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Estado e mercado: a OMC e a constituição (incerta) de uma ordem econômica global

State and market: the WTO and the constitution (unsure) of a gloal economical order

État et marché: l'OMC et la constitution (incertaine) d'un ordre économique global

Resumos

Identificando como raiz das tensões que vêm aflorando nas negociações comerciais em curso o problema geral de como conciliar a demanda por normas econômicas globais e a realidade de um sistema político centrado nos Estados, este artigo busca na história do direito comercial subsídios para refletir sobre o papel contraditório da OMC na construção das bases institucionais de uma economia globalizada.

OMC; Globalização; Regimes internacionais; Direito comercial; Estado nacional


This article aims at finding subsidies in the history of commercial law to reflect on the contradictory role of WTO in building institutional bases of a global economy by identifying the general problem of conciliating the demand for global economic rules and the reality of a political system centered in States as the core of tensions that have been flourishing amid ongoing commercial dealings.

WTO; Globalization; International regimes; Commercial law; National State


Concilier la demande pour des normes économiques globales et la réalité d'un système politique centré dans les États : tel est le problème général identifié lors des négociations commerciales en cours. Cet article cherche, à partir de l'histoire du droit commercial, des clefs qui mènent à une réflexion à propos du rôle contradictoire de l'OMC dans la construction des bases institutionnelles d'une économie globalisée.

OMC; Globalisation; Régimes internationaux; Droit commercial; État national


Estado e mercado: a OMC e a constituição (incerta) de uma ordem econômica global* * Este trabalho foi desenvolvido no contexto do Projeto Temático "Reestruturação Econômica Mundial e Reformas Liberalizantes nos Países em Desenvolvimento", coordenado pelo autor, que agradece à Fapesp, pelo apoio a esta pesquisa, e a Andrei Koerner, pela leitura atenta do texto e por seus comentários.

State and market: the WTO and the constitution (unsure) of a gloal economical order

État et marché: l'OMC et la constitution (incertaine) d'un ordre économique global

Sebastião C. Velasco e Cruz

RESUMO

Identificando como raiz das tensões que vêm aflorando nas negociações comerciais em curso o problema geral de como conciliar a demanda por normas econômicas globais e a realidade de um sistema político centrado nos Estados, este artigo busca na história do direito comercial subsídios para refletir sobre o papel contraditório da OMC na construção das bases institucionais de uma economia globalizada.

Palavras-chave: OMC; Globalização; Regimes internacionais; Direito comercial; Estado nacional.

ABSTRACT

This article aims at finding subsidies in the history of commercial law to reflect on the contradictory role of WTO in building institutional bases of a global economy by identifying the general problem of conciliating the demand for global economic rules and the reality of a political system centered in States as the core of tensions that have been flourishing amid ongoing commercial dealings.

Keywords: WTO; Globalization; International regimes; Commercial law; National State.

RÉSUMÉ

Concilier la demande pour des normes économiques globales et la réalité d'un système politique centré dans les États : tel est le problème général identifié lors des négociations commerciales en cours. Cet article cherche, à partir de l'histoire du droit commercial, des clefs qui mènent à une réflexion à propos du rôle contradictoire de l'OMC dans la construction des bases institutionnelles d'une économie globalisée.

Mots-clés: OMC; Globalisation; Régimes internationaux; Droit commercial; État national.

Introdução

"A reunião entrou em colapso". A informação foi transmitida aos jornalistas pelo diplomata queniano George Ogwar pouco depois das 15 horas. Ele não estava enganado. Minutos mais tarde, em sua condição de presidente dos trabalhos, o chanceler mexicano, Luís Ernesto Derbez, dava por encerrada a Conferência Ministerial de Cancún, por avaliar que o impasse produzido em torno dos chamados "temas de Cingapura (investimentos, política de concorrência, compras governamentais e facilitação de comércio) não seria superado em tempo hábil.

Acolhido com manifestações ruidosas de regozijo pelos ativistas de movimentos alternativos e organizações não governamentais que se encontravam na sala de imprensa do Centro de Convenções da cidade, esse desfecho suscitou reações discrepantes nos protagonistas da história que se fazia naquela hora. "Cancún fracassou. O que ocorreu aqui é um grave problema para a OMC (Organização Mundial do Comércio) e, ao mesmo tempo, uma oportunidade perdida para todos", afirmou Pascal Lamy, comissário de Comércio da União Européia que nos dias anteriores esteve na berlinda pela defesa da política de subsídios agrícolas da União Européia e pela insistência em negociar os referidos temas de Cingapura. Em sua opinião a OMC, com os seus 148 membros e suas regras decisórias, estava se convertendo em uma "organização medieval".

Não menos acerba foi a reação do representante comercial dos Estados Unidos. Na conferência de imprensa que deu logo depois de anunciado o fracasso da cúpula, Robert B. Zoellick afirmou que "a lição mais importante de Cancún" é que "o consenso útil entre 148 países requer a disposição séria para concentrar-se no trabalho e não na retórica [...]". Ele reconheceu que a agricultura havia sido o tema mais "crítico da reunião, mas atribuiu o fracasso da mesma aos países em desenvolvimento, por sua recusa a discutir novas regras para reduzir os "obstáculos ao comércio".1 1 "Cumbre de Cancún", La Jornada, 15/9/2003.

Cerca de uma semana depois, Zoellick voltaria a expressar esses juízos, agora de forma mais articulada, em artigo de grande repercussão publicado no Financial Times: "Os Estados Unidos não vão esperar". Sob esse título, o representante comercial da Casa Branca dava sua versão dos acontecimentos e fazia carga pesada contra os países em desenvolvimento, com menção especial para o Brasil.

Importantes países em desenvolvimento de nível médio empregaram a retórica da resistência como tática para pressionar os países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, desviar a atenção de suas próprias barreiras comerciais. Depois que os Estados Unidos pressionaram a União Européia a desenvolver um sistema agrícola capaz de efetuar cortes de subsídios agrícolas e tarifas muito superiores aos alcançados na última negociação do comércio global, pedimos que o Brasil e outras potências agrícolas trabalhassem conosco. O Brasil recusou-se, voltando-se em vez disso para a Índia, que nunca apoiou a abertura de mercados, como que para enfatizar a divisão norte-sul, e não a reforma agrícola global (Zoelick, 2003).

Ao externar esse ponto de vista, o alto funcionário norte-americano a um só tempo exercia pressão adicional sobre um interlocutor importante, que surpreendeu pela renitência na "má conduta", e expressava um sentimento generalizado nos círculos dirigentes de seu próprio país.2 2 "Senador dos EUA: Brasil levou Cancún ao fracasso". O Estado de S. Paulo, 18/9/2003; "Setor privado dos EUA vê Brasil nos anos 70", Folha de S. Paulo, 13/9/2004.

O contraste com as avaliações que emanavam dos representantes dos países interpelados não podia ser mais gritante. Vale lembrar como o ministro Celso Amorim, alvo principal do mau humor do representante comercial dos Estados Unidos, caracterizou o episódio vivido em Cancún:

Independentemente das análises que venham a ser feitas sobre a reunião de Cancún, pode-se afirmar, desde já, que ela marca um ponto de inflexão na dinâmica interna da Organização onde, tradicionalmente, o que era decidido pelas grandes potências comerciais era visto como o consenso inevitável. Graças a um esforço conjunto de 22 países em desenvolvimento, coordenados pelo Brasil, do qual participaram países grandes e pequenos de três continentes, as postulações da maior parte da humanidade não puderam ser ignoradas. Apesar da ausência de resultados imediatos, vejo a reunião de Cancún menos como um fim do que como o começo de uma nova etapa na vida da OMC, em que as negociações se processarão de maneira mais equilibrada e menos unilateral.3 3 Discurso do ministro de Estado das Relações Exteriores, embaixador Celso Amorim, por ocasião do Dia do Diplomata (Brasília, 18/9/2003, www.mre.gov).

Do outro lado do globo, opinião semelhante era manifestada por Arun Jaitley, ministro do Comércio e Indústria da Índia, que chefiou a delegação de seu país na Conferência de Cancún. Em suas palavras, "a Índia não cedeu em nenhuma questão na Ministerial da OMC, e o fato de que tenha trazido para o centro do palco as preocupações dos países em desenvolvimento refletiu o sucesso da conferência". Em sua avaliação, o fator mais importante no desempenho da diplomacia indiana no conclave foi a "o apoio unânime da opinião nacional à posição geral adotada pelo governo depois de amplas consultas, antes da Ministerial, com partidos políticos, sindicatos, associações da indústria e outras partes interessadas".4 4 "India didn't yeld on any issue", The Economic Times, 16/9/2003.

Em sua avaliação calorosa dos resultados obtidos em Cancún o ministro era secundado pela direção da Confederação Indiana das Indústrias, que, pela voz de seu presidente, Anand Mahindra, não economizava adjetivos:

Cancún representa um divisor de águas nas negociações comerciais. Elas nunca mais serão mais as mesmas. Os países em desenvolvimento agora são uma força reconhecida. A Índia, liderada pelo Ministro do Comércio, foi uma das principais responsáveis pela união de muitos países em torno de uma plataforma comum.5 5 "CII lauds the role of developing countries at Cancún", The Economic Times, 16/9/2003.

O fracasso da quinta Conferência Ministerial não constitui uma experiência nova na curta história da OMC. Antes dela houve o fiasco de Seattle, que trouxe o movimento anti-globalização definitivamente para as manchetes dos jornais em todo o mundo. E se incluirmos o acervo do GATT (General Agreement on Tariffs and Trade) em nosso balanço, vamos constatar que os impasses nas conferências ministeriais da organização são mais comuns do que poderíamos imaginar pela simples leitura da cobertura da imprensa. No entanto, alguns elementos dão ao episódio de Cancún um significado especial:

1. Como observaram prontamente os melhores analistas, a conferência de Cancún foi palco de uma inédita movimentação entre países em desenvolvimento, que lograram fortalecer suas respectivas posições negociadoras ao exibirem um nível notável de mobilização e ao se reforçarem mutuamente por intermédio de um conjunto muito diversificado de alianças. Algumas delas foram criadas ainda no início da década, na fase preparatória para a Conferência de Doha. Esse é o caso do Grupo Africano, do Grupo de Países da África e do Caribe Pacífico, do Grupo dos Países Menos Desenvolvidos, do grupo conhecido como Economias Pequenas e Vulneráveis e do Grupo dos Países Afins (Like Minded Group). Outras tinham formação mais recente e fizeram seu début no balneário mexicano – caso do Grupo 20, constituído em torno da aliança estabelecida alguns meses antes pelo Brasil, Índia e África do Sul (cf. Narlikar e Tussie, 2003).

2. Essas alianças tinham a seguinte particularidade: nenhuma delas estava centrada em um único tema. Pelo contrário, assumiam características de bloco – coalizões relativamente estáveis que modulam suas agendas em função das ocorrências que marcam os processos de negociação nos quais estão envolvidas. Ademais, entre elas havia um considerável grau de interseção, devido à sobreposição freqüente dos múltiplos vínculos de boa parte de seus membros. Estava ressuscitada, assim, no sistema multilateral de comércio internacional, a clivagem Norte-Sul que parecia ter sido sepultada na Rodada Uruguai, na segunda metade da década de 1980.

3. A despeito das flutuações, essas alianças estavam centradas em alguns temas críticos, entre os quais cabe ressaltar o velho tema da agricultura e os chamados temas de "Cingapura". Por razões distintas, em seu conjunto eles representam um enorme desafio para a OMC. Podemos vislumbrar a natureza e o alcance do repto quando levamos em conta que, na questão agrícola – introduzida na agenda do GATT na Rodada Tóquio, nos idos dos anos de 1970 – uma fração significativa dos países membros invoca o princípio do tratamento especial e diferenciado reservado aos mais fracos e reclama isenção para seus produtos estratégicos, sem provocar por isso o veto de aliados, que são grande exportadores agrícolas.

4. Mais do que em qualquer outro momento, a conferência de Cancún trouxe à baila a questão dos procedimentos. Há, na OMC, uma tensão estrutural entre a regra majoritária inscrita em seus estatutos e o peso extremamente desigual de seus membros, o qual se faz sentir vigorosamente nos processos reais de tomada de decisão. Essa contradição se expressa por um conjunto de procedimentos informais e pela aquiescência geral aos resultados obtidos por esses canais. Essa disposição faltou em Cancún, e na ausência dela é a própria natureza da instituição que foi posta em debate (cf. Kwa, 2002).

Embora propositalmente sumário, esse relato contém elementos suficientes para justificar a questão genérica com a qual abrimos o presente estudo: levando em consideração o fato de que a atual rodada de negociações comerciais é a primeira a se realizar nos quadros da OMC e a primeira desde o final da Guerra Fria; considerando ainda que seu lançamento ocorreu em um período de incerteza econômica (crises financeiras no final da década de 1990, recessão na economia norte-americana, quebra de confiança provocada pelos escândalos corporativos) e em um momento de crise nas relações internacionais, quando as reverberações do atentado terrorista de 11 de setembro eram extremamente fortes (a conferência ministerial de Doha ocorreu em novembro de 2001), que significado atribuir às tensões expressas no decurso desta rodada?

O problema de fundo

Como entender as tensões afloradas no decurso da rodada Doha? Que significado atribuir ao fracasso da conferência de Cancún? Antes de abordar essas questões, convém fazer uma pausa para refletir sobre a natureza do desafio intelectual que elas representam e sobre as ferramentas mais adequadas para lidar com ele.

Tratando-se de perguntas relativas a fenômenos inscritos no sistema multilateral de comércio, uma alternativa óbvia seria tomar, como referência para o exercício proposto, a vasta literatura existente no campo das Relações Internacionais sobre o tema dos "regimes". Vários motivos, contudo, nos levam a evitar esse expediente. O principal deles pode ser exposto de maneira breve por meio de um comentário sobre a definição canônica sugerida na obra coletiva organizada por Stephen Krasner:

Os regimes podem ser definidos como conjuntos de princípios, normas, regras e procedimentos de tomada de decisão, implícitos ou explícitos, em torno dos quais as expectativas do ator convergem em uma área determinada das relações internacionais (Krasner, 1989).

O debate em torno do tema dos regimes internacionais é conhecido; não vamos revisá-lo. Diremos apenas que ele gira em torno dos dois elementos combinados nessa definição: 1) a natureza, a efetividade ou a função dos regimes em sua condição genérica de regimes, vale dizer, como instituições – nessa linha, a produção teórica sobre o tema dissolve-se na literatura mais ampla sobre a emergência e o papel das normas sociais; 2) aspecto que nos interessa mais de perto – aquilo que faz desses regimes mais do que simples regimes, precisamente regimes "internacionais".

Mesmo nos melhores textos sobre o assunto, nem sempre essa distinção é observada: os autores tendem a passar de um aspecto a outro sem se darem conta, aparentemente, de que estão a falar de coisas distintas. Podemos observar essa ocorrência na pena, ou melhor, nas teclas, de um autor tão sofisticado quanto Oran Young. No artigo que publicou na coletânea antes referida, Young examina a diferença entre os regimes internacionais com base em uma classificação em termos de três tipos de "ordem" – "espontânea", "negociada", e "imposta". Ordens espontâneas são aquelas que, produzidas embora pelo agir humano, não resultam da coordenação consciente entre os participantes, dispensam a aceitação explícita dos agentes e são altamente resistentes a esforços concertados para moldá-las. Ordens negociadas caracterizam-se pelo fato de envolverem esforços conscientes visando à produção de acordos sobre suas determinações principais, consentimento explícito por parte dos agentes concernidos, e à expressão formal de seus resultados. Ordens impostas são criadas deliberadamente pelo poder dominante, ou por uma coalizão de dominantes, dispensados o consentimento explícito dos atores subordinados e a expressão formal de suas regras.

Young tem o cuidado de indicar que essas formas não são excludentes e que tendem a se combinar no processo empírico de formação dos regimes internacionais. Como "tipos", elas selecionam e exageram certos traços das instituições historicamente existentes, combinando-os em representações estilizadas que, por isso mesmo, nos ajudam a compreender as articulações observadas na realidade. Com essa ressalva, podemos fazer uso deles na caracterização dos objetos. É o que o autor faz na seguinte passagem:

Nesta discussão sobre a dinâmica do regime internacional, convém diferenciar dois tipos de ordens impostas. A hegemonia aberta ocorre quando o ator dominante cria arranjos institucionais, aberta e explicitamente, e obriga os atores mais fracos a se conformarem com eles. As estruturas feudais clássicas, assim como muitos dos grandes sistemas imperiais exemplificam esse padrão (Young, 1989, p. 100).

Ele faz referência, igualmente, a inúmeros regimes internacionais que podem ser descritos apropriadamente como "ordens negociadas". Curioso é que, ao falar da "ordem espontânea", seus exemplos são o "mercado" e a "linguagem". Em momento algum ele se detém para indagar se, em um universo dotado de número relativamente reduzido de unidades com pesos respectivos tão diferentes, como o sistema internacional, a idéia de "ordem espontânea", mesmo teoricamente, faz sentido. O único caso mencionado de ordem espontânea nessa esfera é o regime que regulou por muito tempo a pesca internacional, até o momento em que foi formalizado por um contrato "constitucional" em 1958, data de celebração da Convenção de Genebra sobre a Plataforma Continental (Idem, p. 102). Em outros termos, um "regime" que, ao ser incorporado à lógica da coordenação entre Estados, deixou de ser um caso ilustrativo da "ordem espontânea".

Princípios e normas, regra e procedimentos são ubíquos porque os indivíduos e os grupos dependem deles para coordenar suas ações em contextos em que a busca de interesses estreitamente definidos conduz a resultados insatisfatórios. Ao universo denotativo recortado por essa proposição, o conceito de "regime internacional" apõe duas restrições: as normas em questão não são difusas, ou de alcance generalizado, elas têm como foco problemas que emergem tipicamente em áreas funcionalmente diferenciadas. E não em quaisquer áreas: apenas naquelas que se situam no âmbito das "relações internacionais".

Relações inter-nacionais. Importa frisar este termo, porque implícita nele está a idéia crucial de que os regimes se afiguram como aspectos de um sistema mais amplo, o qual – como os próprios regimes – envolve princípios, normas e procedimentos próprios, bastando pensar na força da norma da imunidade e no lugar reservado a ela na instituição da diplomacia para se dar conta disso. Esse universo inclusivo – o sistema internacional – tem como princípio constitutivo básico o princípio da soberania.

Ora, a questão que os temas incorporados na agenda do GATT/OMC nas duas últimas décadas suscita não diz respeito exclusivamente aos princípios e às normas prevalentes nesta ou naquela "área de problemas", neste ou naquele regime. Assim como outros desenvolvimentos recentes – a entronização da democracia representativa como modelo político de validade universal e sua conversão em "quase-direito" subjetivo de todos os habitantes da Terra (Velasco e Cruz, 2004) e a criação do Tribunal Penal Internacional, por exemplo –, esses temas põem em questão o relacionamento entre os novos regimes emergentes e os princípios estruturantes da ordem internacional.

Se é assim, a literatura que toma Estados e sistema internacional como "dados" não parece ser a mais útil. Essas noções deverão reaparecer, forçosamente, na análise – e ainda teremos muito a aprender com os estudos substantivos sobre o regime multilateral de comércio internacional. Devemos, contudo, partir de outro lugar.

Esse "lugar", vamos encontrá-lo na idéia corrente segundo a qual a integração da economia capitalista em escala planetária atingiu um patamar tão elevado que devemos concebê-la como uma "economia global". Admitida para efeito de raciocínio esta premissa, o problema de fundo com que nos defrontamos é o de como entender o processo político de criação de instituições adequadas a uma tal economia. E se considerarmos que, antes mesmo de sua plena configuração como economia capitalista, a atividade de seus personagens principais já era "internacional", julgamos justificada a decisão de abordá-la em uma perspectiva histórica de longo prazo.

Excurso histórico: Estado, direito e capitalismo

Ao final do capítulo "A economia e as diversas ordens", que abre a segunda parte da obra Economia e sociedade na edição organizada por Johannes Winckelmann,6 6 Para uma análise do processo de produção dessa obra e um comentário crítico sobre a edição citada, ver Mommsen (2000). deparamos com a seguinte observação:

[ ] a aceleração moderna da atividade econômica reclama um direito de funcionamento rápido e seguro, garantido por uma força coativa da mais alta eficácia, e, sobretudo, a economia moderna destruiu por sua pecualiaridade as demais associações que eram portadoras de direito e, portanto, garantida do mesmo. Esta é a obra do desenvolvimento do mercado [ ] a estensão do mercado [ ], em virtude de suas conseqüências imanentes, favorece o monopólio e a regulamentação da força coativa "legítima" por meio de um instituto coativo universal, destruindo todas as estruturas coativas particulares, que descansam, na maioria das vezes, em monopólios econômicos, estamentais ou de outra classe (Weber, 1977, p. 272).

Comprimidos nessa passagem estão vários séculos de história legal. Na linha do tempo que ela descreve encontramos, em uma de suas extremidades, a Europa do alto medievo, época em que a diminuição da ameaça dos povos "bárbaros" (mouros e vikings), a multiplicação de contatos humanos propiciada pelas Cruzadas e a reabertura das rotas com o Oriente permitiram o reflorescimento do comércio e da vida urbana. No outro extremo, a moderna economia capitalista, tal como a conheceram Max Weber e seus contemporâneos. Voltando nossos olhos para a primeira delas, podemos observar a lenta emergência de um direito novo, que aprende com as instituições nunca de todo olvidadas do direito romano, mas dele se separa radicalmente pela intenção que o anima e pela natureza dos dispositivos a que dá forma. Esse direito é produzido pela atividade codificadora das corporações de mercadores, sobretudo aquelas radicadas nas cidades italianas mais prósperas, que trabalham sobre material normativo diverso sob a orientação desta regra de ouro: boa é a fórmula jurídica que dá segurança aos contratos e acelera o ritmo dos negócios.

As fontes do ius mercatorum eram os estatutos das corporações mercantis, o costume mercantil e a jurisprudência da "cúria" dos comerciantes. Nos estatutos confluíam vários materiais normativos: 1) o juramento dos comerciantes; 2) as deliberações do conselho formado por comerciantes antigos, e 3) os princípios consolidados pelo costume e pela jurisprudência. Ao mesmo tempo, uma magistratura de comerciantes, chamados estatutários, ocupava-se da compilação e atualização dos estatutos. O costume nascia da constante prática contratual dos comerciantes: a modalidade contratual que consideravam vantajosa se convertia em direito; as cláusulas contratuais se transformavam, uma vez generalizadas, no conteúdo legal do contrato. Por último, os comerciantes, designados pela corporação, compunham os tribunais que decidiam as controvérsias contratuais (Galgano, 1981, p. 48).

Mesmo não tendo sido criação original sua, devemos ao pragmatismo desses mercadores a difusão de alguns instrumentos jurídicos na ausência dos quais seria impossível imaginar o dinamismo da economia moderna. Entre estes, cabe citar a letra de câmbio, que deixa de funcionar como simples documento que prova o depósito para assumir as características de uma ordem de pagamento a terceiros, e a nota promissória, promessa de pagamento emitida pelo devedor, a ser cumprida no prazo convencionado, gerando um direito que o credor pode transferir a terceiros. Negociabilidade: aí reside o elemento inovador do instituto. Sem ela a importância da nota promissória como instrumento de crédito seria muito reduzida. Mas, a negociabilidade não é um atributo intrínseco desse tipo de documento, ela deriva da norma jurídica que reconhece o direito do portador do título avalizado, sempre que de boa fé, contra toda pretensão de prioridade que possa ser manifestada por outros indivíduos. Não há nada de evidente nessa norma, e até bem entrado no século XIX ela foi rejeitada pelos tribunais em vários lugares (cf. Horowitz, 1977, pp. 212 ss.).

A menção à cláusula restritiva da boa fé remete-nos a outro aspecto da produção normativa dos mercadores de então. Não era apenas no desenho de novas formas de contrato que a comunidade de mercadores inovava. No afã de produzir soluções expeditas para os problemas que surgiam cotidianamente na prática do comércio, esse direito pressupunha a boa fé para levar a efeito sua tarefa de simplificação drástica das regras de evidência e dos procedimentos judiciais. Esse aspecto é bem salientado pelo autor de um trabalho clássico sobre o tema, que, ao resumir as características distintivas desse direito enumera, entre outras, as seguintes:

1. Embora uma obrigação solene, assumida em documento notarial, tivesse em geral precedência a um documento assinado manualmente, essa regra não se aplicava aos mercadores. A razão alegada para isso era o fato de que entre os mercadores a boa fé consistia um valor supremo, e não reforçado pelo atestado notarial.

2. Admitia-se o testemunho oral para contradizer um documento escrito, onde a soma em disputa fosse superior a 100 libras, embora o testemunho isolado da parte interessada fosse insuficiente.

3. A propriedade da coisa vendida passava ao comprador na ausência da entrega.

As associações verbais eram suficientes. Embora houvesse ordenanças locais na França, que exigiam contratos escritos para esse fim, foi apenas com a Ordenança Real de março de 1673 que essa regra se tornou geral.

4. Sendo universal entre os mercadores o costume de escriturar suas operações, tanto sob a forma de diários como de livros-mestres, essas peças eram admissíveis como prova adequada de regularidade em favor de seus donos (Bewes, 1923, 19 ss.).

Tendo como berço os centros comerciais mais importantes – Florença, Gênova, Milão, Veneza, Lyon –, o direito mercantil medieval irradia-se por toda Europa pelo mimetismo das comunidades menos desenvolvidas, que tomam estatutos daquelas cidades como modelos para seus próprios estatutos. Cristalização dos usos e costumes originados em uma atividade desenvolvida em redes com malhas longas, que transcendiam de muito as fronteiras do universo cristão, ele era, já em sua origem, transnacional.

Em outro plano, esse direito, feito por e para os mercadores – ius mercatorum ou lex mercatoria na linguagem culta dos juristas da época –, tinha duas características, uma interna e outra externa, que importa registrar.

O elemento intrínseco é dado por seu caráter estamental. "Direito dos mercadores", ele repousa em um suposto particularista: seus dispositivos aplicam-se a todas as transações que tenham um comerciante, em sua qualidade de comerciante, como parte – suas relações extra-mercantis (relações de família, de sucessão, relações patrimoniais de caráter imobiliário etc.) continuavam sendo regidas pelo direito comum da terra. A qualificação não altera a essência do suposto. Com ele, a comunidade dos mercadores proclama a sua pretensão de regular seus próprios negócios, bem como suas relações com a sociedade circundante.

A característica extrínseca é que ele coexistia nessa sociedade com vários outros direitos e com eles competia: o direito canônico, o direito feudal, o direito régio – alimentado permanentemente pelo trabalho dos "legistas", que mobilizavam em favor da autoridade real o patrimônio inestimável do direito romano (Tigar e Levy, 1978, pp. 23-63).

Na luta pela afirmação de suas normas próprias e pela aceitação da natureza executória das decisões de suas cortes, os mercadores valiam-se de recursos de poder que detinham.

[...] o não comerciante ou estrangeiro que renunciasse à jurisdição mercantil perdia no futuro o direito de invocar a seu favor o ius mercatorum e a jurisdição mercantil, e em algumas cidades ficava incapacitado para realizar qualquer tipo de comércio com membros da corporação mercantil (Galgano, 1981, p. 48).

Mas não podiam contar apenas com suas forças. Eles buscavam o favor dos "senhores" e dos reis, de quem obtinham, freqüentemente, proteção e franquias pela promessa de incremento nas rendas do tesouro que a atividade aplicada de comerciantes e artesãos envolvia.E convém esclarecer, para evitar o risco de um mal entendido: franquia nesse contexto nada tem a ver com a idéia de liberdade como ausência de constrangimento externo à realização da vontade do indivíduo. Ela tem conteúdos substantivos bem determinados, convertendo-se em sinônimo de privilégio. Como os concedidos às feiras, que além de garantia adicional para a sanção dos julgados de seus tribunais próprios, eram favorecidas por disposições tais como a que vedava o comércio fora de seus limites (Bewew, 1923, pp. 89-90, 105).

Nascidos nos "poros da sociedade feudal", esses corpos estranhos ampliaram seus espaços nela, desempenhando um papel de importância crescente nos conflitos que a dinamizavam, e culminariam por transformá-la em seus alicerces. Mas esta já é outra história.

No outro extremo de nossa linha, vemos um quadro muito diferente. Aqui, divididos em um sem-número de categorias – empresários, investidores; industriais, banqueiros, comerciantes; atacadistas, varejistas –, os sucedâneos daqueles mercadores operam sob o império de uma lei que se deseja abstrata e universal. No ordenamento jurídico que ela conforma, o direito comercial surge como parte do direito privado, mas este – como o direito público – é um direito do Estado, que o produz e o administra por intermédio de instituições especializadas – o Legislativo e o Judiciário. Nos termos desse direito, o "homem de negócios" perde sua especificidade, dissolvendo-se na categoria abstrata de indivíduo portador de direitos: cidadão. Em suas lides diárias, ele opera, ao contrário de seus ancestrais do medievo, no contexto de um sistema jurídico "objetivo", posto que referido, não à pessoa do comerciante, mas aos "atos de comércio", definidos pela lei, pouco importando a origem social de quem os efetue. Naturalmente, esse sistema não desconhece a existência de segmentos da sociedade cuja atividade profissional é a realização de atos desse tipo, e para os mesmos ele reserva um conjunto de regras específicas. Mas esse fato não o transforma em um direito corporativo, pois, em contraste com o que ocorria no passado, quando os mercadores constituíam uma classe rigidamente fechada, o exercício do comércio sendo uma prerrogativa dos inscritos na corporação, agora a condição de comerciante está aberta a todos os interessados, desde que disponham de recursos (materiais e sociais) e tirocínio para se estabelecer duradouramente nessa posição.

Decerto, a forma universal e abstrata encobre nesse direito um outro particularismo. Nutrindo-se do material normativo que emana permanentemente das práticas desenvolvidas no campo que pretende regular – o "mundo dos negócios" –, o direito comercial preserva na forma e na substância de seus dispositivos o espírito que animava a velha lex mercatoria. Dos princípios que caracterizam o direito comercial – afirma um especialista no ramo –,

[...] ressalta, em primeiro lugar, a onerosidade. Em geral, as operações comerciais são onerosas, não admitindo o direito mercantil operações a título gratuito [...]. Há igualmente a questão das provas: sendo o direito mercantil um direito dinâmico, para justamente poder acompanhar a intensidade da vida comercial necessita de meios de prova rápidos e destituídos das formalidades que em geral revestem as provas do direito civil [...]. Também o direito comercial se caracteriza pela boa fé em que, sem formalismo, são considerados justos os atos praticados por quem ignorava que o dolo ou a má fé os viciava. Esse princípio da boa fé a imperar sobre os atos comerciais dá maior rapidez às operações mercantis e maior segurança aos que delas participam (Martins, 1990, p. 34).

Direito não mais de mercadores, mas de uma sociedade na qual o móvel que impelia a estes ganhou indiscutida preponderância, o particularismo do direito comercial reside em sua tendência a subordinar, ao imperativo da acumulação, qualquer outro objetivo.7 7 Elaborada em outros termos, esta é a tese exposta por Galgano no livro que tomamos como uma das referências básicas para a elaboração desta parte. É também uma síntese "heróica" da história detalhada que encontramos no trabalho grandioso de Morton Horowitz (1977).

A adaptação do direito mercantil aos requerimentos da economia capitalista moderna se deu de forma diferente segundo os países. Em todos eles a tendência foi muito forte no século XIX de sistematizar a legislação sobre a matéria em códigos de comércio. Na Europa, dois modelos competiam: o francês e o alemão. Eles serviram de base para a elaboração de códigos nessa e nas mais diversas regiões do mundo (no Brasil – assim como em Portugal, Rússia, Japão, entre outros países, prevaleceu a versão alemã) (Braithwait e Drahos, 2000, p. 49). Mesmo na Inglaterra e nos Estados Unidos, onde a tradição do common law era poderosa, o impulso em direção à codificação se fazia sentir e dava origem a códigos parciais – a lei de Letra de Câmbio inglesa, de 1882, a lei federal de Instrumentos Negociáveis, nos Estados Unidos, em 1896, por exemplo. Neste último país, o movimento referido traduz-se também em ampliação da jurisdição federal nesse campo, mantido até então sob a competência das cortes estaduais (Fiedman, 1985, pp. 532-553). Histórias nacionais e tradições distintas; diferentes caminhos, direitos diversos. Em todos, porém, a conjugação de três vetores – centralização, unificação, racionalização – definia uma mesma dinâmica básica.

Direitos nacionais e uma economia internacional com graus crescentes de integração. Esse quadro sinótico dos marcos institucionais do capitalismo na dobra do século XX ficaria incompleto se não incluísse três outras referências.

A primeira diz respeito aos mecanismos de coordenação setorial, estabelecidos por intermédio de associações empresariais de diferentes países, ou impostos diretamente ao conjunto do setor pela firma dominante – ou por uma coalizão delas. Disseminados pelos mais variados segmentos da atividade econômica, em algumas delas esses arranjos surgiram mais cedo e desfrutaram de maior estabilidade. O caso do transporte marítimo internacional é ilustrativo. Na década de 1870, o desenvolvimento do navio a vapor e a abertura do canal de Suez tiveram forte impacto na organização do setor, que passou a enfrentar graves problemas de capacidade ociosa e de concorrência predatória sob a forma de guerra de preços. A resposta não tardou muito. Já em meados da década realizava-se a primeira de uma longa série de conferências da marinha mercante, com objetivo de estabelecer padrões, fixar taxas e traçar rotas que seriam partilhadas entre os participantes.

As conferências de marinha mercante são compostas de linhas de navegação independentes que entram em acordos secretos para estabelecer taxas e usualmente para dividir mercados em rotas determinadas; freqüentemente elas se empenham em acordos de repartição de rendas [...]. Uma estratégia comum utilizada pelas conferências para manter a lealdade dos armadores aos navios da conferência é o uso de arranjos restritivos ou contratos de lealdade. Os contratos de lealdade incluem geralmente a promessa dos armadores de fornecer cargueiros às linhas da conferência e promessas das linhas da conferência de dar descontos e taxas mais baratas aos armadores, tudo isso com base na justificativa de que tais procedimentos reduzem o risco, promovem a regularidade do serviço e reduzem os custos (Zacher e Sutton, 1996, p. 68).

No final do século XIX, o transporte marítimo internacional era dominado por alianças internacionais cujo núcleo era formado por armadores, bancos comerciais e firmas seguradoras (Gold apud Cuttler, 1981, p. 306). Em 1897 os esforços de coordenação nesse setor levaram à criação do Comitê Marítimo Internacional, organização privada composta por especialistas em direito marítimo, inspirados pelo objetivo comum de promover a unificação das leis e das práticas nesse campo de atividade. Do trabalho desse organismo resultou a adoção de vinte convenções, que cobriam temas tais como responsabilidade dos armadores, colisões marítimas, segurança naval, seguro marítimo e arbitragem marítima internacional, entre outros. Em outros setores, a coordenação internacional foi assegurada pela constituição de organismos que punham em relação firmas e agências governamentais de diferentes países, com a cobertura de seus respectivos governos. Esse é o caso da União Telegráfica Internacional, fundada em 1865, da União Postal Universal, de 1874, da União Radiotelegráfica, fundada em 1906, por exemplo.8 8 Sobre esse movimento geral, ver Murphy (1994). Para uma apresentação crítica dessa obra, ver Velasco e Cruz (2000). Seja como for, estruturados em torno de organizações públicas ou de arranjos, mais ou menos formalizados, de caráter privado, os mecanismos internacionais de coordenação constituíam um aspecto saliente do perfil institucional da economia capitalista naquele período.

A segunda referência concerne à importância do direito internacional privado na viabilização dos fluxos característicos de uma tal economia. Com efeito, dada a heterogeneidade dos sistemas jurídicos nacionais, a movimentação internacional de bens e de pessoas seria obstada se os referidos sistemas não estivessem dotados de normas destinadas a responder a perguntas do seguinte tipo: como ajuizar da validade e da exeqüibilidade de títulos de crédito firmados no exterior? Como lidar com os efeitos da falência de uma empresa internacional, decretada pela autoridade judicial do país onde tem sede, sobre suas filiais estabelecidas em território doméstico? Que norma aplicar na atribuição de prioridades entre reivindicações concorrentes de direito? No trato com questões dessa ordem, o direito privado internacional aciona normas de origens diversas – legislativa, doutrinária, ou jurisprudencial; interna ou internacional – e de natureza distinta. Em geral essas normas são indiretas: elas indicam que elementos do direito interno aplicar ao caso em consideração. Outras, porém, são diretas, materiais, e informam a sentença que soluciona o conflito. No âmbito do direito comercial, muitas dessas normas, em ambas as categorias, provêm de tratados e convenções internacionais. As primeiras resultam de convenções que estabelecem normas de conexão indicadoras das leis aplicáveis, isto é, que unificam regras de solução do conflito de leis; as segundas, de convenções que uniformizam instituições jurídicas de alcance internacional, como a compra-e-venda, os títulos de crédito, os transportes, as comunicações e a propriedade intelectual.9 9 Para essa caracterização sumária, utilizamos o livro de Jacob Dolinger (2003). Tendo adquirido contornos definidos em meados do século XIX, o direito internacional privado foi polarizado desde os seus começos pelo embate entre nacionalistas, ciosos da supremacia da lei interna, e cosmopolitas alimentados pela noção pré-figurativa de uma comunidade jurídica do gênero humano (cf. Halpérin, 1999). No presente, essa última visão vem ganhando força, e no campo que nos interessa mais diretamente alimenta os esforços de organizações tais como a Uncitral (United Nations Commission on International Trade Law) e o Unidroit (Institut International pour l'Unification du Droit), que vêm se dedicando com afinco à tarefa de uniformizar as leis nacionais de comércio guiadas pelo sonho de um código comercial único para todo o mundo. A distância que as separa de seus precursores no século XIX é grande. Não importa. Tanto ontem como hoje o direito internacional privado é um elemento constitutivo da economia e da sociedade, e já naquela época dava alguns passos nessa direção.

Chegamos, enfim, à terceira referência. O direito internacional privado foi permanentemente alimentado, como vimos, por normas estabelecidas em convenções. Muitas delas incluíam o reconhecimento do instituto da arbitragem. Mecanismo privado de resolução de controvérsias com máxima economia de tempo e de custos, a arbitragem repousa na disposição expressa das partes envolvidas de submeter disputas atuais ou potenciais à decisão de um tribunal de sua escolha comum. Compostos por um ou mais árbitros, esses tribunais observam normas e procedimentos, que variam no tempo e no espaço, mas que se assemelham por derivarem dos princípios gerais que caracterizam esse instrumento. Entre eles, podemos destacar: a) especialização dos árbitros na matéria em causa; b) eleição da lei aplicável – ampla autonomia das partes interessadas na decisão sobre as normas jurídicas que deverão ser usadas na solução da disputa; c) caráter terminativo do laudo arbitral – as decisões do árbitro são definitivas e obrigatórias para as partes; d) livre escolha do local da arbitragem, facultada a decisão por territórios neutros; e) privacidade e confidencialidade (cf. Etcheverry, 1998). Potência militar e econômica dominante, dona da maior frota mercante, centro comercial mais importante e maior mercado de seguros do mundo, no século XIX a Inglaterra fornecia o idioma em que os contratos internacionais de comércio eram redigidos e o direito pelo qual as pendências suscitadas tendiam a ser resolvidas. É que a essa altura Londres se transformara também em sede de arbitragem preferida. Para esse resultado, vários desenvolvimentos legais contribuíram. Primeiramente, houve a disposição crescente dos tribunais ingleses de reconhecer o compromisso arbitral e de fazer executar os laudos deles decorrentes. Depois veio a transposição desse entendimento para a lei escrita, com a lei de arbitragem de 1889, que daria ensejo, três anos mais tarde, ao estabelecimento da Câmara de Arbitragem de Londres (London Chamber of Arbitration), agora conhecida como a Corte de Arbitragem Internacional de Londres – LCIA, (Law, 1988, p. 212).

No século passado – com ímpeto cada vez maior depois da Segunda Guerra Mundial – a arbitragem internacional se desenvolveu muito, tendo se transformado hoje em um mercado de serviços diversificado e bastante competitivo. Marcos importantes nesse processo foram o Protocolo de Genebra sobre Cláusulas Arbitrais, de 1923, a Convenção de Genebra sobre a execução de sentenças arbitrais, de 1927, e a Convenção de Nova York sobre o mesmo tema, de 1958, que inverte o ônus da prova, atribuindo-o à parte que pretenda resistir ao reconhecimento ou à execução do laudo arbitral. Alguns autores chegam a ver na jurisprudência das cortes arbitrais uma nova lex mercatoria, ordem jurídica diferente e autônoma, fundamento de um direito comercial futuro inteiramente globalizado. Voltaremos ao tema em outra parte deste estudo; por ora, basta registrar que, embora menos difundida – na realidade, objeto de forte controvérsia –, a arbitragem internacional era um elemento importante no contexto dos negócios internacionais no período em consideração.

Direito corporativo da comunidade de mercadores, na Idade Média; direito positivo de caráter estatal, no capitalismo da era vitoriana. Entre um ponto e outro, uma cena curiosa. Nela observamos o dueto entre um poder real, cioso de seu monopólio dos meios de coerção, e mercadores reconhecidos em seu ser coletivo, como corporação, mas convertidos em agentes do poder público.

A classe mercantil deixa de ser artífice de seu próprio direito. O direito mercantil experimenta uma dupla transformação: era direito de classe e se converte em direito do Estado; era direito universal e se converte em direito nacional. Suas fontes são as leis do Estado vigentes nos limites nacionais [...]. A jurisdição mercantil passa [...] das antigas magistraturas mercantis, no seio das corporações, aos tribunais do Estado, concebidos, entretanto, como tribunais especiais: os magistrados, eleitos por uma assembléia de comerciantes, são, não obstante, nomeados pelo rei e investidos de poder soberano (Galgano, 1981, p. 68).

É no hibridismo próprio a esse ambiente que vão surgir as primeiras leis orgânicas sobre a matéria (as ordenanças francesas sobre o comércio, de 1673, e sobre a marinha, de 1681), e é nele também que se assistirá ao nascimento de uma instituição destinada a desempenhar papel de máximo relevo na história do capitalismo: a "sociedade anônima", matriz da qual vai se desenvolver mais tarde a moderna sociedade anônima por ações.

Com essas indicações telegráficas queremos evocar o período histórico de formação do Estado territorial e de vigências das políticas mercantilistas. Mencioná-lo pareceu necessário, porque por esse meio podemos introduzir a contra-face do processo que vem nos ocupando nestas páginas, a saber, a centralização extraordinária de poder que pôs fim ao longo ciclo de conflitos militares, verdadeira guerra civil européia, desencadeada no início do século XVI pelo desafio às estruturas de autoridade vigentes lançado pelo protestantismo.

O processo de centralização dos meios de coerção na Coroa e de consolidação territorial conseqüente começa bem antes; e são razoavelmente conhecidos os fatores que o impulsionam, embora sua combinação exata seja motivo de viva controvérsia (cf. Tilly, 1975, 1994; Poggi, 1990; Giddens, 1987; Mann, 1986). Não vamos nos deter no assunto. Para efeitos do argumento que estamos esboçando aqui, basta chamar a atenção para três aspectos: 1) a importância decisiva da pacificação interna para a expansão do capitalismo; 2) o caráter internacional do pacto que assegurou a estabilização das relações políticas em cada unidade territorial; e 3) a centralidade nesse processo do princípio da soberania.

A idéia dessa relação constitutiva entre pacificação interna e reconhecimento recíproco, pelos poderes territoriais concorrentes, de sua condição comum como entes juridicamente iguais e independentes, que se expressa no conceito de soberania, é formulada com clareza por Giddens:

A soberania do Estado-nacional não precede o desenvolvimento do sistema europeu de Estados [...]. Pelo contrário, o desenvolvimento da soberania do Estado depende, desde seu início, de um conjunto de relações reflexivamente monitoradas entre os Estados [...]. As "relações internacionais" não são conexões formadas entre Estados preestabelecidos, que poderiam manter seu poder soberano sem as mesmas: elas são a base sobre a qual o Estado-nacional existe (Giddens, 1987, pp. 263-264).

A adoção do modelo de "livre-mercado" no século XIX se fez em estrita observância desse princípio. Nesse período, assistimos, na Europa (e também nos Estados Unidos) a um esforço concentrado de reforma visando à adequação dos marcos institucionais internos ao dinamismo da economia capitalista moderna. Por toda parte, os países despojavam-se de restrições corporativas multisseculares, redefiniam mais ou menos sutilmente direitos consagrados de propriedade e forjavam novos entes jurídicos. A sociedade anônima é um deles. Entes dotados de personalidade jurídica própria e de sucessão perpétua, as sociedades anônimas eram conhecidas desde o século XVII, tendo servido de modelo para as sociedades holandesas de exploração ultramarina das quais a Companhia das Índias Ocidentais é a mais conhecida. Até meados do século XIX, porém, além de raras, essas instituições tinham caráter semi-oficial. Vistas como expressão de um privilégio, justificável apenas por razões de interesse coletivo, sua criação dependia, em toda parte, de autorização expressa do poder público. Esse quadro começa a mudar, em 1856, com a promulgação, na Inglaterra, da lei que facultava o estabelecimento de companhias incorporadas por simples registro. Aberto o precedente, outros países rapidamente tomaram o mesmo caminho. O trecho citado a seguir ajuda-nos a entender-lhes os motivos:

[...] elas [as companhias inglesas] podiam manter seus estabelecimentos na França, porque a lei de 30 de maio de 1857, votada para as sociedades belgas, permitia que o mesmo favor fosse acordado, por decreto imperial, a todos os outros países. O tratado de 30 de abril de 1862 havia estendido essa concessão à Inglaterra. Então, as companhias inglesas livremente formadas seriam livres entre nós, enquanto as sociedades anônimas francesas não podiam ser criadas sem autorização? Era preciso encontrar um compromisso (Ripert, 1951, p. 61).

Como nos relata Ripert, o compromisso foi buscado mediante a criação, em 1863, de um novo tipo de sociedade – de responsabilidade limitada –, uma imitação da Private Company Limited inglesa. Mas a tentativa não foi bem-sucedida. Ante o clamor que crescia no mundo dos negócios e nos círculos intelectuais a ele vinculados, em 24 de julho de 1867 foi aprovado o projeto de lei do governo que dispensava de autorização prévia a formação de sociedades anônimas na França. A partir daí, a novidade se difunde celeremente. Seguindo com algum atraso as pegadas da França, o Brasil acolhe a inovação com decreto imperial, n° 3.150, de 3 de outubro de 1882.

Mas esta é apenas uma parte da história. Tendo conhecido longo período de fechamento, que se estendeu por um bom tempo depois de terminadas as guerras napoleônicas, a partir de 1850 as principais economias européias começam a derrubar os obstáculos que embaraçavam o intercâmbio com os seus parceiros comerciais mais importantes. Como indica David Landes, o processo de liberalização compreendeu três movimentos conjugados: 1) a remoção ou a redução de taxas cobradas sobre o tráfico em vias fluviais, como o Danúbio, o Reno, o Elba; 2) a simplificação do sistema cambial; e 3) uma série de tratados comerciais que reduziram substancialmente as barreiras tarifárias entre as principais nações industriais da Europa – Inglaterra-França, 1860; França-Bélgica, 1861; França-Prússia, 1862; Prússia-Bélgica, 1863 e 1865; Prússia-Inglaterra, 1865; Prússia-Itália, 1865, entre outros (Landes, 1969, p. 200). Com efeitos multiplicados pela operação da cláusula da nação-mais-favorecida neles incluída, esses tratados criaram um regime de comércio internacional extremamente aberto, o qual, associado ao sistema monetário e cambial do padrão ouro e à ampla liberdade de circulação de indivíduos, constituía um dos elementos centrais da Grande Transformação de que nos falava Karl Polanyi.

Esse amplo movimento de reformas foi impulsionado por alguns fatores gerais. Entre eles, cabe citar a prolongada atmosfera de paz produzida pelo Concerto Europeu, o dinamismo derivado da difusão da revolução industrial aos países do continente, o encurtamento das distâncias proporcionado pela invenção do telégrafo sem fio e por um meio de transporte revolucionário: a ferrovia. Mas a adoção das medidas concretas que o alimentavam se deu em circunstâncias que variavam muito de um país a outro. Nesse, como em outros domínios, a Inglaterra havia tomado a dianteira com a campanha pela revogação da Lei de trigo, que projetou os nomes de Cobden e de Bright – expoentes do laissez-faire – no espaço público inglês e nos meios "cultivados" de todo o mundo. A essa altura, o livre-câmbio convertera-se no emblema de um movimento ideológico transnacional poderoso. Sua influência pode ser intuída quando levamos em conta o fato de que o tratado de livre comércio celebrado pela Inglaterra e a França em 1860 leva o nome de Cobden e Chevalier, dois de seus paladinos.

Kindleberger sintetiza nestes termos as conclusões do estudo que fez sobre as mudanças operadas nesse período:

O fato de que Luis Napoleão e Bismarck tenham usado tratados comerciais para fins de política exterior sugere que o livre comércio era valorado em si mesmo e que medidas em seu favor granjeariam apoio. Vistos nesta perspectiva, os países da Europa não deveriam ser considerados economias independentes, cujas reações a vários fenômenos podem ser adequadamente comparadas, mas antes uma entidade singular que se move em direção ao livre comércio por razões ideológicas ou doutrinárias. Manchester e os economistas políticos ingleses persuadiram a Grã-Bretanha, que persuadiu a Europa – com preceitos e exemplo (Kindleberger, 1978).

Devemos enfatizar a última sentença desse juízo. "By precepts and example". Embora, nesse momento, fosse detentora de indiscutível supremacia econômica e militar – naval, mais especificamente –, a Inglaterra estava à testa de um sistema multipolar, regido pela lógica do equilíbrio de poder. A consideração mais cuidadosa dos fatos da política internacional nessa quadra histórica e o exame dos indicadores comumente empregados na aferição das relações de poder entre grandes potências levam-nos a rejeitar a suposição presente nos ensaios de periodização do sistema internacional em termos de "ciclos de hegemonia" e a concordar com o juízo de Michael Mann, segundo o qual

A Grã-Bretanha era apenas a potência líder, que fixava as regras internacionais em negociação com as outras potências. A Grã-Bretanha não era tão poderosa quanto afirmam os teóricos da hegemonia. O Ocidente era hegemônico no mundo, mas era ainda uma civilização com estrutura de poder multipolar (Mann, 1993, p. 266).

A sabedoria da política britânica consistia em evitar o surgimento em território continental de uma potência suficientemente forte para ameaçar a sua posição como primus inter pares nesse sistema – e de não avançar além desses limites. Mesmo se quisesse, a Inglaterra não teria meios para induzir as grandes nações européias a adotar políticas comerciais de sua preferência, se essas nações não definissem como de seu interesse tais políticas.

Mudança institucional em uma economia que se globaliza

Embora muito condensada, a apresentação que acabamos de fazer contém os elementos comparativos de que necessitamos para refletir sobre a regulação da econômica internacional – mais precisamente, sobre a questão de como se dá o processo de mudança nas instituições que articulam a economia nesse mundo tão diferente que habitamos hoje.

Tomemos, para iniciar, a maneira como o tema da mudança institucional é tratado por um autor influente como Douglas North, que dedicou ao mesmo uma de suas obras mais significativas. Julgamos não cometer nenhuma violência ao afirmar que o argumento central do livro Institutions, institutional change, and economic performance pode ser resumido assim:

1. As instituições econômicas mudam ao longo do tempo como resultado de ações desencadeadas por agentes individuais – empresários econômicos ou políticos – em reação aos incentivos emanados da infra-estrutura institucional na qual operam.

2. Os principais determinantes da mudança institucional são a alteração dos preços relativos e, em permanente interação com esse fator, a mudança nos gostos, ou nas preferências. Mas não só. Os movimentos de preços chegam até nós por meio de esquemas mentais, que determinam a percepção que temos deles e nossa maneira de interpretá-los. Este o terceiro fator de mudança: as idéias, os conceitos, os quadros cognitivos e normativos que medeiam nossa relação com a realidade.

3. A mudança institucional é basicamente incremental: ela se verifica à margem, como resultado agregado da ação descentralizada dos agentes. Dada uma variação de preços e/ou de preferências, surge um desequilíbrio parcial no mercado correspondente, o qual é corrigido por meio de readaptações nos termos dos contratos firmados entre particulares. Mas as regras formais da estrutura institucional que valida os contratos e assegura o cumprimento de seus termos não podem ser alteradas dessa forma. Para mudá-las é preciso algo mais: o desencadeamento de ações concertadas voltadas a esse fim.

4. A mudança institucional ocorre quando os incentivos para agir nesse sentido superam os custos antecipados. Em última instância, a mudança das instituições formais resulta dos cálculos maximizantes dos indivíduos. A partir daí, o que decide o curso do processo – se a mudança vai se produzir, e com que alcance – é o poder de barganha das partes envolvidas (os que têm a ganhar e os que têm a perder com a mesma).

5. Mudanças institucionais podem ser causadas por acontecimentos traumáticos, como conquistas, revoluções, ou grandes catástrofes naturais, e afigurar-se como grandes rupturas. Mas o impacto da quebra das regras formais costuma ser bem menor do que se imagina, pois as normas culturais se alteram muito mais lentamente do que os preços ou as regras formais. A situação de desequilíbrio criada pelas transformações dramáticas será corrigida no decurso do tempo, mediante acomodações sucessivas – em ambas as direções –, cujo resultado tende a ser, tipicamente, uma sociedade muito menos distinta.

6. A relação entre instituições e atores é interativa. O arcabouço institucional determina em grande medida a estrutura de incentivos que prevalece em uma determinada sociedade. Buscando tirar o maior proveito possível das oportunidades que o contexto institucional lhes oferece, os agentes individuais e coletivos desenvolvem conhecimentos e habilidades que refletem essa estrutura, e são desigualmente recompensados segundo o grau em que são bem-sucedidos. Essa relação simbiótica é compatível com a mobilização de energias para a introdução de mudanças marginais, mas – no tocante aos atores mais bem situados, ao menos – exclui qualquer disposição para mudanças radicais. Daí a persistência das organizações socioeconômicas falidas.

Reproduzimos aqui, com algumas modificações, a apresentação que fizemos do argumento de North em outro lugar (Velasco e Cruz, 2003). Nesse texto, criticamos o determinismo contido em seu esquema – a passagem direta entre poder de barganha e resultados dos embates pela definição/redefinição de regras – e sua abstração excessiva, que o leva a deixar do lado de fora esse elemento fundamental para a inteligência dos processos reais de mudança institucional, a saber, a pluralidade das ordens jurídicas nacionais e as relações assimétricas prevalentes entre elas. No que vem a seguir, vamos retomar a segunda dessas observações críticas, porque ela nos conduz ao cerne do problema que nos ocupa neste ensaio.

Integração espacial das relações econômicas no contexto de um sistema político territorialmente fragmentado: este o substrato da economia internacional. Em um quadro assim, diversos como possam ser em sua origem, os processos de mudança institucional confluem para e se resolvem todos no âmbito dos sistemas decisórios nacionais. É nos marcos desses sistemas que regras formais são alteradas ou abolidas, e outras tomam o seu lugar.

Contudo, o fato de ter como espaços privilegiados os sistemas decisórios nacionais não significa que o processo de gestação de normas nessa economia esteja contido no interior das fronteiras que delimitam seus respectivos territórios. Como vimos, muitas das instituições que tipificaram o capitalismo liberal na era vitoriana foram implantadas de maneira quase simultânea em diversas partes do globo. Como as breves referências históricas feitas neste artigo sugerem, elas se devem à ação conjugada de alguns fatores, entre os quais caberia destacar:

a) Mimetismo – busca mais ou menos sistemática, mais ou menos autônoma, de modelos institucionais ajustados aos fins perseguidos pelas elites de uma determinada sociedade. O caso mais extremado nessa linha talvez seja o Japão de Meiji. Forçado a abrir seus portos ao comércio internacional, em 1854, pela presença ameaçadora em seu litoral dos navios de guerra sob as ordens do comandante Perry, pouco tempo depois o Japão se lançava em um intenso programa de reformas, cujo mote foi a ocidentalização. Comitivas viajavam às principais capitais do mundo para observar em primeira mão o funcionamento de instituições econômicas e políticas, a fim de que os dirigentes pudessem escolher dentre elas, com conhecimento de causa, as que mais facilmente se adaptariam às condições de sua sociedade. Em outras circunstâncias, e em outra medida, este foi também o modelo adotado no fim do século XVIII pela jovem república norte-americana, modelo que encontrou expressão lapidar na imagem do juiz Jesse Root para quem a justiça norte-americana deveria operar como uma "colméia republicana", cujas abelhas colhem o néctar de inúmeras flores mas produzem um mel de sabor todo próprio (cf. Fiedman, 1985, p. 111). A consideração desse aspecto nos leva a adicionar às duas que mencionamos acima, mais uma observação crítica ao esquema de North. Neste, o vetor da mudança parte da sociedade e chega ao Estado. Contudo, quando entendemos este último, não como um sistema fechado, mas como elemento de um sistema – o sistema interestatal – fica fácil constatar o caráter limitado daquela representação. Como unidades desse sistema, os Estados são induzidos a emular os padrões organizacionais dos Estados mais exitosos. Ora, ao fazer isso eles adotam normas e políticas que estão em dissonância com os padrões dominantes nas sociedades correspondentes. Nesse sentido, mais do que responder a pressões sociais por mudanças, os Estados agem propositadamente com o fim de transformar suas respectivas sociedades. Encontramos aqui a problemática do Estado desenvolvimentista. E falaríamos, então, em isomorfismo mimético, para retomar a noção exposta por DiMaggio e Powell (1991).

b) Introdução em um contexto nacional dado de inovações institucionais induzidas pela presença neste de agentes econômicos oriundos de outras sociedades e organizados de acordo com as leis nelas vigorantes. Tocamos aqui em um lugar comum na literatura sobre investimento estrangeiro: o papel da empresa internacional na difusão de pacotes tecnológicos e na propagação de normas e padrões operacionais mais dinâmicos na economia dos países hospedeiros. Mas o elemento que desejamos salientar é mais sutil e, ao mesmo tempo, mais profundo: ele diz respeito às mudanças legais condicionadas por essas empresas em virtude de sua simples presença. No breve relato que fizemos, esse elemento transparece na influência que as sociedades anônimas inglesas tiveram na criação do ambiente que levaria à reforma da legislação societária na França. Obstada a mudança, os grupos empresariais franceses estariam em franca desvantagem vis-à-vis os concorrentes britânicos com atuação em seu mercado interno. Nesse plano, também, a emulação desencadeia o processo que leva à mudança. Mas agora ele opera na relação entre os capitais; a relação destes com o Estado é de outra natureza.

c) Em conexão estreita com os dois itens precedentes, o processo de difusão de normas ao longo das relações assimétricas estabelecidas entre o centro metropolitano e sua periferia. Aqui, vamos nos deparar com duas situações distintas. De um lado, casos em que a mudança se opera mediante a combinação de incentivos e sanções de natureza político-econômica, sob direção das elites locais. Em diferentes situações históricas, quando decidem promover seus interesses por meio da exploração das oportunidades que a inserção mais profunda na economia capitalista mundial lhes oferece, essas elites passam a se defrontar com exigências cujo cumprimento depende de sua capacidade de mudar, em maior ou menor medida, a face de suas respectivas sociedades. Novos quadros materiais; novas instituições; usos e costumes, normas e valores renovados. Em todos esses planos, a ação transformadora de tais elites e dos grupos sociais a elas associados passa pela incorporação em grande escala de recursos oriundos dos centros mais avançados. Deles provêm, em medida variável, os capitais mobilizados para a montagem da infra-estrutura de transporte e de comunicações requerida pelos "novos tempos" e para a edificação de um ambiente urbano condizente com os padrões, agora mais elevados, de "vida civilizada". Deles provêm as normas de consumo e o estilo de vida a que esses grupos sociais passam a aspirar. Deles vêm ainda os padrões de política e modelos jurídicos a serem implantados. Esta a situação referida pelos teóricos da dependência décadas atrás. A outra situação típica consiste na imposição das instituições econômicas do centro dominante a sociedades mantidas sob controle direto deste nas diferentes figuras assumidas pelo elo colonial. Foi nessa condição que se deu a incorporação da África e de boa parte da Ásia na economia capitalista moderna.10 10 A esse respeito, ver Fieldhouse (1973), Clarence-Smith (1999) e Rothermund (1986). Não deixa de ser irônico o fato de que hoje a Ásia apareça como novo centro mundial de acumulação, passível de ameaçar em futuro não muito distante a supremacia econômica dos Estados Unidos.

d) Ações mais ou menos concertadas, porém convergentes, de grupos cuja identidade se define em termos culturais. Tocamos nesse elemento ao mencionar o papel importante desempenhado, em meados do século XIX, pela pregação dos arautos do livre-comércio, e devemos registrar agora a enorme influência em nosso tempo de seus sucedâneos, os ideólogos neoliberais. No presente, como no passado, esses grupos e movimentos estruturam-se em redes que atravessam as fronteiras dos Estados, constituindo-se em elementos dinâmicos do que pode ser tido como uma "sociedade civil internacional". Hoje, como ontem, eles dividem esse espaço com outras correntes de opinião, que tendem também a se estruturar internacionalmente, e mantêm com elas relações mais ou menos intensas de rivalidade. Em grande medida, o debate sobre políticas e estatutos legais em cada país é travado com base em conceitos e idéias que circulam nesse espaço. Não caberia introduzir aqui a questão, que tem sido tão discutida hoje, sobre o papel das idéias na explicação dos fatos sociais. Mas é à influência delas que Kindleberger alude ao sugerir que tomemos a Europa da segunda metade do século XIX com uma unidade.

e) Busca de soluções efetivas para resolver problemas que dependiam da coordenação entre grupos de interesses e Estados. Reencontramos aqui o problema das organizações e dos regimes, que afloramos no início deste texto, e retomamos sob outro ângulo ao falar dos cartéis internacionais.

Com tudo isso, a centralidade do Estado permanece como o elemento distintivo do processo de mudança no contexto de uma economia internacional. Permeáveis, porosos, miméticos, é por meio dos diferentes sistemas estatais que as normas econômicas se afirmam como direito positivo, normas erga omnes, universalmente vinculantes, e não restritas em sua efetividade ao círculo dos interessados e seus dependentes. Essa característica, como vimos, não é incompatível com a convergência. Mas confere grau mais ou menos elevado de contingência a ela. Alteradas as circunstâncias que levaram às decisões geradoras desse estado de coisas, nada garante que as diferentes "unidades de decisão" do sistema irão responder da mesma forma aos novos estímulos provenientes do ambiente comum que as envolve. É o que aconteceu no último quartel do século XIX, e acentuadamente no entre-guerras. No primeiro desses períodos, a crise internacional levou alguns países à adoção de políticas protecionistas, assentadas internamente no estabelecimento de alianças às vezes muito sólidas entre forças políticas e sociais. A referência inescapável aqui é à Alemanha bismarckiana e à aliança entre a pequena nobreza junker e os industriais do aço. Em outros, o ajuste às novas condições foi buscado por meio da reiteração das velhas pautas, a despeito das pressões em contrário, e ainda que ao preço de alguns ajustes não desprezíveis (caso da Inglaterra). Em condições incomparavelmente mais dramáticas, no segundo período a busca de soluções nacionais para os problemas gerados pela crise econômica internacional levaria a trajetórias muito mais discrepantes e a uma polarização ideológica sem paralelo.11 11 O contraste entre os dois períodos – e destes com as respostas à crise da década de 1970 – é o tema central justamente do livro aclamado de Gourevitch (1987).

No contexto de uma economia integrada sobreposta a um sistema territorialmente fracionado de autoridade política, a mudança institucional envolve processos que atravessam fronteiras. Mas os Estados nacionais continuam como instâncias estruturantes: é no quadro definido por eles e pelas relações mútuas que estabelecem entre si – cuja expressão jurídica é dada pelas fórmulas do direito internacional – que a ordem espontânea ou negociada dos outros elementos se desenvolve.

No caso de uma economia plenamente globalizada essa condição não se verifica. Logo veremos por quê. Mas antes disso convém explicar melhor o que, em nosso entender, caracteriza uma tal economia.

Quando falamos em "economia global" referimo-nos a um tipo ideal12 12 Inspiramo-nos aqui no procedimento adotado por Hirst e Thompson em seu conhecido livro sobre a globalização, embora deles nos afastemos na descrição do tipo (cf. Hirst e Thompson, 1996). definido pela conjugação dos seguintes traços: 1) supressão dos obstáculos físicos e institucionais que insulam as economias nacionais, sob o efeito dos avanços revolucionários nas tecnologias de transporte e comunicação, bem como de reformas legais que asseguram a livre circulação, em escala global, de capitais, bens, serviços e indivíduos, garantindo-lhes ainda, em toda parte, proteção contra todo tipo de tratamento discriminatório por parte do poder público. Persistem na economia global as diferenças decorrentes de particularismos lingüísticos e culturais, mas ficam drasticamente reduzidos os custos de transação envolvidos nas relações econômicas que se multiplicam exponencialmente em todos os níveis, daí derivando, 2) a unificação dos mercados – de capitais, produtos e serviços –, que passam a se integrar em um espaço econômico do tamanho do globo, povoado por grandes empresas transnacionais, isto é, que cortaram os antigos vínculos com seus países de origem. Tal espaço não é indiferenciado. Nele continuam a operar fatores econômicos e sociais conducentes à especialização das atividades econômicas no plano funcional (características técnicas e organizacionais dos processos de produção) e espacial (dotação de recursos naturais, aglomeração de pessoal qualificado, existência ou não redes sociais facilitadoras de soluções para problemas de coordenação), levando ao surgimento – ou possibilitando a continuidade – de diferentes "sistemas sociais de produção" (cf. Hollingsworth, 1998), cuja persistência dependerá do grau de maleabilidade, da capacidade de adaptação a mudanças que puderem demonstrar, pois 3) na economia global o sistema econômico ganha autonomia extraordinária e impõe globalmente sua lógica e seus movimentos, contra as demandas e imperativos que provêm do domínio da política e do mundo da vida – esfera onde a comunicação alimenta as relações sociais e as identidades individuais são definidas. Em uma economia assim, na qual as cadeias de interdependência se estendem ao máximo e se entrecruzam numa infinidade de pontos, que rompeu todo e qualquer laço com a moralidade tradicional, em que a impessoalidade é a norma e as trocas, no fundamental, são efetuadas entre estranhos, a incerteza e o risco envolvidos na interação com o outro seriam magnificados ao limite do inaceitável se não fossem contidos pela efetividade da norma jurídica. Assim, 5) esta economia supõe o desenvolvimento de um direito igualmente global, com a garantia coativa do poder político.13 13 Coincidimos, neste ponto, com a conclusão do autor de um estudo muito instigante sobre as relações entre direito e globalização. Cf. Wiener (1999).

Esse último ponto requer um comentário, porque parece estar em franca dissonância com teses muito difundidas sobre a globalização. Com efeito, é um lugar comum na literatura sobre o tema a idéia de que a globalização tem como corolário a crise do Estado, que sofre com ela perdas pesadas em sua capacidade de regular as atividades econômicas e de desenvolver políticas. No limite, o Estado se esvaziaria, subsistindo de forma residual, sujeito passivo das forças incontroláveis dos mercados globais. Nesse contexto, assistiríamos a um processo de encolhimento e de fragmentação do direito doméstico e a uma privatização acentuada do direito no âmbito da "economia-mundo". Esse processo seria alimentado, de um lado, pela intensa atividade normativa a que se entregam as empresas transnacionais visando a assegurar seus padrões próprios de operação e a garantir a integração entre as múltiplas áreas em que atuam, e, de outro lado, pela jurisprudência das cortes privadas chamadas a resolver as disputas que surgem permanentemente entre essas empresas – os tribunais de arbitragem e a nova lex mercatoria por eles produzida (cf., por exemplo, Faria, 1999).

Existe nessa representação algo do mito da separação entre Estado e sociedade, caro aos doutrinadores do laissez-faire que Walter Lippman, em sua condição de liberal esclarecido, desmontava com observações desse tipo:

O título de propriedade é uma construção da lei. Os instrumentos são contratos legais. As empresas são criaturas legais. É falso, por isso, pensar nelas como coisas de algum modo existentes fora da lei, e perguntar então se é permissível "interferir" nelas. [...] A propriedade de qualquer espécie, os contratos de qualquer espécie, as empresas de qualquer espécie, só existem porque há certos direitos e imunidades que podem ser garantidos, uma vez tendo sido legalmente estabelecidos, invocando-se a autoridade do Estado. Falar em deixar as coisas a si mesmas é, por isso mesmo, usar uma expressão sem sentido e enganosa (Lippman, 1961, p. 234).

Tomando o cuidado de colocar provisoriamente entre parêntese o termo Estado, podemos inserir essa observação no contexto da discussão que estamos travando. Com efeito, a economia internacional constitui-se como um entrelaçamento infinitamente complexo de relações jurídicas. É verdade que as empresas, as corporações, geram normas quando fixam padrões de organização interna e quando estabelecem relações contratuais umas com as outras. Mas elas próprias são "criaturas legais", e nem a regularidade de suas práticas, nem a segurança de seus contratos seriam imagináveis em um mundo que não estivesse dotado de normas legais sustentadas em sua efetividade pela possibilidade de recurso ao aparato coativo do poder público.

Não é preciso avançar na indagação sobre a maneira como essa exigência poderia vir a ser atendida na situação idealizada que estamos a considerar aqui. Admitida a existência nela das unidades políticas que denominamos Estados, aquele resultado poderia ser alcançado por diversas vias – tratados internacionais, aplicação extraterritorial da lei, harmonização –, mas, em qualquer desses casos, presenciaríamos a instauração de um ordenamento legal cuja jurisdição teria o tamanho do mundo.

Admitida a existência de unidades políticas que denominamos Estados, dissemos. Mas não seriam mais Estados no sentido próprio do termo. Em uma economia assim, os Estados nacionais se dissolvem, em sua qualidade de centros de poder independentes, ainda que subsistam como realidades administrativas mais ou menos relevantes. No limite, poderiam ser tratados como equivalentes funcionais de províncias de um sistema imperial, ou de entidades subnacionais de uma organização federativa. Nessa qualidade, continuam a exercer funções importantes, em seu triplo papel de agências normativas, reguladoras e provedoras de serviços. Mas a legalidade que produzem é subordinada: inscreve-se como elemento particular da ordem jurídica inclusiva.

Em uma configuração, sob tantos aspectos, sumamente complexa como essa, o processo de mudança institucional adquire uma forma, curiosamente, mais simples. Isso porque estão ausentes dela todas as complicações criadas pela pluralidade dos sistemas decisórios independentes. Em um quadro assim não cabe falar em relações internacionais, nem em política externa. Ao serem processados pelo sistema público de tomada de decisões, os problemas que surgem no intercurso econômico e social se traduzem em questões de política interior. Cai por terra, portanto, a segunda observação crítica que dirigimos a Douglas North. Em uma economia plenamente globalizada a mudança das instituições formais seria determinada – numa das pontas da cadeia causal – pelo movimento dos preços e dos padrões de gosto, e – na outra – pela distribuição de poder entre os agentes. Ficaria de pé a objeção ao determinismo de seu esquema. Mas este é um outro assunto.

Ao falar da forma que assume a mudança institucional na economia globalizada estamos cientes de que entramos no terreno da ficção. A economia global, tal como definida, não existe. É um tipo ideal, uma obra da imaginação. Mas é mais do que isso: é também um vetor a indicar o que fazer, um modelo normativo implícito. Abraçado com graus variáveis de consciência por seus aderentes, a presença desse modelo se manifesta de mil formas no debate público, no discurso de intelectuais e tecnocratas, em documentos de organizações internacionais e em exposições de motivo que acompanham medidas de política pública. Nesse sentido, ele não interpela ninguém em particular. A difusão desse modelo é universal, mas seu alvo privilegiado são os grupos estrategicamente situados, com meios para traduzir seus pontos de vista em políticas de Estado.

E não poderia ser de outra maneira. Pois os Estados – alguns Estados – estão na origem de muitas das iniciativas que produziram o contexto geral em que esse modelo se torna plausível, e depende dos Estados a criação das condições para que avanços em direção a ele sejam possíveis.

A construção do sistema multilateral de comércio no pós-guerra é uma evidência da primeira afirmativa; outra é o esforço continuado de alguns Estados no sentido de garantir – pelo uso da coerção direta, ou por meio de acordos internacionais – os direitos de propriedade de capitais sediados em seu território quando investidos em territórios sob a jurisdição de outros Estados (cf. Silva, 2003). A segunda afirmativa pode ser justificada com uma breve referência à enorme expansão da arbitragem internacional nas últimas quatro décadas, fenômeno que muitos autores interpretam como uma nova lex mercatoria, núcleo do direito global em formação.

Tal juízo, como se poderia imaginar, é controverso. A opinião dos especialistas divide-se entre a perspectiva autonomista – que sustenta a independência do direito produzido pela atividade contratual das empresas e pelo labor dos árbitros – e a perspectiva positivista, que mantém, apesar de tudo, o primado do direito estatal. Mas não é preciso entrar no debate. Para nossos propósitos basta esclarecer um ponto em particular. Como vimos, um dos atributos fundamentais do instituto da arbitragem é a liberdade que ele reserva às partes na escolha do direito nacional a que o contrato estará referido e que será usado no julgamento das eventuais controvérsias que ele venha a suscitar. Na ausência de manifestação explícita a esse respeito, cabe aos árbitros dispor sobre a matéria, o que eles fazem com a ajuda de doutrinas extraídas da tradição do direito internacional privado. Munidos desses recursos, eles decidem se vão aplicar no exame da pendência o direito deste ou daquele país. Mas podem decidir ainda que o melhor a fazer é aplicar o direito comercial internacional. Vale dizer, o conjunto de princípios e normas que compõem o quadro não codificado da lex mercatoria. Em qualquer dos casos, porém, a sanção de seus julgados depende do reconhecimento dos mesmos pelas autoridades judiciais do país em que a sentença será executada. A freqüência em que isso vem ocorrendo em todas partes do mundo não é resultado de mudança na inclinação subjetiva dos juízes em cada país, mas produto de alterações no direito doméstico e de convenções internacionais.

A constituição de uma economia plenamente globalizada, com o seu complemento obrigado – a criação de um ordenamento jurídico igualmente global –, depende, pois, da disposição dos Estados nacionais de abrir mão de poderes que foram tradicionalmente entendidos como atributos essenciais aos mesmos como unidades soberanas do sistema internacional.

Trata-se, portanto, de um processo genuinamente constitucional. Mas um processo muito peculiar, posto que:

1. É parcelado, fragmentado em um sem-número de decisões, de todo afastada a possibilidade de uma grande assembléia de nações que decidiria da nova arquitetura jurídica do mundo. Por isso mesmo,

2. é diferido – impossível dizer exatamente quando começou, e somente no futuro os historiadores poderão julgar quando se concluiu, na hipótese duvidosa de que ele chegue ao final.

3. Envolve atores coletivos de natureza diversa – públicos e privados (Estados, organizações intergovernamentais, grupos e associações empresariais, organizações não-governamentais, movimentos sociais e correntes de opinião) – e com pesos muito diferentes. As relações entre eles são contingentes; vale dizer, não dão lugar a blocos duradouros e coerentes. Mas não são aleatórias: apesar das variações observáveis ao longo do tempo e na passagem de uma a outra questão, é possível constatar a existência de certos padrões de alinhamentos, que tornam possível a identificação de campos diferenciados no espaço mais amplo onde o processo transcorre.

4. Desenvolve-se em arenas distintas, em cada uma das quais o processo envolve subconjuntos diversos de atores, move-se sob o efeito de condicionamentos específicos, avança em ritmos e direções que lhes são próprias.

5. Depende, em cada uma dessas instâncias, do resultado de negociações delicadas. Nessas negociações conta, antes de tudo, o poder relativo das partes. Mas não só isso. Na disputa pela afirmação de seus interesses e na defesa das soluções institucionais a eles mais adequadas, em cada caso em particular, os atores envolvidos invocam princípios mais ou menos amplamente aceitos, que funcionam como tópos, pontos de apoio firmes a partir dos quais os argumentos podem ser formulados e defendidos com maior ou menor eficácia. "Não discriminação", "soberania", "reciprocidade", "transparência", são alguns desses princípios. Mas eles não são harmônicos, freqüentemente se acomodam com dificuldade, e não raro são de todo contraditórios. O fato de serem admitidos em bloco como balizamento torna o debate possível e dá ao mesmo forma estruturada. Ainda que muitos desses princípios sejam rejeitados liminarmente por alguns, os atores que assim o fazem tendem a se posicionar à margem. A diferença entre os ocupantes das posições centrais no debate é marcada, não pela impugnação desse ou daquele princípio, mas pela forma diversa de hierarquizá-los.

6. Reserva a uma categoria de atores coletivos um papel de todo especial. Esses atores são os Estados. Eles não são apenas diferentes dos demais: em sua dupla condição de atores – quando, com base no monopólio da representação política que detêm, negociam diretamente acordos uns com os outros, ou quando interagem em organizações internacionais – e de arenas decisórias – quando se trata de formular as normas do direito doméstico e de definir as posições negociadoras em fóruns internacionais –, os Estados estão no centro de todo o processo, que é por eles articulado.

7. Expressa, por isso mesmo, as profundas assimetrias que marcam o sistema internacional.

Esse processo está em curso, e a OMC é uma das arenas mais importantes entre as muitas em que ele se desenvolve.

Do GATT à OMC: direito transnacional em expansão e conflito político

Normas globais para uma economia que se globaliza. Essa, a idéia reguladora que parecia informar os trabalhos na rodada Uruguai do GATT. Aberta em 1986, ao cabo de quatro anos de viva controvérsia, a previsão era a de que no final da década ela estaria concluída. As dificuldades de avançar satisfatoriamente no terreno pedregoso da negociação agrícola prolongaram-na por vários anos ainda. Mas a rodada Uruguai chegou a termo, e seu resultado já foi definido como uma verdadeira reforma constitucional.

Uma referência rápida a dois de seus elementos é o bastante para confirmar o acerto dessa avaliação. A primeira, sobre o acordo alcançado na área de propriedade intelectual. Seus dispositivos envolvem, não apenas padrões gerais a serem observados pelas legislações nacionais, mas também disposições detalhadas sobre os procedimentos que deverão ser aplicados para sancionar direitos individuais (e corporativos) de propriedade. Esse traço exemplifica um fenômeno geral: o deslocamento do foco do regime de comércio, cujas disciplinas, mais do que limitar as práticas restritivas dos governo, passam a regular positivamente políticas nacionais (cf. Ostry, 2002).

A segunda, sobre a criação da OMC, com o mecanismo judicial de que ela é dotada. O GATT também dispunha de um mecanismo institucional de resolução de disputas, mas sua importância ficava extremamente reduzida pela exigência de consenso que devia ser atendida para que o mesmo fosse acionado. Como o país responsável em situação irregular podia bloquear a abertura de painéis, o funcionamento do sistema favorecia muito a busca de soluções negociadas por meio de barganhas, onde falava mais alto, evidentemente, a voz do mais forte. Esses incentivos não desapareceram de todo na OMC – a fase de consulta e mediação continua sendo o primeiro estágio no processo de resolução de controvérsias. Mas agora a possibilidade de bloquear um painel não mais existe. Ultrapassado um limite fixo de tempo (60 dias), se as partes não tiverem resolvido a pendência, o Organismo de Resolução de Controvérsias (Dispute Settlement Body) pode solicitar o estabelecimento de um painel, o que se dá automaticamente. Concluído o trabalho dos árbitros, que devem observar igualmente prazos predeterminados, se a parte perdedora considerar inaceitável o seu veredicto ela pode impetrar um recurso junto a uma corte permanente de apelação, que dará a palavra final. Caso as recomendações não sejam implementadas, depois de esgotadas as tentativas de acordo sobre compensações devidas, a parte demandante pode pedir autorização para retaliar (cf. Hoeckman, e Kostecki, 1995, p. 47). Como a diferença entre geração e interpretação de normas é sabidamente fluida, a operação desse mecanismo tem resultado em um processo de produção legal que já há algum tempo vem sendo objeto de estudo como um aspecto relevante do processo mais amplo de judicialização das relações econômicas internacionais.14 14 Cf. os artigos reunidos por Judith Goldstein, Miles Kahler, Robert O. Keohane e Anne-Marie Slaughter no número temático sobre esse tema da revista International Organization, 54 (3), 2000.

Organização intergovernamental, estruturada com base no princípio da soberania – refletido na regra que assegura voto igual a todos seus membros –, a OMC está programaticamente voltada para a produção de normas destinadas a limitar a capacidade dos Estados de regular a atividade econômica e implementar políticas de desenvolvimento de acordo com os seus próprios critérios.

A OMC tornou-se o foco principal de um amplo processo de regulação da atividade econômica global freqüentemente denominado "reforma regulatória" [...]. Ninguém com um mínimo de experiência sobre o modo de operação dos organismos públicos pode duvidar de que a reforma regulatória é muito desejável [...]. Entretanto, a predominância da OMC nesse processo cria sérios riscos. A OMC apóia-se em obrigações de acesso a mercado, cuja tendência é tratar as diferenças regulatórias como obstáculos indesejáveis. Assim, suas "disciplinas" [...] tendem a requerer a remoção dos regulamentos nacionais existentes e a criar restrições significativas para os processos regulatórios nacionais (Picciotto, 2003, p. 385).

Reforma constitucional, pois. Mas incompleta. Com efeito, o balanço das realizações da rodada Uruguai acusava ganhos limitados em várias áreas – como "serviços" e "medidas comerciais relacionadas a investimentos", por exemplo – e áreas inteiramente descobertas – caso, entre outros, de compras governamentais. Não surpreende, pois, que a disposição de manter o ímpeto reformista tenha sobrevivido a ela. E que continuasse a gerar viva controvérsia, como a que se acendeu na reunião ministerial de Cingapura, em 1996, e terminou na decisão salomônica de criar grupos de trabalho com a missão de estudar quatro novos temas ("investimentos", "política de concorrência", "compras governamentais" e "facilitação de comércio"), com vistas à sua incorporação eventual na agenda de negociações de uma futura rodada. Havia ainda a intenção proclamada de trazer para o fórum da OMC os temas sensíveis dos direitos trabalhistas e da proteção ambiental – o que provocava, na maior parte dos países em desenvolvimento, Brasil incluso, reações indignadas.

Apesar das resistências localizadas, em meados dos anos de 1990, o roteiro parecia estar traçado. O que se discutia não era se, mas quando: mais cedo, ou mais tarde, a agenda globalização seria cumprida. Nos últimos anos da década passada, porém, dois eventos abalaram as certezas e aconselharam a adoção de uma atitude mais sóbria.

Um deles foi a seqüência estonteante de crises cambiais e bancárias que varreu a Ásia entre 1997, passou pela Rússia em meados do ano seguinte, bateu no Brasil em setembro e atingiu o centro nervoso do sistema com a insolvência da firma de capital de risco Long-Term Capital Management, forçando a autoridade monetária norte-americana a organizar uma operação urgente e nada ortodoxa de resgate. A volatilidade dos mercados financeiros não era uma novidade no capitalismo fin de siècle. Antes dos episódios que mencionamos houve os ataques especulativos que levaram à desvalorização da lira e da libra esterlina, em 1992, e depois, o colapso do peso mexicano, no final de 1994. Mas a impressão causada por esses acontecimentos foi passageira: vencido o susto, os agentes voltaram à sua rotina e continuaram a operar com tranqüilidade. O choque produzido pela débâcle das economias asiáticas foi de outra ordem. Não apenas pela reação em cadeia que desencadeou, mas também por ter atingido países que até dias antes eram apresentados pelos donos do saber e do dinheiro como casos exemplares de economias saudáveis. Por ambos os motivos, as crises desse período abriram um debate áspero sobre o papel das instituições multilaterais (em especial, do FMI), e, em termos mais amplos, sobre a arquitetura do sistema financeiro internacional.

O outro evento foi o fracasso estrepitoso da conferência ministerial da OMC, que se realizou em novembro de 1999, na cidade de Seattle. Ele ficará na história por seu aspecto espetacular: as manifestações de protesto, que mobilizaram mais de 70 mil pessoas, perturbaram significativamente os trabalhos dos negociadores e garantiram ao chamado movimento antiglobalização, em todo o mundo, um espaço reservado nas manchetes dos jornais. A partir desse momento, não havia mais como desconhecer a presença de atores sociais – de algumas ONGs, em particular – nos processos de negociação de acordos econômicos. Eles vieram para ficar.

Mas não foram os responsáveis pelo impasse em Seattle, nem representam o aspecto mais importante do que se passou naquele local. Prejudicada por erros bisonhos de condução, o malogro da conferência se deveu, fundamentalmente, às discordâncias profundas que dividiam seus participantes oficiais. Diferenças entre as posições defendidas pelos Estados Unidos e pela União Européia na questão agrícola – o que estava longe de constituir uma novidade –; diferenças entre ambos e os países em desenvolvimento, que sustentavam seus pontos de vista com firmeza e preparo insuspeitados (cf. Odell, 2002; Howse, 2002; Ostry, 2002). A essa altura, a tensão, referida no início deste artigo, entre a regra majoritária que prevalece na OMC e o peso muito desigual de seus membros já era visível. Em Doha e, sobretudo, em Cancun ela se manifestou de forma mais contundente.

Como dissemos, essa tensão é estrutural. Mas, ela é exacerbada por uma circunstância que não passou desapercebida aos analistas mais finos. A OMC é uma organização de fronteiras móveis. Sua competência abrange o comércio internacional e temas a ele relacionados, isto é, outros tipos de medidas suscetíveis de traduzir-se em tratamento discriminatório contra os produtores externos. Ora, como economia e sociedade formam, em conjunto, um sistema de elementos interdependentes, em princípio, os mais diferentes temas podem ser trazidos para a jurisdição da OMC. Foi assim em sua pré-história: a inclusão de "novos temas" – "serviços", "propriedade intelectual" e "medidas de investimento relacionadas ao comércio". Continua sendo assim no presente, como já vimos, com a disputa acirrada em torno da inclusão na rodada Doha dos "temas de Cingapura". Pois bem, na medida em que expande sua jurisdição e passa a legislar sobre matérias tradicionalmente situadas na esfera da política doméstica, a importância da OMC cresce exponencialmente no cálculo dos mais diversos atores (estatais e não estatais), que fazem o possível para atuar em seu âmbito com máxima efetividade. A contrapartida desse movimento é que a OMC tende a absorver os conflitos multidimensionais, superpostos e cruzados, em que esses atores se encontram lançados.

A dinâmica que associa ampliação do papel regulador e aumento da demanda por decisões vinculantes sobre questões controversas é conhecida, e resulta com freqüência em fortalecimento da instituição que é objeto da mesma. Essa proposição sintetiza uma parte não desprezível do processo que conduz à constituição dos Estados nacionais modernos. Mas, aí reside o problema. Os Estados são entes caracterizados pelo controle exercido sobre territórios – vale dizer, sobre as populações que os habitam. Dessa condição decorre um conjunto de conseqüências que há mais de dois mil anos tem sido a seiva do pensamento político. Porque as relações entre o Estado e os grupos sobre os quais o seu poder é exercido são duradouras, elas podem se traduzir em vínculos subjetivos de pertencimento e alimentar sentimentos fortes – de adesão ou rechaço. Aludimos, por aí, ao tema da legitimidade.

Ora, a OMC é uma entidade abstrata. É difícil imaginá-la como objeto de identificação para quem quer que seja. Na medida em que passa a internalizar conflitos em dose crescente, ela tende a enfrentar problemas de legitimidade cada vez mais graves... e não tem meios para enfrentá-los.

Mas, não poderia vir a adquiri-los? Essa é a questão que vem sendo debatida por atores políticos e analistas de diferentes áreas. As posições divergem, em um espectro que vai da proposta de constitucionalização de direitos econômicos por meio da articulação dos regimes de direitos humanos e de comércio internacional, até a defesa de um claro estreitamento da agenda da organização. Não seria o caso no espaço restrito deste artigo examiná-lo de perto. Mas a simples menção ao debate nos permite enunciar a proposição que se segue: seja qual for a direção da mudança nesse domínio, a produção de normas econômicas internacionais tende a se dar no futuro mediante um processo cada vez mais politizado.

Será tanto mais assim quanto maior for a redistribuição de poder operada no âmbito da economia internacional, e quanto mais graves forem os problemas por ela enfrentados.

Convém indicar, por "problemas" estou entendendo aqui dois aspectos combinados: a ocorrência de desequilíbrios e distorções que se traduzam em resultados tidos por negativos sob diferentes pontos de vista (perda de dinamismo, queda generalizada no ritmo de crescimento, tendência pronunciada à concentração regional, agravamento de tensões sociais, impacto deletério sobre o meio ambiente, por exemplo) e a percepção socialmente validada das conexões causais envolvidas nesses fenômenos. Insistir sobre este segundo aspecto é importante, porque ele põe em realce o papel ativo dos Estados, das ONGS e dos movimentos sociais no processo político que define um conjunto de fenômenos como item da agenda de "problemas" para os quais soluções hábeis devem ser encontradas. Isso depende da capacidade que tenham os atores de mobilizar recursos materiais e simbólicos para a promoção de seus respectivos pontos de vista. Há, portanto, uma relação íntima entre esses dois fatores.

Há boas razões para acreditar que os processos em curso, em ambos os planos, venham a reforçar a aludida tendência à politização das negociações econômicas internacionais. O que suscita, naturalmente, a pergunta sobre as perspectivas futuras da OMC. Mas, esta é uma questão que transcende os limites do presente artigo. Com ela, saímos do domínio da análise e ingressamos no terreno da estratégia, em que a vontade – uma vontade, contra outras vontades – dirige a inteligência na definição de fins e na busca de soluções factíveis para problemas práticos.

Notas

BIBLIOGRAFIA

Artigo recebido em dezembro/2004

Aprovado em janeiro/2005

Sebastião C. Velasco e Cruz é professor titular do Departamento de Ciência Política da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e do Programa San Tiago Dantas de Relações Internacionais (Unesp/Unicamp/ PUC-SP). Autor de numerosos trabalhos, entre livros e artigos, sobre economia e política no Brasil contemporâneo, vem se dedicando nos últimos anos ao estudo das relações internacionais, tema de seu livro mais recente: Globalização, democracia e ordem internacional (São Paulo, Unesp, 2004). E-mail: SVELASCO@GLOBO.COM.

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  • 1
    "Cumbre de Cancún",
    La Jornada, 15/9/2003.
  • 2
    "Senador dos EUA: Brasil levou Cancún ao fracasso".
    O Estado de S. Paulo, 18/9/2003; "Setor privado dos EUA vê Brasil nos anos 70",
    Folha de S. Paulo, 13/9/2004.
  • 3
    Discurso do ministro de Estado das Relações Exteriores, embaixador Celso Amorim, por ocasião do Dia do Diplomata (Brasília, 18/9/2003,
  • 4
    "India didn't yeld on any issue",
    The Economic Times, 16/9/2003.
  • 5
    "CII lauds the role of developing countries at Cancún",
    The Economic Times, 16/9/2003.
  • 6
    Para uma análise do processo de produção dessa obra e um comentário crítico sobre a edição citada, ver Mommsen (2000).
  • 7
    Elaborada em outros termos, esta é a tese exposta por Galgano no livro que tomamos como uma das referências básicas para a elaboração desta parte. É também uma síntese "heróica" da história detalhada que encontramos no trabalho grandioso de Morton Horowitz (1977).
  • 8
    Sobre esse movimento geral, ver Murphy (1994). Para uma apresentação crítica dessa obra, ver Velasco e Cruz (2000).
  • 9
    Para essa caracterização sumária, utilizamos o livro de Jacob Dolinger (2003).
  • 10
    A esse respeito, ver Fieldhouse (1973), Clarence-Smith (1999) e Rothermund (1986).
  • 11
    O contraste entre os dois períodos – e destes com as respostas à crise da década de 1970 – é o tema central justamente do livro aclamado de Gourevitch (1987).
  • 12
    Inspiramo-nos aqui no procedimento adotado por Hirst e Thompson em seu conhecido livro sobre a globalização, embora deles nos afastemos na descrição do tipo (cf. Hirst e Thompson, 1996).
  • 13
    Coincidimos, neste ponto, com a conclusão do autor de um estudo muito instigante sobre as relações entre direito e globalização. Cf. Wiener (1999).
  • 14
    Cf. os artigos reunidos por Judith Goldstein, Miles Kahler, Robert O. Keohane e Anne-Marie Slaughter no número temático sobre esse tema da revista
    International Organization, 54 (3), 2000.
  • *
    Este trabalho foi desenvolvido no contexto do Projeto Temático "Reestruturação Econômica Mundial e Reformas Liberalizantes nos Países em Desenvolvimento", coordenado pelo autor, que agradece à Fapesp, pelo apoio a esta pesquisa, e a Andrei Koerner, pela leitura atenta do texto e por seus comentários.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      07 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Fev 2005

    Histórico

    • Recebido
      Dez 2004
    • Aceito
      Jan 2005
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