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Novo institucionalismo e agências de segurança nacional

Novo institucionalismo e agências de segurança nacional

Amy ZEGART. Flawed by Design: The Evolution of the CIA, JCS and NSC. Stanford-CA, Stanford University Press, 2000. 317 páginas.

Marco Cepik

O estudo da professora Amy Zegart recebeu o prêmio de melhor tese de doutorado da APSA (American Political Science Association) em 1999. Trata-se de um trabalho pioneiro e imprescindível para os pesquisadores nas áreas de políticas públicas, instituições políticas e relações internacionais.

O maior mérito de Zegart foi desenvolver uma versão modificada do novo institucionalismo para estudar instituições consideradas excessivamente "externas" pelos cientistas políticos e excessivamente "internas" pela área de Relações Internacionais. Por isso, a autora analisou o surgimento e a evolução de três agências de segurança nacional dos Estados Unidos: o National Security Council (NSC), o Joint Chiefs of Staff (JCS) e a Central Intelligence Agency (CIA).

Para formular e testar sua hipótese, Zegart procura distinguir dois tipos puros e opostos de agências governamentais: agências regulatórias "domésticas" e agências de segurança nacional. Sua análise baseia-se na consideração de quatro variáveis: 1. densidade e quantidade de grupos de interesse na sociedade; 2. natureza das funções desenvolvidas pelo órgão e papel relativo do segredo; 3. predomínio do poder executivo ou do poder legislativo; e 4. grau de interconexão burocrática entre as agências do setor.1 1 Sobre o novo institucionalismo e sua aplicação ao estudo das burocracias domésticas de serviços e de regulação, ver Terry Moe, "The politics of structural choice: toward a theory of public bureaucracy", in Oliver E. Williamson (ed.), Organizational theory: from Chester Barnard to the Present and Beyond, Nova York, Oxford University Press, 1990.

Em um extremo estariam as agências governamentais que atuam em áreas de políticas públicas regulatórias e distributivas domésticas. O ambiente social dessas áreas de políticas públicas é caracterizado pela presença de numerosos grupos de interesse consolidados. Tais grupos encarregam-se de fornecer incentivos e sanções aos parlamentares para que eles se envolvam nas disputas sobre a estrutura e a atuação das agências de um dado setor. A disponibilidade de informações sobre as atividades da agência é alta, mas há obstáculos administrativos para a obtenção dessas informações. Para a terceira variável, Zegart destaca o papel central do Congresso nas decisões sobre a criação, o desenho organizacional e o volume de serviços (outputs) das agências governamentais domésticas. Em relação à quarta variável, as agências governamentais voltadas para o público nacional apresentam uma clara delimitação de funções (saúde, educação, transportes etc.) e têm grande independência operacional umas das outras.

No outro extremo estariam as agências de segurança nacional, caracterizadas pela fraca presença de grupos de interesse em seu ambiente de atuação. Mesmo quando existem tais grupos (fabricantes de armamentos, grupos de imigrantes etc.), eles são relativamente menos numerosos, menos poderosos e orientados para resultados políticos específicos (por exemplo, obtenção de um dado contrato para desenvolver um novo sistema de armas) e não para influenciar o desenho organizacional de uma agência ou o nível geral de gastos orçamentários de um setor. Os dados sobre os grupos de interesse utilizados por Amy Zegart são resultados de pesquisas sobre associativismo civil, lobbies no Congresso e fontes de financiamento de campanhas de deputados. Os grupos de interesse na área de segurança nacional são mais recentes, menos numerosos e menos presentes nas campanhas parlamentares. Enquanto 75% dos grupos de pressão na área de defesa e política externa começaram a operar na década de 1970, grupos como o Sierra Club (1892), a National Association of Manufacturers (1892) e a National Education Association (1857) são bem mais antigos e consolidados. Em 1990, de um total de 9.138 grupos de pressão atuando sobre o Congresso dos Estados Unidos, apenas 922 estavam, de alguma forma, relacionados com assuntos internacionais; os grupos da área de saúde, sozinhos, eram mais numerosos (1.054). Finalmente, grupos de interesse na área de segurança nacional investem menos nas campanhas dos congressistas membros dos comitês de sua área. Segundo Zegart, enquanto um membro do Senate Committee on Banking recebia em média 29% dos recursos para campanha de doadores de fundos relacionados ao setor bancário, um membro do Senate Committee on Armed Services recebia apenas 6% dos fundos de sua campanha de doadores no setor.

Entre os dois tipos extremos no espectro burocrático, Zegart destaca uma quantidade de agências que ficariam a meio caminho, especialmente as organizações de política econômica que "atravessam" a dicotomia externo/interno (Bancos Centrais, Comércio Exterior, Conselhos de Política Econômica etc.).2 1 Sobre o novo institucionalismo e sua aplicação ao estudo das burocracias domésticas de serviços e de regulação, ver Terry Moe, "The politics of structural choice: toward a theory of public bureaucracy", in Oliver E. Williamson (ed.), Organizational theory: from Chester Barnard to the Present and Beyond, Nova York, Oxford University Press, 1990.

Como muitas das atividades das agências de segurança nacional são conduzidas em segredo, existem ainda barreiras legais e procedimentais adicionais para o acesso público às informações potencialmente mais relevantes. Com custos de obtenção de informações mais altos e um ambiente rarefeito de grupos de interesse, há poucos incentivos positivos para os parlamentares participarem ativamente das disputas sobre a organização ou as ênfases operacionais das agências de segurança nacional. O grau de interdependência burocrática também seria bem maior na área de segurança nacional por causa da justaposição de temas e funções que impedem uma clara delimitação jurisdicional entre as diferentes agências do setor.

A partir dessa delimitação de características específicas das agências de segurança nacional, Amy Zegart faz três proposições: 1. Ao contrário do que ocorre com as demais agências governamentais, cuja criação é fortemente influenciada pelos grupos de interesse e pelo Congresso, no caso das agências de segurança nacional a decisão de se criar uma nova agência, assim como as escolhas de seu desenho organizacional e suas regras de funcionamento, é fortemente concentrada no poder executivo. 2. Devido ao elevado grau de interdependência burocrática e por causa da precária delimitação de jurisdições, as agências de segurança nacional que já existem em um dado momento histórico lutam entre si e com as equipes de assessores presidenciais para influenciar a definição presidencial sobre as missões, os recursos e o desenho organizacional do novo órgão. O desenho final das novas agências que estão sendo criadas depende dos resultados desses embates. 3. Além de envolver-se pouco nas disputas em torno da criação de novas agências de segurança nacional, os parlamentares e o Congresso também procuram evitar o envolvimento em atividades de supervisão sobre as atividades dessas agências, pois lhes faltam, para tanto, os instrumentos e os incentivos.

Ao estudar os diferentes padrões de evolução das três agências ao longo da segunda metade do século XX (NSC para policymaking, JCS para comando das forças armadas e CIA para inteligência externa e operações encobertas), Zegart concluiu que três fatores, em ordem decrescente de importância, determinariam o desenho inicial e o desenvolvimento posterior de organizações na área de segurança nacional. O primeiro diz respeito às escolhas sobre o desenho organizacional e as regras de funcionamento feitas na época da criação da agência. O segundo relaciona-se aos interesses, às opiniões e às linhas de ação dos atores relevantes, que mudam ao longo do tempo por meio das próprias interações. E o terceiro, aos eventos externos que, dependendo da intensidade e do timing, podem forçar a mudança organizacional sem que os atores tenham controle sobre as variáveis ambientais.

O esquema analítico de Zegart é ousado e, de modo geral, bastante consistente, mas quatro aspectos me parecem problemáticos.

Primeiro, um de seus pontos de partida para propor uma tipologia das agências de segurança nacional é uma crítica superficial e absolutamente equivocada ao que a autora supõe ser o "realismo" na área de Relações Internacionais. Além de errada, sua crítica é fútil, pois não tem nenhuma função posterior na construção do modelo, que, aliás, é perfeitamente compatível com as versões mais refinadas do realismo estrutural na área de Relações Internacionais.

Em segundo lugar, é problemática sua suposição de que os presidentes, ao contrário dos legisladores e dos burocratas, são mais protegidos do assédio dos grupos de interesses e têm mais incentivos para concentrarem-se em grandes temas nacionais. Afinal, esses incentivos não surtiram muitos efeitos em alguns dos presidentes norte-americanos que mais influenciaram o desenho organizacional das agências de segurança nacional (por exemplo, Truman, Reagan e Clinton). A própria caracterização dos presidentes como agentes perfeitos do público e vítimas indefesas do poder dos burocratas é claramente equivocada.

Em terceiro lugar, ao concentrar sua explicação nas preferências e constrangimentos institucionais dos agentes, Zegart subestimou o conhecimento sobre o que as agências realmente "fazem", ignorando as funções exercidas e os requisitos tecnológicos como fatores explicativos sobre o desenho organizacional das agências de segurança nacional.

Finalmente, sua tentativa de diferenciar as agências domésticas das agências de segurança nacional com base no grau de interdependência burocrática exige maior especificação, pois a falta de delimitação clara de jurisdição entre agências ocorre também ­ e talvez em graus mais elevados ­ em setores da burocracia no ambiente interno (por exemplo, atividades urbanas ou planejamento governamental). Apesar desses quatro reparos críticos, trata-se realmente de um livro importantíssimo e que merece a atenção dos pesquisadores brasileiros.

Notas

2 Cf. o capítulo 5, "Empirical institutionalism", do livro de B. Guy Peters, Institutional theory in political science: the new institutionalism, Nova York, Pinter, 1999.

MARCO CEPIK é professor do Departamento de Ciência Política da UFMG.

  • 1
    Sobre o novo institucionalismo e sua aplicação ao estudo das burocracias domésticas de serviços e de regulação, ver Terry Moe, "The politics of structural choice: toward a theory of public bureaucracy", in Oliver E. Williamson (ed.),
    Organizational theory: from Chester Barnard to the Present and Beyond, Nova York, Oxford University Press, 1990.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      17 Fev 2003
    • Data do Fascículo
      Fev 2002
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