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Entrevista com Antonio Candido

Interview with Antonio Candido

L'interview avec Antonio Candido

Resumos

Concedida em agosto de 1987, revista pelo autor em julho de 2001, esta entrevista aborda dimensões relevantes da trajetória intelectual de Antonio Candido. Por meio do rastreamento do impacto da revolução de 1930 na cultura brasileira e do papel decisivo que a fundação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo teve na implantação de um novo padrão de trabalho intelectual, Antonio Candido arma o contexto necessário para entendermos os desafios culturais e políticos perseguidos por ele e por figuras de ponta de sua geração, como Florestan Fernandes e vários dos integrantes do Grupo Clima. O resultado é uma imagem vívida e palpitante do caldo de cultura que permeou o processo de institucionalização das Ciências Sociais em São Paulo.


Given in August 1987 and reviewed by the author in July 2001, this interview deals with important dimensions of Antonio Candido's intellectual trajectory. By tracing the impact of the 1930 revolution within Brazilian culture and the decisive role of the foundation of Faculdade de Filosofia (Philosophy Department) of University of São Paulo for the implementation of a new pattern of intellectual work, Antonio Candido sets up the necessary context in order to understand cultural and political challenges pursued by him and others of his generation, such as Florestan Fernandes and many other members of Grupo Clima. The result is a vivid and thrilling image of the culture that permeated the process of institutionalization of Social Sciences in São Paulo.


Concédée en août 1987 et revue par l'auteur en juillet 2001, cette interview aborde des aspects relevants de la trajectoire intellectuelle d'Antonio Candido. En retraçant l'impact de la révolution de 1930 sur la culture brésilienne et le rôle décisif de la fondation de la Faculté de Philosophie de l'Université de São Paulo sur l'implantation d'un nouveau modèle de travail intellectuel, Antonio Candido déploie le contexte nécessaire pour que l'on comprenne les défis culturels et politiques poursuivis par lui et par des personnages de pointe de sa génération, comme Florestan Fernandes et plusieurs intégrants du Grupo Clima. Le résultat est une image vive et palpitante du bouillon de culture qui traversa le processus d'institutionalisation des Sciences Sociales à São Paulo.


ENTREVISTA COM ANTONIO CANDIDO* * Entrevista feita em 19 de agosto de 1987, no Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo - Idesp. Revista pelo autor em julho de 2001. Transcrita e editada por Heloisa Pontes.

Heloisa Pontes

Heloisa - O convite para o senhor participar desta entrevista foi motivado por uma dupla razão. De um lado, pelo nosso interesse em entrevistar uma pessoa tão importante como o senhor na nossa história intelectual e, também, na história das ciências sociais em São Paulo, que é um dos temas da pesquisa que estamos desenvolvendo aqui, no Idesp.1 1 Iniciada em 1986 e finalizada em 1990, a pesquisa contou com a participação de doze pesquisadores e seis consultores. A maior parte dos seus resultados (além daqueles que apareceram sob a forma de livros individuais e de teses) encontra-se nos dois volumes organizados por Sergio Miceli, intitulados História das ciências sociais no Brasil, vol. 1 (2ª. ed., São Paulo, Sumaré, 2001) e vol. 2 (São Paulo, Sumaré/Fapesp, 1995). De outro lado, temos um objetivo muito específico que é o de publicar esta entrevista, junto com uma série de outras entrevistas que pretendemos fazer com pessoas centrais, como o senhor, na história das ciências sociais no Brasil. Estamos pensando em editá-las em um volume separado e, quem sabe, se isto não for possível em curto prazo, publicar primeiro a sua entrevista na Revista Brasileira de Ciências Sociais. Nós fizemos um roteiro que vai servir mais para nos orientarmos do que para pautar a entrevista.

Antonio Candido - É melhor vocês usarem o roteiro, porque eu tenho uma certa tendência para a loquacidade!

Heloisa - Ótimo! Nós gostaríamos que o senhor falasse sobre a história das ciências sociais em São Paulo e, sobretudo, sobre a sua vida e trajetória. Mas, para dar o chute inicial, será que o senhor poderia abordar primeiro a questão do impacto da revolução de 1930 para o senhor e a sua geração?

Antonio Candido - Vocês querem que eu fale sobre a incrível atmosfera de paixão pelas coisas sociais que aconteceu depois de 30?

Heloisa - Isso!

Antonio Candido - Para as pessoas da minha idade que estão na faixa dos 70, e sobretudo para as mais velhas que eu, o impacto da revolução de 1930 foi tremendo.2 2 A esse respeito, conferir o artigo de Antonio Candido, "A revolução de 30 e a cultura". Publicado primeiro no volume A revolução de 1930 e a cultura: contribuição ao Simpósio sobre a Revolução de 1930 (Porto Alegre, UFRGS, 1983) e, no ano seguinte, na revista Novos Estudos Cebrap (vol. 2, n. 4, 1984), esse artigo foi republicado no livro de Antonio Candido, A educação pela noite e outros ensaios (São Paulo, Ática, 1987). Hoje eu vejo pessoas de responsabilidade minimizarem muito a década de 30, com o argumento de que não houve uma revolução, e sim um movimento burguês. Não foi uma revolução social, como a russa ou a francesa, é claro, mas o movimento armado de 1930, que coincidiu com uma crise econômica sem precedentes, teve impacto enorme na vida política e na cultura. Foi quando surgiu a expressão "realidade brasileira", que de tão utilizada se tornou até meio ridícula. Em qualquer discurso, artigo, ensaio aparecia a expressão.

Esse interesse foi decisivo, por exemplo, para o aparecimento das grandes coleções, em especial a Biblioteca Pedagógica Brasileira, talvez o mais notável empreendimento editorial que o país conheceu até hoje. Vocês não podem imaginar o que foi essa coleção. Ela marcou a nossa época. Concebida, planejada e durante muito tempo dirigida por Fernando de Azevedo, tinha cinco seções: Brasiliana, Atualidades Pedagógicas, Atualidades Científicas, Livros Infantis e Livros Didáticos. A Brasiliana foi um marco decisivo, não apenas pela reedição de clássicos estrangeiros e nacionais, mas pelo estímulo a autores contemporâneos.

Graças à seção de Livros Didáticos o país começou a ter em larga escala obras destinadas ao ensino escritas por autores brasileiros ajustados à nossa realidade. Para vocês, que se formaram muito mais tarde, isto deve parecer sem sentido. Mas foi só depois de 1930 que o desejo de nacionalizar o livro e torná-lo instrumento vivo de cultura se generalizou em grande escala. O que havia antes nesse sentido era relativamente pouco, de modo que nós dependíamos da bibliografia estrangeira.

Para vocês terem uma idéia mais precisa do que isto significou, basta dizer que, antes do decênio de 30, os alunos do ginásio que quisessem livros bons tinham de recorrer a obras como: História natural, de Pizon, Química, de Bazin, Geologia, de Langlebert, Matemática, de Comberousse, Física, de Ganot (ou do seu mau adaptador português Nobre) etc. etc. De repente, Fernando Azevedo, que foi fundamental nesse processo, criou uma biblioteca didática brasileira, graças à qual os alunos de ginásio estudavam em livros feitos aqui em função deles. E isso ocorreu em várias outras editoras, de São Paulo, do Rio, de Porto Alegre.

Eu lembro da importância que tiveram livros como Anatomia e fisiologia humana, de Antonio de Almeida Júnior, ou Biologia geral, de Cândido de Mello Leitão, que dispensavam o acesso a Pizon, que só se podia ler em francês. Ou a série de livros de Joaquim Silva, que tomaram no ensino de história da civilização o lugar da rançosa História universal, do português Raposo Botelho. Muitos dos livros em português a que tínhamos acesso eram traduções das coleções francesas, F.T.D e F.I.C, todos publicados anonimamente e esta feita pelos maristas, cuja mentalidade tacanha e retrógrada aparecia sobretudo nos livros de história.

Quanto aos estudos brasileiros, a coleção Brasiliana, criada em 1931, foi seguida por outras, como Documentos Brasileiros, a partir de 1936, dirigida por Gilberto Freyre para a Editora José Olympio. Ou a Biblioteca de Divulgação Científica, dirigida na Civilização Brasileira por Artur Ramos, e outras menos importantes. O Brasil começou a se apalpar. Lembro de Afonso Arinos afirmar, num artigo, que raros países demonstravam tanta curiosidade sobre si mesmos quanto o Brasil naquela época. Lembro também de um artigo de Plínio Barreto, de 1937 ou 38, no qual dizia que na geração anterior todo jovem sonhava entrar na vida intelectual com um livro de poesias. Mas depois de 1930 o sonho era publicar um livro de sociologia... A voga dos estudos sociais correspondia ao grande desejo que o Brasil tinha de se conhecer.

Muito importante nesse sentido foi a iniciativa de Fernando de Azevedo de publicar os viajantes estrangeiros do século XIX. Em 1932, nós estávamos de passagem em São Paulo, vindos do Rio para Minas, quando meu pai chegou ao hotel com uma pilha de livros, entre os quais alguns com a capa vistosa da Brasiliana, que vi pela primeira vez: um mapa do Brasil de uma cor sobre fundo de outra, tudo semeado de estrelas brancas. Eram: Raça e assimilação, de Oliveira Vianna, As idéias de Alberto Torres, de Alcides Gentil, O marquês de Barbacena, de Pandiá Calógeras, A segunda viagem ao Rio de Janeiro e à província de Minas Gerais, de Saint-Hilaire. "Vocês devem ler isso", disse a mim e a meus irmãos. Eu tinha um pouco menos de 14 anos e comecei logo por Saint-Hilaire esse processo de iniciação ao Brasil.

A iniciativa de Fernando de Azevedo se liga à atmosfera de grande interesse pelos estudos sociais e políticos, que vinha dos anos de 1920 mas explodiu depois de 30, inclusive com o advento dos estudos sociológicos. Ao mesmo tempo houve uma espécie de radicalização das posições ideológicas, para a esquerda ou para a direita, gerando por parte desta certa desconfiança em relação à sociologia, considerada dissolvente dos valores tradicionais. Mesmo as idéias pedagógicas modernas despertaram animosidade, a tal ponto que a reforma do ensino feita por Fernando de Azevedo no Rio de Janeiro, antigo Distrito Federal, de 1927 a 1930, chegou a ser considerada empresa comunista. Ainda predominavam, no começo do decênio, obras de corte conservador, como Populações meridionais, de Oliveira Vianna, que Fernando de Azevedo, aliás, reeditou na Brasiliana. E foi nesse enquadramento que, de repente, surgiu em 1933, Casa-grande & senzala.

Heloisa - Como foi a reação ao livro, professor?

Antonio Candido - Hoje é difícil a vocês avaliar o impacto dessa publicação. Foi um verdadeiro terremoto, com reações favoráveis por parte da maioria dos leitores, sobretudo os mais esclarecidos, inclusive os comunistas. Mas houve muita restrição por parte dos elementos conservadores e da direita. É preciso vocês esquecerem as críticas posteriores sobre o corte conservador de muitas posições de Gilberto Freyre, porque numa perspectiva de história das idéias o livro dele atuou como força radical, devido à sua grande carga de desmistificação.

Heloisa - O que mais impressionava no livro?

Antonio Candido - Para responder talvez valha a pena contar como fiquei conhecendo o livro, em 1934. Eu tinha dois amigos, os irmãos Antonio Carlos e José Bonifácio de Andrada e Silva, que eram de esquerda, sendo um da minha idade e outro um ano mais velho. Como se vê pelo nome, pertenciam a uma família importante de políticos, uns liberais, outros conservadores, mas o ramo deles era todo de esquerda, tanto assim que tiveram um tio preso em Santos em 1935 por ocasião do levante comunista. Esses rapazes influíram muito na minha inclinação progressiva para o socialismo. Tendo morrido o pai, a mãe deles se mudou em 1933 para Poços de Caldas, de onde era natural e onde eu morava com minha família. Eles leram Casa-grande & senzala e me contaram como era o livro, do qual líamos trechos juntos. A primeira reação que lembro foi do Antonio Carlos, que começou a se olhar no espelho, a puxar os lábios para engrossá-los, dizendo: "Acho que sou mulato"!

Conto isso para indicar que nós, adolescentes, começamos por aí a tomar consciência da mestiçagem como algo próximo de nós, não como fato externo, mas como algo de que certamente participávamos, nós que éramos de famílias antigas, formadas num tempo em que eram intensas as relações sexuais entre senhores e escravas. Começamos a sentir que nalgum lugar da nossa ascendência, mais longe ou mais perto, poderia estar um antepassado negro. Se não me engana a memória, creio que foram desse tipo as nossas primeiras reações.

Parece que não é nada, mas é alguma coisa. Como vocês sabem, as famílias brasileiras sempre foram preconceituosas: mesmo, e talvez sobretudo, quanto eram mestiças. Léopold Sendar Senghor, então presidente do Senegal, contou a um jornalista francês o seguinte: quando esteve no Brasil, foi recebido de uma maneira encantadora. O presidente Juscelino Kubitscheck e os figurões do governo lhe diziam que gostavam muito dos negros, que foram amamentados por mãe preta, ou tiveram amas secas negras, pelas quais demonstravam extraordinário carinho. Senghor concluía: todos falavam com ternura das mães pretas que os criaram, mas nenhum mencionava a avó mulata que todos certamente tinham, como era visível por uma inspeção à primeira vista...

Resumindo, eu diria que talvez as nossas primeira impressões depois da leitura de Casa-grande & senzala foram que o negro teve importância fundamental não apenas na economia, mas na formação familiar e afetiva do brasileiro; e que a mestiçagem não era um fato relativo aos outros, mas a cada um de nós, eventualmente. Mais tarde viemos a saber que muitas dessas coisas já tinham sido ditas, inclusive por Sílvio Romero. Mas no tempo de Sílvio os tempos não estavam maduros, de modo que a bomba foi lançada por Gilberto Freyre, a quem ficamos devendo a noção exata da presença e da dignidade do negro.

Mais tarde percebi a extraordinária liberdade com que ele estudava a sociedade. Eu tinha lido naquela altura Oliveira Vianna, que meu pai admirava e cujos livros possuía. Quem descende de muitas gerações de fazendeiros, como ele, podia aceitar a perigosa noção de "aristocracia rural" formada por uma elite branca. Se lembro bem, ele ia um pouco nessa onda. Aliás, em Gilberto Freyre há também um pouco disso, mas apesar dos fermentos elitistas do seu livro ele mostrou que a formação do país não podia ser interpretada pela raça. Para nós, jovens bastante ignorantes, foi uma revelação a explicação que ela dava por meio da cultura, que não podíamos avaliar bem no momento mas teve papel cada vez mais importante em nosso modo de ver. Ele mostrou que o essencial está na organização familiar e política, na maneira de vestir, comer, na vida sexual, na relação com o meio. Graças a ele começou a se impor uma visão mais dinâmica, mais móvel da sociedade. As explicações por meio da raça são muito rígidas. E isso ajudou o brasileiro a desafogar, a ficar mais livre da mania de imitar a todo custo os padrões europeus, inclusive a mania da brancura, que aqui toca no ridículo. O Oliveira Vianna, por exemplo, tão racista, era mestiço. Elísio de Carvalho, autor de um dos livros mais racistas e reacionários, Evolução da sociedade brasileira, de 1912, era mulato escuro. Gilberto Freyre contribuiu para acabar com essas coisas.

Heloisa - O senhor já estava na faculdade quando leu Casa-grande & senzala?

Antonio Candido - Não. Como disse, mais participei da leitura de meus amigos do que li Casa-grande & senzala quando estava no 3º. ano do ginásio. Só fui ler direito, de cabo a rabo, depois de terminado o ginásio, no fim de 1935. Nessa ocasião meu pai me deu de presente a 3ª. edição. Devo ter feito a leitura completa lá por 1937 ou 38, já no curso complementar.

Quero ainda dizer que aos poucos fui vendo outros lados do livro, nem sempre favoráveis. Creio que o li inteiro umas cinco vezes, e uma coisa que acabou parecendo negativa foi a visão senhorial a que aludi há pouco, a idéia de que a classe dominante era o sal da sociedade. É fato que ela fez muito e em certos casos tudo, mas isso não justifica o desvanecimento em relação a ela. Além disso, ele extrapolou ao estender para todo o Brasil traços que são apenas do Nordeste, sobretudo de Pernambuco. Segundo me disse um eminente pernambucano, mesmo em relação a Pernambuco houve extrapolação, pois Gilberto Freyre, rapaz de cidade, educado em parte nos Estados Unidos, conhecia pouco da vida no interior do Estado. Na verdade, conhecia bem só o engenho Japaranduba, de Pedro Paranhos Ferreira, que tinha um requinte absolutamente excepcional, que ele espichou como se fosse a norma. Essas extrapolações exprimem um traço interessante de Gilberto Freyre, que é a imaginação criadora, fonte de muito do seu encanto e do relevo de suas idéias. Casa-grande & senzala talvez seja em parte uma obra de ficção histórica, ficção transfiguradora e divinatória que seduziu a nossa mocidade e faz parte do seu imenso talento. Penso que ele é um dos maiores intelectuais do século XX em escala universal.

Um pormenor que exprime bem o que sentíamos naquele tempo: quando entrei para o 1º. ano da Faculdade de Filosofia, conheci Décio de Almeida Prado, já formado em 1938. Logo nos identificamos, porque os nossos pais se davam, foram contemporâneos na Faculdade de Medicina do Rio, onde ambos foram, em anos diferentes, internos de um tio meu que era professor de Clínica Médica. Numa de nossas conversas, Décio me perguntou: "Se você fosse escritor, gostaria de escrever um romance ou um ensaio?" (ele declarou em seguida que preferiria escrever um romance). Respondi sem hesitar: "Um ensaio". E informei que o livro que gostaria de ter escrito era Casa-grande & senzala. Por aí vocês vêem como eu o admirava, o que não me impediu, mais tarde, de criticar bastante as posições ideológicas que se poderiam extrair do livro. Mas quando era estudante, cheguei a pensar em escrever, à maneira de Gilberto Freyre, um estudo sobre a formação social do Sul de Minas, minha região, focalizando os fazendeiros, naturalmente...

Heloisa - No prefácio que o senhor escreveu para a quinta reedição de Raízes do Brasil,3 3 Publicado, em 1969, sob a forma de um prefácio na quinta edição de Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, esse texto de Antonio Candido foi republicado nas sucessivas reedições desse livro. de Sérgio Buarque, o senhor fala um pouco sobre a reação da sua geração a esse livro e menciona também a influência do Caio Prado Jr.

Antonio Candido - Raízes do Brasil não teve o mesmo impacto de Casa-grande & senzala. Ele foi penetrando discretamente e só mais tarde o ritmo das edições mostrou a sua presença forte. Eu o conheci nas mãos dos mesmos amigos de que já falei, e também só aos poucos fui me capacitando da sua grande importância, porque é discreto e não tem o encanto pitoresco do livro de Gilberto Freyre, que ele de certo modo retificava, ao assumir posição diferente com relação à colonização portuguesa e ao demonstrar confiança no povo, que o outro ignora. Como falei bastante dele no prefácio a que você alude, e foi escrito por desejo de Sérgio, bastam essas considerações.

Em 1935 li Evolução política do Brasil, de Caio Padro Júnior, publicado em 1933 em edição custeada por ele, porque naquele tempo isso ainda era freqüente. É um resumo sem o peso dos anteriores, mas exerceu sobre mim uma grande influência, porque foi o primeiro ensaio de interpretação marxista da história do Brasil. Nós estávamos descobrindo o socialismo e ele atuou a favor deste junto com a História do socialismo e das lutas sociais, de Max Beer.

Heloisa - Como é que cruzava o socialismo, a Faculdade de Direito e a graduação em Ciências Sociais, na sua experiência?

Antonio Candido - No começo eu confundia um pouco socialismo com sociologia, achando talvez que esta era uma preparação para ele. Havia pouca informação de cunho ideológico na minha turma. Quanto ao momento histórico, já sentíamos vagamente a superação do coronelismo, que ainda vi funcionando na minha pequena cidade de Cássia, no Sudoeste de Minas, onde minha família compunha a oligarquia local. Para os jovens, sobretudo os do interior, como eu, o panorama era confuso. Daí a aproximação de socialismo com sociologia.

Mas o fato é que a sociologia suscitava o espírito crítico e analítico em relação às instituições, de modo que gerava desconfiança entre os conservadores. De outro lado, os poucos marxistas existentes aqui a consideravam uma ciência burguesa. Tudo somado, os estudos sociológicos naquela altura eram algo "progressista", porque mostravam o caráter relativo e condicionado do Estado, da família, da igreja, da escola etc. Não sou capaz de reconstituir exatamente o estado de espírito que me fez escolher a então denominada sub-seção de Ciências Sociais e Políticas na Faculdade de Filosofia. Mas sei que entre os motivos estavam o interesse pelos estudos sobre o Brasil, um certo pendor para o lado social, a vontade de estudar filosofia. A atmosfera do tempo era muito saturada de política, e por causa disso é bom dizer uma palavra sobre o integralismo, que era uma das opções da minha geração.

Quando tomamos conhecimento dele, ali por 1933, em Poços de Caldas, meus amigos e eu ficamos imediatamente contra. Mas eu me interessei em saber o que era, inclusive porque gostava dos romances de Plínio Salgado. Tive amigos integralistas e cheguei a ir a duas ou três reuniões públicas deles, como simples espectador. Em 1934, meu amigo José Bonifácio inspirou no ginásio a fundação de uma academia (12 membros) e um jornal (Ariel). Aí deu-se o choque, por causa do artigo de um amigo nosso elogiando Rousseau. Um colega integralista protestou, a coisa se alastrou e nosso grupo saiu da academia e do jornal (onde eu tinha publicado o meu primeiro artigo). E assim acabou a tolerância.

Passado muito tempo, procurei voltar mentalmente ao passado e avaliar com a possível isenção os motivos de tantos rapazes integralistas que conheci, e fui percebendo que, se entre eles havia fascistas configurados, e mesmo uma ala de corte nazista, houve outros que queriam sinceramente uma fórmula brasileira para resolver os problemas sociais. Por isso, muitos deles foram deixando o integralismo e chegaram a ser militantes de esquerda e marxistas intransigentes.4 4 A esse respeito, ver o artigo de Antonio Candido, "Integralismo = fascismo?", publicado no livro Teresina etc. (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, pp. 119-132), no qual o autor recupera as suas impressões a respeito dos integralistas que conheceu e faz um levantamento dos motivos que os levaram a aderir ao movimento.

Isso mostra como o decênio de 1930 foi de fermentação e de opções drásticas para a mocidade, levando-nos a nos politizarmos, não apenas em função do Brasil, mas dos acontecimentos internacionais. Sobretudo a expansão do fascismo, o advento do nazismo e a atração exercida pela União Soviética. Nessa época, os Estados Unidos, que passaram a ter muita influência no Brasil, tinham setores radicalizados, inclusive no âmbito da literatura. Vários escritores de esquerda, como John Steinbeck, eram lidos aqui. Havia uma onda de radicalização que percorreu todo o decênio de 1930 e da qual eu tenho saudade. Muita saudade, mesmo, porque parecia que as coisas iam dar certo. Que nós íamos lutar contra o fascismo, íamos derrubá-lo e abrir caminho para o socialismo. Pensávamos que o presidente Roosevelt ia quebrar os dedos do capitalismo, que a República Espanhola ia ganhar a guerra civil, que os integralistas aqui não iriam prosperar. Mas, ao contrário do esperado ou desejado, começou a dar tudo errado. Franco ganhou na Espanha, Hitler se consolidou na Alemanha, Roosevelt não domesticou o capitalismo e, pior do que isto, começou uma coisa inesperada: a desilusão com a União Soviética por parte de pequenos grupos de esquerda, a um dos quais acabei me ligando. Para a esquerda daquele tempo, a União Soviética era o modelo e as suas realizações atraíam setores liberais de classe média. Havia muitos livros de viagem sobre a Rússia e tudo que saía nessa direção era lido por nós. Até que de repente começaram a circular notícias sobre os infames processos de Moscou, e em 1939 estourou a bomba do pacto de Stalin com Hitler.

Heloisa - Professor, essa ligação com a política era mais da parte do seu grupo ou era mais geral?

Antonio Candido - Creio que era mais geral, mas talvez eu esteja vendo as coisas do ângulo das pessoas que vieram compor a partir de 1934 os grupos políticos aos quais me incorporei. Até então eu tinha interesse apenas intelectual pela política, e aliás a política nunca foi preocupação central para mim. Comecei por um interesse platônico pelo socialismo ali por 1934 e li a literatura corrente sobre o assunto: resumo de O capital, por Gabriel Deville, ABC do comunismo, de Bukarin, Anti-Dühring, de Engels, o citado livro de Max Beer, que era uma bíblia para a rapaziada. Mais tarde li a primeira parte de O capital. Inteiro, nunca li e creio que pouca gente lia naquele tempo.

Mas em 1936, quando eu vim para São Paulo estudar, esqueci completamente a política. Fiquei deslumbrado com a cidade grande, vivia atrás de concertos, livrarias, conferências, exposições. Era o tempo em que o Mário de Andrade estava transformando a vida cultural por meio do Departamento de Cultura. Uma fermentação cultural incrível! Imaginem uma cidade que até então só conhecia as pequenas temporadas de ópera, alguns concertos de Guiomar Novais ou Brailovski, e de repente passa a ter quartetos e trios instrumentais, orquestra sinfônica regular, corais, concertos populares, discoteca - isso, para falar só do setor musical. Esse movimento renovador me interessou tanto, que no 2º. ano da Faculdade, em 1940, curso de Sociologia Estética de Roger Bastide, fiz uma pesquisa e redigi um pequeno trabalho sobre a evolução do gosto musical em São Paulo, baseado nas fichas da Discoteca, nos programas de concerto, nas notícias dos jornais, e pude verificar a importância da ação do Mário de Andrade, pois à medida que passavam os anos o gosto pela ópera descia e subia o gosto pela música sinfônica e de câmera.

O Departamento de Cultura foi o único grande esforço de difundir em nível popular a cultura que São Paulo tinha conhecido até então. Mário de Andrade criou, por exemplo, as bibliotecas ambulantes, furgões com livros que paravam em certos locais, abriam as portas, punham umas mesinhas em volta e forneciam livros aos leitores, ao ar livre. Criou os parques infantis, onde os meninos brincavam, cantavam, recitavam, representavam sob a direção do pessoal especializado. Os anos de 1930 foram mesmo um período extraordinário na história do Brasil, percorridos pela grande esperança de renovação e popularização da cultura. A isso se misturava um vago radicalismo que levava o pessoal da direita a considerar comunistas os renovadores, gente de corte mais para liberal-progressista, como Fernando de Azevedo, Mário de Andrade, Anísio Teixeira.

Nos anos de 30 e 40 houve uma coisa importante: a aceitação crescente da arte moderna, que antes só atraía grupos reduzidos. Mas havia muita reação contrária, como a que acabou tirando Mário de Andrade do Departamento de Cultura. Em 1939 fui com um amigo ao 2º. Salão de Maio, no Hotel Esplanada. Logo na entrada havia a estátua de barro de uma mulher nua. Entramos, vimos a exposição e quando voltamos encontramos um homenzinho indignado deblaterando com os guardas perto da estátua que estava sem a cabeça. Mais tarde soube que ele era Quirino da Silva, autor da escultura cuja cabeça acabava de ser cortada pela bengala de um visitante revoltado naturalmente com a sua modernidade. Conto isto para vocês verem qual era a atmosfera da época.

Modernismo, cultura popular, sociologia, socialismo, regeneração do Brasil, tensão entre direita-esquerda - tudo isso surgiu ligado ao nacionalismo e ao profundo interesse pelas coisas brasileiras. Foi um período extraordinário, e nele vigorou a idéia de institucionalização acadêmica das ciências sociais, idéia que já vinha amadurecendo desde os anos de 1920. Quando se criou o Ministério da Educação, em 1930, Francisco Campos, que foi um excelente ministro da Educação, embora de tendências fascistas, criou no papel as Faculdades de Filosofia, Ciências, Letras e Educação, velha aspiração. Em 1933 foi criada em São Paulo a Escola Livre de Sociologia e Política e, em 1934, a nossa Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo.

Heloisa - Quando o sr. entrou na faculdade, que estrangeiros estavam lá?

Antonio Candido - Eu entrei em duas etapas, porque no meu tempo havia uma instituição muito boa, à qual eu devo a recomposição do meu curso ginasial deficiente: o Colégio Universitário. O ensino médio se compunha de cinco anos de curso ginasial e mais dois de curso complementar. Os colégios do interior não tinham cursos complementares, que aos poucos foram se organizando em alguns mais importantes da capital: Rio Branco, São Bento etc. O melhor era o oficial, denominado Colégio Universitário, anexo à Universidade de São Paulo, no qual se entrava mediante concurso de seleção sempre que o número de candidatos fosse maior do que o número de vagas. Os cursos eram dados nas próprias faculdades, distribuídos em cinco seções. Eu entrei na 1ª. seção, que funcionava na Faculdade de Direito e preparava para direito, filosofia, ciências sociais, geografia e história. A 2ª. seção preparava para medicina, veterinária, farmácia e odontologia, funcionando junto às respectivas faculdades. A 3ª. preparava para engenharia, matemática, física, química e funcionava na Escola Politécnica. A 4ª. preparava, se não me engano, para agronomia e de certo funcionava em Piracicaba. A 5ª. seção, que surgiu depois, preparava para letras e funcionava na Faculdade de Filosofia. Infelizmente o Colégio Universitário só durou cerca de dez anos, se tanto, e acabou com a reforma Capanema de 1943.

Heloisa - O corpo docente era o mesmo da Faculdade ou era diferente?

Antonio Candido - O Colégio Universitário tinha os seus próprios docentes. Na 1ª. seção tive alguns bons e outros ruins, como é a regra em qualquer lugar, e três ou quatro de alta qualidade, que exerceram influência nos meus estudos: Antônio de Sales Campos, de Literatura, muito informado e excelente expositor, que nos orientava para tomar como base bons compêndios, a exemplo do de Alfred e Maurice Croiset para literatura grega, René Pichon para literatura latina, Gustave Lanson para literatura francesa, e assim por diante. João Batista Damasco Pena ensinava Psicologia com grande eficiência; ficou meu amigo e orientou minhas leituras. Graças a ele me familiarizei com os dois grossos volumes do excelente Manual de filosofia, de Armand Cuvillier. A estes eu poderia juntar mais dois: o seco e preciso Aroldo de Azevedo, de Geografia Humana, e o pedante mas erudito e eficiente monsenhor José de Castro Nery, de História da Filosofia. Este indicava o compêndio de Leonel Franca, mas por minha conta li também o velho de Alfred Fouillée e o velhíssimo de Janet-Séailles.

Em compensação tive alguns professores ruins de Lógica, de Economia Política, de Latim. Incrível era o de Sociologia, matéria que me interessava especialmente e estudei muito por conta própria, porque as aulas eram uma calamidade, pura retórica vazia que agüentamos por dois anos. A mania dele era discorrer incansavelmente sobre a família e o divórcio, dizem que porque tinha medo que a mulher o largasse... Os livros que eu lia eram: Princípios de sociologia, de Fernando de Azevedo, Éléments de sociologie, de Bouglé e Raffault, As regras do método sociológico, de Durkheim, Introduction à la Sociologie, de Armand Cuvillier e alguns outros, como o pequeno resumo didático de Marcel Déat, socialista que acabou fascista e colaboracionista no tempo da ocupação alemã na França.

Heloisa - E o namoro com as letras começou no colégio?

Antonio Candido - Não. Começou antes de eu nascer!

Heloisa - Professor, mudando de assunto, gostaríamos também que o senhor falasse um pouco sobre a experiência do Anísio Teixeira na Universidade do Distrito Federal, no Rio de Janeiro.

Antonio Candido - Quando foi secretário de Educação e Cultura no governo de Pedro Ernesto, no Rio de Janeiro, Anísio Teixeira ideou e fundou em 1934 a Universidade do Distrito Federal, mas foi preso e destituído em 1935, na onda de repressão depois do levante comunista. A universidade foi se alterando e em 1939 formou com a Universidade do Rio de Janeiro, mero nome para indicar as escolas tradicionais, a Universidade do Brasil. O plano de Anísio, completamente alterado, era inovador, com ensino superior de Artes, Literatura, História, Antropologia etc. O corpo docente foi composto por brasileiros de categoria, como Gilberto Freyre e Mário de Andrade, ou de grande futuro, como Sérgio Buarque de Holanda, Prudente de Moraes Neto, Afonso Arinos de Melo Franco; e por franceses, em geral já consagrados, que na maioria ficaram aqui apenas um ano eletivo, como Émile Brehier, de Filosofia, Henri Hauser e André Piganiol, de História, Fortunat Strowski, de Literatura Francesa, Pierre Deffontaines, que a seguir veio para a USP, de Geografia e outros. Creio que entre eles estava também André Ombredanne, que ensinou durante a guerra na Universidade do Brasil e teve grande influência em Psicologia e Neurologia. Mas conheço pouco dessa notável experiência e acho que deveria ser estudada. Foi um momento brilhante, sacrificado pela reação de direita e sua intolerância.

Heloisa - Professor, fale um pouco da sua experiência nos estudos literários quando estava no Colégio Universitário.

Antonio Candido - Naquele tempo havia uma atividade muito interessante: os cursos públicos, que professores estrangeiros davam além das aulas regulares. Se não me engano, era o que se chamava na França cours de soir. Como eu era apaixonado por literatura, freqüentava o curso livre de literatura francesa dado por Pierre Hourcade, professor dessa matéria na Faculdade. Era às cinco horas da tarde, primeiro na Escola Álvares Penteado, ao lado da Faculdade de Direito; depois, no Instituto Histórico, pouco adiante. Eu saía da aula e corria para lá. Esses foram os únicos cursos monográficos de literatura em nível superior a que eu assisti na vida. No primeiro semestre de 1936 o tema foi a obra de Flaubert; no segundo, os poetas parnasianos. Em 1937 Hourcade anunciou para o 1º. semestre um curso sobre os românticos irregulares, como introdução ao do 2º. semestre, sobre Baudelaire. Mas aconteceu que, estando certa manhã dando a sua aula na Faculdade de Filosofia, que então tinha a diretoria e algumas seções funcionando na de Medicina, ocorreu um incidente muito desagradável: em protesto contra o que eles consideravam intromissão no espaço do seu prédio, estudantes de medicina entraram na sala quebrando ampolas do fétido gás sulfídrico e expulsaram professor e alunos. Os diretores das duas faculdades se demitiram indignados, mas a Filosofia foi de fato expulsa e se refugiou num prédio da rua Consolação, que ia ser demolido para a construção da Biblioteca Municipal. Traumatizado, Pierre Hourcade infelizmente interrompeu dali a pouco o curso que eu seguia e no fim do ano voltou para a Europa.

Nesse tempo eu era aluno do Colégio Universitário. Depois fiz dois vestibulares, em 1939, e entrei, ao mesmo tempo, na Faculdade de Direito e na Faculdade de Filosofia. Eu entrei para a Faculdade de Direito a pedido do meu pai. Ele queria que eu fosse médico e para atendê-lo prestei exame para a 2ª. seção do Colégio Universitário em janeiro de 1936, sendo felizmente reprovado. Fiquei num curso preparatório, mas no começo de 1937 decidi por conta própria me inscrever na Faculdade de Filosofia, isto é, na 1ª. seção do Colégio Universitário. Quando comuniquei o fato a meu pai ele concordou sem problemas, mas pediu que eu estudasse também Direito, porque naquele tempo não se sabia bem qual poderia ser o destino profissional dos formados na nova Faculdade. Achei que devia retribuir a compreensão dele e concordei. O resultado é que, como assistia de manhã às aulas de Direito e, à tarde, as da Faculdade de Filosofia, sobrava pouco tempo para o estudo, ao contrário dos dois anos do Colégio Universitário, quando eu passava as manhãs lendo. Os meus dois cursos superiores foram bastante truncados.

No meu exame vestibular para a Faculdade de Filosofia houve episódios pitorescos. Vou contar o de sociologia. Como introdução, é preciso dizer que os professores da sub-seção de Ciências Sociais e Políticas eram todos franceses, salvo um italiano, e todos davam aulas, examinavam e se dirigiam aos alunos nas suas línguas. Entendesse quem pudesse. O presidente da banca era o professor de Estatística, Luigi Galvani, da Universidade de Nápoles. À sua direita, Roger Bastide examinava os pontos sorteados. Numa mesinha à direita de Bastide, a assistente Rita de Freitas mandava ler e explicar um trecho de As regras do método sociológico, de Durkheim. A gente começava por ela. Quando passei a Roger Bastide ele perguntou o que entendi ser o seguinte: "Quelle est la importance sociologique du Nil". Eu caí das nuvens. Importância sociológica do Nilo? Comecei então a falar que segundo Heródoto o Egito era um presente do Nilo, pois, de fato, era o seu trasbordamento nas cheias que fertiliza as terras, o que permitia a agricultura e, portanto, a formação de comunidades - e por aí ia indo ante um Bastide impassível, até que o Galvani me interrompeu, bradando: "Ma non! Il professore à domandato quale è l'importanza sociologica di 'une île', un'isola, come la Sicília o la Sardegna!". Tratava-se, portanto, da importância do isolamento, que segrega os grupos, favorece o conservantismo etc. Eu engrenei e fui tocando até ser dispensado, recebendo nota suficiente. Bastide ia deixando eu me afundar sem a menor retificação, com um aparente sadismo que mais tarde me explicou a propósito de outros fatos: quando um aluno começava a dizer coisas insólitas ele não interrompia, para ver onde ia parar, porque às vezes resultava em coisa interessante... Talvez se eu tivesse continuado a criar uma sociologia do Nilo ele me desse dez pela originalidade...

Heloisa - Como era o curso de Ciências Sociais?

Antonio Candido - Naquele tempo havia uma carga bem grande de Filosofia, e duas cadeiras de Sociologia. Uma, de Roger Bastide, era mais ligada a temas concretos. A outra era teórica, a cargo de Paul Arbousse-Bastide, o Bastidão, porque ele era alto e robusto, enquanto Bastide, pequeno e franzino, era chamado Bastidinho. Os dois eram protestantes, do Sul da França, amigos desde a adolescência, mas não parentes, apesar do sobrenome comum. Arbousse era um professor muito inteligente e sutil, mas chato nas aulas.

Heloisa - Por que ele era chato?

Antonio Candido - Ele era enorme, tinha as pálpebras caídas por trás dos óculos grossos, falava com voz grave e sonolenta. A sua aula era às duas da tarde. A gente chegava do almoço correndo e, como ele tinha o hábito de balançar na ponta da corrente o relógio de bolso, o professor Cruz Costa dizia que eram verdadeiras sessões de hipnotismo. A maioria da classe começava a dormir logo em seguida. Mas ele foi o único professor que vi distribuir o texto das aulas antes de começar. E eram apostilas muito boas, algumas notáveis, como as famosas sobre a distinção entre método, processo e técnica, que ele analisava com finura. O Florestan aproveitou muito essa distinção, que me serviu, mais tarde, quando eu já era professor de literatura, para dizer aos alunos: "O estruturalismo pode ser muito útil como técnica, mas não como método".

Com Arbousse tive um curso muito útil de história das idéias sociológicas, tendo como texto de referência a tradução francesa de um livro que estava na moda: Teorias sociológicas contemporâneas, de Pitirim Sorokin, russo naturalizado americano. Arbousse era ótimo em análise de textos, e nos explicou no 2º. ano a Divisão social do trabalho, de Durkheim, devendo cada aluno comentar por escrito um capítulo. Na faculdade, naquele tempo, Durkheim era o mestre por excelência da sociologia. No 3º. ano Arbousse tinha passado da cadeira de Sociologia II para a de Política, tendo como assistente Lourival Gomes Machado, ótimo expositor, que nos deu um curso de história das idéias políticas, enquanto ele analisava o Contrato social, de Rousseau, de maneira realmente notável. Lourival aproveitou muito essas aulas, tanto assim que mais tarde prefaciou e traduziu com sua mulher o livro de Rousseau, cuja teoria da vontade geral foi objeto de sua tese de cátedra.

Heloisa - Como era Roger Bastide como professor?

Antonio Candido - Bastide era um homenzinho com cara de chinês, muito bondoso, generoso, tranqüilo, de uma grande sabedoria e professor excelente. Ele não tinha preconceitos teóricos e metodológicos. Durante a lenta elaboração da minha tese de doutorado eu tinha muitas dúvidas, devido ao meu viés literário. Então perguntava a Bastide se aquilo era mesmo sociologia, só sociologia, porque naquele tempo havia uma espécie de obsessão com a especificidade, com a pureza inconfundível da disciplina, herança de Durkheim, que precisou proclamar a validade incontaminada da nova ciência. Bastide, que fora aluno do mais aberto Gaston Richard, em Bordeaux, dizia que era lícito misturar sociologia, história, antropologia, embora fosse cioso do predomínio que a sociologia devia ter nos trabalhos que pertenciam ao seu âmbito. Por isso, quando eu lhe manifestava as minhas dúvidas, ele dizia: "O importante não é que a tese seja ou não sociológica, mas que seja boa". Apesar disso, quando defendi a tese, enquanto todos os examinadores me deram dez, ele deu nove, ou nove e meio, não lembro, alegando que era mais antropológica do que sociológica...5 5 Intitulada Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre a crise nos meios de subsistência do caipira paulista, a tese foi defendida em 1954 e examinada pela seguinte banca: Fernando de Azevedo (orientador), Aroldo de Azevedo, Egon Schaden, Paul Arbousse-Bastide e Roger Bastide. Defendida como tese de doutorado em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo, onde Antonio Candido foi durante dezesseis anos assistente da cadeira de Sociologia II, regida por Fernando de Azevedo, a tese ganhou a sua primeira edição dez anos depois, em 1964. Reconhecido como um dos clássicos da sociologia e da antropologia brasileiras, encontra-se atualmente na 9ª. edição, tendo sido reeditada este ano pela 34 Letras numa caprichada edição, acrescida de fotografias inéditas tiradas pelo autor na fazenda Bela Aliança, onde ele fez a pesquisa de campo entre o final dos anos de 1940 e início dos anos 50. Para uma análise circunstanciada deste trabalho, bem como para um levantamento dos trabalhos mais importantes escritos sobre ele, consultar o artigo de Luiz Jackson, "A tradição esquecida: estudo sobre a sociologia de Antonio Candido", publicado neste número da revista. Um espírito muito curioso.

Ele era um grande professor e um homem adorável, que dava cursos atraentes e imaginativos, embora o que nos deu no meu primeiro ano de faculdade pareça perdido. Foi sobre o método monográfico, baseado no orçamento familiar, segundo a Escola de Le Play, carregado de minúcias cacetes. Mas nos trabalhos práticos orientou a mim e a um colega para pesquisar no Arquivo do Estado a mortalidade infantil entre os negros do Vale do Paraíba, no século XVIII. Fomos lá muitas vezes debulhar a papelada, tabulamos, aprendemos a fazer gráficos e demos o material a Bastide, que costumava aproveitar os dados colhidos assim nos seus trabalhos. No segundo ano do meu curso, em 1940, deu um curso interessantíssimo de sociologia estética. No primeiro semestre, a parte teórica, usando a bibliografia que está no livro que mais tarde publicou sobre o assunto. No segundo, analisou o barroco, expondo primeiro as teorias gerais (Weisbach, Eugenio D'Ors, Hannah Levy); depois, concentrando-se no caso brasileiro. Fomos ver o convento do Embu em vias de restauração, fomos a São Miguel e Carapicuíba, estudamos com ele grandes fotografias de Ouro Preto que ia pedir emprestadas no Serviço do Patrimônio, que estava em plena fase de revalorização do nosso barroco. No terceiro ano, 1941, deu um belo curso, a meu pedido (vejam como era atencioso), sobre sociologia dos mitos, debulhando uma vasta bibliografia e usando exemplos brasileiros.

Bastide atendia os alunos com solicitude e delicadeza, dava orientação bibliográfica por escrito e até emprestava as notas de aula. Nas aulas começava sempre comentando a bibliografia a respeito do assunto, depois passava à crítica e acabava apresentando o seu ponto de vista. Os assistentes dele expunham matéria paralela ou os seus próprios trabalhos. Lembro que Lucila Herrman nos iniciou na sociologia urbana americana, aplicando a São Paulo as observações ecológicas da Escola de Chicago.

Além de Sociologia tínhamos três anos de Economia Política, sendo o terceiro ano dedicado à História das Doutrinas Econômicas. O professor era Paul Hugon, meticuloso e didático, sempre um pouco distante, do tipo que dá aula e vai embora sem tomar conhecimento dos alunos. O olhar dele pairava sobre o auditório sem fixar ninguém. Era muito conservador e não poupava críticas a Marx, sobre quem emitiu certa vez um juízo impressionante: "Eu e os meu colegas das universidades alemãs escarafunchamos O capital durante quatro anos e chegamos à conclusão que esse senhor não tem originalidade, nem profundidade, nem força de pensamento". Segundo ele, os livros fundamentais, de leitura obrigatória, eram: A riqueza das nações, de Adam Smith, Tratado de economia política, de Alfred Marshall e A economia pura, de León Walras. Mas concordou que eu lesse para o trabalho de aproveitamento a primeira parte de O capital. Isso se passava em 1941. Hugon nunca perdeu contato com o Brasil, e mesmo depois de voltar à França continuou vindo aqui com freqüência. Acabamos nos dando muito bem e cheguei a ver a mudança que o tempo efetuou nele. Em 1969 eu o reencontrei lá nos barracões da Faculdade de Filosofia na Cidade Universitária e ele comentou com simpatia o movimento estudantil francês do ano anterior, lamentou a nossa situação, com os militares perseguindo os estudantes e conclui para a minha surpresa: "Se eu fosse moço hoje, seria comunista com certeza".

Outra matéria de três anos estava a cargo de Luigi Galvani, professor notável que dava no primeiro ano Complementos de Matemática, no segundo, Estatística Geral e no terceiro, Estatística Aplicada, com referência sobretudo à Demografia. Era tão claro e atraente, que até gente completamente alheia à matéria, como eu, ficava presa às suas aulas. Elas eram dadas em italiano e às vezes geravam confusões pitorescas, como a de uma colega que, ouvindo com freqüência, frases "i numeri si combinano fra di loro", ou "se consideriamo fra di loro queste equazioni", - observou um dia: "Esse frade deve ser um bamba, porque o Galvani volta e meia fala nele". Ela havia transformado a locução "entre si", "entre eles" num nome: Fra Diloro... Isso é dito para sugerir como podíamos ter problemas com as línguas estrangeiras nas aulas.

Fiz com grande proveito dois anos de Geografia Humana, a cargo de Pierre Monbeig, inclusive porque me interessei pela matéria e li bastante alguns autores que tiveram influência no meu trabalho de pesquisa e interpretação para a tese de doutorado: Vidal de La Blache, Jean Brunhes, Max Sorre, Pierre Gourou e outros. Eu estudava bastante e fazia o possível nas provas, mas só tirava 4 ou no máximo 5, as notas mínimas, porque Monbeig implicou comigo desde o exame vestibular, em que fui mal, e por causa de uma piada sem graça que fiz logo a seguir, conversando com ele e com o professor Jean Maugüé. Depois de formado fiquei amigo dele, nos demos muito bem e eu sempre o admirei. Quando eu aludia às notas que ele me dera, ele dizia assim: "Ah, não me fale nisso". Era um grande professor e um profundo conhecedor do Brasil, sendo, dos estrangeiros, o que falava melhor português. Tinha sempre nos lábios um cigarro caipira de palha e fumo de rolo.

Mas realmente a grande influência que eu e meus amigos sofremos foi a do referido Maugüé, que ensinava Filosofia e foi o maior professor que já vi.6 6 A influência de Maugüé sobre Antonio Candido e seus amigos mais próximos da faculdade, como Ruy Coelho, Décio de Almeida Prado, Gilda de Mello e Souza, Paulo Emílio Salles Gomes e Lourival Gomes Machado (responsáveis pela publicação, entre 1941 e 1944, da prestigiada revista Clima) é enfaticamente mencionada nos vários depoimentos que eles deram sobre a experiência que tiveram na Faculdade de Filosofia, primeiro como alunos e depois como professores. A esse respeito, consultar especialmente o depoimento de Gilda de Mello e Souza publicado na revista Língua e Literatura (vols. 10-13, 1981, pp. 9-34), a entrevista com Antonio Candido, feita sob a forma de uma conversa entre Décio de Almeida Prado (o entrevistador), o entrevistado e Gilda de Mello e Souza, editada por Zuenir Ventura e publicada em 3 Antônios e 1 Jobim (Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993, pp. 93-129), a entrevista que Antonio Candido concedeu a Gilberto Velho e Yone Leite, publicada com o título "Os vários mundos de um humanista" em Ciência Hoje (n. 91, vol. 16, junho de 1993, pp. 28-41). Consultar, ainda, as entrevistas que Antonio Candido concedeu a Sônia Maria de Freitas (transcrita em sua dissertação de mestrado, Reminiscências: contribuição à memória da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1934-45, São Paulo, FFLCH, USP, 1992, pp. 35-43) e a Andréa Alves (transcrita em sua monografia de graduação, Sociologia e Clima: dois caminhos, um debate, Departamento de Ciências Sociais, UERJ, 1991, pp. 1-26).

Heloisa - Por quê?

Antonio Candido - Por quê? Pergunte ao céu por que ele é azul... Era um gênio didático, um expositor elegante, expressivo e penetrante, tinha uma inteligência original, pronta e luminosa, completada pela imaginação fora do comum e o mais incrível senso do auditório. Não fez carreira universitária no seu país, em grande parte porque não quis. Não terminou a tese de "doctorat d'État", não respeitava as convenções acadêmicas, era irreverente, meio preguiçoso, e apesar disso era admirado pelos colegas, não apenas por nós. Certa vez, muito mais tarde, o professor Cruz Costa, estando em Paris, foi visitar Merleau-Ponty, amigo de Maugüé, que lhe disse mais ou menos: "O Maugüé é professor de liceu, não fez nem fará o doutorado, mas quero ver se, assim mesmo, arranjo uma nomeação para ele no Collège de France, pois quero que as pessoas o escutem". Mas isso não foi avante e ele se aposentou como professor de liceu.

Heloisa - Mas como esse homem influiu tanto sem ter propriamente uma obra?

Antonio Candido - Maugüé não fazia questão de publicar nem de "fazer currículo", que, como vocês sabem, é muitas vezes uma operação farisaica. Ele estava interessado em compreender a vida, as obras, as pessoas, e despertar nos alunos uma atitude semelhante. Nesse sentido era de tipo socrático e se realizava falando, não escrevendo. Como disse, era meio preguiçoso, acordava tarde, almoçava tarde e tinha um leve toque de snobismo. Gostava de relações granfinas e com o passar do tempo foi ficando elegante, vestindo-se com sobriedade e bom gosto. Era alto, robusto, louro de olhos azuis, bonitão. Despertava bastante entusiasmo nas mulheres, inclusive algumas ouvintes que freqüentavam as suas aulas. Teve paixões infelizes por umas moças agranfinadas e nesses casos se comportava com bastante ingenuidade.

A aula dele era geralmente das cinco às sete da tarde, mas ele costumava prorrogá-las. Chegava, ia à sala, punha a pasta na mesa e voltava ao corredor, sempre acompanhado pelo seu assistente e fiel amigo Cruz Costa. Alguns alunos que iam chegando se aproximavam e ele falava de vários assuntos, que continuava a tratar no começo da aula. Geralmente algum filme da semana, acontecimentos, livros. Lembro do dia em que nos disse: "Vocês precisam ler um livro muito bom do meu colega Sartre que acaba de aparecer: Le mur".

A sua sala de aula estava sempre cheia, com três tipos de ouvintes: os aluno regulares, antigos alunos que não conseguiam se desprender do seu fascínio e ouvintes curiosos, alguns muito constantes. Ele começava geralmente como se estivesse hesitando, tateava e de repente engrenava e se punha a expor com uma clareza, uma elegância e uma competência incríveis, tornando interessante qualquer matéria. Não era propriamente filósofo, mas um excelente professor de filosofia, o que não deixou de ser bom para uma Faculdade jovem, povoada por alunos de formação secundária modesta, num país de pouca cultura. E como os seus interesses eram amplos, tocava em literatura, arte, política, cinema, música, tornando a reflexão filosófica uma verdadeira iniciação ao entendimento da vida e da cultura. A sua formação era vasta, pois deu cursos sobre Platão, Descartes, Spinoza, William James, Augusto Comte, Pascal.

No meu primeiro ano, em 1939, deu um curso sobre Teoria das emoções. No primeiro semestre, Freud, que encarava de uma maneira muito especial. Contestava a eficiência da psicanálise como terapia de validade universal, argumentando com o tipo de complexo que se forma entre os trobriandeses por causa do sistema matrilinear; dizia que a psicanálise tem valor sobretudo filosófico, e como terapêutica se adequava aos problemas específicos da burguesia vienense do começo do século XX. Aí aparecia o seu marxismo aberto e flexível. Nesse curso expunha também os pontos de vista de Pierre Janet, analisando a dialética do amor e do ódio.

No segundo semestre expôs o pensamento de Max Scheler, tendo como texto de referência o livro deste, Natureza e formas de simpatia, e recorrendo sempre aos exemplos literários, inclusive tomados a um livro então em voga, O amor e o Ocidente, onde Denis de Rougemant estuda a paixão amorosa como uma espécie de heresia medieval, partindo do mito de Tristão e Isolda. Aliás, na primeira aula do ano Maugüé nos tinha dito: "Quem não leu Hamlet, de Shakespeare, e Crime e castigo, de Dostoievski, não deve seguir este curso".

No segundo ano, em 1940, deu dois cursos notáveis para a minha turma. No primeiro semestre tratou do problema da "coisa-em-si" nas filosofias de Kant e Schopenhauer. A parte sobre este, sobretudo, foi uma beleza, porque ele se concentrou na sua filosofia da arte como expressão da "vontade". O segundo semestre foi sobre Nietzsche, motivo de aulas onde abordou de maneira muito livre alguns temas centrais da obra, destacando sobretudo aspectos de cunho político, com referência à configuração do líder.

No terceiro ano, em 1941, deu Hegel nos dois semestres, recomendando que lêssemos, além de suas obras, O capital, nos dezesseis volumes da edição Costes, e usando os Cadernos sobre a dialética de Hegel, de Lenine, além da obra de Jean Wahl sobre a "consciência infeliz". Foi nesse curso que tirei o único dez com Maugüé, que, apesar de ser meu amigo, só me dava notas medianas. Nessas aulas ficava mais clara do que nunca sua simpatia pelo comunismo, adubada com histórias que relatava sobre as atividades do partido em Paris, inclusive certo comício onde foi com um operário que, vendo-o se dirigir daquele lado, disse simplesmente: "Vamos?" E foram no mesmo táxi...

É curioso registrar que Maugüé era um marxista muito aberto, coisa raríssima naquele tempo de stalinismo cerrado, mas na política era de uma ortodoxia estrita. Aprovava tudo o que a União Soviética fizesse, como em 1939 o Pacto Germano-Russo. Em 1968 me escreveu dizendo que a intervenção na Primavera de Praga era necessária e correta...

Heloisa - Quanto tempo Maugüé ficou no Brasil, lecionando na Faculdade de Filosofia?

Antonio Candido - Chegou aqui em 1936 e foi embora em 1943. Era tenente de infantaria da reserva e se alistou nas forças da França Livre, no Norte da África. Fez toda a campanha com o exército do general De Lattre de Tassigny, depois integrou as forças de ocupação da Alemanha, teve uma orelha gelada que quase foi preciso amputar, recebeu condecorações e foi promovido. Uma bela folha de serviços, que lhe permitiu solicitar admissão ao corpo diplomático. Não gostava da vida universitária e com isso pôde escapar dela. Mas não para sempre. Era um diplomata pouco diplomático, e quando conselheiro na Embaixada da França no Canadá ofendeu o embaixador e foi excluído, voltando a ensinar no secundário. Graças à sua atuação na guerra, ficou em Paris, no famoso Liceu Carnot, onde se aposentou.

Conta-se que quando era secretário de embaixada na Argentina, queixaram-se ao embaixador que ele andava desfazendo do país e gabando o Brasil. O embaixador mandou chamá-lo e fez ver a inconveniência desse procedimento. Dado o sabão, perguntou-lhe que vantagem via no Brasil, pois para ele, embaixador, ambos os países eram a mesma droga. Maugüé contestou e pediu que ele respirasse profundamente. Surpreso o embaixador fez o que pedia. Maugüé então perguntou: "O sr. sentiu alguma coisa?" "Não, não senti nada". E ele: "Esta é a diferença; no Brasil, se o sr. respirar fundo, sentirá alguma coisa..." Será verdade?

É preciso salientar que a influência dele aqui não se exerceu apenas sobre o nosso grupo de amigos. Pessoas tão diferentes quanto Azis Simão, Egon Schaden, Florestan Fernandes também a sofreram. O seu maior amigo, todos os dias e todos os momentos, foi o professor João Cruz Costa, formado na primeira turma, seu assistente e depois seu substituto junto com o professor Lívio Teixeira. Ambos seguiam sempre os seus cursos pelos anos afora.

Heloisa - O que o senhor acha do livro de memórias que ele publicou, Les dents agacés?

Antonio Candido - É um livro admiravelmente bem escrito, cuja primeira metade é magistral. Nele sentimos bem o Maugüé capaz de perceber o significado da sua vida e do seu tempo. Mas a parte do Brasil é marcada por puerilidades incríveis, como quando diz que havia em São Paulo um grande caderno onde as famílias escreviam os nomes dos rapazes de fortuna, aptos para casar com suas filhas. Ou que, visitando a fazenda de um Prado, viu certo armário cheio de espingardas e soube que era para controlar os colonos que se rebelavam. Conversando a respeito com o professor Arbousse-Bastide, numa de suas vindas ao Brasil, ele deu a explicação: eram gozações, canulards, que um engenheiro francês radicado aqui metia na cabeça de Maugüé para se divertir, e ele acreditava... Por aí se vê como esse homem arguto funcionava bem sobretudo no domínio da inteligência, mas tinha no domínio da vida canduras bem singulares.

Heloisa - É um livro patético.

Antonio Candido - Sob este aspecto sim. E também porque dá por vezes a impressão de alguém que está querendo justificar tudo aquilo que não foi, em parte porque não soube ser. Mas é um belo livro. Maugüé adorava o Brasil, e em certo momento chegou a se arrepender de não ter ficado aqui. No entanto, ao escrever o livro mostrou erros de visão e fez referências maldosas sobre pessoas que o tratavam como amigo.

Depois dele a Filosofia se tornou algo mais específico, mais sólido na Faculdade. Vieram outros franceses que eram realmente filósofos, jovens brasileiros se aperfeiçoaram na França e Maügué foi ficando apenas uma lembrança para os antigos alunos. Gilda e eu procuramos, então, testemunhar sobre o papel importante que ele desempenhou no começo da Faculdade. Eu falei dele em artigos e entrevistas, ela escreveu um ensaio comparando a visão que tinham da arte ele, Bastide e Lévi-Strauss.7 7 Este ensaio foi publicado no livro de Gilda de Mello e Souza, Exercícios de leitura, São Paulo, Duas Cidades, 1980, pp. 9-34. Texto revisto da aula inaugural que ela deu para os alunos dos cursos de 1972 do Departamento de Filosofia da USP. Mandamos isso a ele, que ficou muito satisfeito, e conseguimos despertar o interesse dos jovens de agora, como Paulo Eduardo Arantes, que foi procurá-lo em Paris e levou para ele um capítulo do livro que estava escrevendo sobre a filosofia na USP.8 8 Referência ao livro de Paulo Arantes, Um departamento francês de ultramar: estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994. Ele ficou emocionado e disse: "Você não sabe o bem que está me fazendo".

Essas informações dão a vocês uma idéia do que foi o meu curso de Ciências Sociais e Políticas, e serve para preveni-los contra a romantização do passado. Nós pertencemos a uma fase heróica da Faculdade, que foi a implantação dos cursos pelos professores estrangeiros. Era o começo daquele tipo de estudos, havia ainda muito diletantismo, nós transitávamos da arte para a filosofia, da sociologia para a literatura. Mas ao nosso lado havia rapazes e moças que já se orientavam pelas exigências da especialização. Penso em gente como Lucila Herrman, Gioconda Mussolini, Dorival Teixeira Vieira, José Francisco de Camargo, Eduardo d'Oliveira França, Egon Schaden e outros, alguns dos quais professores primários comissionados. Vocês hoje têm formação muito mais sólida e são obrigados a trabalhar com mais intensidade para se formarem como especialistas. No nosso grupo, que sofreu mais do que qualquer outro a influência de Maügué, nós fundamos clubes de cinema e revistas de cultura, fizemos crítica de artes, de literatura, de teatro, embora licenciados em filosofia e ciências sociais. Fomos um momento ao qual o versátil Maugüé se ajustou bem e pôde ser útil.

De fato, pense um pouco em nosso destino. Décio de Almeida Prado começou como assistente de lógica, passou ao ensino secundário de filosofia enquanto fazia crítica teatral e acabou professor de literatura na Faculdade. Paulo Emílio, formado em filosofia, se dedicou ao cinema, criou o movimento das cinematecas, tornou-se um grande crítico e professor de cinema. Gilda, formada em filosofia, dedicou-se à sociologia e história da arte, escreveu ficção e praticou o ensaísmo em vários rumos: artes plásticas, cinema, literatura. Eu, formado em Ciências Sociais, fui simultaneamente assistente de sociologia e crítico literário e acabei professor de literatura. O Lourival ficou sempre professor de política, mas era ao mesmo tempo crítico de arte, organizador de eventos, jornalista político; mas creio que teria sido melhor para ele se tivesse passado inteiramente para a crítica. O caso de Ruy Coelho é mais complicado. Ele era o mais informado e culto entre nós, fez crítica de cinema regularmente, aplicou-se a estudos muito variados, da sociologia à teoria do conhecimento, passando sobretudo pelos estudos de personalidade e cultura com base no teste de Roscharch. Poderia se quisesse ser crítico de literatura, de teatro, de música ou de artes plásticas, e sempre manteve os seus interesses abastecidos por um saber atualizado, pois tinha uma capacidade incrível de leitura e assimilação; inclusive porque passava a madrugada lendo. Ia dormir às cinco ou seis das manhã e acordava depois do meio dia. Digo tudo isso para acentuar mais uma vez como o tipo de orientação heterodoxa que recebemos de Maugüé se ajustou ao nosso modo de ser e ao momento vivido pela Faculdade.

Esse resto de diletantismo de meu grupo foi estimulado pela revista que fundamos em 1941, Clima. Foi ela que fixou a atividade paralela de cada um, atividade que para muitos acabou se tornando central. De certo modo a revista definiu o destino intelectual de todos nós.9 9 Sobre a revista Clima, conferir o artigo de Antonio Candido, "Clima", publicado originalmente na revista Discurso, em 1978, e reproduzido no livro Teresina etc. ( op. cit.). Para uma análise dessa publicação, ver Maria Neuma Cavalcanti, Clima: contribuição para o estudo do modernismo (Dissertação de mestrado, FFLCH, USP, 1978), Andréa Alves, Sociologia e Clima: dois caminhos, um debate ( op.cit.) e Heloisa Pontes, Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo, 1940-68 (São Paulo, Companhia das Letras, 1998).

Quem teve a idéia de fundá-la foi Alfredo Mesquita, rapaz mais velho que freqüentava alguns cursos na Faculdade, já era escritor e se ligou ao nosso grupo. Nós estávamos quase todos fora de São Paulo, nas férias de 1940-1941. Ele comunicou sua idéia a Lourival e ambos definiram e traçaram o plano, atribuindo as seções, escolhendo os encarregados e colaboradores etc. Nós outros fomos apenas informados. Pouco depois foi Lourival, diretor responsável, que escolheu o nome, desenhou a capa e fez o projeto gráfico. Eu estava na casa de meus pais em Poços de Caldas. Ambos me escreveram em janeiro de 1941 comunicando e me atribuindo a seção de livros. Respondi assustado que não poderia aceitar, pois na verdade só tinha publicado em 1934 um artigo naquele jornalzinho de ginásio do qual falei há pouco. Eles insistiram e disseram que pelas minhas cartas viam que eu seria capaz. E assim me tornei, sem querer e sem saber, crítico literário, quando era aluno do 3º. ano de Ciências Sociais. Devo dizer que tempos atrás li quase toda a coleção da revista, 16 números de abril de 1941 a novembro de 1944 e achei que ela era muito boa, sobretudo a partir do número 12, quando ganhou mais flexibilidade na estrutura e começou a se politizar. Foi nessa revista que assumimos tarefas que marcariam o nosso futuro intelectual: na ordem, eu fiquei com os Livros, Décio com Teatro, Paulo Emílio com Cinema, Lourival com Artes Plásticas, Antonio Branco Lefèvre com Música, Roberto Pinto de Souza com Economia e Direito. Pode-se dizer que só os dois últimos não se desviaram da sua formação. Lefèvre foi crítico musical apenas naquele momento, concentrando-se o resto da vida na neuropediatria. Roberto sempre cuidou de economia política como professor e pesquisador na USP, de modo que não estava se desviando.

Heloisa - Além da Faculdade, o que vocês faziam na cidade? Iam aos concertos, às livrarias, à biblioteca?

Antonio Candido - Nós levávamos uma vida muito divertida. Quase todos tinham pouco dinheiro, que não permitia compras nem despesas maiores, mas naquele tempo ainda não se tinha instalado o consumismo desenfreado de hoje e as necessidades eram bem mais modestas. A gente andava de bonde ou ônibus, ia ao cinema, comprava alguns livros, se reunia na Confeitaria Vienense para tomar chá e refrescos, freqüentava concertos e teatro, sendo que a certa altura esteve uns tempos por aqui a companhia de Louis Jouvet, presa pela guerra. Vinham troupes de ballet, como o de Monte Carlo, o Original Ballet Russe, restos da grande empresa de Diaghilev. Coisas assim. Paulo Emílio costumava localizar filmes importantes em cinemas pequenos ou afastados, e então íamos incorporados vê-los. Certa vez passaram Os cavaleiros de ferro, de Einsenstein, num pulgueiro da Praça da Sé. Eu fui todos os dias da semana em que esteve em cartaz. Os rapazes costumavam freqüentar os bares de tipo alemão, com chope e alguns com orquestra: o Pingüim, na esquina da ladeira de São João com a Praça do Correio, o Franciscano e o Brahma, na rua Líbero Badaró, o Hungária, depois Harmonia, na Xavier de Toledo, o Rütli, na Barão de Itapetininga. Líamos muito e discutíamos nossas leituras, brasileiras e estrangeiras. Certos autores despertavam grande entusiasmo, como Aldous Huxley, Somerset Maugham, Charles Morgan, Lawrence, sem falar de Gide e Proust. Quanto aos brasileiros, líamos mais os prosadores do que os poetas, porque as edições desses eram quase esotéricas - limitadas e difíceis de encontrar. Era o tempo de Graciliano Ramos, Rachel de Queiroz, Jorge Amado, José Lins do Rego, Érico Veríssimo. Lembro a alegria que tive quando pude comprar a primeira edição acessível de Manuel Bandeira, ali por 1940, Poesias escolhidas, editada pela Civilização Brasileira. Nos fins de semana às vezes íamos a Santo Amaro ou à chácara da família de uma colega. Mas isso era raro. Houve um tempo, 1941, 1942, em que Roberto Pinto de Souza arranjou de maneira muito agradável umas peças no porão habitável da casa de seu pai, na Barra Funda, e esse foi um ponto de encontro onde nos reunimos muito. Éramos alegres, engraçados e ríamos com prazer.

Heloisa - Como era a presença de Mário de Andrade na cidade e, indiretamente, na universidade?

Antonio Candido - Já falei da importância da atuação dele no Departamento de Cultura. Antes de eu entrar para o curso de bacharelado, sei que teve muito contato com Lévi-Strauss e sobretudo sua mulher, Dina. Juntos fundaram e animaram a Sociedade de Etnografia e Folclore, importante centro de pesquisas, que publicava resultados na Revista do Arquivo Municipal, dirigida, se não me engano, por Sérgio Milliet no quadro do Departamento. Estudantes da Faculdade colaboravam nesses trabalhos, como um dos mais inteligentes e cultos que havia então, Mário Wagner Vieira da Cunha, que publicou em colaboração com Mário um estudo sobre o samba rural paulista. Mário conseguiu reunir uma equipe eficiente para as diversas tarefas do Departamento: Sérgio Milliet na revista, Rubens Borba de Moraes na Biblioteca, Oneyda Alvarenga na Discoteca, Nuto Santana no Arquivo, Paulo de Magalhães no Teatro Municipal, Nicanor Miranda nos Parques Infantis. Mas despertou não apenas ciúmes, mas franca animosidade por parte dos elementos mais conservadores da vida artística, com os quais polemizou, ou que atacou vigorosamente, como se pode ler nas suas crônicas reunidas sob a rubrica "Música de pancadaria" no livro Música, doce música. Com o advento da ditadura, no fim de 1937, esse pessoal conseguiu derrubá-lo, inclusive porque a mulher do novo prefeito, Prestes Maia, ligada à ópera e ao canto tradicionais, partidária do conservador maestro Armando Belardi, inimigo de Mário, atuou nesse sentido. Creio que se chamava Maria de Lourdes e era cantora. Mário ficou muito aborrecido e aceitou o trabalho no Rio, mudando-se para lá e lá vivendo uns três anos.

Quando eu já era aluno da Faculdade, e depois recém-formado, lembro que alguns professores franceses tinham grande respeito por Mário de Andrade. Sem falar de Hourcade, que conhecia a sua obra e a citava naquelas aulas a que me referi, Roger Bastide manteve com ele certo diálogo intelectual, sobretudo no setor dos estudos sobre cultura popular.

Heloisa - E a Escola Livre de Sociologia e Política? O senhor foi ligado a ela?

Antonio Candido - Sei pouco a respeito dela, mas sei que se deve a ela uma orientação mais prática da sociologia, por obra dos primeiros professores americanos Horace Davies e Samuel Lowrie, sendo que este realizou uma pesquisa importante e precursora sobre as condições de vida dos lixeiros de São Paulo. Depois veio Donald Pierson, que ficou aqui muito tempo e fez discípulos, introduzindo a visão da Escola de Chicago e as normas de pesquisa da Smithsonian Institution. A parte de antropologia era lá muito viva e precedeu a da Faculdade, graças a Herbert Baldus, alemão radicado aqui, homem original e de cultura variada, que fez pesquisas de qualidade sobre indígenas brasileiros e foi um mestre decisivo na carreira de Florestan Fernandes, cuja dissertação de mestrado orientou: o notável Organização social dos Tupinambá. Florestan foi dos que fizeram pós-graduação lá. Outros foram Gioconda Mussolini e Lucila Herrman. Emílio Willems, alemão radicado no Brasil, que se doutorara em Berlim com Richard Thurnwald, era professor nas duas escolas e teve papel importante em ambas. Ele começou como professor em Santa Catarina, onde fez pesquisas sobre o que ainda não se chamava "aculturação", mas "assimilação" dos colonos alemães. Fernando de Azevedo publicou o seu livro na Brasiliana e o convidou para ser seu assistente na cadeira de Sociologia Educacional do Instituto de Educação. (Este foi suprimido em 1938 pelo interventor Adhemar de Barros e transformado em Seção de Pedagogia da Faculdade.) Willems era um professor claro, objetivo e muito informado. Fui seu aluno no chamado "cursinho", o Curso de Didática que constituía o 4º. ano e dava o título de licenciado aos bacharéis. Em 1942, ele passou a reger a recém-criada disciplina de Antropologia e eu o substitui como assistente de Fernando de Azevedo. O assistente dele foi Egon Schaden. Em 1942 e 1943 freqüentei o seu seminário de doutorado, pois havia escolhido antropologia como uma das duas matérias subsidiárias do antigo curso de doutorado. Foi um momento importante na minha formação. Éramos quatro candidatos: Gioconda Mussolini, Egon Schaden, José Francisco de Camargo e eu. Nós nos reuníamos uma vez por semana das 5 às 7 e fazíamos relatórios de leitura, comentados muito bem por Willems, a quem devo a iniciação num tipo de bibliografia que foi a que mais me inspirou no domínio dos estudos sociais e teve influência decisiva na minha tese. Como pressuposto, ele recomendava a leitura de O homem (The study of man), de Ralph Linton. Com ele lemos Redfield, Melville Herskovits, Irving Hallowell, Raymond Firth, Malinowski, Evans Pritchard, Radcliffe-Brown. Naquele tempo este ainda não tinha publicado nada além do clássico The Andaman Islanders, e Willems nos trazia os artigos dele em separatas de revistas inglesas e americanas... Fiquei marcado pelo funcionalismo, me apeguei ao conceito de estrutura, que depois transpus da antropologia para a crítica literária. O seminário de Willems foi decisivo para nós quatro. Nos anos 50 ele foi para os Estados Unidos como professor da Universidade de Vanderbilt e por lá ficou.

É oportuno informar que Radcliffe-Brown esteve em São Paulo em 1942 e 1943, como representante do Conselho Britânico, naturalmente em serviço de guerra. Lecionou na Escola de Sociologia e Política, onde era professor um discípulo dele, Antonio Rubbo Müller, e fez parte da banca examinadora de doutorado de Lourival Gomes Machado, com beca de Oxford e monóculo. Era um homem muito alto, esticado, com ar severo. Em 1943 desenvolvi grande interesse pela poesia inglesa e quis ler o que havia na biblioteca da Cultura Inglesa. Para isso, era preciso obter licença especial, depois de uma entrevista com o chefe, que era Radcliffe-Brown. Ele me olhou severamente, perguntou se falava inglês, qual o meu interesse na cultura inglesa, se satisfez com a minha resposta, autorizou e eu pude inclusive levar para casa coisas importantes como o primeiro dos Four quartets, de Elliot, "East Cocker", ainda não incorporado em volume.

Heloisa - Nessa época a sua relação com a política era remota?

Antonio Candido - Como contei, chegando a São Paulo me desinteressei inteiramente de política e nem li mais livros a respeito. Estava de namoro com as oportunidades culturais e de convívio da cidade grande. Na Faculdade de Filosofia não se falava de política, com um corpo docente formado quase apenas por estrangeiros, uma ditadura de arrocho no país e a norma que estrangeiro não se manifestava sobre assuntos políticos locais. Os professores italianos eram na maioria fascistas, no entanto mantinham reserva total. Os franceses se dividiam, mas nós apenas indiretamente ficávamos sabendo qual era a posição ideológica deles. Apenas Maugüé não escondia o seu pensamento. Sabíamos que Roger Bastide pertencera na mocidade ao Partido Socialista Francês, do qual Lévi-Strauss teria sido simpatizante. Monbeig era provavelmente um republicano radical, "radical-socialista" na terminologia do seu país. Mas, repito, o único cuja posição era conhecida, porque ele não a escondia, era Maugüé, simpatizante do Partido Comunista e marxista a seu modo. Os estudantes, em maioria mulheres, eram despolitizados ao extremo, salvo algumas simpatias platônicas pela esquerda.

Já na Faculdade de Direito, tradicionalmente politizada, fornecedora de presidentes, ministros, deputados durante o Império e a República, a coisa era outra, e foi lá que comecei a assumir posições de cunho político, a partir de 1939, em oposição à ditadura do Estado Novo. Foi meu colega, amigo e correligionário um dos mais ativos e destemidos líderes estudantis que conheci, Germinal Feijó. Entre os liberais, um que me levou a participar foi Luís Arrobas Martins, mais tarde secretário de Estado e líder católico progressista. Mas só comecei mesmo a ter atividade creio que no começo de 1943, por influência de Paulo Emílio, que tinha uma acentuada vocação política, ao contrário de mim.

Ligado à juventude comunista, foi preso em dezembro de 1935, depois do levante comunista e ficou catorze meses detido, até que em fevereiro de 1937 fugiu com alguns companheiros por meio de um túnel que cavaram. Foi então para a França e lá modificou a sua orientação em contato com dissidentes anti-stalinistas e grupos que procuravam fórmulas de socialismo com democracia. Voltou com a anistia no fim de 1939, quando o conheci. Ele era amigo fraterno do Décio, seu colega no Colégio Rio Branco, e ante o nosso desinteresse, costumava se irritar e dizer que era melhor ser integralista do que alienado, como nós... Quando o Brasil entrou na guerra ele atuou no sentido de politizar Clima. Foi o autor de um manifesto assinado por todos e, a seguir, de um "Comentário" que, posso dizer, foi a base de minha orientação ideológica. A partir de então a revista ficou mais "participante", como se dizia, mesmo porque a ditadura tinha sido obrigada a entrar na guerra contra o Eixo. Mas a politização foi mais das pessoas do que da revista.

Em 1941, em parte por causa do curso de Maugüé, comecei a ler muito a literatura socialista. Li Lenine, li Bukarin, li Plekanov, mas sobretudo Trotski, que me fascinou pela força da sua inteligência e pela beleza do seu estilo. Li sobre a Revolução Russa e lembro que conversava muito a respeito com Paulo Emílio ali por 1942. No fim desse ano, ou no começo do seguinte, ele já tinha me doutrinado e estava me levando para a ação. Foi então que reuniu um grupo de seis rapazes para discutir temas políticos, fazer documentos e praticar alguns atos contra a ditadura. Meio de brincadeira, demos a ele o nome pomposo do Grupo Radical de Ação Popular, GRAP, que se reunia todos os domingos de manhã na casa onde eu morava, de um tio. Para mim foi uma escola. Nós distribuíamos panfletos batidos à máquina e certa vez um de nós chegou a ser preso e passar quinze dias na cadeia: Paulo Zingg, ex-integralista que acabou na direita, prócer do golpe de 1964. Além dele, de mim e do Paulo, havia um operário litógrafo austríaco, Eric Czaskes, que tinha morado em menino na Rússia e mais tarde fundaria a POLOP. E dois estudantes de Direito muito aguerridos: Germinal Feijó e seu cunhado Antonio Costa Correia, que abandonara o Partido Comunista por ocasião do pacto Hitler-Stalin em 1939. Aprendi muito com esses companheiros.

Em 1943 nos ligamos a um grupo combativo de estudantes ou jovens formados em Direito, uns liberais, outros socialistas, e organizamos com eles a Frente de Resistência.

Heloisa - Quem eram eles?

Antonio Candido - Creio que o aglutinador desse grupo na Faculdade de Direito foi um rapaz excelente, Francisco Morato de Oliveira, da turma de 1942, infelizmente afastado por doença quando a Frente se configurou. O nascedouro foi o Partido Libertador, organizado ali por 1939 ou 40 em oposição à ditadura, cujo documento de fundação assinei (nada a ver com o famoso partido gaúcho do mesmo nome, dirigido por Raul Pilla. Dos rapazes liberais, alguns chegaram mais tarde a posições elevadas, como Roberto de Abreu Sodré, que foi governador do Estado e ministro do Exterior, ou Luís Arrobas Martins, meu amigo, que foi secretário de Estado. Outros vieram aos poucos para a esquerda, como Cory Porto Fernandes, Celso Galvão, Hiram Mayr Cerqueira, Renato Sampaio Coelho. Germinal Feijó e Wilson Rahal eram mais decididamente esquerdistas e ambos foram deputados mais tarde. De esquerda era indiscutivelmente o nosso GRAP, que entrou para a Frente com exceção de Eric, que nada queria com alianças liberais. A Frente se empenhou pela participação efetiva do Brasil na guerra e efetuou muitas atividades de oposição, inclusive a publicação do jornalzinho clandestino Resistência, que tirou uns quatro números sob o nariz das autoridades. Nele escrevi uma nota dirigida aos operários, porque numa reunião tinha criticado o fato de não estarem eles sendo levados em consideração. Com o fim da censura em fevereiro de 1945 pudemos lançar um manifesto, redigido por Paulo Emílio, de teor bastante radical, aceito não obstante por todos, o que mostrava como a nossa presença tinha influído na ideologia do grupo. Mas isso durou pouco. Como sabem, em tempo de fechamento as esquerdas e os liberais se unem; em tempo de abertura dá-se a decantação. No nosso caso, o traço de união era a oposição à ditadura do Estado Novo. Quando ela começou a vacilar as divergências essenciais vieram à tona e a Frente se dissolveu. Os rapazes liberais foram para a União Democrática Nacional, UDN, nome dado por Caio Prado Júnior, empenhado com outros em política de frente única. Nós socialistas formamos por inspiração de Paulo Emílio a União Democrática Socialista, UDS, composta pelo antigo GRAP, muitos rapazes da Frente, que se radicalizaram e saíram conosco, e antigos militantes de outras organizações, inclusive ex-trotskistas, ex-stalinistas e membros do Partido Socialista de 1933.

Quero aludir a um fato pouco conhecido: em 1944, por iniciativa de Paulo Emílio, nós mantivemos contatos com um grupo de comunistas que discordavam do apoio de seu partido a Getúlio Vargas sob alegação de que era aliado na guerra à União Soviética. Desses comunistas dissidentes faziam parte Caio Prado Júnior, Artur Neves, Mário Schemberg, Agnaldo Costa, Heitor Ferreira Lima e outros em São Paulo. No Rio, sei apenas de Astrojildo Pereira. As reuniões foram em casa de Caio, tendo como participantes apenas ele, Mário e Neves de um lado, Paulo Emílio, Germinal Feijó e eu de outro. Mas a coisa não foi por diante, embora tenha tido certa repercussão. Tanto assim que uma vez Carlos Lacerda, que ainda era de esquerda, veio do Rio a São Paulo ver se costurava a união dos dois lados. Mas alguma coisa de positivo ficou, pois os nossos grupos colaboraram juntos na organização do 1º. Congresso Brasileiro de Escritores, realizado em São Paulo no fim de janeiro de 1945, e que foi uma tomada de posição contra a ditadura. A nossa declaração de princípios não pôde ser publicada nos jornais, mas foi lida triunfalmente na sessão de encerramento, no Teatro Municipal, e distribuída amplamente em volantes.

Devo dizer honestamente que nisso tudo sempre fui seguidor de amigos, sobretudo Paulo Emílio, porque sou desprovido de cabeça política. Tenho convicção e princípios, mas não sei transformá-los em ação. Além disso, tenho um fundo de tolerância e ceticismo que atrapalha os ímpetos da militância. Numa das nossas reuniões finais, já quase à beira da ruptura da Frente de Resistência, que Arrobas estava visivelmente procurando liquidar para se recolher com os amigos liberais ao aprisco mais congenial da UDN, eu não concordei com os louvores que faziam a políticos convencionais, sobretudo Armando de Salles Oliveira, que tinha voltado muito doente do exílio. Roberto Sodré se irritou e me qualificou de "socialista gravatinha de borboleta", que de fato eu usava muito. Achei graça e lembrei o que dizia Maugüé quando eu brincava que ele estava cuidando muito da roupa e da aparência: "Je veux le comunisme avec la lavande!"

O socialismo tinha se tornado aos poucos para mim a convicção arraigada de que é o melhor sistema para organizar a sociedade de maneira mais humana; dessa convicção nasceu o sentimento de que se assim é, cada um deve fazer alguma coisa por ele na medida das suas forças. Paulo Emílio foi decisivo para me levar à militância; outros amigos, para me confirmar nela. Mas nunca me considerei capaz de ser outra coisa além de seguidor. Por isso, um dos maiores sustos que tive na vida foi um dia em que Caio Prado Júnior me disse que o nosso grupo deveria se estruturar melhor e eu deveria ser o líder! Pensei que estivesse brincando, mas vi que falava sério, inclusive porque havia mais gente na sala. Perguntei o porquê daquela opinião insólita e ele explicou: "já por duas vezes estivemos a ponto de romper uns com os outros, e nas duas vezes você apaziguou os ânimos e restabeleceu a harmonia". É verdade que tenho temperamento conciliador e não gosto de conflitos, mas daí a ter capacidade política de direção... A coisa ficou por isso mesmo e logo depois os contatos cessaram. Para mim, restou de positivo o convívio com Caio, que mais tarde se tornou uma sólida amizade, apesar de momentos agudos de divergência política.

A UDS, que se reunia quase sempre na casa de Paulo Emílio, foi um pequeno grupo de constituição heterogênea, como disse, mas que tinha em comum o anti-stalinismo, o desejo de definir uma forma democrática e combativa para o socialismo e a atenção voltada para as condições próprias do Brasil. O manifesto que lançamos, da autoria de Paulo Emílio, retomava em sentido radical o da Frente de Resistência, e eu o considero um bom documento político. Além dos que mencionei, é preciso dizer que se juntaram a nós grupos muito interessantes de intelectuais e operários negros, como o jornalista Geraldo Campos de Oliveira, as professoras Dona Sofia e Aparecida, o bombeiro Laponésio Batista, o metalúrgico Antonio Candido de Mello, os dois últimos da mesma cidade que eu. Ex-trotskistas eram Febus Gikovate, que exerceu grande influência sobre mim, e Fúlvio Abramo. Arnaldo Pedroso d'Horta era ex-stalinista, e Azis Simão, ex-membro do Partido Socialista de 1933. Enquanto isso, formou-se no Rio a Esquerda Democrática, integrada por pessoas que não se deram bem na UDN, antigos comunistas e tenentistas. Paulo Emílio e Germinal participaram da fundação e assinaram o manifesto. O mesmo fizemos em São Paulo, Paulo Zingg e eu. Pouco depois a UDS se dissolveu e nós entramos para a Esquerda Democrática, para onde vieram dois amigos de Clima, Décio Almeida Prado e Lourival Gomes Machado, que teve atuação importante na configuração do novo partido. Lourival tinha, ele sim, grande vocação de líder. Em 1947 a Esquerda Democrática mudou o nome para Partido Socialista Brasileiro, como queria o meu grupo.

Heloisa - Professor, como e quando o senhor começou a escrever?

Antonio Candido - Nunca pensei que fosse publicar alguma coisa. A minha vocação foi sempre de leitor e desde os nove anos li muito, de maneira dispersiva e variada, de modo que acumulei desde cedo muita informação, mas não sei nada a fundo nem tenho temperamento de especialista. Meu pai me criou para ser médico, como ele, como meu avô materno, como vários tios e tios-avós, dos dois lados. Se dependesse dele, meus irmãos também seriam médicos. Por isso, eu achava que meu futuro estava traçado.

Heloisa - Seus irmãos foram médicos?

Antonio Candido - Não. Um deles já estava na Faculdade de Medicina e outro na de Direito quando meu pai morreu, aos 56 anos. Era um médico de muita clínica e nossa vida era folgada, mas com a morte dele passamos a enfrentar grandes dificuldades. Eu já estava formado e nomeado assistente na Faculdade de Filosofia. Meus irmãos tiveram de interromper os estudos. Isso foi em 1942 e eu já estava escrevendo em Clima, que foi o que me levou a publicar de maneira seguida. Antes disso tinha publicado apenas um artigo sobre história alemã no jornalzinho Ariel do nosso ginásio, do qual já falei. Posso dizer que foram Alfredo Mesquita e Lourival Gomes Machado que me levaram a publicar. Por isso dediquei a eles o meu livro Brigada ligeira, em 1945. Foi também Lourival que me levou à grande imprensa. Em 1942 um amigo dele, Jorge Martins Rodrigues, foi chamado para ser superintendente da empresa Folha da Manhã, que desejava passar por uma modernização radical. Ele convidou Lourival para fazer crítica de arte, e queriam também estabelecer o rodapé crítico semanal. Consultado, Lourival, que era afoito, disse ao secretário da redação, Hermínio Sacchetta, que tinha para isso um amigo em condições, e me indicou. Fiquei amedrontado com a responsabilidade, mas a perspectiva de ganhar mais algum dinheiro me decidiu, e foi assim que em janeiro de 1943 publiquei o primeiro artigo, sob a rubrica permanente de "Notas de Crítica Literária". Eu era assistente de tempo parcial, dava aulas de português e história num ginásio (também por iniciativa de Lourival) e ainda fazia algumas traduções, pois precisava ajudar a família, como filho mais velho. Eu ganhava 100 mil réis por rodapé, o que dava 400 mil réis por mês.

A seguir fui aumentado para 150, o que me deu um total de 600 mil réis por mês, metade do que eu ganhava como assistente de tempo parcial.

Heloisa - Como o senhor se tornou assistente?

Antonio Candido - Eu me formei no dia 31 de janeiro de 1942 e meu pai morreu no dia 31 de março, depois de uma longa doença. Eu precisava urgentemente de emprego. Sabendo que uma vaga de professor de Filosofia na 5ª. seção do Colégio Universitário tinha sido prometida a um rapaz que não era licenciado, e nós lutávamos naquele tempo para que os professores do secundário fossem formados pela Faculdade, resolvi criar um pequeno caso e procurei o diretor, Fernando de Azevedo, para apresentar a minha candidatura. Ele me ouviu, informou que a vaga estava preenchida e, quando eu perguntei se era por um licenciado, respondeu: "Não importa. Quer ser meu assistente?" Surpreso, aceitei imediatamente, porque naquela conjuntura aceitaria qualquer coisa. Foi assim que entrei para o corpo docente sem vontade de ser sociólogo, como tinha começado a escrever sem vontade de ser escritor. Mais tarde, pensando, vi que a escolha de Fernando de Azevedo não havia sido por acaso. Com certeza ele gostara do meu discurso e tinha ouvido falar bem de mim por Lourival, que estimava muito e cuja mulher era sua auxiliar técnica. Lembro que quando entrei na sala para falar com ele Maugüé estava saindo e disse coisas elogiosas a meu respeito. Tudo isso junto, e mais a necessidade de preencher com urgência a vaga de Emílio Willems, que, como contei, passara a ser professor de Antropologia; e também a pouca concorrência daquele tempo, me tornaram assistente. Mas logo senti que o meu rumo certo se dirigia à literatura e em 1944 resolvi concorrer à cadeira de Literatura Brasileira como escapatória possível.

Heloisa - Como foi isso?

Antonio Candido - A Faculdade estava ainda se organizando, sem congregação autônoma, sem quadros suficientes em muitas matérias, de modo que foi permitido que qualquer portador de diploma superior pudesse se candidatar. Aí vi a minha chance: se aprovado, mesmo que não tirasse a cadeira receberia o título de livre-docente, que trazia embutido o grau de doutor em letras, isto é, um eventual passaporte para carreira futura. Meus amigos me estimularam, sobretudo Cícero Cristiano de Souza, formado em medicina e filosofia, colaborador de Clima e membro do nosso grupo. Eu tinha 26 anos e resolvi arriscar. Escolhi para assunto de tese um que conhecia bem e entre junho de 1944 e fevereiro de 1945 redigi cento e poucas páginas sobre Sílvio Romero, trabalhando brutalmente, sem interromper o rodapé semanal, sem deixar de colaborar em Clima nem de participar do movimento do congresso de escritores. Mas não tive forças para escrever uma conclusão, e quando pus o ponto final no último capítulo, de madrugada, desmaiei. Os primeiros capítulos já estavam sendo compostos na gráfica.10 10 Referência ao trabalho "Introdução ao método crítico de Sílvio Romero", publicado primeiro pela Revista dos Tribunais, em 1945, e republicado em 1988 pela Edusp, com o título O método crítico de Sílvio Romero. Foi apresentado originalmente como tese ao concurso para provimento da cadeira de literatura brasileira, em 1945, quando Antonio Candido já era assistente de sociologia na cadeira de sociologia II (regida por Fernando de Azevedo) e crítico literário de rodapé do jornal A Folha da Manhã. Apesar de ter obtido o segundo lugar no concurso (o primeiro coube a Mário de Souza Lima) e o título de livre-docente em literatura, Antonio Candido teve de permanecer na cadeira de sociologia (entre 1942 e 1958), pois não havia, ainda, espaço institucional para abrigá-lo no curso de letras da Universidade de São Paulo. O que só viria a acontecer em 1961, quando ele se tornou professor da cadeira de teoria literária e de literatura comparada, da qual se tornou titular, por concurso, em 1974.

Heloisa - Como foi o concurso e quem concorreu? Houve empate?

Antonio Candido - Concorreram seis candidatos: o regente interino da cadeira, Mário de Souza Lima, versado em gramática e homem de muita leitura; Antonio de Salles Campos, que já mencionei como meu professor de literatura no Colégio Universitário; Oswald de Andrade, do qual não é preciso falar; Jamil Almansur Haddad, poeta e escritor, médico que não exercia a medicina; Manoel Cerqueira Leite, assistente da cadeira, único licenciado em Letras e eu, o caçula (fiz 27 anos no dia em que começou o concurso). No fim tive cinco votos, Souza Lima dois e Oswald um, isto é, eu tinha empatado duas vezes com Souza Lima e uma com Oswald. Os examinadores desempataram contra mim, de modo que fiquei empatado com Souza Lima. A questão subiu ao Conselho Universitário, que também desempatou contra mim, de modo que fiquei em segundo lugar, apesar de ter tirado a maior média das notas. Houve revolta de amigos e muita gente, mas eu confesso que não fiquei abalado demais, pois nunca esperei sair vencedor e tinha obtido o que queria, a livre-docência, que me punha dentro das letras. Treze anos depois, foi o que me permitiu deixar a sociologia e passar para o ensino universitário de literatura. Tenho senso das minhas limitações e sabia que naquele momento eu não estava preparado para a responsabilidade de uma cátedra.

Heloisa - Foi aí que nasceu a idéia de escrever a tese sobre os parceiros?

Antonio Candido - Foi pouco depois, mas é preciso dizer que antes eu pensei em fazer coisa diferente. Inscrito para doutorado em 1942, pensei primeiro em estudar os norte-americanos que vieram depois da guerra de Secessão e fundaram a cidade de Americana. Depois Willems me sugeriu os alemães da região de Santo Amaro, ambos os temas dentro dos processos de aculturação, que estavam então em grande voga por aqui. Mas a coisa não ia nem vinha quando Roger Bastide me pediu para ir com Gilda e uns alunos a Piracicaba recolher dados sobre a cururu, dança e canto dos caipiras, e sobre os "língua de fogo", nome dado aos pentecostais. Gostei muito da experiência e decidi escolher novo assunto, mais próximo do meu conhecimento e da minha experiência de vida: relação do cururu com a urbanização. Fui muitas vezes a Piracicaba e sua zona rural, algumas delas com Gilda, recolhi material e cheguei a escrever cem páginas, a partir de 1946. A tese se chamaria Poesia popular e mudança social, mas acabei percebendo que sem conhecer música seria impossível estudar direito uma manifestação essencialmente musical. Então resolvi, creio que ali por 1950, pôr de lado o cururu e aproveitar noutro sentido o material recolhido, de modo que o que deveria ser a parte inicial da tese, uma vista geral sobre a cultura caipira, se tornou a própria tese, baseada sobretudo no trabalho de campo na zona rural de Bofete, com dois momentos principais: cerca de um mês no começo de 1948 e mais de um mês no começo de 1954, quando já estava em trabalho de redação. A tese ficou pronta no começo do segundo semestre e foi defendida em outubro. José Olympio se ofereceu imediatamente para publicá-la na coleção Documentos Brasileiros e eu não quis, achando que era fraca e precisava ser muito retocada. Foi uma tolice. Saiu em 1964 sem alteração ponderável, a não ser simplificação de linguagem e coisas menores, quando a sociologia já tinha avançado muito aqui e ela deixara de ter o impacto que poderia ter tido em 1954 ou 1955.

A propósito quero contar o seguinte: os assistentes deveriam apresentar tese dentro de um certo prazo, se não perderiam o cargo. A Congregação decidiu que eu não precisaria fazer isso porque já era doutor em letras, mas não aceitei. Entendi que estava moralmente obrigado a dar prova de competência na matéria que ensinava e fiz Os parceiros.

Heloisa - E os estudos literários?

Antonio Candido - Fui crítico literário do Diário de São Paulo até entrar no regime de tempo integral no começo de 1947. A partir de 1946 comecei a trabalhar no que seria a Formação da literatura brasileira, de modo que preparei e escrevi os dois livros ao mesmo tempo, ora me concentrando num, ora noutro: de 1946 a 1954, Parceiros; de 1946 a 1956, Formação. A história deste é curiosa. Ali por 1944 o editor José de Barros Martins convidou Mário de Andrade para escrever uma história agradável da literatura brasileira, tipo da que Albert Thibaudet havia feito para a francesa. Mário não quis e sugeriu o meu nome, creio que apoiado por Mário da Silva Brito, excelente escritor, meu colega de turma na Faculdade de Direito, que trabalhava na Martins. Depois do meu concurso Martins fez o convite e eu aceitei, por motivos financeiros, pois ele me pagaria um conto de réis por mês durante dois anos e eu lhe daria dois volumes. O resultado foi que alterei completamente o plano no decorrer do longo trabalho e só dez anos depois entreguei os originais de uma obra diferente, concentrada na Arcádia e no Romantismo como momentos decisivos na formação do "sistema literário", conceito que a certa altura passou a condicionar o meu trabalho. Foi um período duro, pois havia ainda a atividade política, as aulas, durante algum tempo os rodapés, os encargos de família.

Heloisa - Quando o senhor começou a trabalhar na cadeira de sociologia, o cargo de assistente era concorrido?

Antonio Candido - Não. Os cargos estavam sendo criados e os candidatos eram poucos. Já lhes contei como fui nomeado de maneira inesperada, e como tudo dependia da escolha pessoal do catedrático. Pelo regimento da Faculdade, o assistente era cargo de confiança, demissível ad nutum, isto é, segundo a mera vontade do professor. Não tinha estabilidade, não tinha aposentadoria, era rigorosamente dependente do seu chefe. Naquele momento foi definido regularmente o quadro da Faculdade e por isso havia muitos lugares disponíveis, de 1º. , 2º. e 3º. assistente. Eu fui 1º. e o meu colega José Francisco de Camargo, mais tarde diretor da Faculdade de Ciências Econômicas, 2º. . A seguir ele passou para o ensino normal, antes de voltar à USP, e foi nomeado para substituí-lo Florestan Fernandes. Não lembro quando o assistente passou a ter carreira regular. Creio que foi na segunda metade do decênio de 1950, devido à luta da Associação dos Auxiliares de Ensino da USP, na qual foram ativos, entre outros, Alberto Carvalho da Silva, de Medicina, e Fernando Henrique Cardoso. Se não me engano, foi então que se estabeleceu que um assistente que tivesse doutorado e dez anos de casa teria estabilidade. Mas não lembro direito.

Heloisa - O que um assistente fazia?

Antonio Candido - Variava conforme a matéria e o professor. Fernando de Azevedo era autoritário e imperioso, dando para fora a impressão de ser tirânico, mas não era. Extremamente afetuoso com os amigos e necessitando muito de convívio, estava sempre trocando idéias e deixava a rotina da cadeira a nosso cargo, além de nos confiar cursos. Tratava-nos como amigos e costumava dizer que tinha orgulho dos seus auxiliares, entre os quais enumerava Hermes Lima, Emílio Willems e nós. Mais tarde se ligou igualmente aos que foram se incorporando à equipe: Maria Isaura Pereira de Queiroz, Azis Simão, Frank Goldman, Ruy Coelho. Eu, pessoalmente, me interessava em facilitar o trabalho dos alunos, e a certa altura inventei uns "colóquios", com grupos de seis estudantes para relatar leituras. Florestan aderiu e nós fazíamos isso pela manhã, algumas vezes por semana.

Heloisa - Como foi montado o Departamento de Ciências Sociais?

Antonio Candido - Quem teve a idéia foi Georges Gurvitch, que esteve aqui um ano em 1947 e talvez (não lembro), também em 48, como professor visitante de Política, regida então por Lourival Gomes Machado, que tinha tido a idéia de convidá-lo. Gurvitch ensinara nos Estados Unidos e se convenceu da importância da organização departamental, sobretudo para sistematizar os cursos. Fernando de Azevedo gostou da idéia e se tornou o chefe do Departamento de Sociologia e Antropologia, cargo que sempre exerceu enquanto esteve na Faculdade. Assim, se reuniram as quatro cadeiras: Sociologia I, regida por Roger Bastide; Sociologia II, por Fernando de Azevedo; Política, por Gurvitch e Lourival; Antropologia, por Emílio Willems. A partir daí os cursos eram combinados previamente depois de reuniões e começamos e publicar os programas em folhetos. Gurvitch sugeriu também a formação do Seminário de Sociologia e Antropologia, uma sessão por semana, na qual alguém expunha um tema que era a seguir debatido. Lembro que foi nele que apresentei, em 1948, os primeiros resultados da minha pesquisa de campo sobre o caipira. Do Seminário participavam não apenas os docentes do departamento, mas de outros setores da Faculdade e de fora. Lembro de exposições de Fernand Braudel, que estava de volta por um tempo como visitante, e de Donald Pierson. Mas depois que Gurvitch foi embora o Seminário acabou. É preciso dizer que naquela altura estava havendo uma espécie de tendência para reunir em departamentos as cadeiras até então independentes. Foi influência do modelo norte-americano e começou nas ciências, passando depois às disciplinas humanas. Foi um progresso na medida em que houve maior coordenação dos cursos, inclusive com valorização dos introdutórios, que os professores franceses tendiam a pôr de lado em benefício dos monográficos. Naquela altura, aliás, estavam chegando à maturidade os jovens brasileiros, que iam substituindo os mestres franceses. Assim, quando Roger Bastide voltou definitivamente para a França em 1954, foi substituído por Florestan Fernandes, que já tinha sido por ele convidado para assistente alguns anos antes, justamente com essa finalidade. Foi substituído na cadeira de Sociologia II por Ruy Coelho, que chegava de uma longa ausência no exterior, onde se doutorou. Gurvitch era apenas visitante e Lourival ficou definitivamente como professor de Política. Willems foi para os Estados Unidos e Egon Schaden ficou no seu lugar. Eu, que Fernando Azevedo desejava para sucessor, comuniquei-lhe logo depois da defesa da tese que pretendia largar da sociologia para cuidar apenas de literatura, pois nunca me considerei sociólogo, mas apenas docente de sociologia, o que é outra coisa. Creio que pensaram então que eu estava magoado porque meus companheiros já eram professores e eu não. Provavelmente por iniciativa de Fernando de Azevedo resolveram propor para mim a criação de uma nova cadeira, Sociologia da Educação, matéria que me interessava, mas isso só serviu para apressar a minha decisão. Resolvi que o ano de 1956 seria o último como assistente de sociologia e, por isso, me afastei do departamento, passando 1957 em licença-prêmio. Não sabia bem o que iria fazer. Pensei em voltar à crítica literária nos jornais e cheguei a esboçar um plano com Antonio Olavo Pereira, da Editora José Olympio, que sugeriu a distribuição dos rodapés por vários jornais do país, de modo a multiplicar o lucro. Pensei também em associar a isto o ensino de literatura no curso colegial. A única certeza é que não voltaria a ensinar sociologia.

Foi quando um amigo meu, José Querino Ribeiro, a par dos meus problemas, sugeriu a Antonio Soares Amora que me convidasse para ensinar literatura brasileira na Faculdade que este ia dirigir em Assis, uma das três que o Governo do Estado estava criando no interior. Amora me convidou no fim de 1957, eu aceitei e comecei a participar no primeiro semestre de 1958 das sessões de organização da nova Faculdade, no Instituto de Estudos Portugueses. Ela começaria a funcionar em 1959, mas se instalaria em 58, com alguns professores que dariam cursos preparatórios para o vestibular.

Mas aconteceu que eu havia inventado um curso de Organização Social para o 2º. ano, fortemente apoiado na realidade brasileira, e ninguém se dispôs a dá-lo. Assim, voltei à Faculdade para ministrá-lo e só fui para Assis no 2º. semestre. Foi bom, inclusive porque tive naquele 2º. ano uma turma de muita qualidade, na qual estavam Roberto Schwarz, Michel Loewy, Gabriel Bolaffi, Heleieth Saffiotti, Francisco Weffort e outros.

Devo dizer que nunca me arrependi de ter feito o curso de Ciências Sociais, nem de ter sido assistente de Sociologia. Pelo contrário. Isso foi a coluna vertebral da minha visão do mundo, não só pelos cursos recebidos e dados, mas pelos colegas e amigos que me enriqueceram. Eu pertenço a um grupo e a uma fase muito misturada, como lhes disse, mas pude ver a constituição da Sociologia e da Antropologia como disciplinas que requerem especialização a sério. Credito muito disso a Florestan Fernandes, um verdadeiro gigante intelectual, que acabou conseguindo, através do que chama "sociologia crítica", ligar o conhecimento universitário à ação político-social. Como o objetivo desta entrevista é o história da Sociologia em São Paulo, é preciso destacar o papel decisivo que ele teve, porque é não apenas um grande intelectual, mas um grande homem, talvez o único de minha geração. É preciso também destacar a atuação de Egon Schaden, mas, neste caso, apenas no campo estritamente universitário. Schaden completou a obra de Willems, implantou cientificamente a Antropologia, criando um padrão rigoroso de trabalho. Foi um privilégio conviver com esses colegas, sem falar do inteligentíssimo Lourival Gomes Machado, que é para mim sobretudo companheiro de Clima.

Meus amigos, a conversa está ótima, mas já é hora de encerrá-la.

Heloisa - Nossa, professor, a entrevista foi tão boa que nem precisamos usar o roteiro que elaboramos.

Antonio Candido - Agora vocês estão começando a mitologia! Se eu viver mais uns vinte anos - e eu pretendo viver, pois quero ver a passagem do século - vou poder ver a mitologia a respeito da minha época, completamente formada. Talvez daqui a alguns anos, um de vocês resolva escrever um livro intitulado "O começo da sociologia na Universidade de São Paulo e a mentalidade do decênio de 1930", para mostrar que as pessoas, nessa época, eram realmente de um nível mental extraordinário! O professor Antonio Candido, por exemplo, se caracterizava pela capacidade de especialização e pela profundidade. Quando ele pegava um assunto, ia fundo! Perguntado sobre assuntos paralelos, austeramente ele não respondia". O mito começa assim!

Quando eu escuto o que se conta sobre a minha época, entendo melhor como se constrói a história. Outro dia, fui fazer uma palestra para o PT (Partido dos Trabalhadores) lá em Penápolis, e encontrei um ex-aluno que precisava do certificado de participação com a minha assinatura. Quando eu estava assinando, alguém perguntou: "Por que o senhor só assina Antonio Candido e não põe o seu sobrenome?" Respondi: "É para simplificar, é nome literário". Aí o meu ex-aluno fez um aparte: "Professor, o senhor me desculpe, mas o fato de o senhor só assinar Antonio Candido não é por causa daquela conversa telefônica que o senhor teve com Gilberto Freyre?" - "Eu nunca conversei com o Gilberto Freyre pelo telefone. Aliás, eu o vi poucas vezes na vida!" - "Ah, professor, mas o que corre por aí é que o senhor ligou para ele e disse": - "Aqui quem fala é o Antonio Candido de Mello e Souza". E ele perguntou: - "Mello com dois l e Souza com z"? Indignado, o senhor bateu o telefone e decidiu: - "Daqui pra frente, só vou assinar Antonio Candido!". Depois que ele terminou de falar, eu fiz a seguinte observação: - "É impossível que o Gilberto Freyre tenha dito isto. Basta você fazer uma análise estrutural para ver que isso é impossível! Por que ele escrevia Freyre com y, então, como poderia reclamar de quem escrevesse Mello com dois l"?

A loucura é total, mas é assim que se forma o mito e se faz a história!

NOTAS

RESUMOS / ABSTRACTS / RÉSUMÉS

ENTREVISTA COM ANTONIO CANDIDO

Heloisa Pontes

Concedida em agosto de 1987, revista pelo autor em julho de 2001, esta entrevista aborda dimensões relevantes da trajetória intelectual de Antonio Candido. Por meio do rastreamento do impacto da revolução de 1930 na cultura brasileira e do papel decisivo que a fundação da Faculdade de Filosofia da Universidade de São Paulo teve na implantação de um novo padrão de trabalho intelectual, Antonio Candido arma o contexto necessário para entendermos os desafios culturais e políticos perseguidos por ele e por figuras de ponta de sua geração, como Florestan Fernandes e vários dos integrantes do Grupo Clima. O resultado é uma imagem vívida e palpitante do caldo de cultura que permeou o processo de institucionalização das Ciências Sociais em São Paulo.

INTERVIEW WITH ANTONIO CANDIDO

Heloisa Pontes

Given in August 1987 and reviewed by the author in July 2001, this interview deals with important dimensions of Antonio Candido's intellectual trajectory. By tracing the impact of the 1930 revolution within Brazilian culture and the decisive role of the foundation of Faculdade de Filosofia (Philosophy Department) of University of São Paulo for the implementation of a new pattern of intellectual work, Antonio Candido sets up the necessary context in order to understand cultural and political challenges pursued by him and others of his generation, such as Florestan Fernandes and many other members of Grupo Clima. The result is a vivid and thrilling image of the culture that permeated the process of institutionalization of Social Sciences in São Paulo.

L'INTERVIEW AVEC ANTONIO CANDIDO

Heloisa Pontes

Concédée en août 1987 et revue par l'auteur en juillet 2001, cette interview aborde des aspects relevants de la trajectoire intellectuelle d'Antonio Candido. En retraçant l'impact de la révolution de 1930 sur la culture brésilienne et le rôle décisif de la fondation de la Faculté de Philosophie de l'Université de São Paulo sur l'implantation d'un nouveau modèle de travail intellectuel, Antonio Candido déploie le contexte nécessaire pour que l'on comprenne les défis culturels et politiques poursuivis par lui et par des personnages de pointe de sa génération, comme Florestan Fernandes et plusieurs intégrants du Grupo Clima. Le résultat est une image vive et palpitante du bouillon de culture qui traversa le processus d'institutionalisation des Sciences Sociales à São Paulo.

  • 1
    Iniciada em 1986 e finalizada em 1990, a pesquisa contou com a participação de doze pesquisadores e seis consultores. A maior parte dos seus resultados (além daqueles que apareceram sob a forma de livros individuais e de teses) encontra-se nos dois volumes organizados por Sergio Miceli, intitulados
    História das ciências sociais no Brasil, vol. 1 (2ª. ed., São Paulo, Sumaré, 2001) e vol. 2 (São Paulo, Sumaré/Fapesp, 1995).
  • 2
    A esse respeito, conferir o artigo de Antonio Candido, "A revolução de 30 e a cultura". Publicado primeiro no volume
    A revolução de 1930 e a cultura: contribuição ao Simpósio sobre a Revolução de 1930 (Porto Alegre, UFRGS, 1983) e, no ano seguinte, na revista
    Novos Estudos Cebrap (vol. 2, n. 4, 1984), esse artigo foi republicado no livro de Antonio Candido,
    A educação pela noite e outros ensaios (São Paulo, Ática, 1987).
  • 3
    Publicado, em 1969, sob a forma de um prefácio na quinta edição de
    Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda, esse texto de Antonio Candido foi republicado nas sucessivas reedições desse livro.
  • 4
    A esse respeito, ver o artigo de Antonio Candido, "Integralismo = fascismo?", publicado no livro
    Teresina etc. (Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1980, pp. 119-132), no qual o autor recupera as suas impressões a respeito dos integralistas que conheceu e faz um levantamento dos motivos que os levaram a aderir ao movimento.
  • 5
    Intitulada
    Os parceiros do Rio Bonito: estudo sobre a crise nos meios de subsistência do caipira paulista, a tese foi defendida em 1954 e examinada pela seguinte banca: Fernando de Azevedo (orientador), Aroldo de Azevedo, Egon Schaden, Paul Arbousse-Bastide e Roger Bastide. Defendida como tese de doutorado em Ciências Sociais na Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências da Universidade de São Paulo, onde Antonio Candido foi durante dezesseis anos assistente da cadeira de Sociologia II, regida por Fernando de Azevedo, a tese ganhou a sua primeira edição dez anos depois, em 1964. Reconhecido como um dos clássicos da sociologia e da antropologia brasileiras, encontra-se atualmente na 9ª. edição, tendo sido reeditada este ano pela 34 Letras numa caprichada edição, acrescida de fotografias inéditas tiradas pelo autor na fazenda Bela Aliança, onde ele fez a pesquisa de campo entre o final dos anos de 1940 e início dos anos 50. Para uma análise circunstanciada deste trabalho, bem como para um levantamento dos trabalhos mais importantes escritos sobre ele, consultar o artigo de Luiz Jackson, "A tradição esquecida: estudo sobre a sociologia de Antonio Candido", publicado neste número da revista.
  • 6
    A influência de Maugüé sobre Antonio Candido e seus amigos mais próximos da faculdade, como Ruy Coelho, Décio de Almeida Prado, Gilda de Mello e Souza, Paulo Emílio Salles Gomes e Lourival Gomes Machado (responsáveis pela publicação, entre 1941 e 1944, da prestigiada revista
    Clima) é enfaticamente mencionada nos vários depoimentos que eles deram sobre a experiência que tiveram na Faculdade de Filosofia, primeiro como alunos e depois como professores. A esse respeito, consultar especialmente o depoimento de Gilda de Mello e Souza publicado na revista
    Língua e Literatura (vols. 10-13, 1981, pp. 9-34), a entrevista com Antonio Candido, feita sob a forma de uma conversa entre Décio de Almeida Prado (o entrevistador), o entrevistado e Gilda de Mello e Souza, editada por Zuenir Ventura e publicada em
    3 Antônios e 1 Jobim (Rio de Janeiro, Relume-Dumará, 1993, pp. 93-129), a entrevista que Antonio Candido concedeu a Gilberto Velho e Yone Leite, publicada com o título "Os vários mundos de um humanista" em
    Ciência Hoje (n. 91, vol. 16, junho de 1993, pp. 28-41). Consultar, ainda, as entrevistas que Antonio Candido concedeu a Sônia Maria de Freitas (transcrita em sua dissertação de mestrado,
    Reminiscências: contribuição à memória da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, 1934-45, São Paulo, FFLCH, USP, 1992, pp. 35-43) e a Andréa Alves (transcrita em sua monografia de graduação,
    Sociologia e Clima: dois caminhos, um debate, Departamento de Ciências Sociais, UERJ, 1991, pp. 1-26).
  • 7
    Este ensaio foi publicado no livro de Gilda de Mello e Souza,
    Exercícios de leitura, São Paulo, Duas Cidades, 1980, pp. 9-34. Texto revisto da aula inaugural que ela deu para os alunos dos cursos de 1972 do Departamento de Filosofia da USP.
  • 8
    Referência ao livro de Paulo Arantes,
    Um departamento francês de ultramar: estudos sobre a formação da cultura filosófica uspiana, Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1994.
  • 9
    Sobre a revista
    Clima, conferir o artigo de Antonio Candido, "Clima", publicado originalmente na revista
    Discurso, em 1978, e reproduzido no livro
    Teresina etc. (
    op. cit.). Para uma análise dessa publicação, ver Maria Neuma Cavalcanti,
    Clima: contribuição para o estudo do modernismo (Dissertação de mestrado, FFLCH, USP, 1978), Andréa Alves,
    Sociologia e Clima: dois caminhos, um debate (
    op.cit.) e Heloisa Pontes,
    Destinos mistos: os críticos do Grupo Clima em São Paulo, 1940-68 (São Paulo, Companhia das Letras, 1998).
  • 10
    Referência ao trabalho "Introdução ao método crítico de Sílvio Romero", publicado primeiro pela
    Revista dos Tribunais, em 1945, e republicado em 1988 pela Edusp, com o título
    O método crítico de Sílvio Romero. Foi apresentado originalmente como tese ao concurso para provimento da cadeira de literatura brasileira, em 1945, quando Antonio Candido já era assistente de sociologia na cadeira de sociologia II (regida por Fernando de Azevedo) e crítico literário de rodapé do jornal
    A Folha da Manhã. Apesar de ter obtido o segundo lugar no concurso (o primeiro coube a Mário de Souza Lima) e o título de livre-docente em literatura, Antonio Candido teve de permanecer na cadeira de sociologia (entre 1942 e 1958), pois não havia, ainda, espaço institucional para abrigá-lo no curso de letras da Universidade de São Paulo. O que só viria a acontecer em 1961, quando ele se tornou professor da cadeira de teoria literária e de literatura comparada, da qual se tornou titular, por concurso, em 1974.
  • *
    Entrevista feita em 19 de agosto de 1987, no Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo - Idesp. Revista pelo autor em julho de 2001. Transcrita e editada por Heloisa Pontes.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Abr 2002
    • Data do Fascículo
      Out 2001
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