTE).

Syndicalisme; Réforme administrative; Coopération; Associationnisme; Rela-tions de travail dans le secteur public


REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO:

dilemas e perspectivas* * Versão modificada de trabalho apresentado no seminário Reforma Administrativa e Sindicatos no Setor Público: Brasil em Perspectiva Comparada, realizado na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), em Brasília, em 25 de março de 1999. Gostaria de agradecer à ENAP por ter viabilizado a realização desta pesquisa. Agradeço também os comentários de todos os participantes do seminário, em especial dos professores Maria Hermínia Tavares de Almeida e Richard M. Locke. Alberto Carlos de Almeida e Argelina Cheibub Figueiredo também fizeram valiosos comentários ao trabalho. O seminário foi publicado em Cheibub e Locke (1999).

Zairo B. Cheibub

Introdução

Este artigo analisa as interações entre o Poder Executivo federal e as entidades associativas (EAs)1 1 Neste texto uso o termo entidades associativas (EAs) para me referir aos dois tipos de organizações associativas dos servidores públicos: as associações e os sindicatos. dos servidores públicos federais durante o processo de formulação, tramitação e aprovação da reforma administrativa, no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso (1995-1998). Seu objetivo principal é investigar as possibilidades e os limites da construção de um processo de cooperação entre os administradores e políticos responsáveis pela reforma e as EAs dos servidores públicos. A superação do padrão conflituoso de interação que tem caracterizado as relações de trabalho no setor público brasileiro poderia ser benéfica aos interesses tanto das autoridades governamentais, como dos representantes dos servidores públicos — para não mencionar os próprios servidores públicos e a sociedade em geral. Tal cooperação facilitaria a troca de informações e conhecimentos, enriquecendo os projetos de reforma e diminuindo o custo social de sua implementação no setor público, ao reduzir a taxa de conflito entre os atores. Este poderia ser, portanto, um resultado ótimo para os atores envolvidos. No entanto, as conversações e interações entre os decisores governamentais e representantes das EAs, examinadas neste estudo, não lograram atingir uma cooperação sustentada. Explorar de forma sistemática as razões desse "fracasso" e sugerir algumas políticas que facilitariam a construção de uma relação cooperativa entre o governo federal e as EAs dos servidores públicos são os principais objetivos deste artigo.

Meu argumento central é que a construção de um processo cooperativo foi limitada e condicionada pela baixa institucionalização dos canais de interação entre governo e EAs e por processos político-organizacionais que caracterizam a dinâmica interna tanto dos atores governamentais como dos associativos. Por um lado, a inexistência de canais permanentes, agências e/ou negociadores para tratar das relações de trabalho no setor público federal faz com que as interações entre governo e EAs dos servidores públicos sejam ad hoc, dificultando a obtenção de conhecimento mútuo e, conseqüentemente, obstruindo o surgimento de relações de confiança entre os atores envolvidos nas conversações. Não há continuidade nas interações e, portanto, o aprendizado e o acúmulo de experiências, fundamentais para uma relação construtiva entre atores com interesses divergentes, não encontram condições para se desenvolverem plenamente.2 2 Sobre as possibilidades de emergência de cooperação, veja Axelrod (1984). Por outro lado, interesses e estruturas organizacionais dificultam a definição de estratégias uniformes e de linhas de ação coerentes, unificadas e focalizadas na própria reforma do setor público. As EAs não logram construir uma ação coletiva concertada e continuada. Sua estratégia oscila entre a defesa de interesses mais gerais, via constituição de fóruns coletivos, e a busca de ganhos individuais, corporativos. Ademais, para essas entidades, focar a discussão na reforma administrativa é politicamente difícil, uma vez que outros itens da agenda de reformas, especialmente a reforma da previdência, são centrais para grande parte de seus filiados. Do lado do governo, a agenda de reformas é também ampla e diversificada. Assim, a agenda de negociação fica congestionada, o que aumenta a interligação política das questões e impossibilita a cooperação em itens pontuais.

Ainda do ponto de vista do governo, há uma incongruência entre os negociadores na "linha de frente" e decisores em última instância. Muitas vezes, pontos acordados em conversações não podem ser adotados porque encontram veto em outras instâncias governamentais. Estes fatores atestam a existência de características político-administrativas e de dinâmicas organizacionais que não contribuem para a emergência da cooperação. Como veremos, as causas para essa situação são tanto gerais, próprias das relações de trabalho no setor público, como específicas à constituição destas relações no Brasil — incluindo os processos de formação das EAs e de construção da administração federal. Embora outros elementos3 3 Tais como a correlação de forças políticas no governo e no Congresso Nacional, a composição das entidades associativas, os impactos das medidas de reforma, a postura e/ou preferência ideológica e até mesmo características pessoais dos interlocutores. possam e devam ser considerados na explicação, esses dois fatores são os determinantes sistemáticos das estratégias políticas dos atores e explicam, em grande medida, os padrões de interação entre eles.

Para que o argumento seja melhor compreendido, cabe fazer alguns esclarecimentos iniciais. O governo pode conduzir o processo de reforma sem levar em conta o papel e a opinião das EAs dos servidores públicos. Na verdade, essas entidades não são legalmente reconhecidas como intermediárias das relações entre o governo e seus funcionários: embora a legislação garanta o direito de associação e greve para os funcionários públicos, o governo não tem a obrigação legal de negociar com as entidades por eles criadas. A realidade do jogo político, no entanto, mostra que as entidades representativas dos servidores públicos têm sido as interlocutoras do governo, do Congresso e das forças políticas da sociedade civil. Falam em nome dos servidores públicos, negociam por eles e, muito provavelmente, influenciam seu comportamento e sua forma de ver a própria reforma administrativa. Assim, conhecê-las é fundamental para avaliar as forças endógenas ao Estado que tanto podem contribuir para o sucesso das reformas, como emperrar o processo de transformação da máquina pública. Conforme observam Verma e Cutcher-Gershenfeld (1996, p. 236) ao analisarem experiências bem-sucedidas de reformas institucionais no setor público norte-americano: "A menos que o sindicato se envolva com as iniciativas e as apóie, mudanças fundamentais em locais de trabalho sindicalizados não podem ser efetivamente implementadas."4 4 Todas as traduções são do autor.

Mesmo assim, pode-se ainda questionar a importância da obtenção de cooperação ativa, seja dos servidores públicos, seja de suas EAs, para o sucesso da reforma administrativa. A julgar pela literatura corrente, os servidores públicos e suas EAs não são muito importantes, uma vez que têm sido sistematicamente relegados a um papel secundário nas análises que tratam da reforma administrativa. A ênfase da literatura de Ciência Política que trata dessa reforma tem recaído sobre seus determinantes macropolíticos, especialmente os processos políticos — nos seus aspectos socioeconômico, partidário e legislativo — que levam à promulgação, aprovação, ou mesmo rejeição das propostas de reforma.5 5 Para um amplo apanhado da literatura publicada no Brasil sobre reforma do Estado, veja Lima Júnior et al. (1998). As principais abordagens teóricas sobre a reforma do Estado são discutidas por Kaufman (1998a e 1998b). Um bom exemplo deste tipo de abordadem é Blais et al. (1997). Esse foco é compreensível uma vez que está de acordo com preocupações clássicas da disciplina, a saber: o papel de grupos sociais na formação e formulação de políticas públicas; a problemática da autonomia do Estado na formulação destas políticas; os determinantes exógenos e endógenos do processo legislativo etc. O foco de análise clássico é, sem dúvida, adequado para a compreensão do processo de aprovação dos instrumentos legais das reformas. Ademais, em muitos casos esta aprovação é suficiente para caracterizar o sucesso de uma transformação institucional ou político-econômica. Várias reformas da chamada "primeira geração" podem se encaixar neste caso — por exemplo, reformas macroeconômicas, tributárias e fiscais, e a construção de agências reguladoras autônomas.6 6 Embora com a ressalva de que há casos em que isso não é suficiente. Cf. Kaufman (1998a). No entanto, essa literatura é falha na medida em que não enfatiza a etapa da implementação das reformas. Pouco há que ajude na compreensão dos determinantes políticos endógenos da transformação do aparato administrativo do Estado na fase pós-transformação legal.7 7 A literatura da área de administração pública elabora bastante esta questão mas não dá a devida atenção aos condicionantes políticos da transformação institucional, enfatizando "desenhos ótimos" e soluções tecnicamente viáveis. A Revista do Serviço Público tem publicado excelentes artigos nesta linha. Quem são os principais opositores da implementação da reforma da máquina administrativa? Quem são os possíveis aliados? Como obter a cooperação e boa vontade dos gestores e servidores públicos na transformação institucional? Essas questões, todas do âmbito da implementação, são fundamentais para a "segunda geração" de reformas, especialmente no que concerne às áreas onde a prestação de serviços pelo Estado é intensa em mão-de-obra.8 8 Incluem-se nesse caso tanto a área social — educação, saúde e assistência social — como atividades típicas e mesmo exclusivas do Estado — seguranca, recolhimento de imposto, diplomacia etc. —, onde o avanço tecnológico dificilmente substitui o trabalho. Nestes casos, a aprovação de um estatuto legal de reforma é, em geral, apenas o começo da reforma propriamente dita, na medida em que há diversos fatores relacionados à implementação de reformas nessas áreas.9 9 As dificuldades de reforma nesses setores são muito bem analisadas por Nelson (1997) e Grindle (1998). Nestes casos, sobretudo, a obtenção da cooperação ativa dos servidores públicos na implementação da reforma administrativa é fundamental para garantir o seu sucesso.

Este artigo está dividido em quatro partes. Inicio com uma discussão da literatura sobre associativismo no setor público, com o objetivo de identificar padrões de interação e formas de organização das relações de trabalho neste setor, e o papel das EAs nos processos de reforma. Em seguida, analiso a organização das relações de trabalho no setor público brasileiro e discuto algumas características básicas do sindicalismo público no país. Na terceira parte, realizo um estudo de caso sobre um processo de interlocução entre o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), extinto em janeiro de 1999, e o Fórum das Carreiras Típicas de Estado (FCTE). O foco neste caso específico permite tanto desvendar como ilustrar padrões típicos de interação entre autoridades do governo federal e representantes de EAs. Finalmente, sugiro algumas "lições" que podem ser extraídas deste estudo e algumas idéias para posteriores pesquisas.

Relações de trabalho no setor público: fatores estruturais, transformações recentes e lições para a reforma

Todo país apresenta, em diferentes períodos históricos, especificidades e particularidades que o diferenciam e o caracterizam vis-à-vis outros países e outros momentos de sua própria história. Mas, para cada conjunto de questões sociopolíticas conjunturais há também uma série de fatores, elementos, tendências e estruturas que são independentes das particularidades nacionais e condicionam seu próprio desenvolvimento. Para entendermos o caso da recente reforma administrativa brasileira, portanto, temos de diferenciar o que é específico do contexto nacional e o que se deve aos condicionantes estruturais das relações de trabalho no setor público. Esta seção objetiva, em primeiro lugar, tanto apontar os principais instrumentos analíticos e teóricos relevantes para a análise das relações de trabalho e do sindicalismo no setor público, como explicitar os processos gerais que determinam as transformações recentes nestas relações. Em segundo lugar, visa mapear o "estado das artes" do conhecimento sobre estas relações, isto é, as principais questões e fatos acerca das relações de trabalho no setor público, e o que se sabe sobre as condições para a emergência de cooperação entre governo e EAs dos servidores públicos.

Dois conjuntos de variáveis são relevantes para a análise das relações trabalhistas no setor público, a saber: o contexto em que elas têm lugar e sua própria organização, incluindo os processos que a caracterizam. Estes conjuntos de fatores determinam, em grande medida, os parâmetros das negociações e, em parte, seus resultados.10 10 Para melhor especificação desses fatores veja Lewin et al. (1988). Os fatores contextuais mais importantes são econômicos e políticos. Na consideração destes fatores, é necessário fazermos uma distinção entre determinantes estruturais e situações históricas, isto é, conjunturas econômicas (por exemplo, crescimento ou diminuição do Estado) e políticas (por exemplo, coalizão no poder).

Organização e processo referem-se às formas organizacionais e aos mecanismos que caracterizam as interações entre os atores — por exemplo, canais de interlocução, grau de centralização, escopo da barganha, mecanismos de resolução de conflitos etc. A organização e os processos que caracterizam as relações de trabalho no setor público dependem em grande medida de sua regulamentação legal. No entanto, para o mesmo contexto legal podem ser encontradas variações organizacionais e processos de negociação distintos, dependendo da formação histórica do Estado e das EAs. Devido à interligação de fatores estruturais e desenvolvimentos históricos, a elaboração e especificação destes dois conjuntos de variáveis implicam, necessariamente, uma abordagem ao mesmo tempo analítica e histórica, como será feito a seguir.

Contexto das relações de trabalho no setor público

Do ponto de vista econômico, as relações trabalhistas no setor público são estruturalmente caracterizadas como protegidas das determinações de mercado (cf. Feuille, 1991). Enquanto, no setor privado, os mercados de produtos e de trabalho impõem rigorosas restrições às atuações dos atores sindicais e empresariais, no setor público essas restrições são muito mais frouxas e longínquas. Há, obviamente, limites orçamentários, mas mesmo estes não têm a força de restrições de mercado, uma vez que o Estado, em geral, não encontra competidor direto e não corre o risco de "ter de fechar as portas". Durante as décadas de 60 e 70, acreditava-se que a ausência de restrições econômicas imediatas impediria que os governos, especialmente os locais, resistissem aos movimentos por aumentos salariais no setor público. Se houvesse paralisação dos serviços públicos, o temor seria ainda maior, pois considerava-se que seria politicamente inviável que os administradores públicos pudessem resistir à pressão da população pela retomada da prestação desses serviços. Do ponto de vista do mercado de trabalho, os trabalhadores do setor público têm, tradicionalmente, gozado de uma situação protegida e/ou privilegiada ante os trabalhadores do setor privado. Havia uma idéia generalizada de que o Estado deveria ser um empregador exemplar, adiantando-se ao setor privado na aplicação dos direitos trabalhistas. Este seria um meio de sinalizar para o setor privado formas de relações de trabalho mais "avançadas" do ponto de vista social.

A ausência de restrições econômicas imediatas e diretas aumenta a importância do contexto político na compreensão das relações de trabalho no setor público, as quais, diferentemente do que ocorre no setor privado, têm uma natureza intrinsecamente política. Tal característica, porém, não advém simples e imediatamente do fato de estas relações terem lugar dentro do Estado. O fundamental é que o sucesso das demandas trabalhistas no setor público depende do apelo aos eleitores e da defesa da expansão do Estado e de seu orçamento. Por isso as EAs dos funcionários do Estado tendem a vocalizar suas demandas em termos mais gerais, defendendo tanto o aumento de recursos públicos como a expansão da intervenção e dos serviços do Estado, e não apenas medidas que beneficiem diretamente seus membros. Na verdade, o atendimento das demandas específicas depende da expansão do Estado e do aumento de seu orçamento.11 11 Como notam Freeman e Ichniowski (1988, p. 12): " the political nature of public sector collective bargaining means that unions will be interested in trying to influence budget and employment levels, as well as in raising wages". Veja também Troy (1994), que, concordando com essa posição, considera que os sindicatos do setor público defendem uma nova forma de socialismo. O governo, por sua vez, tem de conciliar papéis e interesses nem sempre congruentes, tais como os de empregador (com as preocupações inerentes), de autoridade responsável pela política econômica e monetária do país e de formulador de políticas, inclusive as que se referem às relações de trabalho, seja no setor público, seja no setor privado. Nesse sentido, por exemplo, objetivos políticos a serem perseguidos qua empregador podem entrar em choque com a condução de políticas macroeconômicas (cf. Yemin, 1993). Essa condição contribui para acentuar a natureza política das relações de trabalho no setor público, já que as questões puramente trabalhistas encontram-se imbricadas com outros objetivos políticos do governo.

Os condicionantes estruturais apontados acima ressaltam as diferenças entre as relações de trabalho nos setores público e privado. No entanto, as transformações políticas e econômicas das últimas décadas diminuíram gradativamente a importância da distinção analítica público versus privado. As restrições orçamentárias, necessárias para o combate ao déficit fiscal, tornaram-se quase tão draconianas quanto as restrições de mercado. Politicamente, observou-se mundo afora maior consciência dos cidadãos e dos governos com os gastos públicos. Os símbolos desse movimento foram as "revoltas contra impostos" e as demandas por máquinas públicas enxutas e eficientes que tiveram lugar em diversos países, inclusive no Brasil. Não cabe aqui analisar detidamente as razões para essas transformações. É suficiente notar que este processo tem suas raízes na globalização financeira e na conseqüente necessidade do combate ao déficit público para a manutenção da saúde monetária e financeira de qualquer país, em um contexto globalizado. Há ainda uma concomitante mudança no plano teórico-ideológico: a perda de hegemonia do keynesianismo e sua substituição pela doutrina do equilíbrio fiscal, como meta permanente.

Estas transfomações econômicas e ideológicas reforçam a natureza política das relações de trabalho no setor público, embora as transformem significativamente. Por um lado, fica mais evidente a interligação dos papéis do Estado: decisões em uma área (por exemplo, política de pessoal) têm reflexos mais imediatos em outras (por exemplo, metas fiscais restritivas).12 12 De certa forma, isso diferencia o setor público do privado, uma vez que o empresário pode negociar acordos com sindicatos sem pensar nas "externalidades" macroeconômicas da negociação, preocupando-se apenas com sua própria condição. Essa condição impele o governo a promover reformas administrativas com o propósito de diminuir os custos de manutenção da máquina estatal e aumentar sua eficiência e eficácia. Por outro lado, a diminuição do Estado e os cortes orçamentários acentuam a necessidade de as EAs reforçarem a estrita defesa dos interesses de seus membros. De forma geral, essa defesa implica a manutenção do status quo, já que as mudanças podem significar perdas importantes. A política de reforma tem sido a moldura geral na qual se vêm desenvolvendo as interações entre um movimento de servidores públicos cada vez mais militante e mobilizado e governos crescentemente comprometidos com a transformação do setor público.

Uma das formas encontradas, internacionalmente, para responder a essas transformações tem sido a "privatização" das relações de trabalho no setor público, isto é, a transposição de regulamentos típicos do setor privado para o público, especialmente a flexibilização na contratação e na demissão de funcionários públicos, a adoção de remuneração variável e baseada no desempenho individual e a negociação coletiva para a determinação das condições de trabalho e da remuneração. No próximo item analiso o impacto dessas transformações recentes sobre a organização e os processos das relações de trabalho no setor público.

Relações de trabalho no setor público: organização e processos

As mudanças apontadas no item anterior impulsionaram uma série de transformações nas relações de trabalho no setor público. Tradicionalmente, estas relações têm sido regidas por estatuto diverso do vigente no setor privado. O traço mais característico era a prevalência da doutrina da soberania do Estado, isto é, da prerrogativa da determinação unilateral pelo Estado das condições de remuneração e de trabalho dos servidores públicos. Nas últimas décadas, esta doutrina tem sido substituída pela prática da consulta institucionalizada e da negociação coletiva. Como observa Edward Yemin (1993, pp. 474-475):

[ ] a principal tendência, discernível neste século, é o abandono do conceito de governo como empregador soberano [ ] em favor de abordagens mais consensuais nas quais se permite que as organizações de empregados públicos tenham um grau maior ou menor de voz. Uma tendência subsidiária caminha na direção de abordagens consensuais cada vez mais fortes (i.e., da mera consulta para a negociação coletiva). Uma terceira tendência aponta para a substituição de formas informais de negociação coletiva por modalidades mais formais e legalmente organizadas.13 13 Treu et al. (1987, pp. 13-14) apontavam esta tendência.

A quase totalidade dos países da OCDE negocia com seus servidores públicos e/ou pratica alguma forma de consulta ou negociação coletiva institucionalizada para a determinação das condições de trabalho e remuneração. O Quadro 1 sumaria as principais características das relações de trabalho no setor público destes países.


Em contraposição, na maioria dos países em desenvolvimento e/ou emergentes ainda prevalece a doutrina da determinação unilateral pelo Estado (cf. Brito Filho, 1996, pp. 25-29; Yemin, 1993).

Paralela ao processo de instituição da negociação coletiva, a tendência geral tem sido também o fim das restrições impeditivas da organização sindical no setor público. É importante notar, porém, que a institucionalização da negociação coletiva e o reconhecimento legal das entidades sindicais dos servidores público são duas questões distintas e, em certa medida, independentes. Como aponta Yemin (1993, p. 479):

O reconhecimento das organizações de empregados públicos para propósitos de negociação coletiva é bastante diferente do reconhecimento da legalidade de tais organizações. Um Estado pode reconhecer a existência legal de sindicatos de empregados públicos sem aceitar negociar com eles, e muitos países (particularmente no mundo em desenvolvimento) estão nesta posição.

Embora a adoção da negociação coletiva implique o reconhecimento das associações sindicais dos servidores públicos, a legalização e o reconhecimento dessas associações não supõe a adoção e/ou institucionalização de uma política de negociação ou consulta. Na verdade, esta é a situação no Brasil, onde há o reconhecimento legal das associações e sindicatos dos servidores públicos sem que exista uma política que institucionalize as relações entre o governo e essas organizações. Como diversas análises apontam, esse pode ser o pior dos mundos, já que proliferam EAs mas sua atuação, papel e formas de relacionamento e interação com o Estado não são regulamentadas.

A negociação coletiva no setor público é, em geral, mais limitada em escopo e sua regulação muito mais detalhada que aquela observada no setor privado.14 14 Um detalhamento dessas regulamentações é feito por Treu et al. (1987). Mas, fundamentalmente, sua adoção, por mais restrita que seja, institucionaliza canais e procedimentos de negociação, aumentando a previsibilidade nas relações entre governos e sindicatos e diminuindo a margem de arbítrio exercido por esses atores. Essa institucionalização adquire uma importância central nas relações de trabalho no setor público devido à natureza multilateral das negociações coletivas neste setor. Nas palavras de Kochan (1988, p. 145):

Uma negociação multilateral é definida como um processo de negociação envolvendo mais de dois atores distintos, de tal maneira que não existe uma clara dicotomia entre as organizações de empregados e de administradores. Na linguagem da teoria dos jogos, os conceitos de negociação bilateral e multilateral correspondem, respectivamente, aos jogos com dois atores e com n-atores.

Esta característica, decorrente principalmente, mas não de forma exclusiva, da divisão de poderes no Estado, imprime lógica própria às negociações trabalhistas no setor público e determina estratégias de negociação diversas das que prevalecem na estrutura bilateral do setor privado.15 15 Embora se possa argumentar que, com o recurso à Justiça do Trabalho, a lógica bilateral não tem sido historicamente dominante no Brasil. Mudanças recentes, no entanto, apontam na direção de sua prevalência. A configuração estrutural permite e, na verdade, incentiva os atores envolvidos a evadir os termos da negociação direta e buscar alianças com outras forças políticas não diretamente envolvidas nas negociações. Do lado sindical, há uma constante busca de apoio e influência sobre o Legislativo para impor decisões e/ou mudar decisões tomadas no Executivo. Os negociadores do lado governamental podem sempre apelar para um poder decisório superior ao seu e para a transferência de responsabilidade nas decisões. Essa condição estrutural torna ainda mais premente a institucionalização de canais e procedimentos de negociação, com o intuito de tornar mais previsíveis as negociações trabalhistas no setor público.

A avaliação dos custos e benefícios da institucionalização da negociação no setor público deve considerar tanto os impactos diretamente econômicos (salários), como dimensões não diretamente relacionadas aos salários, tais como produtividade, qualidade dos serviços, influência sobre o processo político, custos do conflito (greves, paralisações etc.). As análises dos efeitos da adoção da negociação coletiva no setor público infelizmente não são conclusivas para a maioria das dimensões apontadas acima. Apenas no caso do que pode ser chamado de "custos do conflito" as análises apontam uma conclusão mais segura, qual seja: a adoção de uma política institucionalizada de negociação diminui o número e a duração das greves. No que concerne a esses custos, como salientam alguns autores, "a pior política é não ter nenhuma política" (the worst policy is no policy at all) (Currie e McConnell, 1994).

Quanto aos impactos políticos, algumas análises salientam que a institucionalização da negociação coletiva no setor público ameaçaria a democracia ao propiciar um canal privilegiado de acesso ao Estado para um grupo de interesse particular, isto é, os sindicatos dos servidores públicos. Dificilmente, argumentam os autores, haveria a formação de outros grupos de interesse fortes o suficiente para contrabalançar os sindicatos de servidores públicos, o que faria com que os governantes não pudessem resistir às pressões por aumentos salariais (cf. Summers, 1980; Cohen, 1980). Outras análises, no entanto, sustentam que a adoção da negociação coletiva no setor público tornaria mais transparentes os acordos que muitas vezes têm lugar informalmente entre o governo e seus servidores, permitindo maior controle social e um exercício mais racional do Estado em seu papel de empregador. Nessa visão, outros grupos (consumidores, pais de alunos, usuários do sistema de saúde etc.) poderiam e deveriam ser representados na negociação, contrabalançando o peso dos sindicatos e até mesmo fortalecendo o processo democrático (cf. Cohen, 1980). Prima facie, a negociação coletiva pode ter estes dois impactos. A impossibilidade de determinar qual deles prevalece é menos uma questão teórica que empírica, isto é, é necessário a realização de mais pesquisas para se determinar as condições sob as quais um ou outro resultado tem lugar.

Com relação aos impactos diretamente econômicos, pode-se dizer que as previsões correntes nas décadas de 60 e 70 de que os governantes não teriam como resistir às pressões por aumentos salariais, uma vez legalizada a ação sindical no serviço público, não se materializaram. Na verdade, seja no plano local, seja no plano nacional, as pressões por aumentos salariais não redundaram imediatamente em aumentos reais, o que demonstra que há várias formas de os governos se defenderem destas pressões. Não há, portanto, evidências de que a atividade sindical e a negociação coletiva aumentem os gastos públicos. Estudos que avaliam os efeitos da negociação e da ação sindical sobre a qualidade dos serviços também concluem que não há uma causalidade única, isto é, não há, teoricamente, razões para se esperar que a institucionalização das entidades sindicais e a adoção da negociação coletiva influenciem positiva ou negativamente as diversas dimensões da gestão dos serviços públicos. As respostas para essas questões são de natureza empírica e têm de ser avaliadas caso a caso. A única exceção a essa conclusão é o impacto da adoção de políticas de negociação e reconhecimento das entidades sindicais do serviço público sobre o conflito trabalhista no setor: quando a negociação é institucionalizada, há uma diminuição da duração e do número de greves.

Os mecanismos de resolução de conflito são fundamentais na caracterização das formas e dos processos que determinam as relações de trabalho no setor público. Nos países em que os servidores públicos são regidos por estatuto legal, os conflitos individuais e coletivos são resolvidos por processo administrativo, no primeiro caso, e por decreto legal, no segundo. Processos administrativos são morosos e custosos. A determinação legal dos conflitos coletivos acentua a natureza política das relações trabalhistas no setor público, aumentando enormemente o peso das disputas para os atores envolvidos. Portanto, há razões para a busca de alternativas não estatutárias para a regulação do conflito trabalhista no setor público.

Os principais mecanismos de resolução de conflito trabalhista são a mediação e a arbitragem (compulsória ou não). Existem diversas formas de atualização desses mecanismos, e acredito que não é necessário fazer aqui uma discussão detalhada de seus efeitos e impactos. Para o propósito deste artigo, deve ser salientado que as principais diferenças nos resultados são explicadas pela institucionalização de (alguns) mecanismos de resolução de conflito e pela sua inexistência. O principal ganho com a adoção de políticas claras e bem definidas de resolução de conflito é a diminuição de greves e paralisações como instrumento de pressão para a solução de conflitos. Conforme salienta Córdova (1985, p. 169), "deficiências na máquina de consulta e negociação [caracterizam as relações de trabalho no setor público em diversos países] [ ] organizações não são consultadas sobre importantes decisões acerca dos termos e condições de trabalho e não têm outra forma de expressar suas opiniões a não ser através de greves".Portanto, a existência de formas institucionalizadas de negociação entre o governo e seus servidores contribui para que as greves sejam menos freqüentes e menos duradouras (cf. Partridge, 1992; Currie e McConnell, 1994).

O grau de centralização e de descentralização das negociações pode ser um fator importante na determinação dos resultados da negociação entre governo e sindicatos. Teoricamente, espera-se que uma maior centralização das negociações facilite a coordenação entre os diversos atores e a implementação das decisões alcançadas. Do ponto de vista das EAs, a centralização aumenta sua força de barganha ao evitar os efeitos da fragmentação de interesses em diversas negociações isoladas. Do ponto de vista do governo, a existência de um interlocutor com representação abrangente favorece a implementação dos resultados e sua própria negociação, embora aumente a força e a unidade dos servidores. Inversamente, a descentralização dificultaria a coordenação necessária para a obtenção de êxitos sindicais e governamentais.

Não há muitos estudos focalizando o impacto do grau de centralização das negociações sobre objetivos e dimensões da negociação trabalhista e da gestão de pessoal no setor público. O principal deles é o da OCDE, já referido acima, sobre remuneração no setor público. Este estudo conclui que países com sistema de determinação de remuneração descentralizado têm experimentado um crescimento menor da folha de pagamentos que os países que têm um sistema centralizado. Na verdade, a organização deste sistema tem até mesmo um efeito sobre a folha de pagamentos que é um pouco maior do que o próprio volume do emprego público (OECD, 1997, pp. 106-107).

O nível de sindicalização é um elemento importante na configuração das relações de trabalho no setor público. A densidade sindical (percentagem de filiados em relação ao total da categoria ou setor) é um indicador da representatividade dos sindicatos e de sua força política. Quanto maior a densidade, maior a representatividade e, ceteris paribus, a força política dos sindicatos. A taxa de sindicalização no setor público é, em todos os países, maior que a do setor privado. A Tabela 1 apresenta esta informação para países selecionados.

Tabela 1
Taxa de sindicalização em países selecionados17 17 O número entre parênteses é a taxa de cobertura dos acordos coletivos para os setores público e privado.

Ao lado da taxa de sindicalização, é importante atentar para a natureza da militância do movimento associativo no setor público. É claro que há importantes variações nacionais a esse respeito, mas é possível discernir uma tendência geral, presente em quase todos os países. As elevadas taxas de sindicalização apontadas acima são produto de desenvolvimentos recentes, nas décadas de 60 e 70. Neste período, as organizações sindicais do setor público não apenas começaram a se multiplicar, como também sofreram uma grande mudança na sua forma de atuação. De um modo geral, as EAs dos servidores públicos começaram a adquirir um caráter mais reivindicativo e a enfatizar mais a atividade "sindical", abandonando sua tradicional forma de atuação baseada na ajuda mútua, no assistencialismo e na recreação.

A principal razão apontada para o aumento do grau de organização sindical do setor público é o enorme crescimento dos serviços e empregos públicos nos últimos 50 anos. Isto se deve ao enfrentamento de problemas sociais que aumentam a intervenção e a amplitude da ação governamental, com o conseqüente aumento de demanda da população por serviços gratuitos, e à propensão da sociedade, no pós-guerra, de conceder ao Estado maior papel de intervenção na economia. De fato, como observa Kochan ao analisar o caso americano, a primeira onda de negociações coletivas no setor público está relacionada com e condicionada (favoravelmente para os servidores públicos) pelo aumento do Estado (cf. Lewin et al., 1988).16 16 Esta observação refere-se ao instituto da negociação coletiva nos EUA, mas certamente pode ser estendida para dar conta de outras formas de interação e negociação entre os Estados e as EAs. Alguma importância é atribuída também ao fenômeno da burocratização, com a padronização das tarefas e a racionalização da carreira. Para Nisbet, por exemplo, a racionalização e a burocratização enfraquecem o clientelismo e o protecionismo que, em todos os países, haviam caracterizado o serviço público, abrindo caminho para a atuação sindical. Os sindicatos transformam-se no substituto funcional do sistema de patronato que já não mais garante segurança e proteção aos funcionários (Nisbet, 1976).

O aumento da militância e a mudança de caráter das associações dos servidores públicos18 18 Beumont (1992, p. 51) usa o termo " unionateness" para descrever a aquisição, pelas EAS dos servidores públicos, de um cárater cada vez mais sindical. têm sido, de uma forma geral, atribuídos a reações dos sindicatos à gradativa perda de status de diversas funções do Estado, particularmente em vista de processos de ajuste e restrições fiscais, desde o início da década de 80.19 19 Lewin et al. (1988) chamam a atenção para uma "segunda onda" de negociações coletivas que tem na restrição fiscal seu principal elemento enquadrador. Este ponto também é levantado por Treu et al. (1987), Córdova (1985) e Yemin (1993). Outros fatores, tais como a complacência dos gerentes públicos e políticos com os movimentos dos funcionários, dinâmicas do movimento social urbano, a situação trabalhista mais protegida dos funcionários públicos e o enfraquecimento da teoria da soberania unilateral do Estado na determinação das condições de trabalho, também têm sido apontados como fatores explicativos dessas mudanças (cf. Freeman e Ichniowski, 1988; Wellington e Winter Jr., 1971; Troy, 1994; Toledano, 1975; Boehm e Heldman, 1982; Levitan e Noden, 1983).

A criação e a metamorfose das associações dos servidores públicos são muito bem ilustradas por alguns estudos de caso de organizações específicas. Um aspecto que chama a atenção quando observamos sindicatos específicos20 20 Exemplos destes estudos são Roth (1987), Smith (1993) e Taylor (1984). é que, se todas as razões estruturais apontadas acima são necessárias para explicar o boom de organização no agregado, elas não são suficientes para dar conta do processo de metamorfose por que passam essas associações. O papel de "empreendedores" sociais ou sindicais é fundamental para se ter uma compreensão mais precisa deste processo. Portanto, é necessário ir além das tendências gerais e conhecer os fatores específicos que determinam a natureza da militância em cada caso.

O aumento da militância e seu caráter aguerrido podem ser aferidos pela tendência universal de aumento das greves no setor público nos anos 80 e 90 (cf. Córdova, 1985). A mudança de valores dos servidores públicos e a gradual erosão das vantagens trabalhistas do serviço público, especialmente no período mais recente, são as principais razões apontadas para esse aumento no número de greves (cf. Partridge, 1994). As reações às reformas administrativas são, portanto, importantes elementos na explicação do crescimento das greves. As estratégias dos atores sociais em face dessas reformas é analisada a seguir.

Reforma do Estado e estratégias de negociação: condições para a emergência de cooperação

Nos anos recentes, tem-se notado um acentuado aumento das greves no setor público nos países europeus em resposta às tentativas de reforma do setor (Beaumont, 1996). Ferner sugere que apesar de o conflito ser inerente ao processo de reforma, sua condução com fervor ideológico aumenta a taxa de conflito com os setores trabalhistas (apud Beaumont, 1996, p. 301). Na opinião deste autor e de Beaumont, a Grã-Bretanha é um caso excepcional de reforma no contexto europeu pois, neste país, a reforma do Estado foi um projeto ideologicamente impulsionado e, conseqüentemente, a taxa de conflito com os sindicatos foi maior que em outros países da Europa, onde "[ ] a modernização do Estado tem sido pragmática, gradualista, e obtida com a participação do trabalho e não contra ele. Em geral, este processo tem lugar concomitantemente à consolidação de instituições pluralistas de relações de trabalho dentro do Estado." (idem).

No entanto, com já notei anteriormente, não se encontram análises detalhadas sobre a participação dos sindicatos dos funcionários públicos nos processos de negociação das reformas administrativas e as razões que determinaram o sucesso destas negociações.

Defino sucesso como a implementacão dos objetivos e metas da reforma administrativa — maior eficiência e menor custo na gestão pública — e a emergência de um processo de negociação e/ou cooperação institucionalizado. Esses dois componentes do sucesso estão relacionados pois, com já argumentei, sucesso nos resultados implica determinadas formas de interação. Inversamente, o fracasso seria caracterizado pela imposição unilateral de políticas e a quebra de processos de negociação, que podem tanto elevar a taxa aberta de conflito trabalhista como criar situações que impossibilitem qualquer interlocução entre os atores.21 21 Seguindo o Federal Quality Institute do governo norte-americano, entendo sucesso, neste caso, não como a obtenção de resultados particulares, mas como o estabelecimento de uma relação institucionalizada e/ou formas de resolução de conflito institucionalizadas. " Success in this area of activity [labor relations practice] is usually measured by the parties as a change in attitude and practices, a spirit of adventure, and the development of confidence that many, if not most, problems are resolvable over time." (Federal Quality Institute, 1994, p. 6).

De uma forma geral, os trabalhos que analisam os sindicatos e a reforma administrativa consideram esta reforma como um dado, isto é, a estudam apenas a partir da sua promulgação. Alguns trabalhos adotam o ponto de vista dos sindicatos e se concentram nos desafios que as reformas apresentam para estas organizações e suas respostas a esses desafios. Fairbrother (1994) e Miller (1996), por exemplo, analisam a reação dos sindicatos ingleses à reforma. No contexto deste artigo, não interessa entrar em detalhes sobre esse tipo de análise, já que não é o foco central de preocupação.

Meu interesse maior reside nas análises que focalizam as interações entre administradores públicos e sindicatos, em processos de efetiva reforma e/ou transformação institucional, isto é, pós-promulgação da reforma. Nesta análise, é necessário levar em conta as estratégias e ações dos políticos e administradores públicos, por um lado, e das entidades sindicais, por outro; não se pode analisar isoladamente a ação de cada um desses atores. Com esse pressuposto, sistematizo a seguir as estratégias dos atores e seus impactos esperados.

Conforme sugerem Belman et al. (1996), do ponto de vista do governo há duas grandes estratégias: uma centrada no corte de custo, enfatizando a redução de custo via dispensa de funcionários, privatização e terceirização, e outra que enfatiza o trabalho como recurso, um ativo que pode ser mobilizado e envolvido no processo e nas decisões de cortar os custos. Se a opção for a segunda estratégia, ainda há a questão da conveniência de se buscar a participação dos sindicatos nas negociações ou de tentar neutralizá-los/isolá-los pela adoção de técnicas gerenciais "participativas", que buscam fomentar a adesão individual dos trabalhadores, em detrimento de suas representações coletivas. Já foi crença corrente — baseada em análises do setor privado — que locais de trabalho sindicalizados, ou a atuação dos sindicatos nos locais de trabalho, dificultavam a administração de recursos humanos adequada aos novos modelos produtivos: produção mais flexível, trabalho em time, envolvimento dos trabalhadores etc. No entanto, nas análises mais recentes prevalece a visão de que a inclusão dos sindicatos nos processos de reestruturação administrativa e gerencial das empresas tem conseqüências benéficas para os objetivos gerenciais, tanto no setor público como no privado (cf. Nissen, 1997).

Do ponto de vista dos sindicatos, a decisão estratégica é: ou seguir uma rota mais cooperativa, ou persistir no padrão tradicional, mais conflituoso. Em ambos os casos, os sindicatos tentarão influenciar o processo político visando obter maiores benefícios. Isso é da própria natureza multilateral das relações trabalhistas no setor público. Vários fatores interferem na determinação da rota que uma organização sindical seguirá. O setor e/ou a área têm uma grande influência. Setores com maior poder de pressão — que prestam serviços essenciais e que não possuem substituto no privado — têm incentivos para adotar um padrão mais conflituoso com vistas a capitalizar o poder que sua posição no aparelho de Estado lhe confere. O impacto da reforma sobre o setor é também uma variável importante. É de se esperar que setores que seriam fortalecidos pela reforma adotem uma posição mais cooperativa, enquanto aqueles que seriam enfraquecidos (diminuição de quadros, terceirização de suas funções) assumam uma postura mais conflitante. A história da mobilização sindical e o processo de construção e formação dos sindicatos são também fatores importantes e fornecem elementos-chave para a compreensão da ideologia sindical e das alianças estabelecidas. Por fim, há, obviamente, a estratégia adotada pelo governo para promover a reforma. Em uma interação, sempre se responde às ações dos outros atores.

Os estudos empíricos que examinaram a emergência de cooperação entre políticos, administradores e sindicatos de servidores públicos visando à reforma de agências públicas ilustram a importância dos fatores apresentados acima nos processos de negociação. Os principais trabalhos nesse sentido são: Federal Quality Institute (1994), Farquhar (1996), Verma e Cutcher-Gershenfeld (1996) e Suntrup e Barnum (1997). Essas análises são unânimes em apontar duas ordens de fatores como fundamentais para o sucesso da transformação institucional de organizações do setor público e para a emergência de cooperação entre administradores públicos e sindicatos22 22 Aponto apenas as condições políticas e administrativas/institucionais de natureza geral — em contraposição aos passos/medidas específicas que podem facilitar a emergência da cooperação, tais como objetividade (atacar um problema de cada vez e identificá-lo precisamente), paciência (é um processo longo que não tem lugar por um fiat), escolher uma área inicial de teste para cooperação na qual o sucesso seja mais provável e ir expandido para áreas mais difíceis gradualmente; treinamento em técnicas de negociação. (condição necessária, embora não suficiente para o sucesso da transformação institucional): as condições institucionais e fatores políticos.

Dentre as condições institucionais favoráveis os autores destacam: (a) a criação de novas estruturas organizacionais, em combinação com novos processos decisórios, estruturas que complementem as já existentes e que envolvam o sindicato nas decisões (union-management committees); e (b) a provisão de meios de sustentação para as novas estruturas e instituições: recursos financeiros, treinamento para negociação, troca ampla e franca de informações. Essas condições são fundamentais para a continuidade da interlocução e para a construção de confiança entre os atores. Cooperação depende de confiança e sua construção é demorada e requer um processo de negociação continuado, que persista mesmo após alguns fracassos iniciais. Por isso, a decisão pela cooperação requer algumas atitudes e compromissos políticos dos atores.

Os fatores políticos destacados são: (a) o compromisso formal e público das principais autoridades governamentais e sindicais com a cooperação; o primeiro passo nessa direção é dado, em geral, pela administração governamental;23 23 De acordo com Farquhar (1996, p. 11), " there is a strong argument that the first step has to come from management, as this is where traditional forms of power — finances, resources allocation, business decision making — have rested." (b) a adoção de uma atitude pragmática, não ideológica, nas negociações;24 24 A Inglaterra de Tatcher, por exemplo, é vista como um caso singular, uma vez que havia uma forte carga ideológica do governo contra os sindicatos. Cf. Beaumont (1996). e (c) o entendimento da cooperação como um meio para se atingir um fim, e não um fim em si mesmo.

A existência dessas condições e a adoção desses compromissos e atitudes por si só não garantem nem a realização dos objetivos da reforma, nem a emergência de um processo cooperativo. Mas, sem dúvida, na ausência dessa constelação de condições e fatores o sucesso de transformações institucionais no setor público dificilmente é assegurado. Mais adiante, ao analisarmos um caso de interlocução entre o governo brasileiro e EAs dos servidores públicos, veremos como estes fatores e estas estratégias influenciaram/afetaram as negociações que tiveram lugar.

Organização e padrões das relações de trabalho no setor público federal brasileiro

Esta seção visa caracterizar a organização sindical no setor público brasileiro, com o propósito de apontar suas especificidades e seus traços comuns vis-à-vis outros países e tendências gerais examinadas na seção anterior.

Não há legislação específica regulando as negociações entre o Estado e seus servidores no Brasil. As relações de trabalho no setor público federal — com exceção das empresas públicas — são estatutárias, isto é, há uma adesão dos funcionários à lei que regulamenta o serviço público e não uma contratação coletiva entre os sindicatos e o Estado. Não existe regulamentação de mecanismos para resolução de disputas, seja individuais, seja coletivas.25 25 Sobre a legislação brasileira veja Brito Filho (1996). Essas disputas são resolvidas por processos administrativos e pela promulgação unilateral de leis e decretos pelo governo. Ainda prevalece na lei, embora mitigada na prática, a teoria da determinação unilateral pelo Estado das condições de trabalho e remuneração no setor público.

De acordo com determinação constitucional, a existência e a legitimidade dos sindicatos e associações dos servidores públicos são reconhecidas.26 26 Inclusive, o Regime Jurídico Único facilita seu financiamento, possibilitando o desconto em folha das taxas de filiação. No entanto, não há nenhuma norma legal obrigando o governo a negociar com as EAs do setor público, diferentemente da regra existente no setor privado. Há, portanto, o direito à associação sindical, sem a garantia da negociação coletiva. O direito de greve — também uma garantia constitucional — foi considerado pelas cortes superiores um direito de eficácia contida, ou seja, não produz efeitos enquanto não for regulamentado. Segundo consta, esse direito até hoje (outubro de 1999) ainda não foi regulamentado. Na prática, porém, como em muitos outros países, o governo federal tem negociado com as EAs dos servidores públicos, seja porque é forçado a isso por pressão política, seja por iniciativa própria. As EAs também têm liderado greves, independentemente do entendimento legal permitir definir a priori todas as greves do setor público como ilegais. É evidente que a questão é antes política que legal. Essa situação, porém, denota o baixo grau de institucionalização das relações trabalhistas no setor público brasileiro e a decorrente imprevisibilidade que caracteriza essas relações. Quando haverá negociação? Qual o escopo da negociação, isto é, que pontos podem ser negociados? Por um lado, essa situação aumenta a margem de arbítrio dos administradores públicos e permite que suas atitudes perante os servidores públicos e suas EAs dependam de seus interesses políticos e da constelação de alianças que os sustenta. Por outro lado, essa indeterminação faz com que diferentes setores do funcionalismo público tenham tratamento diferenciado, dependendo de sua força no aparelho do Estado (ocupações estratégicas versus outras), apesar de o estatuto que rege a todos ser o mesmo. Sem dúvida, essa indeterminação legal e a clara disjunção entre o fato e a norma tornam as relações de trabalho no setor público bastante instáveis.

Do ponto de vista econômico, as duas últimas décadas têm sido marcadas pela persistente crise do Estado brasileiro: crise financeira, crise econômica e crise fiscal. Esse contexto de múltiplas crises limita e condiciona as estratégias dos atores. Por um lado, os governos têm buscado enfatizar a necessidade do equilíbrio fiscal e do ajuste das contas públicas, com reflexos imediatos nas políticas de pessoal e salarial do setor público. Por outro lado, as EAs se esforçam para manter os níveis de emprego e salário. Sem dúvida, esse contexto não favorece a construção de uma relação cooperativa entre os atores. De certa forma, sua estrutura é a de um jogo de soma zero, em que para que um dos jogadores atinja seus objetivos o outro tem de perder. Não é claro se todo processo de reforma administrativa implica essa estrutura de soma zero. No entanto, no Brasil essa não só tem sido a percepção generalizada, tanto no governo como nos setores sindicais, como também vem sendo reforçada pelos dados que demonstram que o número de servidores do Estado tem diminuído nos últimos dez anos.

É evidente que essa diminuição do quantitativo de servidores públicos, como meta da reforma, impõe uma estrutura de soma zero. A consecução de um objetivo do governo — a diminuição do custo com folha de pagamentos buscada pela diminuição do número de funcionários — implica uma perda de base para os sindicatos.

Do ponto de vista político, as interações entre o governo e as EAs dos servidores públicos nas últimas duas décadas têm tido lugar no contexto da redemocratização do país, da transição para a democracia e de sua consolidação. Esse contexto interfere duplamente sobre essas relações. Por um lado, os governos têm buscado estabelecer uma nova institucionalização e legitimidade. A política para os funcionários públicos é parte desse processo e variou de uma condescendência populista (característica dos tempos de alta inflação) a uma política de "terra arrasada", como a do governo Collor. Por outro lado, a própria construção da identidade das EAs dos servidores públicos se politiza fortemente. Isso ocorre já na origem da constituição da maior parte dessas entidades, quando a luta específica por salários e a melhoria das condições de trabalho adquiria uma conotação política, no sentido mais amplo de luta pela democracia, e não apenas no sentido mais restrito especificado anteriormente. Existe também a necessidade de as novas lideranças sindicais se diferenciarem dos antigos representantes associativos, que adotavam uma postura menos reivindicativa e combativa de interação com o governo.27 27 Para uma discussão dos dilemas do sindicalismo do setor público na criação de uma identidade própria, veja Almeida (1996). Esta conjuntura política marca fortemente a identidade das EAs dos servidores públicos, especialmente dos sindicatos, que apenas após 1988 podem se constituir legalmente.

O fato de o sindicalismo no serviço público brasileiro contemporâneo ter se constituído na confluência de conjunturas difíceis, isto é, ter surgido no contexto da transição para a democracia no país, que por sua vez ocorre em um momento de acentuada crise fiscal e financeira do Estado, sem dúvida determina um caráter mais militante a esses sindicatos. Ao mesmo tempo, essa situação impõe um foco nos interesses particulares, corporativos das categorias, na tentativa de manter as condições anteriores à crise econômica, e fornece uma acentuada conotação política aos movimentos sindicais ao inseri-los na luta pela democracia.

É nesse contexto político e econômico que o sindicalismo do setor público brasileiro surge e se transforma, de um movimento associativo, mutualista, em movimento sindical, reivindicativo. Há poucas referências às razões específicas do surgimento e das transformações nas formas de atuação dos sindicatos e associações de servidores públicos. As razões gerais apontadas acima para explicar este movimento em outros contextos nacionais também são arroladas para o caso brasileiro. Rodrigues (1992) e Nogueira (1998), por exemplo, entendem o sindicalismo no setor público como parte do movimento mais amplo de organização e mobilização da classe média no Brasil, sem atentarem para suas especificidades.28 28 Guedes (1994) e Fundap (1993) também tratam do surgimento de entidades sindicais no setor público, mas não elaboram muito o tema. No caso brasileiro, não foi possível encontrar nenhum estudo mais detalhado sobre casos de construção institucional de sindicatos do setor público, sem dúvida uma importante lacuna na literatura.

O caráter militante do sindicalismo do setor público pode se aferido pela alta ocorrência de greves na década de 80. Estudos sobre as greves no serviço público preocupam-se em "contabilizar" sua ocorrência, duração e o grau de adesão dos funcionários (ver Noronha, 1994; Nogueira, 1998). Há, no entanto, sugestões de que a longa duração das greves, uma característica do movimento sindical dos servidores públicos brasileiros, está relacionada à inexistência de um canal institucionalizado de negociações, o que, entre outras conseqüências, faz com que o movimento adquira uma dimensão política maior que a de um conflito trabalhista no setor público.

A estrutura organizacional da representação sindical no setor público é outro fator que condiciona a atuação das EAs. A análise desta estrutura e das conseqüências daí advindas foge ao propósito central deste artigo. Por isso, apresento apenas as informações relativas à taxa de sindicalização e ao volume de recursos das EAs, características que mais imediatamente influenciam a atuação dessas entidades.29 29 Embora o tamanho dos sindicatos, sua abrangência territorial, a taxa de sindicalização por órgãos da administração e outras informações sejam relevantes, não há espaço neste artigo para uma análise mais detalhada destas características das EAs. Esses dados foram publicados em Cheibub e Locke (1999).

As EAs podem ser divididas em três categorias. Primeiro estão agrupadas as associações. Do ponto de vista legal, o que diferencia estas organizações dos sindicatos é que os últimos têm o direito de representação judicial de seus filiados. A prática política de muitas associações assemelha-se à de sindicatos, isto é, focaliza reivindicações trabalhistas, embora uma atuação assistencialista, mutualista e recreativa ainda pareça ser forte nessas entidades.30 30 Isso é opinião corrente tanto entre os entrevistados como na escassa literatura existente. No entanto, não conheço estudos sistemáticos que fundamentem essa percepção. O rótulo "sindicatos setoriais ou de categorias" engloba sindicatos que representam setores ou áreas da administração federal (por exemplo, trabalhadores da previdência, trabalhadores da saúde) e categorias profissionais específicas (por exemplo, técnicos do Tesouro Nacional, fiscais do trabalho). Finalmente, os "sindicatos gerais" procuram representar todos os servidores públicos federais, sem distinção de área/setor ou categoria.

Em setembro de 1998 havia 518.870 servidores públicos civis ativos no Executivo federal e 401.875 filiados a algum tipo de EA, resultando em uma taxa de sindicalização (incluindo sindicatos e associações) da ordem de 77,5%. Neste mesmo mês, havia 392.228 servidores aposentados e 283.995 filiados a alguma EA, significando uma taxa de sindicalização de 72,4%. Pode-se dizer que o Brasil apresenta uma taxa de sindicalização no setor público muito semelhante àquela apresentada por países desenvolvidos (cf. Belman et al., 1996, p. 62). No entanto, não foi possível obter dados comparativos para outros países desagregando a informação pelas categorias de funcionários ativos e aposentados. As Tabelas 3, 4 e 5 apresentam informações sobre o número de filiados a sindicatos e associações.31 31 As informações das tabelas que se seguem foram obtidas na Secretaria de Recursos Humanos do extinto Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) e se referem ao mês de setembro de 1999.

O financiamento das EAs no setor público, ao contrário do que ocorre no setor privado, é feito principalmente com contribuições voluntárias de seus filiados. Estas contribuições são, na quase tota-lidade dos casos, descontadas em folha de pagamento. As Tabelas 6 e 7 mostram informações acer-ca dos recursos das EAs do setor público federal.

A Tabela 7 apresenta a arrecadação per capita das EAs. Esse dado é interessante na medida em que serve de proxis para a faixa salarial dos funcionários, representada por cada tipo de sindicato. Vemos que os "sindicatos gerais" têm uma arrecadação per capita muito menor que as outras EAs, denotando que eles representam funcionários públicos de faixas salariais mais baixas.

A seção que se segue exemplifica os padrões de interação entre EAs e a administração federal, realiza uma prospecção das condições de emergência de uma interação cooperativa, e apresenta dados detalhados sobre as EAs que participaram do estudo de caso examinado.

O FCTE e o MARE: um caso de interlocução fracassado

Em outubro de 1998, em meio a uma preocupante crise econômica, o governo federal encaminhou ao Congresso Nacional um conjunto de projetos de lei aprofundando o ajuste fiscal e regulamentando pontos da Emenda Constitucional no 19, da reforma administrativa, aprovada em junho do mesmo ano. Entre esses projetos, um disciplinava o emprego público, determinando que a grande maioria dos servidores seria regida pela CLT. O projeto de lei excetuava apenas umas poucas categorias, consideradas típicas e exclusivas do Estado, que continuariam sendo regidas pelo regime estatutário, isto é, pela Lei no 8.112, de 1990.32 32 "I - Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional e Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União; II – Procurador e Advogado dos órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União; III – Defensor Público da União; IV – Policial Federal, Policial Rodoviário e Policial Ferroviário Federal." A definição das carreiras típicas e exclusivas do Estado vinha sendo objeto de negociação entre o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) e um grupo de EAs que constituíram o Fórum das Carreiras Típicas de Estado (FCTE). Na verdade, o FCTE foi a única representação dos servidores públicos com que o governo estabeleceu conversações durante a reforma administrativa. O envio desse projeto ao Congresso, no entanto, não foi o resultado dessas conversações, nem tampouco uma determinação do MARE.33 33 De acordo com as entrevistas realizadas, o projeto foi gestado na Casa Civil, sem participação direta do MARE. Até o momento (outubro de 1999) a lei ainda não foi votada. Permanece, portanto, indefinida a caracterização das carreiras típicas e exclusivas do Estado e não se podia saber, no momento em que este artigo estava sendo escrito, o resultado final desta questão. No entanto, por razões que mostrarei abaixo, este episódio, independentemente de seu desfecho, ilustra bem as relações trabalhistas no setor público federal e as interações entre governo e EAs dos servidores públicos.

Nesta seção, analiso as negociações entre o FCTE e o MARE em torno das propostas de reforma do Estado. A escolha deste caso justifica-se pois, além de ter sido esta a única instância de negociação relativamente formal entre o governo e as EAs dos servidores públicos,34 34 Diniz e Boschi (s/d.), por exemplo, consideram que o governo excluiu totalmente as EAs do processo de reforma. o Fórum é também metodologicamente adequado aos propósitos deste trabalho. Poder-se-ia, de antemão, esperar que dessa interação surgisse uma relação de cooperação entre os atores envolvidos, uma vez que o FCTE é composto basicamente por carreiras da elite do serviço público que, na proposta de reforma administrativa do governo, deveriam ser beneficiadas e fortalecidas. Mesmo nesse caso, porém, a cooperação construtiva entre governo e as EAs não avançou muito. Ao analisar esse resultado, cabe indagar se ele é fruto de fatores idiossincráticos e/ou ocasionais ou se, inversamente, é possível discernir razões de ordem estrutural e/ou sistemática que o explicariam. Como já adiantei na introdução, o fracasso dessas conversações pode ser explicado pela baixa institucionalização dos canais de interação entre governo e EAs e por processos político-organizacionais que caracterizam a dinâmica interna tanto dos atores governamentais como dos associativos. Portanto, a compreensão deste resultado tem de levar em conta fatores institucionais e organizacionais, e não apenas características particulares dos atores ou mesmo do governo Fernando Henrique Cardoso.

Com o propósito de desenvolver e ilustrar esse argumento, inicio esta seção caracterizando os atores envolvidos nas conversações, isto é, o FCTE e as entidades que o compõem, por um lado, e o MARE, por outro. Em seguida, faço um histórico das negociações e de seu desenrolar, ressaltando os principais itens em discussão, seus objetivos e a disposição dos atores no processo interativo. Finalmente, analiso os resultados das conversações e as razões que os explicam.

Antes de mais nada, é necessário chamar a atenção para o fato de que o caso estudado ocorreu ainda na fase da negociação para a promulgação da reforma, não se referindo a um momento de efetiva transformação institucional pós-mudança legislativa, isto é, de implementação de diretrizes da reforma. Mesmo assim, acredito que sua análise pode nos ajudar a compreender o potencial de cooperação na fase de implementação da reforma e indicar caminhos para sua efetivação. A escassez de estudos sobre as interações entre governo e EAs de seus servidores no Brasil é tão grande que quase nada se sabe, sistematicamente, sobre esta relação. Avançar no conhecimento destas questões já é, em si, acrescentar elementos para aumentar as possibilidades de relacionamento político construtivo entre o governo e seus funcionários. Por isso, embora situada na fase pré-promulgação da reforma, a análise realizada nesta seção contribui para a apreensão de formas e padrões de relacionamento que, certamente, condicionarão as interações futuras.35 35 Ademais, a implementação da reforma administrativa é muito recente e os casos de efetiva transformação institucional ainda são muito incipientes, o que torna impossível um estudo mais sistemático deste processo. Não resta dúvida, porém, que apenas com estudos desta natureza poderemos aprofundar as questões tratadas neste artigo. Certamente, a transformação de órgãos do governo federal em agências executivas e organizações sociais fornecerá excelente material para o tratamento dessas questões.

O Fórum das Carreiras Típicas de Estado foi formalizado em agosto de 1994, com a participação de 11 EAs.36 36 De acordo com algumas entrevistas, o Fórum já vinha se reunindo informalmente há algum tempo, mas não há nenhum registro dessas reuniões. Ao longo do tempo, foi agregando novos membros e, no final de 1997, era composto por 20 EAs. As entidades que formavam o FCTE em dezembro de 1997 estão arroladas no Quadro 2.

Quadro 2
Entidades integrantes do FCTE42 42 A FENAFISP, a FENAPEF e a UNASLAF são federações nacionais que congregam EAs estaduais. Essas três entidades não aparecem nas tabelas que se seguem nesta seção porque as informações não se aplicam a este tipo de entidade federativa. A UNACON fundiu-se com o SINATEFIC, formando uma só diretoria; por isso estas entidades aparecem juntas nas tabelas.

De acordo com o relatório anual de uma de suas entidades fundadoras, o Fórum "objetiva articular as reivindicações comuns das entidades, identificando um interlocutor no governo, e passar a negociar diretamente seus pleitos, tendo em vista a postura da Secretaria da Administração Federal de ter relegado a plano secundário os pleitos destas carreiras ou categorias funcionais".37 37 Relatório de Atividades, ANFIP, 1994.

De fato, a política salarial praticada pelo governo Itamar Franco para os servidores públicos, bem como os investimentos realizados no setor público por esta administração, não diferenciavam as diversas atividades do Estado. O governo federal, na verdade, privilegiava as EAs de caráter geral no processo de negociação com seus funcionários.38 38 Em algumas entrevistas fica claro que o ministro Romildo Caim gozava de prestígio junto a entidades sindicais, especialmente sindicatos gerais. Parece que a estratégia do governo Itamar Franco era isolar os funcionários da elite do serviço público e atender os desvalidos, fazendo aliança com os funcionários do PCC, o setor público mais numeroso e mais mal remunerado. O FCTE, portanto, foi criado ressaltando as diferenças entre as atividades de seus representados vis-à-vis os demais setores do serviço público e com o objetivo de defender os interesses específicos das carreiras típicas do Estado.39 39 A propósito, o primeiro instrumento legislativo a tratar das carreiras típicas de Estado data de 1974 e enumera as áreas em que os servidores públicos, devido à natureza das funções executadas, deveriam ser regidos por um regime estatutário próprio e gozar da garantia da estabilidade. Para uma boa discussão e histórico da constituição das carreiras típicas de Estado, veja doc. FCTE, Internet. O primeiro documento do Fórum foi um pedido de audiência com o ministro-chefe da Secretaria da Administração Federal, Romildo Caim, no qual é expressa a preocupação de seus filiados com "o sucateamento que há muito vem ocorrendo em nossas áreas de atuação, acompanhado de grave processo de proletarização, que acarreta a evasão de quadros altamente qualificados e compromete a qualidade dos serviços públicos colocados à disposição da sociedade brasileira."40 40 Doc. FCTE, 18/8/1994.

A importância de ressaltar seus interesses específicos ante os da totalidade dos funcionários públicos é reconhecida nos debates internos do FCTE.41 41 Em ata de reunião realizada em 10 de janeiro de 1995, um integrante do Fórum sugere que "o ministro Bresser falou que o regime estatutário deve prevalecer para as carreiras que cuidam dos interesses do Estado e que é por esse caminho que devemos buscar as melhorias salariais". Veremos, no entanto, que esta posição não foi consistentemente seguida pelo Fórum, que oscilava entre focalizar os interesses das carreiras típicas de Estado e os interesses dos servidores públicos em geral. Esse dilema, fruto da composição do FCTE e de sua política de alianças, torna-se um empecilho à focalização das negociações em pontos específicos de interesse das carreiras típicas de Estado.

Como todo órgão coletivo, a atuação do FCTE depende, em parte, de sua composição e de sua organização interna. Em termos organizacionais, o Fórum nunca se constituiu em uma entidade formal, legalizada, nem tampouco formou diretoria permanente e estruturada para conduzir seus negócios. Contava apenas com uma coordenação colegiada, de onde saía um coordenador com um mandato de quatro meses.43 43 Muitos entrevistados manisfestaram a percepção de que esta estrutura impedia maior continuidade e articulação das ações do Fórum. Estas características, sem dúvida, reduziram as chances de o FCTE obter um elevado grau de organicidade. No entanto, pode-se afirmar que o Fórum adquiriu razoáveis graus de organização e continuidade, reunindo-se com certa freqüência,44 44 Entre 1994 e 1997 o FCTE reuniu-se pelo menos 46 vezes. É provável que esse número seja bem maior, pois não consegui contabilizar a totalidade dos encontros. Todas as reuniões realizadas foram transcritas em atas, que posteriormente eram enviadas a todos os membros. realizando ações coletivas de divulgação (cartilhas, manifestos, seminários etc.)45 45 O Fórum organizou dois seminários e pelo menos três campanhas públicas. e exercendo um (certo) controle sobre seu crescimento mediante um processo de seleção dos novos membros.46 46 A entrada no Fórum dependia da aprovação de seus membros. A decisão era tomada com base no parecer de um dos membros. Há casos de recusas de filiação e de pedidos de mais informações sobre as atividades dos pleiteantes, o que demonstra um certo rigor na admissão.

A composição do FCTE é relevante pois fornece indicadores de sua representatividade e de sua homogeneidade, isto é, da medida em que as entidades afiliadas representam categorias e/ou carreiras efetivamente típicas de Estado. A representatividade é importante para credenciar os dirigentes das EAs junto aos negociadores do governo como interlocutores com capacidade de "falar em nome de seus representados". A homogeneidade, além de ter o mesmo efeito, tem impacto também sobre a capacidade do FCTE de realizar ações coletivas e evitar defecções: quanto mais homogêneo o grupo, mais facilidades teria o Fórum em obter unidade de interesse e de ação para negociar em nome "das carreiras típicas de Estado". A preocupação com a homogeneidade norteou em grande medida a constituição da entidade. Novos membros só eram admitidos após parecer de uma comissão considerando se, de fato, as funções exercidas pela categoria eram típicas de Estado. Ademais, com vistas a evitar sua fragmentação, deliberou-se que apenas entidades nacionais poderiam fazer parte do FCTE.47 47 Ata de reunião, 1/8/1995.

A Tabela 8 fornece informações sobre a composição do FCTE em termos de sua representatividade.

A maior parte das EAs do Fórum tem uma densidade de filiados bastante alta: no conjunto, o FCTE representa 85% dos funcionários das carreiras e/ou categorias que o compõem. Apenas três entidades têm uma taxa de filiação baixa, a saber, ADB, ANPAF e ASOF.48 48 A ADB é a associação que menos participou das reuniões do Fórum no período 1994-1998. Houve até proposta de desfiliação desta entidade, mas decidiu-se por mantê-la no FCTE. Esses dados permitem concluir que o FCTE efetivamente representa os funcionários que pretende representar.49 49 Este fato é reconhecido pelos negociadores do MARE nas entrevistas concedidas. No entanto, ao examinarmos a composição dos filiados (Tabela 9), verificamos que os aposentados têm um grande peso na taxa de filiação das EAs pertencentes ao Fórum: no global, 49% dos filiados são aposentados, e em algumas entidades essa porcentagem chega a mais de 60%.

Essa composição explica, em parte, por que os interesses imediatos dos aposentados, tais como a reforma da previdência, ocupam um lugar central nas preocupações do FCTE. As entidades, ao enfatizarem a defesa desses interesses, estão não apenas buscando garantir o status futuro de seus associados ativos no serviço público (todos serão um dia aposentados), mas também, e principalmente, estão garantindo sua sobrevivência atual, assegurando a manutenção de altas taxas de filiação entre os aposentados. A maior parte da arrecadação das entidades do FCTE (52%) deve-se à contribuição dos aposentados.50 50 Não apresento esta informação por entidade apenas para manter certa discrição acerca das finanças de cada entidade individualmente. Ademais, a contribuição per capita dos aposentados é, na maioria das entidades, superior à dos ativos, isto é, para as entidades, a perda de um filiado aposentado representa um ônus maior que a perda de um funcionário ativo. Várias outras razões podem ser arroladas para explicar o forte interesse do FCTE na reforma da previdência, mas os fatores citados acima com certeza não podem deixar de ser levados em conta em qualquer explicação consistente.

Nesse sentido, o FCTE nunca logrou estabelecer um foco preciso na reforma administrativa, já que seus interesses imediatos também eram afetados por outras questões da agenda de reformas. Esse dilema de representação não facilitava a divisão das questões, de modo a permitir negociações pontuais, e tornava politicamente impossível para o FCTE separar os tópicos da reforma administrativa de outras questões. Nos casos em que os interesses de servidores da ativa conflitassem com os dos aposentados, as EAs presentes no Fórum não tinham condições de tomar posição.51 51 Por exemplo, a posição do governo contrária à concessão de reajustes salariais a todos os servidores públicos respaldava-se muito no fato de que qualquer aumento para os servidores da ativa implica também aumento para os aposentados, o que oneraria excessivamente a folha de pagamentos.

A questão da homogeneidade do FCTE sempre esteve presente nas preocupações de seus dirigentes. Havia, basicamente, duas posições. Um grupo defendia um Fórum bastante depurado, incluindo apenas as carreiras e/ou categorias que exercessem atividades consideradas pela entidade como típicas de Estado. Argumentava que, dessa forma, poder-se-ia obter tanto legitimidade junto ao governo, como certa unidade interna. Os defensores dessa posição, embora com dificuldade política para expressarem-na abertamente, acreditavam que a melhor tática seria a defesa estrita dos interesses da elite do serviço público, corporificada nas carreiras típicas de Estado. A maior dificuldade consistia exatamente em definir quais eram as atividades típicas de Estado. Na verdade, essa definição era um dos itens de negociação, seja no MARE, seja durante a tramitação do projeto de reforma no Congresso. Nesta indefinição baseia-se a posição do segundo grupo, que defendia critérios mais "frouxos" de admissão ao Fórum. Seus integrantes pressupunham que não cabia ao FCTE assumir o papel da lei, definindo as atividades típicas de Estado e excluindo funcionários e entidades que poderiam não apenas se beneficiar das condições diferenciadas que seriam usufruídas pelos que exerciam carreiras típicas de Estado, mas também fortalecer o próprio Fórum ao se juntarem a ele. Ou seja, a visão de que a força do FCTE adviria principalmente de sua homogeneidade e pureza chocava-se com a visão de que quanto mais entidades, melhor. Esse dilema sempre esteve presente nas discussões do FCTE e, em parte, tem impedido a adoção de uma linha de ação mais focalizada nos interesses das "carreiras típicas de Estado".

Do lado do governo, a interlocutora mais freqüente e assídua do FCTE foi a secretária-executiva do MARE, Cláudia Costim. O ministro Luis Carlos Bresser Pereira e diversos outros assessores também participaram, em diferentes momentos, das conversações com as EAs, mas sempre esporadicamente. Não houve, durante todo esse processo, uma agência ou mesmo funcionários que exercessem permanentemente o papel de interlocutores e articuladores entre o Ministério e as EAs dos servidores públicos. De qualquer forma, aproximadamente 15 encontros tiveram lugar entre membros do governo e o FCTE. Segundo vários entrevistados, a estratégia do governo vis-à-vis a representação dos servidores públicos na reforma administrativa foi fazer uma distinção entre as carreiras típicas e estratégicas de Estado, com cujos representantes teve predisposição para conversar, e o chamado "carreirão",52 52 Refere-se ao PCC. com cujos representantes não se dispôs a dialogar. Não obstante os relatos de atitudes bastante agressivas a membros do governo por parte de sindicatos gerais e outras EAs que representam categorias que não eram consideradas típicas de Estado, a estratégia governamental era de se esperar em face da própria concepção e filosofia da reforma administrativa. O Plano Diretor da Reforma do Estado implicava o fortalecimento de determinadas carreiras, exatamente as típicas e/ou estratégicas, e uma mudança radical do status, ou até mesmo a própria extinção, de outras carreiras. Congruentemente, as entidades representativas das carreiras típicas de Estado foram até mesmo convidadas pelo governo para uma interlocução, enquanto as demais entidades foram excluídas, em princípio. O FCTE aceitou participar de conversas, e os sindicatos gerais se aferraram em suas posições de confronto generalizado à política de reforma.

Os contatos entre o governo e o FCTE tiveram início logo em janeiro de 1995, mês da posse do novo governo, quando a secretária-executiva do MARE, Cláudia Costim, recebeu representantes do Fórum. Este primeiro contato deixou nos integrantes do FCTE a impressão de otimismo a respeito do relacionamento com o governo, embora, segundo a ata da entidade, subsistisse uma certa desconfiança: "a impressão que ficou para todos foi a mesma, otimista, mas só no decorrer dos próximos encontros na SAF é que se poderá ter uma base sobre o que vem por aí".

A desconfiança surgiu porque Cláudia Costim, por ocasião da reunião, "fez um discurso de transparência e honestidade, mas a Medida Provisória saiu contradizendo o discurso da secretária". A MP referida é a de no 831/95, que determinava um teto de remuneração para os servidores públicos, decidida sem nenhuma consulta prévia. Poucos dias depois desse encontro, em 25 de janeiro de 1995, o ministro Bresser Pereira recebeu o FCTE para uma discussão. Novamente, a impressão da conversa foi positiva, tendo sido ressaltada sua importância para a abertura do diálogo. No entanto, diversos membros do Fórum não ficaram satisfeitos com sua própria atuação. A principal autocrítica ponderava que a agenda de discussão apresentada ao ministro era muito extensa e que "deixou de se ressaltado o ponto principal, ou seja, a presença e efetiva participação do Fórum nas comissões de trabalho do MARE", perdendo-se "muito tempo na questão da reforma da previdência". Esta observação indica o peso dos interesses dos servidores aposentados na agenda das entidades do FCTE e sugere que este não estava preparado para discussões pontuais, já que não tinha uma escala de prioridades estabelecida.

No dia 13 de fevereiro o FCTE encaminhou pedido de audiência com o ministro, salientando a necessidade de adequada conceituação de carreira típica de Estado e de se institucionalizar a participação do Fórum nas discussões da reforma administrativa. A ênfase na definição de carreira típica e a demanda de participação apenas para o FCTE são indícios de que este estava disposto a defender seus interesses específicos junto ao MARE. Ao que parece, a audiência com o ministro não foi concedida, mas a secretária-executiva do Ministério reuniu-se com o FCTE ainda no mês de fevereiro. A impressão dos membros do Fórum sobre esta reunião foi mais pessimista. Os representantes do governo limitaram-se a apresentar as linhas gerais dos novos regimes trabalhistas dos servidores, a saber, estabilidade garantida para os membros das carreiras típicas e regime celetista para o restante. Indicou-se, também, que a reforma definiria as atividades típicas de Estado, sem nomear especificamente as carreiras que as exerceriam — essa regulamentação seria feita por lei complementar. Tal "indefinição" não agradou ao FCTE. Os registros não relatam debates nem sugestões dos seus representantes, dando a impressão de que não houve, de fato, uma negociação, mas sim um informe do andamento do projeto de reforma.

Após este encontro de fevereiro, existe registro de outra reunião com "autoridades do MARE" em março. Embora o Fórum continuasse a se reunir durante os meses seguintes, não pude encontrar registro de nenhuma outra audiência no MARE até julho de 1995, quando o próprio ministro Bresser53 53 Em abril o Fórum recusou-se a comparecer a uma audiência no MARE, argumentando que as entidades ainda não tinham posição definida sobre a reforma, pois não tiveram tempo de discutir com suas bases. Há reclamações de que o Fórum tem demorado muito a se reunir. Ata de reunião, 6/4/1995. convidou a entidade para "apresentar a proposta da reforma administrativa". Nesse ínterim, o FCTE elaborou uma cartilha contra a reforma do Estado, adotando a tática de atacá-la como um todo. Houve também discussões internas sobre a necessidade de contar com documentos propositivos para se contrapor às propostas do governo e de se "atentar para não deixar transparecer [junto à mídia] o corporativismo, como na manutenção da estabilidade para os servidores públicos". No entanto, prevaleceu claramente a opção pela oposição generalizada aos planos do governo.54 54 No mesmo período, o Fórum fez publicar nos jornais de Brasília manisfesto contrário à MP 831/95, em uma tentativa de ganhar apoio pela ampliação do escopo da discussão. A divulgação do manifesto como uma estratégia do FCTE denota a ausência de canais institucionalizados de consulta e negociação com o governo.

Refletindo o dilema entre a defesa dos seus interesses específicos e a necessidade — ou a compreensão da necessidade — de alianças mais amplas, alguns integrantes do FCTE observaram que "a proposta do governo indispõe os servidores das carreiras típicas com os demais servidores" e propuseram "imediata mobilização nacional, inclusive com servidores dos estados e municípios, na defesa dos direitos já conquistados pelos servidores".55 55 Ata de reunião, 13/7/1995.

Assim, antes mesmo da reunião com Bresser Pereira, integrantes do FCTE tornaram pública sua posição contrária à reforma56 56 Cf. Folha de S. Paulo, "Funcionários se organizam contra projeto de Bresser", e entrevista com o coordenador do Fórum em que este emite opiniões bem contrárias ao conteúdo da reforma. e enviaram ao ministro um documento em que se diziam contrários a alterações na Constituição, argumentando que "o atual estágio de dificuldades administrativas, operacionais e financeiras [ ] [são] antes resultado da má gestão administrativa praticada ao longo de nossa história".

A audiência com o ministro só pode ser classificada como um desastre, pelo menos do ponto de vista da construção de uma relação de cooperação entre o governo e o Fórum. A reunião obteve ampla repercussão na imprensa, que enfatizou as divergências entre as partes. O propósito da audiência nunca ficou claramente definido. Parece que o seu objetivo não era o de estabelecer negociações. De acordo com os relatos, o ministro iniciou a reunião anunciando que o encontro não era uma mesa de negociações e que precisava "do apoio e aliança do Fórum independentemente das discordâncias futuras". Declarou também que o plano diretor da reforma estaria concluído em 15 dias. Na avaliação do Fórum, "ficou bem claro para todos os presentes que a reunião foi convocada para dar a impressão à mídia de que o Ministério da Administração estava discutindo, democraticamente, a reforma do Estado com os servidores públicos. [...] não há processo negocial, e sim, impositivo."57 57 Ata de reunião, 28/7/1995.

Depois dessa reunião com o ministro, o FCTE reuniu-se mais duas vezes com representantes do MARE, ainda em julho e em agosto. Essas reuniões, no entanto, apenas acentuaram a posição de que se devia buscar aliança com a totalidade dos servidores públicos, pois acreditava-se que o governo "poderá divulgar que o projeto foi longamente debatido com os funcionários de carreiras típicas [ ] [parecendo] que aceitamos as mudanças prejudiciais à maioria dos servidores, mas que não nos atingirão."58 58 Idem.

A partir desta data, ficou claro para seus membros que o Fórum não poderia influenciar o governo nos itens da reforma, da mesma forma que ficou claro para o governo que não poderia contar com o apoio e colaboração do Fórum. Não haveria mais interlocução entre esses atores; a disputa fora transferida para o Congresso, onde ela naturalmente desaguaria um dia.

Com o envio do projeto de Emenda Constitucional ao Congresso, as ações desenvolvidas pelos atores começam a pautar-se por táticas típicas deste foro. O FCTE aprofunda a tática de ampliar suas alianças, imprimindo uma cartilha sobre a reforma administrativa e definindo estratégias de atuação no Congresso. O governo, por seu lado, joga toda sua força política na aprovação da EC. Foge ao escopo deste trabalho analisar o processo de tramitação da EC no Congresso, já que não se refere diretamente à relação do governo-empregador e seus servidores. É claro que sua análise muito nos poderia ensinar sobre a atuação das EAs dos servidores públicos,59 59 Durante esse processo, aparecem mais claramente os problemas de ação coletiva do Fórum. Várias carreiras buscaram uma definição de carreira típica de Estado que excluía boa parte dos membros do FCTE. bem como sobre os mecanismos de aprovação de reformas no país. No presente artigo, no entanto, deve ser ressaltado apenas que a natureza multilateral das negociações trabalhistas no setor público, analisada anteriormente, oferece aos atores uma "válvula de escape" que favorece a postergação de um entendimento direto entre eles.

Internamente, intensificam-se dentro do FCTE as discussões sobre as estratégias a serem seguidas. Um documento da coordenação do Fórum datado de 8 de abril de 1996 avalia que a imagem do servidor público está deteriorada e que, nessa situação,

[...] pouco ou nenhum apoio da sociedade virá em nosso auxílio; pouco ou nenhum poder de convencimento teremos junto ao Congresso. Numa conjuntura como esta, propor greve por tempo indeterminado contra as reformas, contando com apoio popular, somente revela o grau de ilusionismo de algumas lideranças sindicais, e a distância que as separa da realidade.

Portanto, esse quadro deformado e persistente, que coloca os servidores como um pesado ônus a ser suportado pela sociedade, pode e deve ser revertido por uma nova posição do sindicalismo no serviço público, autocrítica e propositiva, que ultrapasse os dois extremos caricaturais de hoje: o sindicalismo meramente assistencialista versus o sindicalismo engajado sem base.

Seguindo essa linha, o FCTE promoveu um seminário nacional sobre a reforma administrativa nos dias 7 e 8 de outubro de 1996, convidando a secretária-executiva do MARE para participar dos debates.60 60 Não consegui saber se a secretária-executiva e outras autoridades convidadas efetivamente participaram do seminário.

Os encontros entre o MARE e o FCTE foram retomados apenas em abril de 1997, por iniciativa deste, que solicitou audiência com a secretária-executiva do Ministério.61 61 Se houve algum encontro formal entre o MARE e o FCTE, não há sobre ele nenhum registro. Não estão claras as razões desta reaproximação, já que a definição dos pontos da reforma dependia, então, exclusivamente do processo legislativo. Mas, certamente, como observaram alguns entrevistados, a retomada das discussões tinha em vista a tentativa, de ambas as partes, de conseguir apoios mútuos para pontos da reforma, com vistas a amenizar os riscos do confronto político no Congresso. De acordo com o relato registrado nos arquivos do FCTE, a reunião que deu início à nova rodada de discussões focalizou pontos específicos da reforma. De uma forma geral, as EAs apresentavam suas posições acerca desses pontos e a secretária-geral os rebatia item a item. Mesmo enfatizando pontos específicos, os representantes dos servidores declararam que combateriam no Congresso todas as propostas do governo referentes aos servidores estáveis e concursados que implicassem regulamentação por legislação ordinária, por considerarem "um risco grande demais para se correr", sinalizando que gostariam de definir as questões referentes às carreiras típicas de Estado em negociações com o MARE, e não no Congresso. Ainda de acordo com a ata do FCTE, a secretária-executiva do MARE "admitiu que faltou um maior diálogo com os servidores, mas que ela estava disposta a corrigir esta falha". Decidiu-se, então, abrir um canal de negociação entre o FCTE e o MARE, estabelecendo-se reuniões mensais. A avaliação do Fórum era a de que esse canal de negociação seria "importantíssimo [ ] pois representa um avanço significativo de novas [sic, provavelmente, nossas] relações".62 62 Ata de reunião, 21/4/1997. De fato, os encontros entre o FCTE e o MARE tornaram-se mensais até agosto, pelo menos, de acordo com os registros.

Os encontros nesta fase, porém, foram "desviados" dos itens da reforma pela entrada na agenda da questão da licença do serviço público para o exercício do mandato classista. A inclusão desta questão deveu-se à edição da MP no 1522/96, regulamentando e restringindo as licenças dos representantes sindicais. Essa MP foi interpretada pelas EAs dos servidores públicos como um ataque frontal do governo. Este, por sua vez, entendia a ênfase do FCTE neste item como uma demonstração da prevalência dos interesses corporativos dos representantes das EAs sobre os interesses gerais, seja dos servidores, seja do serviço público.

Nota-se que, nesses encontros, o FCTE começa a defender com mais insistência os interesses dos servidores em geral. Em uma reunião, por exemplo, foi reivindicado o aumento salarial linear para todo o funcionalismo, pleito cuja apreciação a secretária-geral do MARE afirmou não ser de sua alçada, e sim da Câmara de Política Econômica, onde o Ministério não tem assento. O episódio mais uma vez demonstra a natureza multilateral das negociações trabalhistas não-institucionalizadas, que não deixam claro o escopo da responsabilidade dos negociadores e os canais competentes de interlocução. Posteriormente, os representantes do FCTE sugeriram a ampliação das discussões para as demais entidades e movimentos dos servidores públicos, obtendo como resposta que "o MARE só dialogará com o Fórum, ninguém mais".63 63 Ata de reunião com a secretária-executiva do MARE, 5/5/1997. Neste contexto, o Fórum passou a assumir mais claramente a tática de ampliação das alianças pelo reforço das demandas gerais, abrindo mão de suas questões específicas.64 64 Nesse sentido, intensificam-se as articulações com outros movimentos de servidores públicos. Ata de reunião, 21/4/1997. Em face dessa posição, a secretária-executiva do MARE transmitiu mensagem do ministro Bresser Pereira na qual este afirmava

[...] que teria para estas categorias e carreiras [típicas de Estado] um projeto de revitalização, passando por remuneração, treinamento, concursos anuais, e que as entidades representativas dessas carreiras e categorias deveriam ser vistas como colaboradores no desenho da reforma necessária, dado o alto nível de seus técnicos, que em muito poderiam contribuir com ela, e que ele [ministro Bresser Pereira] estaria disposto a receber todas as entidades para falar pessoalmente com seus representantes.

Mas, a essa altura, parece que a posição do Fórum, qua entidade coletiva, de oposição generalizada à reforma já estava definida. É importante salientar que essa é a posição coletiva do Fórum, porque individualmente cada EA continuava buscando canais particularizados, seja junto ao MARE, seja junto a outras autoridades governamentais, para negociar pontos específicos de interesse de seus representados.

Do ponto de vista do processo negocial, essa segunda rodada acentuou uma característica já presente nos primeiros encontros entre governo e FCTE, a saber, os problemas de comunicação e de continuidade. Diversos entrevistados, do lado governamental e do lado do Fórum, salientaram que a cada encontro as conversas tinham início do ponto zero.65 65 Antes dessa reunião, o FCTE enviou ao Ministério documento com suas posições sobre o mandato classista, mas a secretária-executiva não recebeu o documento. Em muitas entrevistas nota-se que não há continuidade-memória no processo de negociação. Não havia avanço, seja na concessão de demandas mútuas, seja na fundamentação de argumentos para as posições apresentadas. Na verdade, nunca ficou muito claro se os encontros eram de fato uma negociação, no sentido de as partes estarem dispostas a oferecer concessões mútuas em torno de itens bem definidos e pontuais. A única exceção refere-se à questão da licença para o exercício do mandato classista. O FCTE mobilizou-se intensamente para a produção de documentos fundamentando suas posições e concordou com o MARE que poderiam ser identificados abusos nas licenças para o exercício do mandato classista. O MARE também se mostrou maleável à discussão, admitindo revisão das regras para concessão da licença, embora tenha salientado que a "questão da [não] remuneração [dos representantes sindicais] é inegociável e que não depende só do MARE".66 66 Ata de reunião, 17/7/1997.

O desfecho dessas negociações já foi indicado no início desta seção. O governo enviou um projeto definindo as carreiras típicas de Estado, sem consultar o FCTE e, aparentemente, sem a participação do MARE na sua definição. Pode-se dizer que as conversações não levaram a nada, nem mesmo a um impasse! Digo nem ao impasse porque não há registro de nenhuma discussão especificamente focalizada na definição das carreiras típicas, interesse central do FCTE e justificativa do MARE para "negociar" com os representantes do Fórum. Desde o início das conversações, os atores pareciam saber que nenhuma decisão seria tomada em seus encontros. Do ponto de vista legal, qualquer decisão ou acordo feito nessas reuniões não poderia ser mesmo definitivo, já que cabe ao Congresso promulgar as leis que regem as relações de trabalho no setor público. Do ponto de vista político, no entanto, os ganhos de um acordo mínimo alcançado antes do envio do projeto ao Congresso seriam significativos. Por um lado, "economizar-se-ia" recursos políticos do governo e das EAs gastos no processo legislativo, pelo menos no que concerne aos itens acordados. Por outro lado, o próprio serviço público poderia se beneficiar de uma interlocução construtiva, já que, como notou o ministro Bresser, os membros do FCTE poderiam ser "colaboradores no desenho da reforma necessária, dado o alto nível de seus técnicos, que em muito poderiam contribuir com ela". Nem o governo, nem o FCTE obteriam tudo o que desejam. A realidade, porém, é que a negociação se impôs mas não diretamente, nem em um foro específico para tal. O que explica esse resultado? Essa pergunta será analisada na próxima seção, onde também concluo apontando algumas lições desta análise e sugerindo algumas questões para pesquisas posteriores.

Conclusão

Conforme adiantei na introdução, o resultado das negociações analisadas na seção anterior pode ser melhor compreendido levando-se em conta fatores institucionais — as relações de trabalho no setor público brasileiro — e organizacionais das EAs do servidores públicos e do próprio governo. Na minha avaliação, esta história ilustra bem como estes fatores são relevantes na determinação da forma, do processo e do resultado das interações entre o MARE e o FCTE.

Entre os fatores institucionais, o mais relevante é a inexistência de um canal permanente, institucionalizado e dedicado exclusivamente ao tratamento das questões trabalhistas no setor público. Mesmo que esse canal (agência, divisão, comissão ou qualquer outro formato institucional) tenha caráter apenas consultivo, sua mera existência é conducente ao diálogo e ao aprendizado dos processos e procedimentos de negociação, como mostram diversas experiências internacionais referidas na segunda seção. Certamente, não se instauraria um mundo de harmonia entre os atores, mas se fomentaria sua convivência a partir de regras conhecidas e estáveis. No caso em questão, o aprendizado é prejudicado por diversos fatores, como a não institucionalização — ou sua tentativa tardia — de um canal formal e permanente de negociação e a não continuidade dos tópicos e temas de discussão, ocasionada pela inexistência de memória das negociações. A própria definição dos interlocutores era dificultada, pois os negociadores também não eram permanentes, dos dois lados da mesa. Apenas a secretária-executiva do MARE tornou-se uma interlocutora mais freqüente. Do lado do FCTE, há várias referências à necessidade de se fixar um único interlocutor com o governo e de que, nas suas próprias reuniões, as EAs componentes mandem sempre o mesmo representante. Está em pauta aí a questão da continuidade e do aprendizado. Em qualquer negociação, os interlocutores aprendem a se conhecer e esse aprendizado facilita o entendimento, se não substantivo, pelo menos do processo, dos termos e dos limites da negociação.

Indicativos da baixa institucionalização podem ser encontrados também na própria legislação. O direito de greve para os servidores públicos, garantido pela Constituição, não foi regulamentado. O papel das EAs dos servidores públicos vis-à-vis os administradores públicos também é bastante indefinido, já que não existe política ou diretriz do governo determinando como elas podem ser integradas na administração pública. Essas são questões prementes, uma vez que, com as transformações promovidas pela reforma administrativa, especialmente a mudança do regime trabalhista da maioria dos funcionários públicos, terá de haver também uma transformação nas relações de trabalho no setor público. Como serão estruturadas as relações de trabalho no setor público? Haverá negociação coletiva institucionalizada? Se sim, estas serão feitas por ministérios ou por órgãos específicos? As agências executivas negociarão diretamente com seus servidores? Conhecer a opinião dos atores sobre essas questões é fundamental tanto do ponto de vista da formulação de políticas públicas para esta área, como para o avanço do conhecimento acadêmico das relações de trabalho no setor público.

Com relação aos fatores organizacionais, cabe ressaltar, considerando-se as EAs, duas ordens de questões. Uma diz respeito ao Fórum como entidade coletiva, a outra refere-se à composição de cada entidade individualmente. Quanto à primeira questão, ficou claro que o FCTE, apesar de ter adquirido uma certa coesão organizacional, não logrou se constituir em uma entidade permanente, orgânica. Debatendo-se entre a adoção de uma identidade que o aproximasse da massa dos servidores públicos e outra mais restrita, que ressaltasse suas diferenças e especificidades, o FCTE termina não logrando construir uma forte identidade coletiva. Há também a questão, referida em quase todas as entrevistas com membros do FCTE, da manutenção da independência de cada entidade individual no Fórum. Na verdade, como alguns episódios demonstraram, as entidades filiadas ao FCTE estavam dispostas a se beneficiar da ação coletiva possível, mas não se dispunham a abrir mão de uma ação individual, mesmo no caso de ela prejudicar a unidade do Fórum. Sem dúvida, a falta de organicidade do FCTE impede que ele tenha uma postura mais propositiva: se a unidade exigida para um acordo em torno de uma agenda negativa ("o que devemos ser contra") é relativamente fácil de ser construída, é muito mais difícil fazê-lo com uma agenda positiva ("o que propomos que seja modificado e como"). Em parte, a impossibilidade de o Fórum fazer propostas positivas advém dessa característica. Como foi mostrado, até mesmo membros do FCTE reconheciam esse ponto fraco.

Do ponto de vista das entidades individuais, é importante salientar a sua composição. Embora não tenha sido possível obter dados comparativos para uma avaliação mais abalizada, é surpreendente o número de aposentados nas EAs de servidores públicos no Brasil. Entre os componentes do FCTE, essa proporção é ainda maior que nas outras EAs. Sem dúvida, a preocupação central dos representantes destas entidades tem de estar dividida entre a defesa dos interesses, remuneração e condições de trabalho dos servidores ativos e a defesa do status quo para os servidores aposentados. Essa "necessidade" tem fortes impactos sobre as posições do Fórum, justificando, em particular, sua dificuldade de negociar pontos específicos e particulares da reforma administrativa.

Do lado do governo, a característica organizacional mais relevante é a falta de definição clara de quem fala em seu nome e até onde pode falar nos contatos com as EAs dos servidores públicos. O ministro não parece ser uma instância adequada para entabular negociações com os servidores públicos. Não porque elas não sejam importantes o suficiente para atrair sua atenção, mas porque o ministro certamente não dispõe do tempo necessário para se dedicar e cultivar esse relacionamento, até que ele comece a dar frutos. Acredito que o mesmo se aplica ao secretário(a)-executivo(a) do Ministério. Poder-se-ia argumentar que qualquer instância inferior a essas não teria capacidade decisória, já que a história mostra que mesmo essas instâncias superiores não têm capacidade decisória final. No entanto, o importante não é que as decisões sejam tomadas na mesa de negociação, mas que todos os atores possam ter certeza de que seus argumentos foram considerados e que, caso não adotados, serão apresentadas boas razões para as decisões tomadas.

Diversos temas e questões, apenas tangenciados neste artigo, têm de ser desenvolvidos em pesquisa posteriores. Só para citar alguns exemplos: os dados sobre o sindicalismo no setor público obtidos durante a realização desta pesquisa estão subutilizados e certamente merecem um trabalho específico; a elucidação das razões das variações nos níveis de organização das EAs nos diferentes setores e órgãos do governo nos levaria aos determinantes do processo de formação e organização dessas entidades; a análise de um outro caso onde emerge alguma forma de cooperação entre os atores muito nos ensinaria sobre as condições para tal; o exame do processo de tramitação da reforma no Congresso, da atuação das EAs e do governo neste foro e de seus reflexos nas relações entre os atores esclareceria aspectos não analisados aqui etc. Ao levantar algumas destas questões neste trabalho, espero ter contribuído para despertar o interesse em seu estudo sistemático.

NOTAS

BIBLIOGRAFIA

RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS

REFORMA ADMINISTRATIVA E RELAÇÕES TRABALHISTAS NO SETOR PÚBLICO: DILEMAS E PERSPECTIVAS

Palavras-chave

Sindicalismo; Reforma administrativa; Cooperação; Associativismo; Relações trabalhistas no setor público.

O objetivo principal do artigo é investigar as possibilidades e os limites da construção de um processo de cooperação entre os administradores e políticos responsáveis pela reforma do Estado no primeiro governo do presidente Fernando Henrique Cardoso e as entidades associativas (EAs) dos servidores públicos. O argumento é que a construção deste processo foi limitada e condicionada pela baixa institucionalização dos canais de interação entre governo e EAs, e por processos político-organizacionais que caracterizam a dinâmica interna tanto dos atores governamentais como dos associativos. Para fundamentar o argumento, é realizado um estudo de caso sobre um processo de interlocução entre o Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE), extinto em janeiro de 1999, e o Fórum das Carreiras Típicas de Estado (FCTE).

ADMINISTRATIVE REFORM AND WORK RELATIONS IN THE PUBLIC SECTOR: DILEMMAS AND PERSPECTIVES

Key words

Syndicalism; Administrative reform; Cooperation; Associativism; Work relations in the public sector.

The article examines the limits and possibilities for building cooperation between public managers and politicians attempting to promote administrative reform during the first Cardoso government and the public servants unions and associations. The main argument is that cooperation was limited and constrained by the under-institutionalization of communication/interaction channels among the actors, and by various internal organizational and political processes within both the government agencies and employee associations. This argument is illustrated through a case study of the interactions between the Ministry of Administration and State Reform and the Forum of Typical State Careers.

RÉFORME ADMINISTRATIVE ET RELATIONS DE TRAVAIL DANS LE SECTEUR PUBLIQUE: DILEMMES ET PERSPECTIVES

Mots-clés

Syndicalisme; Réforme administrative; Coopération; Associationnisme; Rela-tions de travail dans le secteur public.

Le principal objectif de cet article est de rechercher les possibilités et les limites de la construction d'un processus de coopération entre les administrateurs et les politiciens responsables pour la réforme de l'État au cours du premier mandat du président Fernando Henrique Cardoso et les groupements associatifs (EAs) des fonctionnaires. L'argument est celui selon lequel la construction de ce processus a été limitée et conditionnée par la faible institutionnalisation des canaux d'interaction entre le gouvernement et les EAs, et par des processus politiques et organisationnels qui caractérisent la dynamique interne aussi bien des acteurs gouvernementaux comme de ceux issus de groupements associatifs. Pour donner support à notre argument, nous réalisons une étude de cas sur un processus de communication entre le Ministère de l'Administration et de la Réforme de l'État (MARE), supprimé en janvier 1999, et le Forum des Carrières Typiques de l'État (FCTE).

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  • 1
    Neste texto uso o termo entidades associativas (EAs) para me referir aos dois tipos de organizações associativas dos servidores públicos: as associações e os sindicatos.
  • 2
    Sobre as possibilidades de emergência de cooperação, veja Axelrod (1984).
  • 3
    Tais como a correlação de forças políticas no governo e no Congresso Nacional, a composição das entidades associativas, os impactos das medidas de reforma, a postura e/ou preferência ideológica e até mesmo características pessoais dos interlocutores.
  • 4
    Todas as traduções são do autor.
  • 5
    Para um amplo apanhado da literatura publicada no Brasil sobre reforma do Estado, veja Lima Júnior
    et al. (1998). As principais abordagens teóricas sobre a reforma do Estado são discutidas por Kaufman (1998a e 1998b). Um bom exemplo deste tipo de abordadem é Blais
    et al. (1997).
  • 6
    Embora com a ressalva de que há casos em que isso não é suficiente. Cf. Kaufman (1998a).
  • 7
    A literatura da área de administração pública elabora bastante esta questão mas não dá a devida atenção aos condicionantes políticos da transformação institucional, enfatizando "desenhos ótimos" e soluções tecnicamente viáveis. A
    Revista do Serviço Público tem publicado excelentes artigos nesta linha.
  • 8
    Incluem-se nesse caso tanto a área social — educação, saúde e assistência social — como atividades típicas e mesmo exclusivas do Estado — seguranca, recolhimento de imposto, diplomacia etc. —, onde o avanço tecnológico dificilmente substitui o trabalho.
  • 9
    As dificuldades de reforma nesses setores são muito bem analisadas por Nelson (1997) e Grindle (1998).
  • 10
    Para melhor especificação desses fatores veja Lewin
    et al. (1988).
  • 11
    Como notam Freeman e Ichniowski (1988, p. 12): "
    the political nature of public sector collective bargaining means that unions will be interested in trying to influence budget and employment levels, as well as in raising wages". Veja também Troy (1994), que, concordando com essa posição, considera que os sindicatos do setor público defendem uma nova forma de socialismo.
  • 12
    De certa forma, isso diferencia o setor público do privado, uma vez que o empresário pode negociar acordos com sindicatos sem pensar nas "externalidades" macroeconômicas da negociação, preocupando-se apenas com sua própria condição.
  • 13
    Treu
    et al. (1987, pp. 13-14) apontavam esta tendência.
  • 14
    Um detalhamento dessas regulamentações é feito por Treu
    et al. (1987).
  • 15
    Embora se possa argumentar que, com o recurso à Justiça do Trabalho, a lógica bilateral não tem sido historicamente dominante no Brasil. Mudanças recentes, no entanto, apontam na direção de sua prevalência.
  • 16
    Esta observação refere-se ao instituto da negociação coletiva nos EUA, mas certamente pode ser estendida para dar conta de outras formas de interação e negociação entre os Estados e as EAs.
  • 17
    O número entre parênteses é a taxa de cobertura dos acordos coletivos para os setores público e privado.
  • 18
    Beumont (1992, p. 51) usa o termo "
    unionateness" para descrever a aquisição, pelas EAS dos servidores públicos, de um cárater cada vez mais sindical.
  • 19
    Lewin
    et al. (1988) chamam a atenção para uma "segunda onda" de negociações coletivas que tem na restrição fiscal seu principal elemento enquadrador. Este ponto também é levantado por Treu
    et al. (1987), Córdova (1985) e Yemin (1993).
  • 20
    Exemplos destes estudos são Roth (1987), Smith (1993) e Taylor (1984).
  • 21
    Seguindo o Federal Quality Institute do governo norte-americano, entendo sucesso, neste caso, não como a obtenção de resultados particulares, mas como o estabelecimento de uma relação institucionalizada e/ou formas de resolução de conflito institucionalizadas. "
    Success in this area of activity [labor relations practice] is usually measured by the parties as a change in attitude and practices, a spirit of
    adventure, and the development of confidence that many, if not most, problems are
    resolvable over time." (Federal Quality Institute, 1994, p. 6).
  • 22
    Aponto apenas as condições políticas e administrativas/institucionais de natureza geral — em contraposição aos passos/medidas específicas que podem facilitar a emergência da cooperação, tais como objetividade (atacar um problema de cada vez e identificá-lo precisamente), paciência (é um processo longo que não tem lugar por um fiat), escolher uma área inicial de teste para cooperação na qual o sucesso seja mais provável e ir expandido para áreas mais difíceis gradualmente; treinamento em técnicas de negociação.
  • 23
    De acordo com Farquhar (1996, p. 11), "
    there is a strong argument that the first step has to come from management, as this is where traditional forms of power — finances, resources allocation, business decision making — have rested."
  • 24
    A Inglaterra de Tatcher, por exemplo, é vista como um caso singular, uma vez que havia uma forte carga ideológica do governo contra os sindicatos. Cf. Beaumont (1996).
  • 25
    Sobre a legislação brasileira veja Brito Filho (1996).
  • 26
    Inclusive, o Regime Jurídico Único facilita seu financiamento, possibilitando o desconto em folha das taxas de filiação.
  • 27
    Para uma discussão dos dilemas do sindicalismo do setor público na criação de uma identidade própria, veja Almeida (1996).
  • 28
    Guedes (1994) e Fundap (1993) também tratam do surgimento de entidades sindicais no setor público, mas não elaboram muito o tema.
  • 29
    Embora o tamanho dos sindicatos, sua abrangência territorial, a taxa de sindicalização por órgãos da administração e outras informações sejam relevantes, não há espaço neste artigo para uma análise mais detalhada destas características das EAs. Esses dados foram publicados em Cheibub e Locke (1999).
  • 30
    Isso é opinião corrente tanto entre os entrevistados como na escassa literatura existente. No entanto, não conheço estudos sistemáticos que fundamentem essa percepção.
  • 31
    As informações das tabelas que se seguem foram obtidas na Secretaria de Recursos Humanos do extinto Ministério da Administração e Reforma do Estado (MARE) e se referem ao mês de setembro de 1999.
  • 32
    "I - Advogado da União, Procurador da Fazenda Nacional e Assistente Jurídico da Advocacia-Geral da União; II – Procurador e Advogado dos órgãos vinculados à Advocacia-Geral da União; III – Defensor Público da União; IV – Policial Federal, Policial Rodoviário e Policial Ferroviário Federal."
  • 33
    De acordo com as entrevistas realizadas, o projeto foi gestado na Casa Civil, sem participação direta do MARE.
  • 34
    Diniz e Boschi (s/d.), por exemplo, consideram que o governo excluiu totalmente as EAs do processo de reforma.
  • 35
    Ademais, a implementação da reforma administrativa é muito recente e os casos de efetiva transformação institucional ainda são muito incipientes, o que torna impossível um estudo mais sistemático deste processo. Não resta dúvida, porém, que apenas com estudos desta natureza poderemos aprofundar as questões tratadas neste artigo. Certamente, a transformação de órgãos do governo federal em agências executivas e organizações sociais fornecerá excelente material para o tratamento dessas questões.
  • 36
    De acordo com algumas entrevistas, o Fórum já vinha se reunindo informalmente há algum tempo, mas não há nenhum registro dessas reuniões.
  • 37
    Relatório de Atividades, ANFIP, 1994.
  • 38
    Em algumas entrevistas fica claro que o ministro Romildo Caim gozava de prestígio junto a entidades sindicais, especialmente sindicatos gerais. Parece que a estratégia do governo Itamar Franco era isolar os funcionários da elite do serviço público e atender os desvalidos, fazendo aliança com os funcionários do PCC, o setor público mais numeroso e mais mal remunerado.
  • 39
    A propósito, o primeiro instrumento legislativo a tratar das carreiras típicas de Estado data de 1974 e enumera as áreas em que os servidores públicos, devido à natureza das funções executadas, deveriam ser regidos por um regime estatutário próprio e gozar da garantia da estabilidade. Para uma boa discussão e histórico da constituição das carreiras típicas de Estado, veja doc. FCTE, Internet.
  • 40
    Doc. FCTE, 18/8/1994.
  • 41
    Em ata de reunião realizada em 10 de janeiro de 1995, um integrante do Fórum sugere que "o ministro Bresser falou que o regime estatutário deve prevalecer para as carreiras que cuidam dos interesses do Estado e que é por esse caminho que devemos buscar as melhorias salariais".
  • 42
    A FENAFISP, a FENAPEF e a UNASLAF são federações nacionais que congregam EAs estaduais. Essas três entidades não aparecem nas tabelas que se seguem nesta seção porque as informações não se aplicam a este tipo de entidade federativa. A UNACON fundiu-se com o SINATEFIC, formando uma só diretoria; por isso estas entidades aparecem juntas nas tabelas.
  • 43
    Muitos entrevistados manisfestaram a percepção de que esta estrutura impedia maior continuidade e articulação das ações do Fórum.
  • 44
    Entre 1994 e 1997 o FCTE reuniu-se pelo menos 46 vezes. É provável que esse número seja bem maior, pois não consegui contabilizar a totalidade dos encontros. Todas as reuniões realizadas foram transcritas em atas, que posteriormente eram enviadas a todos os membros.
  • 45
    O Fórum organizou dois seminários e pelo menos três campanhas públicas.
  • 46
    A entrada no Fórum dependia da aprovação de seus membros. A decisão era tomada com base no parecer de um dos membros. Há casos de recusas de filiação e de pedidos de mais informações sobre as atividades dos pleiteantes, o que demonstra um certo rigor na admissão.
  • 47
    Ata de reunião, 1/8/1995.
  • 48
    A ADB é a associação que menos participou das reuniões do Fórum no período 1994-1998. Houve até proposta de desfiliação desta entidade, mas decidiu-se por mantê-la no FCTE.
  • 49
    Este fato é reconhecido pelos negociadores do MARE nas entrevistas concedidas.
  • 50
    Não apresento esta informação por entidade apenas para manter certa discrição acerca das finanças de cada entidade individualmente.
  • 51
    Por exemplo, a posição do governo contrária à concessão de reajustes salariais a todos os servidores públicos respaldava-se muito no fato de que qualquer aumento para os servidores da ativa implica também aumento para os aposentados, o que oneraria excessivamente a folha de pagamentos.
  • 52
    Refere-se ao PCC.
  • 53
    Em abril o Fórum recusou-se a comparecer a uma audiência no MARE, argumentando que as entidades ainda não tinham posição definida sobre a reforma, pois não tiveram tempo de discutir com suas bases. Há reclamações de que o Fórum tem demorado muito a se reunir. Ata de reunião, 6/4/1995.
  • 54
    No mesmo período, o Fórum fez publicar nos jornais de Brasília manisfesto contrário à MP 831/95, em uma tentativa de ganhar apoio pela ampliação do escopo da discussão. A divulgação do manifesto como uma estratégia do FCTE denota a ausência de canais institucionalizados de consulta e negociação com o governo.
  • 55
    Ata de reunião, 13/7/1995.
  • 56
    Cf.
    Folha de S. Paulo, "Funcionários se organizam contra projeto de Bresser", e entrevista com o coordenador do Fórum em que este emite opiniões bem contrárias ao conteúdo da reforma.
  • 57
    Ata de reunião, 28/7/1995.
  • 58
    Idem.
  • 59
    Durante esse processo, aparecem mais claramente os problemas de ação coletiva do Fórum. Várias carreiras buscaram uma definição de carreira típica de Estado que excluía boa parte dos membros do FCTE.
  • 60
    Não consegui saber se a secretária-executiva e outras autoridades convidadas efetivamente participaram do seminário.
  • 61
    Se houve algum encontro formal entre o MARE e o FCTE, não há sobre ele nenhum registro.
  • 62
    Ata de reunião, 21/4/1997.
  • 63
    Ata de reunião com a secretária-executiva do MARE, 5/5/1997.
  • 64
    Nesse sentido, intensificam-se as articulações com outros movimentos de servidores públicos. Ata de reunião, 21/4/1997.
  • 65
    Antes dessa reunião, o FCTE enviou ao Ministério documento com suas posições sobre o mandato classista, mas a secretária-executiva não recebeu o documento. Em muitas entrevistas nota-se que não há continuidade-memória no processo de negociação.
  • 66
    Ata de reunião, 17/7/1997.
  • *
    Versão modificada de trabalho apresentado no seminário Reforma Administrativa e Sindicatos no Setor Público: Brasil em Perspectiva Comparada, realizado na Escola Nacional de Administração Pública (ENAP), em Brasília, em 25 de março de 1999. Gostaria de agradecer à ENAP por ter viabilizado a realização desta pesquisa. Agradeço também os comentários de todos os participantes do seminário, em especial dos professores Maria Hermínia Tavares de Almeida e Richard M. Locke. Alberto Carlos de Almeida e Argelina Cheibub Figueiredo também fizeram valiosos comentários ao trabalho. O seminário foi publicado em Cheibub e Locke (1999).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Out 2000
    • Data do Fascículo
      Jun 2000
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