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O leviatã brasileiro e a esfinge argentina: os determinantes institucionais da política tributária

Le léviathan brésilien et la sphinge argentine: les determinants institutionnels de la politique tributaire

The brazilian leviathan and the argentinean sphinx: the institutional determinants of the tax policy

Resumos

Este artigo examina as trajetórias divergentes da Argentina e do Brasil no que diz respeito à capacidade tributária e à capacidade de promover reformas no sistema tributário. O autor procura explicar não só por que a carga tributária no Brasil é significativamente mais alta do que a da Argentina, mas também por que o Brasil teve mais capacidade de reformar o sistema tributário no período posterior ao regime autoritário. Defende, ademais, o argumento de que os fatores que explicam grande parte das diferenças observadas são, de um lado, a instabilidade institucional e, de outro, o arranjo federativo presente em cada um dos países. A instabilidade institucional é fortemente condicionada pelas instituições federativas (e também pela polarização de preferência entre os atores) e é determinante para o entendimento do trade offs com que se defrontam os governos no sentido de privilegiar determinado instrumento de extração de recursos da sociedade.

Sistema tributário; Federalismo fiscal; Reforma tributária; Brasil; Argentina


Cet article examine les trajectoires divergentes de l'Argentine et du Brésil en termes de capacité fiscale et de capacité de promouvoir les réformes du système fiscal. L'article tente d'expliquer la raison pour laquelle la charge fiscale au Brésil est nettement plus élevée qu'en Argentine et pourquoi le Brésil a été, par rapport à l'Argentine, davantage capable de réformer son système fiscal à la période qui a suivi la dictature militaire. L'article examine les différentes possibilités d'explication et défend l'argument selon lequel les facteurs qui expliquent une grande partie des différences observées sont, d'un côté, l'instabilité institutionnelle et, de l'autre, l'arrangement fédératif présent dans chacun des pays. L'instabilité institutionnelle est fortement conditionnée par les institutions fédératives (mais, aussi, par la polarisation, de préférence, entre les acteurs) et est cruciale dans pour le trade offs auquel font face les gouvernements lors du choix des instruments d'obtention de ressources auprès de la société.

Système fiscal; Fédéralisme fiscal; Réforme fiscale; Brésil; Argentine


This article examines the divergent paths of Argentina and Brazil in terms of the capacity to tax and the capacity to enact tax reforms. The article seeks to explain why the tax share is much higher in Brazil and why this country was also better equipped to implement reforms in the post authoritarian period. The author reviews rival explanations and concludes that the factors that explain a great deal of the divergence under investigation are political instability and the federalist institutional arrangements. Instability is closely associated with federalism (and also by some preference polarization by both) and plays a crucial role in understanding tradeoffs faced by governments in order to privilege a certain instrument of resources collection from society.

Taxation; Fiscal federalism; Tax reform; Brazil; Argentina


O leviatã brasileiro e a esfinge argentina: os determinantes institucionais da política tributária* * Este texto é uma versão expandida de um trabalho preparado para o workshop "Taxation and development: essays on the new politics of taxation and accountability", Copenhague, 14-15 junho,. 2004. Sou grato a Mick Moore, Odd-Helge Fjeldstad, Deborah Brautigan, Lee Alston, Eduardo Lora, Elisa Reis, Andres Gallo, Mariano Tommasi, Tulia Faletti, Alejandra Irigoin, Catalina Smulovitz, André Regis e Oscar Oszlack, por seus comentários e sugestões. A tradução do original em inglês é de Saulo Souza.

The brazilian leviathan and the argentinean sphinx: the institutional determinants of the tax policy

Le léviathan brésilien et la sphinge argentine: les determinants institutionnels de la politique tributaire

Marcus André Melo

RESUMO

Este artigo examina as trajetórias divergentes da Argentina e do Brasil no que diz respeito à capacidade tributária e à capacidade de promover reformas no sistema tributário. O autor procura explicar não só por que a carga tributária no Brasil é significativamente mais alta do que a da Argentina, mas também por que o Brasil teve mais capacidade de reformar o sistema tributário no período posterior ao regime autoritário. Defende, ademais, o argumento de que os fatores que explicam grande parte das diferenças observadas são, de um lado, a instabilidade institucional e, de outro, o arranjo federativo presente em cada um dos países. A instabilidade institucional é fortemente condicionada pelas instituições federativas (e também pela polarização de preferência entre os atores) e é determinante para o entendimento do trade offs com que se defrontam os governos no sentido de privilegiar determinado instrumento de extração de recursos da sociedade.

Palavras-chave: Sistema tributário; Federalismo fiscal; Reforma tributária; Brasil; Argentina.

ABSTRACT

This article examines the divergent paths of Argentina and Brazil in terms of the capacity to tax and the capacity to enact tax reforms. The article seeks to explain why the tax share is much higher in Brazil and why this country was also better equipped to implement reforms in the post authoritarian period. The author reviews rival explanations and concludes that the factors that explain a great deal of the divergence under investigation are political instability and the federalist institutional arrangements. Instability is closely associated with federalism (and also by some preference polarization by both) and plays a crucial role in understanding tradeoffs faced by governments in order to privilege a certain instrument of resources collection from society.

Keywords: Taxation; Fiscal federalism; Tax reform; Brazil; Argentina.

RÉSUMÉ

Cet article examine les trajectoires divergentes de l'Argentine et du Brésil en termes de capacité fiscale et de capacité de promouvoir les réformes du système fiscal. L'article tente d'expliquer la raison pour laquelle la charge fiscale au Brésil est nettement plus élevée qu'en Argentine et pourquoi le Brésil a été, par rapport à l'Argentine, davantage capable de réformer son système fiscal à la période qui a suivi la dictature militaire. L'article examine les différentes possibilités d'explication et défend l'argument selon lequel les facteurs qui expliquent une grande partie des différences observées sont, d'un côté, l'instabilité institutionnelle et, de l'autre, l'arrangement fédératif présent dans chacun des pays. L'instabilité institutionnelle est fortement conditionnée par les institutions fédératives (mais, aussi, par la polarisation, de préférence, entre les acteurs) et est cruciale dans pour le trade offs auquel font face les gouvernements lors du choix des instruments d'obtention de ressources auprès de la société.

Mots-clés: Système fiscal; Fédéralisme fiscal; Réforme fiscale; Brésil; Argentine.

Introdução

Este texto aborda duas questões inter-relacionadas: os determinantes da capacidade de tributar e os fatores que influenciam a capacidade de reformar sistemas tributários. Analisam-se as trajetórias contrastantes da Argentina e Brasil, países cujos casos se prestam a uma investigação de natureza comparativa. Apesar das semelhanças em vários aspectos, os dois países apresentam níveis de taxação e resultados de políticas de reforma muito diferentes ao longo do tempo. Entre as semelhanças, ambos os países encontram-se entre as maiores economias da região, apresentam níveis relativamente altos de industrialização e trajetórias históricas associadas à substituição de importações e ao intervencionismo estatal. Entre as similitudes institucionais, observa-se que ambos possuem estruturas federativas, são amplamente descentralizados e dispõem de um presidente forte (embora haja divergências importantes quanto a este último aspecto). Ademais, contam com níveis elevados de clientelismo e corrupção – o que pode influenciar a capacidade extrativa desses países. Contudo, os dois diferem drasticamente quanto à capacidade estatal e ao funcionamento do sistema político. O caso do Brasil é interessante pelo fato de apresentar a maior carga tributária do mundo em desenvolvimento (atualmente estimada em 37% do PIB) e, em termos comparativos, uma burocracia tributária eficiente e profissionalizada. A Argentina tem uma carga tributária muito menor e uma burocracia tributária ineficiente. Isto se torna mais surpreendente quando se leva em conta que a renda per capita é um preditor forte da carga tributária. Embora o setor público de ambos os países seja muito grande, presume-se que o fato de a renda per capita argentina ser significativamente maior (quase três vezes maior no imediato pós-guerra) deveria conduzir a um nível de tributação igualmente superior.

Ao contrário do Brasil, os presidentes argentinos ao longo dos anos não têm sido capazes de implementar reformas tributárias sustentáveis. Os dois países diferem também num ponto crucial, qual seja, o grau de legitimidade política do sistema tributário. Neste artigo, argumento que a falta de legitimidade, combinada à instabilidade e à fraca capacidade institucional, ajuda a explicar o altíssimo nível de evasão fiscal da Argentina. Para isso examino a evolução dessa capacidade ao longo do tempo e a forma como ela modelou o sistema tributário nos dois países, influenciando, ao final, a capacidade (ou incapacidade no caso argentino) de reformar o sistema. Neste artigo argumento que os níveis de estabilidade política e os mecanismos de path dependency, que estão na base de formação das instituições políticas, e do "Estado tributador" (tax state) ajudam a explicar os diferentes resultados dos dois países.

O leviatã brasileiro definitivamente "aprendeu a tributar",1 1 O mais correto, como vamos assinalar, no caso brasileiro, seria usar a expressão "aprendeu a arrecadar" (Kaldor, 1963). sendo possivelmente o melhor aprendiz de Kaldor – pelo menos no que diz respeito à capacidade de extrair recursos da sociedade. Mas a grande transformação na capacidade extrativa brasileira ocorreu de uma forma não prevista por esse autor e tomou uma direção exatamente oposta a que ele vislumbrou. Os altos níveis de taxação foram obtidos mediante uma considerável expansão da tributação indireta e crescimento, embora mais modesto, dos impostos sobre a renda. Dadas as opções de reforma tributária presentes há quase duas décadas na agenda internacional de reformas – que se baseiam num consenso sobre a necessidade de redução da tributação da renda (de pessoas físicas e jurídicas), expansão da base tributária, diminuição das alíquotas marginais mais importantes e incremento do imposto sobre valor agregado –, o crescimento atual de receitas nos países em desenvolvimento tem, em grande medida, seguido a mesma trajetória (Tanzi e Zee, 2000; Bird, 2003; Lledo, Schneider e Moore, 2003). No entanto, os resultados são muito distintos no Brasil e na Argentina.

A carga tributária do Brasil ultrapassou a média de 36% observada nos países da OECD no final dos anos de 1990. Prevendo-se que atinja 38% no final de 2005, ela é similar à apresentada pela Grã-Bretanha para aquela mesma década. Isto é, sem dúvida, surpreendente, pelo fato de o Brasil ser um país em desenvolvimento embora com renda per capita relativamente elevada e de os países com níveis similares de desenvolvimento terem uma "capacidade extrativa" bem inferior. Em comparação com a carga tributária das outras democracias federativas da América Latina – México (13%) e Argentina (24%) –, a carga tributária total do Brasil é consideravelmente maior. Como assinalado na Figura 1, as cargas tributárias do Brasil e da Argentina passaram a divergir significativamente a partir do final da década de 1960. O que é mais significativo ainda é que a carga tributária do Brasil já no início dos anos de 1970 era o dobro daquela da Argentina. A excepcionalidade do Brasil representa per si um caso surpreendente. Todavia, a questão analiticamente mais instigante diz respeito às razões que expliquem tamanha variação nos países que se encontram aproximadamente no mesmo nível de desenvolvimento.2 2 Os economistas têm discutido amplamente a relação causal entre impostos e gastos. Esta não é minha preocupação aqui. Baffes e Shah (1994) analisaram os casos do Brasil e da Argentina no período de 1908 a 1985. A conclusão foi de que não havia discrepâncias entre os dois – na Argentina antes e no Brasil depois da guerra.


Esse aparente paradoxo, contudo, sugere também outras questões igualmente instigantes. Os formuladores de políticas no Brasil têm reconhecido não apenas que a carga tributária do país é excessiva, mas também que o sistema tributário é altamente ineficiente, com impostos distorsivos em cascata. Os grupos de interesse mais diversos apresentam propostas, muitas das quais chegaram ao Congresso. É como se o país estivesse preso num equilíbrio ineficiente e fosse incapaz de aprovar as reformas. Na Argentina, várias tentativas de reforma também falharam. Isso aconteceu, como será discutido adiante, por causa da falta de instituições capazes de garantir o que a literatura neoinstitucionalista denomina transações políticas intertemporais, que podem desestimular o oportunismo3 3 Para uma discussão a respeito, ver Dixit (1996). . No caso da Argentina, o problema parece ser o oposto da situação brasileira: a questão é como gerar receitas e combater o alto nível de evasão fiscal. De acordo com o índice composto de reformas tributárias, construído por Lora (2001) para mensurar a implementação das reformas nos anos de 1980 e 1990, o Brasil avançou rapidamente, deixando a Argentina bem para trás.4 4 É interessante notar que a performance da Argentina em outras áreas de reforma de mercado (privatização) não foi ruim. Este índice é composto de várias dimensões e expressa o avanço do país em implementar reformas tributárias que estavam, virtualmente, na agenda de reformas dos países em todo o mundo. Elas incluem, por exemplo, redução de alíquotas marginais, ampliação da base, redução de taxação corporativa, eliminação de isenções, medidas voltadas para a elevação da produtividade dos impostos5 5 A produtividade do IVA é calculada pela razão entre a arrecadação (como proporção do PIB mais importações e menos exportações) e a alíquota em vigor. A produtividade do imposto de renda é calculada pela razão entre a arrecadação (como proporção do PIB) e a média das alíquotas máximas em vigor dos impostos sobre as empresas e os indivíduos. etc. (Lora, 2001). Ao longo da década de 1990, o índice para o Brasil está à frente do índice para Argentina em cerca de 60%. Em outras palavras, a implementação dessa agenda de reformas foi muito mais abrangente no Brasil do que na Argentina.


A primeira questão apresentada está relacionada à carga tributária e à capacidade extrativa do Estado. Como o Estado adquire capacidade para tributar? Quais fatores explicam a capacidade do Estado? Que fatores explicam a substancial diferença em capacidade extrativa entre o Brasil e a Argentina. Para examinar essas questões, farei uma revisão da literatura a esse respeito e descreverei a evolução histórica do "Estado tributador" nos dois países, a fim de explorar a aplicabilidade dos conceitos e dos argumentos propostos pela literatura. Ao reconstituir a evolução histórica do "Estado tributador"6 6 Para uma discussão relevante sobre o conceito de Estado tributário em contraposição ao de Estado fiscal, ver Moore (2004). nos dois países, pretendo demonstrar como as estruturas tributárias são bastante "resilientes" e que os desenvolvimentos institucionais são altamente path dependent (isto é, dependem da trajetória histórica). A influência das instituições do federalismo – levando-se em conta a maneira como elas foram forjadas ao longo do tempo –, seu impacto sobre a instabilidade institucional, bem como as questões relativas à legitimidade das instituições políticas ajudam a explicar a maioria das crises fiscais da década de 1990 nesses países. Não se trata da idéia de que a história explica tudo, mas que as instituições são "aderentes" e têm efeitos de longa duração nos resultados econômicos e fiscais (Acemoglu et al., 2003). Em outras palavras, os episódios históricos de escolha institucional são cruciais para a compreensão dos resultados econômicos como, por exemplo, os regimes de tributação.7 7 Para maiores detalhes, ver Lieberman (2001b).

A segunda questão tem a ver com a capacidade do Estado em reformar os sistemas tributários nos dois países. A reforma tributária tornou-se uma questão proeminente na agenda latino-americana no final dos anos de 1980 e na década seguinte (Mahon, 2004). As instituições multilaterais, como o FMI e o Banco Mundial, desempenharam um importante papel na promoção da convergência das agendas de reforma tributária. Na verdade, a influência das instituições internacionais remonta às famosas "missões tributárias" dos anos de 1950 e 1960.8 8 Para uma visão abrangente dessas questões, ver Lledo, Schneider e Moore (2003). Para uma crítica do papel desempenhado pelas instituições multilaterais, ver Goode (1993), Stewart (2002) e Stewart (2004). Sobre o assunto na América Latina, ver Bird (1992). Ainda que seja incluída na agenda legislativa, a implementação das reformas exige, porém, que o executivo tenha a capacidade de aprovar as propostas. Diversas explicações têm sido sugeridas para os determinantes das reformas tributárias, inclusive fatores políticos e institucionais, bem como aspectos intrínsecos aos impostos, tratados como questão temática. Todavia, já se disse que no mundo em desenvolvimento, em geral, "política tributária é administração tributária" (Janster, 1990, p. 179).9 9 Segundo Peters, "grande parte das políticas tributárias é produzida na fase de implementação" (1991, p. 4). A capacidade que o Estado tem de fazer cumprir as leis tributárias e controlar a evasão fiscal é fundamental. A avaliação subjetiva dos cidadãos sobre a legitimidade do sistema tributário é também um importante elemento para a explicação do cumprimento das leis tributárias (Bird, Martinez-Vasquez e Torgler, 2004).

Este trabalho está organizado em três seções. A primeira revisa as literaturas sobre a taxação e a evolução dos regimes tributários e sobre os determinantes das reformas tributárias. A segunda considera a evolução da tributação na Argentina e no Brasil e investiga como as interpretações rivais examinadas contribuem para o entendimento da divergência de trajetória. A ênfase é posta nos fatores que produzem instabilidade e estabilidade institucional nos dois países. A terceira seção, por sua vez, focaliza as reformas tributárias mais recentes, explorando a hipótese de que as diferenças no funcionamento do federalismo – ou nas instituições políticas que dão forma às relações entre o governo federal e os entes subnacionais – explicam, em grande medida, os diferentes resultados de reforma nos dois países.

Explicando a capacidade de tributar

A literatura econômica sobre sistemas tributários tem verificado uma conexão importante entre os diferentes níveis de desenvolvimento, conforme medidos pelo PIB per capita e pela carga tributária (impostos como percentagem do PIB). Isso devido a uma série de razões econômicas. Os países em desenvolvimento caracterizam-se, por apresentar uma considerável parcela da agricultura no produto nacional e no emprego, uma pequena parcela de salários na renda nacional total e uma grande parcela de atividades e ocupações informais. Técnicas econômicas tradicionais têm sido usadas para a estimação do "esforço tributário" ou da "performance tributária". Para tanto, utiliza-se, normalmente, a estimativa da meta que se espera para o esforço tributário, considerando-se os indicadores da carga tributária (renda per capita, parcela da agricultura no produto nacional etc.). A discrepância entre a carga esperada e a carga real reflete, então, o esforço tributário.10 10 Para estudos abrangentes sobre essa questão e um ranking do esforço tributário, ver Teera (2002) e Piancastelli (2001). Essa literatura procura explicar os fatores que explicam o que países têm em comum na área da taxação. Para os meus propósitos – explicar a divergência importante entre Brasil e Argentina na área tributária –, é muito mais relevante explorar aqui a questão da diferença na capacidade de tributar, a despeito de características que esses países têm em comum (como industrialização etc.). A rigor, no que se refere a explicações com base em fatores econômicos a causalidade é inversa nesse caso, pois a expectativa seria de que a Argentina tivesse uma carga maior do que a brasileira.

A literatura que aborda a evolução da capacidade de tributar tem explorado esta questão com referência aos processos de formação do Estado (Lieberman, 2001b). Grande parte dessa literatura volta-se exclusivamente para a Europa Ocidental, mas tais análises têm focalizado cada vez mais outros contextos e experiências históricas. Seguindo as contribuições seminais de Tilly (1975), Elias (1982) e Levi (1988), têm-se investigado as conexões entre os processos de formação do Estado e da taxação. A análise padrão está associada ao argumento de Tilly de que a formação do Estado seguiu uma seqüência específica: competição (guerra) entre os Estados, criação de um aparato estatal e endividamento. Segundo essa análise, os soberanos se engajam em guerras para eliminar rivais externos aos limites territoriais que pretendem controlar. Engajam-se, então, na construção do Estado, o que consiste fundamentalmente em eliminar os rivais de dentro do território. Finalmente, os soberanos dedicam-se à proteção daqueles que aceitam suas regras, extraindo recursos da população do território que pretendem controlar. Tais recursos proporcionam os meios para as três primeiras atividades. A fim de extrair os recursos, os soberanos fazem uso de expropriação tout court ou de barganhas com os atores que detêm os recursos. North (1981) e Levi (1988) modelaram essa barganha em termos de custos de transação, argumentando que os soberanos aceitam abrir mão de seu poder discricionário por ser isto a forma mais eficiente de extrair os recursos que garantam sua sobrevivência (cf. Fauvelle-Aymar, 1999). As instituições democráticas proporcionam os compromissos críveis necessários à execução da complexa tarefa de extrair recursos. Uma mera expropriação por meio de meios coercitivos é ineficiente e instável, porque pode conduzir à defecção dos liderados (particularmente nas áreas de fronteira desses territórios onde haveria competição de "lealdades"), os quais buscariam a proteção de outros soberanos ou, alternativamente, reteriam consigo parte da receita. A dependência de receita por parte dos soberanos dá origem às instituições representativas que ajudam a criar um jogo de soma positiva entre os soberanos e os contribuintes. Essa lógica pode ser ampliada para incluir acionistas de empresas públicas, grandes contribuintes e os monarcas. Esse é o quadro de como o "Estado tributador" começou a fazer empréstimos para financiar suas atividades, transformando-se, a partir daí, em "Estado fiscal" (Moore, 2004).11 11 Bates (1989) e Moore (2004) discutem a aplicabilidade desse modelo padrão em outros contextos históricos e na realidade do Estado em países em desenvolvimento. Moore argumenta que, sobretudo no contexto de rentier states (Estados rentistas), a falta de incentivos para os soberanos forjarem esse jogo de barganha com as elites nacionais no mundo em desenvolvimento pode bloquear o surgimento da governança democrática. A preocupação de Moore aqui é com a situação dos Estados cuja receita vem, em primeiro plano, dos recursos naturais – como, por exemplo, o petróleo – ou dos que sobrevivem com o auxílio externo. Essa era a intenção por trás da assertiva de Kaldor de que "o auxílio externo só dá frutos quando é um complemento do esforço (tributário) doméstico, e não o inverso" (1963, p. 410). Nos termos de Bates (no prelo), "não tendo que barganhar com os detentores de ativos domésticos, não havia necessidade de parlamentos. Pela mesma linha de raciocínio, o Parlamento representa pouca restrição ao Executivo oportunista". Os atuais dirigentes das nações em desenvolvimento acham mais fácil solicitar transferências internacionais do que barganhar o pagamento doméstico de impostos. Segundo Bates,

[...] ao fazer comparações entre a comunidade internacional de Estados no Ocidente histórico e a era moderna, somos levados, assim, a concluir que os incentivos conducentes a uma forma de accountability política de governo parlamentarista operam hoje de maneira mais modesta. Os governos no mundo em desenvolvimento são, portanto, menos propensos a adotar políticas que promovam a prosperidade pública, em vez dos interesses privados dos seus líderes, ou a serem restringidos no uso do poder" (no prelo, p. 14).

Esse modelo analítico é apto para descrever especialmente a condição dos Estados mais pobres no contexto africano. Os modelos do Estado predatório, no qual a atuação recíproca da violência e da resistência armada está relacionada a uma maior extração de receita, são também úteis na análise desses países (Idem). Mas as suas principais conclusões podem também esclarecer a evolução do Estado tributário desenvolvimentista em países de renda mediana, como o Brasil e a Argentina, propiciando uma perspectiva mais ampla à evolução das capacidades tributárias da América Latina.

Conforme já discutido, o Estado desenvolvimentista na América latina, particularmente durante o período do pós-guerra, foi capaz de usar outros instrumentos indiretos para a extração e a redistribuição de receitas, sem explicitamente barganhar recursos por instituições. Isto se deu com a manipulação do câmbio, o uso de imposto inflacionário e de senhoriagem e a captura de receitas pela transferência de direitos de propriedade para o Estado, por via da nacionalização, dos monopólios públicos e de outros meios semelhantes (Acemoglu et al., 2003). Embora isso não tenha sido exclusividade dos países da América Latina, o seu uso foi certamente mais intenso nessa região. Os instrumentos usados variaram ao longo do tempo. Da década de 1930 até a de 1950, a manipulação das taxas de câmbio (o uso de múltiplas taxas de câmbio e/ou de moedas supervalorizadas, por exemplo) foi instrumental (Mahon, 2000), tanto quanto o foram as empresas estatais e a isenção de impostos para indústrias e setores da economia. Ao redefinir os direitos de propriedade sobres recursos nacionais – estabelecimento de monopólios em setores da economia – os Estados puderam assegurar uma importante base de tributação. Entre os anos de 1950 e 1980, a inflação foi essencial à garantia de receitas públicas. A escolha de instrumentos de taxação, portanto, é um mecanismo importante para explicar a variação nos resultados da taxação na Argentina e no Brasil. Essa escolha não mantém uma relação causal com o processo de construção de democracias representativas. Pelo contrário, nos casos brasileiro e argentino, essa escolha foi feita em marcos institucionais autoritários e – no caos argentino – altamente instáveis. Esse argumento será discutido em detalhes a seguir.

Explicando a capacidade de reformar

Uma vez implementados, os sistemas tributários são difíceis de se alterar. As estruturas tributárias são altamente path dependent. As reformas nesse campo são tarefas complexas, sobretudo, como no caso brasileiro, se envolvem mudança constitucional. Com freqüência, nas democracias são necessárias crises (às vezes severas) para que os governos se engajem em reformas abrangentes.12 12 Bird argumenta que os países tendem a alcançar uma "posição de equilíbrio, com respeito ao tamanho e à natureza de seus sistemas fiscais, a qual reflete em grande medida o equilíbrio das forças políticas, lá ficando até serem 'impelidos' a um novo equilíbrio" (2003, p. 9). Os aspectos distributivos da reforma tributária as fazem propensas ao conflito. Nos países federativos, a reforma tributária também coloca os interesses de algumas regiões contra os interesses ou de outras regiões ou do centro. Nas democracias, tais conflitos são mediados pelas instituições, particularmente as legislativas, e também pelo federalismo, pelas instituições eleitorais e pelo Judiciário. Nesse contexto, a questão que informa a presente discussão é saber que fatores políticos e institucionais explicam a maior capacidade do Brasil em introduzir e implementar reformas na década de 1990 em comparação com a Argentina. Isso ocorreu, como será discutido mais adiante, durante o regime militar, quando o imposto sobre valor adicionado (IVA) foi introduzido no Brasil, mas não na Argentina.

Entre os argumentos de natureza política para a explicação da capacidade tributária destacam-se as análises que enfatizam o papel de regimes políticos. Levi (1988), por exemplo, discute a importância dos "mecanismos quasi-voluntários" na emergência da tributação moderna. A aquiescência com a taxação é tão importante quanto a coerção. Essa idéia tem sido explorada nas análises contemporâneas das reformas tributárias por vários autores (Bates, 1989). Nessa perspectiva, os regimes autoritários, por desfrutarem de menor legitimidade e menores graus de aquiescência "quase voluntária", teriam uma maior capacidade de extrair recursos da sociedade. Em contraposição, as democracias tenderiam a exibir níveis mais elevados de taxação. Cheibub (1998), no entanto, em um abrangente estudo comparativo argumenta que não há relação causal entre o tipo de regime e a capacidade extrativa dos governos.13 13 Boix (2001), por sua vez, usando o modelo do eleitor mediano, chegou a diferentes conclusões. Esse modelo prediz que, em razão de o eleitor mediano estar localizado na extremidade inferior da distribuição de renda, as eleições tendem a favorecer governos que gastem mais. Além disso, nesse tipo de modelo, as instituições que afetam o comparecimento às urnas são bastante relevantes. O autor demonstra que, em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o comparecimento às urnas esteve diretamente associado ao tamanho do setor público. Como essa explicação dá conta das divergências entre Brasil e Argentina? Na realidade, estes países estiveram sob regime militar durante exatos 28 anos. Mais significativo ainda, o timing dos regimes autoritários é similar, isto é, tiveram lugar nos anos de 1930 e início da década de 1940, e nos anos de 1960 e 1970. As divergências de regime, portanto, parecem ter pouco poder explicativo nesses casos particulares.

As explicações para o cumprimento das regras destacam a superioridade do self-enforcement em relação aos mecanismos de punição. O cumprimento das regras tributárias é visto como sendo determinado essencialmente pela capacidade dos Estados de demonstrar compromissos críveis no sentido de punir comportamentos não-cooperativos. O cumprimento das regras tributárias é modelado como um jogo interativo, cujo resultado se determina fundamentalmente pela probabilidade de punição efetiva do comportamento não-cooperativo. Quando os Estados se empenham em anistias tributárias em larga escala, e isto é percebido pelos atores como um incentivo para não cumprirem as regras, o cumprimento será conseqüentemente baixo. Por outro lado, é difícil assegurar o cumprimento por conta dos riscos políticos percebidos com a não efetivação das ameaças (Feld e Frey, 2002). Esses autores argumentam que a capacidade tributária é gerada pela habilidade do Estado em gerar credibilidade e pela capacidade de garantir o retorno prometido com os impostos. A relação entre os contribuintes e as autoridades fiscais é vista como um contrato relacional que envolve lealdade. Tal contrato só pode ser mantido por meio de ações positivas, baseadas na confiança. Togler (2003), a partir de dados do World Values Survey e do Mori Institute, explora essa conexão num grande número de países latino-americanos e do Caribe.14 14 A esse respeito, ver também Bird, Martinez-Vasquez e Torgler (2004). O autor observa que a percepção subjetiva de ser apanhado não é estatisticamente significativa para explicar a tax morale (atitudes e percepções públicas em face dos impostos), enquanto a confiança no presidente o é. Ao analisar as percepções individuais das razões para a evasão fiscal, ele observa que a carga tributária, a falta de honestidade e a corrupção são consideradas seus principais fatores. Argumenta, também, que um sistema tributário tem que ser justo na visão dos contribuintes:

[...] se o contribuinte sente que está envolvido num tipo de contrato injusto, estará provavelmente menos propenso a cumprir as regras [...]. Os contribuintes ficam mais inclinados a cumprir a lei se a troca entre o imposto pago e os serviços realizados pelo governo for vista como eqüitativa (Torgler, 2003, p. 27).

Chamamos esse tipo de explicação dos impostos de argumento de legitimidade. Sua aplicabilidade nos casos brasileiro e argentino não é conclusiva. Os dados existentes revelam que os indicadores de tax morale na Argentina são equivalentes aos brasileiro (2.2 e 2.1, respectivamente, em uma escala de 1 a 3). Na avaliação do "Latinobarometro" no período entre 1990 e 1993, o indicador é melhor para Argentina do que para o Brasil, e o hiato se elevou entre 1995 e 1997. As atitudes ante o Estado e o setor público no pós-guerra nos dois países divergem significativamente, como assinalaram muitos autores (cf. Fausto e Devoto, 2004), sobretudo do pós-guerra até a década de 1980, quando o Estado brasileiro desfrutou de muito mais legitimidade na sociedade. À luz dessa literatura, a maior carga tributária nos anos de 1960 e 1970 pode ser explicada pela maior legitimidade do Estado em promover o desenvolvimento econômico. Os dados relativos ao período mais recente, entretanto, não confirmam o argumento. A melhor tax morale na Argentina na década de 1990 pode ser explicada por fatores conjunturais como o impeachment do presidente Collor no Brasil e o regime de conversibilidade plena na Argentina. Mas o argumento é difícil de ser sustentado tendo em vista os níveis extremamente elevados de evasão e elisão tributárias comparado com o Brasil. Como a Figura 3 mostra muito claramente para o imposto de renda, a produtividade deste imposto chegou a ser 14 vezes maior do que o argentino em 1990, e pelo menos superior a duas vezes o correspondente argentino na segunda metade da década de 1990.


Menos proeminentes na literatura das reformas são as contribuições que enfatizam as características dos impostos como área temática. Os estudiosos normalmente fazem referências en passant sobre uma dessas importantes características, a aversão ao risco. Uma exceção é Ascher (1989), que enfatiza que a discussão aberta dos possíveis riscos é condição necessária para a negociação da reforma. Outra característica importante é a incerteza. Os especialistas não predizem com exatidão o impacto da reforma nos níveis de receita. Os formuladores de políticas fiscais são, todavia, tipicamente avessos ao risco. Na ausência de consenso sobre o impacto das reformas, eles preferem o statu quo à reforma. Como Tanzi e See afirmam:

[...] dada a situação fiscal precária dos países em desenvolvimento, essa incerteza os exporia a sérias dificuldades fiscais em potencial. Como conseqüência, as mudanças marginais são preferidas às grandes mudanças estruturais, ainda que essas últimas sejam claramente mais desejáveis, o que perpetua as estruturas tributárias ineficientes" (2000, p. 4).

Isso ajuda a explicar o paradoxo da relativa inércia de reformas na área tributária, em que o incrementalismo prevalece, em comparação com a freqüência das mudanças em outras áreas, como a previdência social. Mudanças na taxação tendem a ser o resultado de movimentos graduais, em vez de grandes inovações de políticas. Muitas dessas mudanças podem nem ser regulamentadas em estatuto (embora existam exceções, como, por exemplo, a introdução do IVA). Esse paradoxo é descrito com propriedade por Bird para o contexto latino-americano, quando ele argumenta que "a realidade da taxação na América Latina talvez tenha mudado menos do que a nossa percepção em relação a ela" (2003, p. 10). Isto se confirma na discussão de Mahon (2004) sobre os determinantes da reforma tributária. Crises econômicas e fiscais mostram-se insignificantes como mecanismos causais de reformas. Níveis de aversão ao risco, contudo, variam significativamente entre os atores sociais e são influenciados pela história de suas interações, pelo grau de confiança entre os atores e pelas instituições políticas. Em ambientes altamente instáveis, os atores sociais aplicam uma alta taxa de desconto em relação ao futuro, não estando dispostos a abrir mão de seus interesses de curto prazo em favor de benefícios futuros maiores. O ativismo institucional de políticas (policy entrepreneurship) pode ser afetado por tais fatores na área tributária mais do que em qualquer outra área.

Entre os argumentos que enfatizam aspectos políticos estão aqueles que destacam o papel da resistência das elites. A literatura tradicional sobre reformas tributárias tem algo em comum: normalmente se detém nos obstáculos políticos à taxação, por causa principalmente de interesses agrários e das elites domésticas. A taxação da terra e da renda recebeu a maior parte da atenção nessas discussões. Para Kaldor, a tarefa da reforma tributária "é predominantemente uma questão de poder político" (1963, p. 418). Tanzi e Zee argumentam que o obstáculo à tributação direta é "primariamente político" e está diretamente relacionado à distribuição de renda. "O poder econômico, e com freqüência o político, concentra-se em geral nos primeiros decis, de forma que os contribuintes mais ricos podem evitar reformas tributárias que os afetariam de maneira negativa" (2000, p. 4). Goode (1990), Gillis (1989) e Bird (1992) também enfatizam que a resistência política das elites é um forte obstáculo, mas não exploram sistematicamente essas questões. Denominemos esse tipo de argumento "hipótese da resistência das elites". No entanto, é difícil sustentar que as elites na Argentina tenham criado mais resistência à taxação do que no Brasil. Ambos os países possuem elites agrárias poderosas, mas não é possível afirmar que seu poder se ampliou a partir da década de 1960 quando o hiato entre esses países se alargou. Provavelmente a tradição constitucionalista liberal (em geral simpática ao regime liberal agro-exportador) mais forte na Argentina contribuiu para colocar em cheque o intervencionismo neste país, mas certamente não foi determinante para as diferenças observadas entre os dois países.

Como as instituições políticas influenciam a capacidade extrativa e a capacidade de promover reformas políticas? Para os propósitos deste artigo, a literatura sobre os determinantes institucionais dos sistemas tributários é a que merece mais atenção.15 15 Para uma revisão a respeito, ver Gould e Baker (2002). Diversas contribuições importantes mostram como os sistemas presidencialistas diferem das democracias parlamentaristas no que concerne às reformas tributárias. Steimo (1993) fornece uma explicação institucional pioneira para o paradoxo da prevalência de baixa carga tributária nos Estados Unidos e de alta carga na Suécia e no Reino Unido, ao enfatizar o papel das instituições políticas. Num sistema de autoridade política fragmentada, como nos Estados Unidos, o sistema tributário resultante é ineficiente e apresenta baixa arrecadação de receitas. Em sistemas políticos deste tipo a capacidade de os atores políticos introduzirem dispositivos particularistas é grande – o que explica a ineficiência e baixa capacidade extrativa do sistema tributário. Em contrapartida, a concentração de autoridade política no Reino Unido facilitou a implementação de reformas abrangentes e dotadas de maior coerência, enquanto na Suécia estas são explicadas pelos padrões corporativistas de formulação de políticas, que também viabilizam a implementação de reformas. A capacidade de promover reformas tributárias reflete assim a capacidade geral de reformar e de inovar dos países com desenho majoritário (como as reformas pioneiras do Reino Unido, da Nova Zelândia e, em menor grau, do Chile).

Estudos recentes nessa linha têm dado ênfase ao impacto dos sistemas eleitorais e dos veto players16 16 Veto players são indivíduos ou instituições coletivas cuja anuência se requer para a adoção de novas políticas. Atualmente, a literatura a esse respeito é extensa e tem sido aplicada a áreas temáticas bem diversificadas (Tsebelis, 2002). (atores com poder de veto) sobre o padrão das receitas fiscais. Steimo e Tolbert (1998) argumentam que a representação proporcional tende a estar associada a uma maior arrecadação de receitas. Hallerberg e Basinger (1998) observaram que, nos anos de 1990, os países da OECD que tiveram muitos pontos de veto partidários ou institucionais foram menos propensos a mudar as alíquotas nominais. No contexto latino-americano, Mahon (2004) observa que, juntamente com outras variáveis não institucionais, os países cujo partido do presidente domina o Legislativo, que possui governos eleitos de forma autoritária, que adotam a representação proporcional em lista fechada e que têm sistemas eleitorais bem estabelecidos estão mais propensos às reformas. Dessa perspectiva, o Brasil deveria apresentar menos capacidade de reforma em virtude da legislação eleitoral, que incentiva o voto pessoal, e da fragmentação eleitoral. A Argentina com voto proporcional de lista fechada e sistema partidário mais coeso deveria apresentar uma maior capacidade de reforma. Os governos de coalizão no Brasil no período democrático recente contrastam com o maior peso individual do partido peronista (Partido Justicialista) e sua maior disciplina. Partidos disciplinados e coesos, segundo essa literatura, teriam maior capacidade de promover mudanças, o que Haggard e McCubbins (2001) chamam de deciseveness (maior capacidade decisória).

Uma explicação alternativa que julgo mais promissora para dar conta das diferenças nos resultados de políticas tributárias no Brasil e na Argentina foi apresentada por Cukierman, Edwards e Tabellini (1989) e Edwards e Tabellini (1991). Esses autores destacam que os governos se defrontam com um leque de opções para a extração de receita pública, que deve ser levada a cabo mediante empréstimos, receitas tributárias ou imposto inflacionário. Eles argumentam que um sistema tributário ineficiente (ou seja, que facilite a evasão fiscal e apresente altos custos de arrecadação tributária) atua como uma restrição à capacidade governamental de arrecadar receitas. Tal restrição é normalmente bem vinda para aqueles que discordam dos objetivos do governo. Mais importante ainda: o governo (ou uma maioria legislativa) pode abster-se deliberadamente de reformar o sistema tributário por temer que um aparato fiscal mais eficiente seja usado no futuro para executar programas de redistribuição ou de gastos desaprovados por ele. Isso é o que tende a acontecer em países que possuem sistemas políticos mais instáveis e polarizados, que, de acordo com esse modelo, recorrem a impostos ineficientes, como o imposto inflacionário/senhoriagem e os impostos sobre o comércio, muito mais do que países estáveis e menos polarizados. Esse argumento parte da premissa de que as reformas tributárias são bens públicos. Dessa forma, governos fracos não têm incentivos a promover tais reformas, um vez que envolvem custos administrativos e políticos; além do que os governos subseqüentes podem se apropriar dos benefícios produzidos. Quando existe a possibilidade de perder eleições (ou, no caso de ditaduras, de serem derrubadas), os governos fracos preferem, portanto, recorrer à inflação e a outros impostos causadores de distorção, pois geram receitas no curto prazo e deixam os problemas fiscais resultantes a serem resolvidos pelos próximos governantes. Assim, têm pouco a perder, já que é provável que deixem o poder de uma forma ou de outra. O papel da polarização política na inibição das reformas tributárias tem como pressuposto o fato de que, nessas sociedades, os cidadãos não estão dispostos a mudar de partido e punir o governo que produz "políticas oportunistas", como o gasto inflacionário. Desse ponto de vista, as reformas tributárias são escolhas estratégicas dos governos. No caso de instabilidade e polarização política, tais considerações estratégicas provavelmente induzem o governo a deixar para seus sucessores um sistema tributário ineficiente (Cukierman, Edwards e Tabellini, 1989). No decorrer deste estudo tentarei explorar a maneira pela qual a instabilidade política pode atuar como um elemento depressor da capacidade extrativa dos governos, o que constitui a chave explicativa da questão que informa este artigo. A análise articulará essa explicação com as causas institucionais da instabilidade política – aspecto negligenciado pela literatura. No caso da Argentina, a meu ver, o federalismo é uma das causas institucionais da instabilidade. A esse fator deve-se também agregar as preferências políticas polarizadas dos atores naquele país.17 17 Lieberman (2001a) desenvolve a hipótese instigante de que a criação de um conceito racista de comunidade política nacional na África do Sul explica o desenvolvimento de um sistema de tributação da renda muito mais progressivo e eficiente do que no Brasil. A excepcionalidade da África do Sul nesse sentido pode ser explicada pela solidariedade da elite dominante branca em relação aos setores pobres também brancos, uma vez que esse grupo temia a comunidade negra, produzindo assim uma menor resistência à taxação progressista. No Brasil, esse tipo de solidariedade foi forjado em termos regionais e não raciais. Esse argumento tem, no entanto, pouca valia para explicar as diferenças no padrão geral de taxação da Argentina e do Brasil. Para uma discussão mais aprofundada, ver Melo (no prelo).

O federalismo tem sido discutido em muitos trabalhos como fonte de instabilidade política e econômica, assim como são bastante utilizados nas análises as abordagens sobre a política dos custos de transação e os modelos do principal agente (Iaryczower, Saiegh e Tommasi, 1999; Filipov, Ordershook e Shvetsova, 2004). Esses autores chamam a atenção para a qualidade da estrutura geral de governança, particularmente a sua capacidade de superar problemas de ação coletiva e de common pool. Certas estruturas federativas criam incentivos para o comportamento oportunista de províncias ou estados. Elas podem produzir instabilidade política se o governo central depender de atores subnacionais para a sua sobrevivência política, e se estes últimos dependerem financeiramente do governo central. Neste caso, há forte tendência à criação de desequilíbrio fiscal. Os problemas de ação coletiva e de common pool são determinantes do comportamento fiscal nos países federativos por duas razões. Primeiro, por causa da importância dos sistemas de partilha de impostos entre os níveis de governo nas federações. Segundo, por causa da distribuição de competências tributárias, que têm o potencial de gerar problemas de compatibilidade de incentivos (incentive compatibility). No limite, esses fatores criam problemas perenes de bail outs (socorro financeiro) a entidades subnacionais. A literatura prevê que a reforma dos sistemas tributários e fiscais depende da capacidade dos atores em assumir compromissos críveis, no sentido de absterem-se de comportamentos oportunistas. As reformas que promovem melhoria no bem-estar só podem ser implementadas na presença de uma enforcement technology ("tecnologia de fazer valer regras"). Essa tecnologia pode assumir a forma de compromissos críveis, baseados em dispositivos de autocoordenação compatíveis com os incentivos criados, ou por meio de um ator externo com credibilidade para punir comportamentos oportunistas (como veremos adiante o Brasil se aproxima desse último caso).

Assim, o argumento da instabilidade política, que se baseia na abordagem da política dos custos de transação, e o da legitimidade podem ser combinados de forma consistente, dada a ênfase comum na credibilidade, na confiança e no oportunismo. Essas concepções fornecem, portanto, uma compreensão útil da dinâmica da reforma tributária no Brasil e na Argentina sob o regime democrático.

Tributação sem representação: o desenvolvimento da capacidade de tributar

Nesta seção reconstituo o processo de construção dos Estados nacionais do Brasil e da Argentina, procurando demonstrar que na Argentina a instabilidade política foi muito mais intensa do que no Brasil. O processo de state building foi marcado por uma centralização incompleta e produziu um Estado mais débil em termos de "poderes infra-estruturais" (Mann, 2002). O Estado brasileiro, em contraste, foi criado a partir de uma centralização precoce no século XIX, marcada por forte expansão de capacidades institucionais no pós-guerra em um contexto de instabilidade moderada. Na Argentina, a instabilidade cumpriu um papel determinante na evolução das estruturas tributárias e nas burocracias públicas em geral.

Como assinalado, muitas das precondições que determinam a extração com representação nos jogos de barganha descritos na literatura não estiveram presentes na maior parte da América Latina. As pressões fiscais e militares foram bem menores, e a grande preocupação nacional recaiu sobre a integração ao mercado mundial. O nível de tributação era baixo, de modo que se recorreu a empréstimos para financiar a construção de portos e ferrovias (Centeno, 1997; Mazzuca, 2001, apud Mann 2002). Com isso, a história da região não se coaduna bem com o modelo de barganha de "representação por taxação". De acordo com Centeno (1997), os casos latino-americanos apontam para a existência de três pré-requisitos críticos para a construção do Estado nacional pela via da guerra. Primeiro, os Estados devem obrigatoriamente buscar meios internos, no intuito de enfrentar os desafios financeiros da guerra – em vez de pedir empréstimos às instituições financeiras internacionais. Segundo, devem ser adotados mecanismos administrativos adequados para administrar a explosão de receitas e gastos. Terceiro, o Estado central já deve ter soberania estabelecida sobre seu territótio e o apoio de um número suficiente de atores locais para tornar lucrativa a extração doméstica de receita. A segunda dessas precondições refere-se aos poderes de infra-estrutura do Estado – a capacidade do Estado de implementar efetivamente as decisões no seu território (Mann, 2002). Requer, também, que os Estados possuam uma infra-estrutura que penetre universalmente em toda a sociedade civil, de onde as elites políticas possam extrair os recursos, e que forneçam serviços a todos os cidadãos. Numa comparação entre os Estados latino-americanos e europeus clássicos, Mann argumenta que:

[...] os Estados modernos mais efetivos são aqueles cuja sociedade é suficientemente homogênea e igualitária para permitir o desenvolvimento de um senso comum de cidadania nacional. Isso permite que eles desenvolvam poderes de infra-estrutura efetivos para mobilizar recursos e promover o desenvolvimento. No longo prazo, esses Estados também se tornarão democráticos. Todavia, o inverso é mais claramente verdadeiro: apenas os Estados que dispõem de infra-estrutura eficiente podem se tornar democracias na íntegra. Os Estados-nação latino-americanos têm falhado consideravelmente nesse aspecto (Idem, p. 2).18 18 Para comparações sistemáticas da construção do Estado nos dois países, ver Merquior (1986) e Trindade (1986).

Essas conclusões são aplicáveis à Argentina e ao Brasil. Ambos os países têm sociedades desiguais, embora a desigualdade seja muito mais intensa no Brasil; ambos possuem instituições "fracas", embora sejam particularmente débeis na Argentina. Contudo, há diferenças importantes de infra-estrutura entre os dois países, os quais podem explicar por que o Brasil desenvolveu capacidades tributárias muito mais fortes.

Argentina

A discussão a respeito da evolução do federalismo argentino e de sua instabilidade política permite aprofundar a tese de que esses fatores são determinantes da baixa capacidade tributária do país. Na Argentina, a construção do Estado seguiu uma trajetória caracterizada por contestações. No século XIX foi marcada por conflitos armados interprovinciais, numa disputa entre "federalistas" e "unitaristas", pelo controle do país e da cidade de Buenos Aires. Após a revolução da independência em 1810, quatro tentativas de elaborar uma constituição nacional falharam. A Confederação foi criada em 1831, estabelecendo um pacto que se mostrou altamente instável. Com Rosas, o caudilho de Buenos Aires, os "unitaristas" conseguiram derrotar uma coalizão de províncias do interior do país. A derrota de Rosas, em 1852, conduziu à elaboração da Constituição de 1853, a qual a província de Buenos Aires se recusou a assinar (e elaborou sua própria constituição em 1854). Só em 1860 a resistência da província foi superada e Buenos Aires assinou a Constituição, com a condição de exercer o controle de sua alfândega, que gerava 80% das receitas do país. Em 1861, após a vitória do caudilho de Buenos Aires, Mitre, sobre as outras províncias, o país experimentou um forte processo de centralização e modernização (Oszlack, 1997, pp. 95-131). Mas esse interregno político durou pouco tempo. As mudanças institucionais introduzidas na Constituição de 1853 finalmente produziram efeitos, entre o quais, a criação de um Senado e da figura do presidente, ambos eleitos por colégios eleitorais dominados pelas províncias. Além disso, o sistema de representação escolhido foi caracterizado por uma distribuição legislativa extremamente desproporcional (conhecido na literatura como malapportionment) entre as províncias. Logo, vários políticos provinciais, organizados em instituições informais poderosas, como, por exemplo, a Liga de Los Governadores, surgiram como figuras centrais na arena política e conseguiram dominar a presidência. Isso foi acompanhado de uma extraordinária acumulação de riqueza no último quarto do século XIX, levando à rápida modernização do país.

Esse fato apontava o insucesso do processo de centralização conduzido por Buenos Aires, o que gerou intensas revoltas por parte da liderança dessa província, que se recusava a permitir a federalização de sua alfândega e das receitas do comércio. Em conseqüência, Buenos Aires foi sitiada e, finalmente, derrotada em 1880. Só então sua alfândega foi "federalizada", sua milícia, dissolvida, e sua receita, distribuída às outras províncias (Botana, 1993, pp. 237-239; Gibson e Falleti, 2004). O número de representantes políticos de Buenos Aires no Colégio Eleitoral, que escolhia o presidente, foi então reduzido para um terço. Seguiu-se um processo de dominação política provincial vis-à-vis Buenos Aires. Um avanço qualitativo importante desse período foi o fato de o conflito entre as províncias abrir caminho para a formação de uma autoridade política nacional distinta do poder hegemônico regional de Buenos Aires (Gibson e Falleti, 2004). Quanto ao federalismo fiscal, a Constituição de 1860 propiciou uma distribuição tributária relativamente clara. Em meados de 1880, muitos líderes provinciais descobriram que podiam evitar tal restrição orçamentária por meio do endividamento público. Os bancos provinciais logo tornaram-se a principal fonte das novas questões relacionadas ao papel-moeda (que normalmente excedia os depósitos em ouro dos bancos) e passaram a ser grandes "tomadores" de empréstimos no exterior. Essa situação insustentável gerou a crise de 1890 (Della Paolera e Taylor, 2003), inaugurando um padrão de bailouts (socorros financeiros) e relações federal-provinciais conflituosas que prevaleceram na Argentina durante toda a sua história.19 19 Conforme discutido por Iarvczower, Saiegh e Tommasi, isso deu origem à primeira mudança importante na distribuição efetiva de poderes tributários: "o governo nacional assumiu grande parte dos débitos que as províncias haviam contraído na década anterior. Em troca, as províncias foram obrigadas a renunciar ao controle de certas receitas e tributos locais" (1999, p. 17). A crise de 1890 gerou uma insurreição armada que derrubou o presidente Celman, em 1890, e levou à criação da União Cívica Radical.

Um novo estágio no processo formador das instituições políticas argentinas foi alcançado quando o sufrágio universal masculino foi instituído em 1912, o que possibilitou que a classe média e o partido urbano Radical chegassem à presidência, apesar da oposição conservadora da maioria das províncias. Essas tensões federalistas complexas e não resolvidas na formação do Estado argentino marcou o funcionamento das relações políticas e fiscais do país em todos os momentos. Entre 1853 e 1995, o governo federal "interveio" 131 vezes nas províncias, com uma média anual de 1,36 intervenções. Para se ter uma idéia, durante os anos em que o poder esteve em mãos do Partido Radical, de 1916 a 1930, ocorreram 33 intervenções federais. Essa prática continuou mesmo em períodos mais recentes (cf. Falleti, 2001, p. 43).20 20 Durante o governo Menem (1989-1995), houve quatro "intervenções", as quais implicaram mudança de liderança e/ou renúncia de autonomia fiscal e administrativa. Dois terços das intervenções foram implementadas por decreto, o restante, aprovado por lei. As intervenções federais21 21 Em 1893, a Corte Suprema decidiu que as intervenções federais tinham "natureza política" e não poderiam ser contestadas nos tribunais (Iariczower, Saiegh e Tommasi, 1999, p. 17). É interessante notar que, desde 1946, o tempo médio no cargo de juiz da Corte Suprema é de quatro anos. Em contrapartida, até aquela data, a média era de doze anos. Também a partir de 1946, devido aos golpes militares e aos subseqüentes processos de redemocratização, os presidentes indicaram todos os membros da Corte Suprema que ocuparam o cargo de juiz no período ( Idem, p. 19). e o recurso recorrente à fraude eleitoral nos anos de 1930 (conhecidos como a "década infame"), além de deslegitimar a democracia e a regra da lei, abriram caminho para o regime populista e o autoritarismo (Gallo e Alston, 2004). De acordo com estes autores, os cidadãos escolheram essas vias porque a outra alternativa se deslegitimara devido ao uso irrestrito da fraude eleitoral Os conflitos distributivos não encontravam uma arena institucional onde pudessem ser enfrentados. Isso veio à tona quando o bem-sucedido modelo anterior de exportação, baseado no trigo e no gado, deu lugar a uma economia urbano-industrial. Para financiar a industrialização, o regime peronista promoveu a transferência intersetorial de recursos – do setor agrário para o novo e bem protegido setor industrial. Peron iniciou um ataque aos interesses estabelecidos nas províncias do Pampa, ao mesmo tempo em que atendia os interesses das províncias menores não-exportadoras por meio de um esquema de partilha de receitas. Assim, era possível premiar o apoio das províncias periféricas e confrontar as elites exportadoras tradicionais.

O sistema de co-participação foi estabelecido em 1935 (leye de co-participación), fundamentado na centralização de receitas no âmbito federal e na distribuição da receita para as províncias através de regras semi-instituionalidas. Os estados delegaram ao governo federal a arrecadação de sua base tributária em troca do maior volume de recursos a serem gerados. A Lei autorizava o governo federal a utilizar as bases tributárias das províncias em troca da partilha de receitas arrecadadas.22 22 A distribuição primária, ou seja, entre o governo federal, as províncias e a municipalidade de Buenos Aires, foi fixada da seguinte forma: 82,5% para o governo federal e 17,5% para os demais entes. Vale lembrar que, antes da co-participação, as províncias e o governo federal tinham suas próprias fontes de receita (aquelas obtinham receita sobre o comércio exterior, enquanto o governo arrecadava impostos internos). "Assim, o governo federal e os entes subnacionais não tinham fortes incentivos, ou oportunidades, para enganarem uns aos outros" (Iaryczower, Saiegh, Tommasi, 1999, p. 16).

A criação desse mecanismo nos anos de 1930 e 1940 gerou importantes conseqüências de path dependency, mostrando-se extremamente instável. Isso porque as razões que levaram à delegação mudaram com o tempo. O governo começou a controlar os preços do trigo e da carne, com o estabelecimento de direitos de monopólio nas aquisições. Após cada aquisição, o governo vendia a maior parte do trigo no mercado internacional e usava o lucro para o financiamento dos gastos públicos, para a transferência de recursos às províncias menores, em troca de apoio político, e para subsidiar as indústrias (Gallo e Alston, 2004, p. 14).23 23 Conforme Gallo e Alston sugerem "Peron não apenas destinou suas políticas nos Pampas a punir os inimigos e ajudar os amigos, mas também precisava financiar as mudanças institucionais gerais na economia, ou seja, a nacionalização de muitos ativos e indústrias" (2004, p. 14). Além disso, a política governamental no período pós-guerra baseava-se numa moeda supervalorizada, o que penalizava os exportadores em detrimento dos interesses agrários exportadores. O grande poder que os proprietários de terra exerciam na sociedade veio a ser confrontado por uma coalizão de interesses urbano-industriais e sindicatos num contexto em que as instituições políticas eram incapazes de produzir quaisquer "ganhos de troca". Os esquemas de co-participação mostraram-se mecanismos extremamente instáveis.24 24 Em 1943, o governo federal descumpriu a regra pela primeira vez e começou a se apoderar dos aumentos na arrecadação do imposto de renda ( impuesto a los rétidos) (Porto, 2003, p. 15). Em 1946, quando o Congresso foi reaberto, uma lei nova mais abrangente foi aprovada, introduzindo critérios populacionais para a "distribuição secundária", ou seja, entre as províncias. A parcela das províncias na distribuição primária também cresceu de 17,5% para 21% ( Idem, p. 16). Nos anos de 1950, as leis da co-participação foram revistas quase anualmente. Durante os governos de Frondizi (1959-1962) e Illia (1962-1966), ocorreram batalhas legislativas entre as províncias e o governo federal (Eaton, 2001, p. 12).

Conforme sugerido por Gilson e Faletti (2004), as Intervenciones nas províncias, os esquemas de partilha de receitas (co-participação) – desde 1935 – e, em tempos de democracia, o colégio eleitoral foram o sustentáculo do sistema político argentino durante a maior parte do século XX. O Colégio Eleitoral era o mecanismo que assegurava que o controle do governo central não fosse inteiramente hegemônico. Como os governadores controlavam as assembléias legislativas no âmbito provincial, eles desempenhavam um papel fundamental na sobrevivência política do presidente. Ademais, até antes da emenda constitucional de 1994, que introduziu eleições diretas para o Senado, os governadores controlavam os senadores, que também eram eleitos pelas assembléias provinciais. O sistema, portanto, encontrava-se num equilíbrio instável entre as três instituições. O outro elemento crucial foi a representação desproporcional no Congresso. Segundo Samuels e Snyder (2001), a Argentina tem no Senado a representação mais desproporcional do mundo e o grau de desproporcionalidade no Congresso é cerca de 2,5 vezes maior que a média mundial.25 25 A esse respeito, ver também Gibson, Calvo e Faletti (2004).

Depois de 1930, o país tem se caracterizado pela extrema volatilidade das instituições e da ordem constitucional. A Constituição Nacional foi sancionada em 1853 e emendada em 1860, 1866, 1898, 1949, 1956, 1957, 1972 e 1994. As ditaduras militares, por sua vez, governaram o país nos períodos de 1930-1932, 1943-1946, 1955-1958, 1962-1963, 1966-1973 e 1976-1983 (Tommasi, 2002, p. 3). Entre 1955 e 1983, foi governada por dezesseis presidentes, o que dá uma média de permanência no poder inferior a dois anos. É surpreendente que a instabilidade também marcou os governos militares com a sucessão de golpes entre facções rivais. No âmbito subnacional, a instabilidade política também foi muito expressiva: entre 1900 e 1984, por exemplo, a província de Buenos Aires teve 74 governantes, o que dá uma média de pouco mais de um ano no cargo (Muni, 2003, p. 5). Num ranking de países segundo a volatilidade do índice de liberdade econômica publicado pelo Fraser Institute para o período de 1970 a 1999, a Argentina aparece como o sétimo caso mais volátil, e o Brasil, como o trigésimo primeiro, numa amostra de 106 países. Em 1970 e 2001, o Brasil teve a mesma pontuação (5,3) – o que sinaliza grande estabilidade!26 26 Ver o site http://www.freetheworld.com/2003/ 1EFW2003ch1.pdf. Segundo Tommasi (2002), muitas das interações políticas da Argentina fizeram parte de um jogo no qual a distância entre as preferências dos principais atores era grande e cada vez mais polarizada; na linguagem da teoria dos jogos, os atores descontavam o futuro a uma taxa elevada e as instituições políticas não propiciavam transações intertemporais. Esse jogo refletiu processos de path dependency profundamente enraizados, associados à formação das instituições políticas e ao sistema de crenças dos atores.

Figura 4


Note-se que a instabilidade passa a ser uma característica crônica a partir do período do pós-guerra. As taxas relativamente elevadas de crescimento do produto nesse período ocorreram em um quadro de crescente desequilíbrio fiscal. Essa profunda instabilidade política criou desincentivos para a construção de um aparato burocrático administrativo robusto e encorajou os governantes a financiar o déficit fiscal com recursos oriundos da senhoriagem. Eis a chave para o enigma da debilidade da burocracia pública na Argentina. A correlação negativa entre déficits fiscais e apropriação de imposto inflacionário pode ser aferida na Figura 5, que mostra como, em forte contraste com o período da primeira metade do século, do pós-guerra até a decretação do regime de conversibilidade na década de 1990, a Argentina sustentou déficits fiscais financiados parcialmente com o imposto inflacionário. Adiante, farei uma análise comparativa entre o comportamento dos dois países em relação a esse ponto específico.


Nesse contexto, a instabilidade também afetou o federalismo fiscal. Um padrão oscilante pode ser percebido nos arranjos de co-participação pelos quais o governo federal, durante os regimes militares, conseguiu concentrar recursos em detrimento das províncias. Inversamente, durante os regimes democráticos, as províncias levaram uma parcela maior da receita nacional. Esse padrão de conduta gerou movimentos oportunistas em todas as esferas no sentido de reverter os arranjos tributários anteriores. Como resultado final dessa interação criou-se uma grande rigidez no sistema, que gerou práticas fiscais perversas e impostos distorsivos. O retorno à democracia, em 1983, deu início a outro período extremamente instável de federalismo fiscal, que podemos denominar "federalismo predatório". Como será discutido a seguir, disso resultou o problema do common pool resource (CPR), que criou incentivos para as províncias não arrecadarem impostos, reduzindo, em conseqüência, a carga tributária geral.

Brasil

Dos três pré-requisitos citados por Centeno para a construção do Estado com ajuda da guerra (busca de recursos internos, capacidade administrativa e controle sobre o território), os dois últimos estavam de fato presentes no Brasil. Ao contrário do restante da América Latina, particularmente a Argentina, o Brasil obteve controle sobre seu vasto território após um período relativamente curto de insurreições provinciais nas décadas de 1830 e 1840. A "pacificação" do país foi alcançada no início da década de 1840. De acordo com Merquior (1986), o processo de construção do Estado no Brasil terminou após a Guerra do Paraguai, quando surge um exército nacional permanente bastante profissionalizado e se conclui o processo de centralização. O aparato administrativo, o sistema judicial e a força policial foram, então, radicalmente centralizados. A guerra foi, sem dúvida, fundamental para o surgimento de um ator estatal estratégico na política brasileira: os militares, que se tornaram atores centrais no movimento republicano.

Sendo a única monarquia das Américas, o Brasil viveu um longo e incomum período de estabilidade política, tornando-se um reino unitário e centralizado – apesar do vasto território – durante a maior parte do século XIX. Uma elite administrativa nacional foi formada como resultado da prática estabelecida, a qual requeria que os presidentes das províncias (equivalentes aos atuais governadores dos estados) e outros burocratas importantes circulassem pelo Brasil, evitando que criassem uma identificação forte com suas respectivas localidades.27 27 Há casos de indivíduos que ocuparam o posto de presidente de província (governador) em até quatro diferentes províncias, localizadas em diversas regiões do país (Tapajos, 1969). Segundo Carvalho (1975), essa elite foi única na América Latina por sua unidade e homogeneidade. A estabilidade política e a unidade territorial foram possibilitadas, também, pela mudança da coroa portuguesa para o Brasil durante a invasão e a ocupação de Portugal por Napoleão. A Constituição de 1824 foi aprovada sem grandes confrontos. Um sistema político altamente oligárquico emergiu, ancorado num sistema bi-partidário, constituído pelo Partido Liberal e Partido Conservador. O Brasil tornou-se uma república federal em 1891, abrindo caminho para um longo período de descentralização política, no qual os governadores usufruíam de grande poder, até a Revolução de 1930. A despeito de fraudes eleitorais recorrentes, houve eleições ininterruptas de 1822 a 1930, com exceção apenas dos anos da criação da República.28 28 Na década de 1880, a tributação já era bastante centralizada no âmbito nacional, que contava com quase 80% da receita pública e 70% de todos os empregados públicos, mas era, todavia, bastante dependente do comércio exterior, particularmente do porto da província do Rio de Janeiro (e não de fontes internas, como na Europa). Ao contrário de Buenos Aires, a província do Rio de Janeiro foi o bastião do processo de centralização (Carvalho 1993, p. 65).

O processo de construção do Estado sofreu um revés após a descentralização ditada pela Constituição Republicana de 1891. As elites provinciais readquiriram grande parte do poder que tinham antes de 1850, mas não havia no Brasil nada semelhante à Liga dos Governadores, nem conflitos sobre receitas de comércio envolvendo a esfera federal e a provincial, ou entre as próprias províncias. O processo de expansão da capacidade do Estado central foi acelerado durante o chamado período Vargas (1930-1945). Durante a República Velha, também conhecida como a República dos Governadores, o país passou por conflitos semelhantes aos ocorridos na Argentina, como, por exemplo, as intervenções federais nas províncias. Após o famoso pacto elaborado pelo presidente Campos Sales (1898-1992), um compromisso mediante o qual o governo federal redistribuiria recursos e apoiaria os estados menores em troca de apoio legislativo, os estados produtores de café – Minas Gerais e São Paulo –, por meio de alianças que se alternavam com os estados do Rio Grande do Sul, Pernambuco e Bahia, conseguiram se revezar na presidência. Na verdade, muitos dos conflitos nesse período giraram em torno do papel do governo federal no apoio ao setor cafeeiro e na socialização dos custos durante os períodos de superprodução ou de queda na demanda. Esse equilíbrio instável terminou com as mudanças econômicas e sociais dos anos de 1920 e, em especial, com o advento da crise internacional do final daquela década.

A evolução do federalismo fiscal brasileiro difere radicalmente do da Argentina. Não se estabeleceu sistema algum de partilha de receitas pelo qual os estados delegassem arrecadação tributária ao governo central. Mesmo no período pós-guerra, quando a taxação do consumo se tornou relevante, os estados não delegaram ao centro o poder de arrecadar impostos sobre o consumo ou as vendas. Em vez disso, retiveram para si os poderes tributários. Como em qualquer outro lugar na América Latina, a tributação antes da década de 1930 estava restrita ao comércio exterior, em particular às tarifas de importação, que respondiam pela maior parte da receita tributária federal. As tarifas sobre a importação têm sido até hoje prerrogativa federal, embora tenham também decrescido no transcorrer do século XX. A trajetória do imposto sobre o comércio exterior reflete o declínio contínuo de sua relevância como receita (Varsano, 1996), a despeito de ter sido o imposto mais importante até 1934, representando quase metade da renda federal nas décadas antecedentes.29 29 O imposto de renda, adotado em 1926, expandiu-se durante a Segunda Guerra Mundial, quando se tornou o imposto federal mais importante, seguido imediatamente pelo imposto sobre o consumo. Contudo quase 2/3 dele são cobrados sobre a renda de pessoa jurídica, o que representa aproximadamente 4% do PIB. A taxação da propriedade rural esteve nas mãos dos estados até 1964, quando os militares finalmente a transferiram para o governo federal. Só no último quarto do século XX, os impostos sobre a propriedade urbana e rural atingiram níveis significativos, porém modestos (exceto nas grandes cidades). A mesma inabilidade, ou falta de vontade, em tributar a propriedade pode ser observada na taxação da renda. Cf. Ferreira (1986).

Como na Argentina, as instituições federais brasileiras criaram incentivos para o jogo redistributivo entre as elites provinciais e o centro, o que ajuda a explicar muito da instabilidade institucional no país. Porém, como será discutido adiante, há diferenças significativas na estrutura de incentivos nos dois países. Em ambos, o Estado interveio nas províncias, mas no Brasil isso se restringiu às primeiras décadas do século XX. Apesar da representação desproporcional no Congresso brasileiro, que é comparável à da Argentina, o poder central no Brasil tem sido muito menos dependente, vis-à-vis os governos subnacionais (resultado da existência dos colégios eleitorais). Os presidentes e os senadores eram eleitos pelo voto direto – e tem sido assim em períodos democráticos. Os governadores (ou chefes de partido), por sua vez, não controlam a seleção dos candidatos para o Legislativo, como fazem na Argentina. O Brasil adota a representação proporcional em lista aberta, ao invés da lista fechada utilizada na Argentina, o que garante muito mais independência aos legisladores em relação aos governadores e aos líderes dos partidos, e que, combinado com o presidencialismo, produz fragmentação partidária. Como será discutido na próxima seção, em razão do significativo poder presidencial no Brasil (pelo menos após 1988), os presidentes detêm controle sobre o legislativo (Alston et al., 2004).

Por volta de 1960, a carga tributária brasileira caiu para 14% do PIB, o que representou um estrangulamento significativo para a industrialização. A reforma tributária do início dos anos de 1960 foi celebrada por seus aspectos inovadores e pelo impacto fiscal. O Brasil foi um dos primeiros países do mundo – senão o primeiro – a introduzir o imposto sobre valor adicionado (IVA).30 30 De acordo com Shoup, "o primeiro país a introduzir o IVA de forma abrangente foi o Brasil" (1990, p. 4). O imposto foi discutido na França e em alguns países da OECD, mas só depois foi adotado por esses países – na Dinamarca, foi introduzido em 1967, na França e na Alemanha, em 1968, na Suécia, em 1969, e na Noruega, em 1970. Ver também a esse respeito, Guerard (1972). O resultante aumento da receita tributária foi substancial. A carga tributária como percentual do PIB dobrou em sete anos, subindo para 26% em 1971 (ver Figura 1). Como será visto adiante, isso gerou conseqüências de path dependency importantes. Note-se que a grande diferença das cargas tributárias do Brasil e da Argentina começou a aumentar a partir dessa década.

Apesar de, no Brasil, os governantes não terem se engajado no jogo de tributação com representação e as instituições políticas serem débeis, o processo de construção e formação das principais burocracias (forças armadas, relações internacionais, administração da economia etc.) no século XIX propiciou a base para a subseqüente expansão das capacidades gerais do Estado e para a legitimidade da intervenção estatal em geral. A estabilidade política contribuiu de forma fundamental para isso. A fixação das tarifas para a proteção da indústria doméstica no início do século XIX e o celebrado keynesianismo avant la lettre, que o Estado brasileiro buscou na administração da economia cafeeira nas primeiras décadas do século XX, constituem exemplos do aumento da capacidade estatal. A grande transformação a esse respeito ocorreu durante a primeira Era Vargas (1930-1945), quando a industrialização, liderada pelo Estado com base no mercado interno, produziu uma rápida modernização econômica. Conforme discutido anteriormente, iniciou-se a expansão da base fiscal do Estado e a criação de burocracias meritocráticas insuladas na esfera nacional, particularmente na administração econômica e fiscal (Geddes, 1994). Ao contrário da Argentina, as instituições do federalismo eram mais estáveis, os interesses das elites do café e dos setores urbanos ligados à industria fundiram-se, e as elites estabelecidas não foram confrontadas de forma direta. As altas taxas de crescimento do Brasil com a industrialização baseada na substituição de importações ajudou a legitimar a intervenção do Estado e aprofundar a capacidade extrativa do país.

O Brasil foi considerado, então, o paradigma de Estado desenvolvimentista – a economia que mais rapidamente cresceu no mundo no período de 1900 a 1973, com taxas de crescimento que atingiram uma média anual de 6,9 entre 1946 e 1973 (Maddison, 2001) (ver Figura 1). As taxas de crescimento da Argentina também foram relativamente altas, mas o país experimentou na prática um processo sem paralelo de perda de renda, considerando-se que, na década de 1930, era o décimo país mais rico do mundo (ver Figura 2). As interações políticas converteram-se num jogo de culpabilização recíproca que gerou uma forte polarização. E sabemos que a combinação de preferências polarizadas e instituições fracas produz um ambiente institucional propício ao oportunismo e no qual é impossível a ocorrência de transações políticas intertemporais (Spiller e Tomasi, no prelo). Como já assinalei, a instabilidade política foi sem dúvida muito maior naquele país. Entre 1956 e 1983, a Argentina experimentou dezoito anos de regime militar e dez anos de governo civil. Os presidentes passaram menos de dois anos no cargo. Além disso, o país testemunhou oito golpes militares no período.31 31 Só durante os anos de Frondizi, houve 35 tentativas de derrubar o governo. O Brasil, ao contrário, experimentou menos instabilidade num longo período de regime militar (1964-1985), parte do que se atribui a um regime mais liberalizado, no qual ocorriam eleições para o Congresso, embora os governadores fossem eleitos indiretamente pelos colégios eleitorais, dominados pelo regime.

Figura 6


Figura 7


Essa narrativa analítica sobre processo histórico da construção das capacidades do Estado no Brasil e na Argentina ajuda a esclarecer por que o Estado brasileiro tem maior poder infra-estrutural (no sentido que Mann dá ao conceito), quais as causas dos níveis razoáveis de legitimidade gozados pelo Estado após a Segunda Guerra Mundial e por que o papel do Estado na Argentina foi muito mais contestado em termos comparativos (Sikkink, 1991). Além do mais, a análise mostra como a evolução do federalismo diferiu nos dois países, provocando na Argentina uma maior instabilidade com repercussões sobre o sistema tributário.

Os efeitos da maior estabilidade política sobre a tributação se fizeram sentir na década de 1960, quando os governos militares promoveram uma modernização importante do Estado brasileiro, com forte repercussão na administração tributária. A burocracia que se forjou nesse contexto apresenta características weberianas, em forte contraste com a da Argentina. Na tipologia de Evans e Rauch (1999), sobre níveis de weberianess o Brasil obteve um score de 7.6, muito superior ao da Argentina, de 3.8.32 32 Os dados referem-se ao período de 1993 a 1996, quando a Argentina já estava no regime de conversibilidade e o Brasil encontrava-se em plena crise econômica. Provavelmente o hiato entre os dois países seria maior se os dados tivessem sido coletados em anos anteriores. Weberianess é definido pelos autores como um indicador sintético do uso de critérios meritocráticos no recrutamento de burocracias, para saber em que medida o setor público oferece carreiras de longo prazo bem estruturadas. A opção do Brasil foi claramente no sentido de optar pela expansão da carga tributária no final da década de 1960, o que impeliu o país a introduzir de forma pioneira um imposto de valor adicionado e de expandir significativamente o imposto de renda na década seguinte. Como pode visto na Figura 8 e na Tabela 1, o imposto inflacionário foi muito mais elevado na Argentina em comparação com o Brasil.


Figura 9


Democracia e reforma tributária na Argentina e no Brasil

Como explicar a relativa incapacidade da Argentina em reformar seu sistema tributário no período pós-democratização? Como explicar também o relativo sucesso do Brasil em implementar tais reformas? Antes de explorar analiticamente estas questões, duas considerações devem ser feitas. Embora o Brasil tenha tido sucesso em implementar algumas das reformas de sua agenda na década de 1990, o país não tem tido êxito em mudar a taxação do consumo, com repercussões extremamente danosas para a racionalidade e a eficiência do sistema tributário. Permanecemos presos a um equilíbrio sub-ótimo. Em segundo lugar, embora o resultado líquido das reformas na Argentina ter sido negativo, o país, no primeiro governo Menem, logrou modernizar o sistema tributário. A resposta, portanto, deve contemplar também estes aspectos. Desde já, pode-se dizer que a instabilidade política e o federalismo foram fatores preponderantes. As instituições políticas, os legados institucionais e as características intrínsecas à taxação como questão temática ajudam a explicar muita das características das reformas tributárias sob o regime democrático nos dois países. No Brasil o fator preponderante foi a mudança constitucional radical ocorrida em 1988, que enrijeceu (locked in) o gasto público em uma trajetória do gastos crescentes. A Argentina, por sua vez, não experimentou uma mudança institucional desse tipo. Em vez de aprovar uma nova constituição, em um processo complexo, a Argentina optou pela restauração da constituição de 1853, que foi alterada em dispositivos pontuais (embora de grande importância, como a eleição direta para presidente). Grande parte do aumento da carga tributária no Brasil pós-1988 foi resultado de path dependency, criada pela nova Constituição.

A Argentina e o Brasil adotaram governos civis em 1983 e 1985, respectivamente, mas a transição para a democracia seguiu padrões bastante diferentes. A transição sob acordo no Brasil – com início durante a administração de Geisel (1975-1979) – foi um processo prolongado, marcado pela barganha entre as elites. Em contrapartida, a "transição por colapso" de regime na Argentina caracterizou-se por uma ruptura com o passado, iniciando com a guerra das Malvinas, em 1982. As reformas de mercado precederam a democratização do país, enquanto no Brasil a estabilização da economia, a privatização e a liberalização do mercado ocorreram após a mudança para o governo civil, com o Estado já totalmente democratizado.

Argentina

Na Argentina, a principal questão fiscal após a transição para o governo civil foi o fim do sistema relativamente estável introduzido pelos militares, que estabelecia o conjunto de regras disciplinadoras da repartição da receita entre as províncias e o governo federal. Como já assinalado, a Argentina é um caso extremo de desequilíbrio fiscal vertical33 33 O desequilíbrio vertical é medido pela razão entre as transferências intergovernamentais oriundas do governo central, inclusive a partilha de tributos, e as receitas totais (as próprias e as transferidas) no âmbito subnacional. Os problemas associados a esse desequilíbrio resultam das competências tributárias dos entes federativos, dos incentivos resultantes de tais competências e do jogo fiscal no âmbito federal, além dos esforços de obtenção de receita exercidos pelas autoridades provinciais e nacionais tendo em vista estes incentivos (Tommasi, 2002, p. 8). (ver Tabela 2). O governo federal responde por cerca de 60% do gasto provincial; as receitas das províncias e dos municípios constituem 4,5% do PIB e as transferências de co-participação recebidas equivalem a 8% do PIB. Em contraste, no Brasil, aqueles entes arrecadam o equivalente a 9% do PIB, enquanto as transferências constituem 3% do PIB (Villela, 2003).

De acordo com a última Ley de Coparticipacion dos governos militares,34 34 Lei n. 20.221, de 1973. 50% da receita foram destinados ao governo federal e 50%, distribuídos entre as províncias (com regras adicionais para as transferências aos municípios). A lei que estabelecia tal sistema de partilha de receitas expirou com a queda do governo militar, em 1983. Durante a administração de Alfonsin, o governo federal passou a distribuir recursos na base de acordos bilaterais com os governadores (Tommasi, Saiegh e Sanguineti, 2001; Tommasi, 2002; Eaton, 2002). Isto se degenerou num sistema pelo qual os governadores passaram a ter um comportamento predatório em relação ao governo central. Mais uma vez o imposto inflacionário estava no centro da questão. Os ganhos do tesouro com senhoriagem passaram a ser distribuídos às províncias na forma de Adiantamentos do Tesouro Nacional (ATNs). Foi só depois da aprovação da nova lei de co-participação, em 1988, quando o país estava à beira de uma hiperinflação, que as transferências automáticas e baseadas em regras foram restabelecidas (Nicolini et al., 2000). Contudo, a crise fiscal do final da década de 1980 foi dramática na esfera provincial, levando o governo a nacionalizar os sistemas de pensão das províncias. Para tanto, o governo federal conseguiu reter 15% das receitas de co-participação, tendo, porém, que fazer concessões bem definidas, na forma de transferências fixas (ao contrário do Brasil, onde, como será discutido posteriormente, tais retenções – FEF e DRU – foram simplesmente impostas aos governos subnacionais).

As instituições descritas acima foram os fundamentos sob os quais se estruturou o jogo federativo. O colégio eleitoral tornou os presidentes dependentes dos governadores para sua sobrevivência política. A eleição indireta para senadores prevaleceu até 1994, com o conseqüente efeito sobre o controle local daqueles. Esses dois mecanismos constituíram as forças centrífugas do sistema político, tendo sido capazes de anular forças associadas à coesão partidária na Argentina. A dependência se dava pelo fato de que as pequenas províncias eram super-representadas no Senado, além de serem controladas pelos grupos peronistas do Partido Justicialista. O controle das assembléias locais, exercido pelos governadores, era propiciado pela legislação eleitoral baseada na representação proporcional de lista fechada. O poder do presidente não era forte o bastante para assegurar a preponderância das preferências do Executivo (como ocorre no Brasil). Assim, a agenda legislativa do governo nacional dependia das elites políticas das províncias, ao passo que estas dependiam do centro para sua viabilidade financeira.

A crise fiscal tornou-se muito mais severa em virtude da base tributária ineficiente e consideravelmente estreita que o país herdou do período da industrialização por substituição de importações e por causa das altas taxas de evasão fiscal. Para obter receita, o governo Menem (1989-1998) propôs uma reforma tributária cuja peça central foi um novo IVA, e que incluía também a redução das faixas tributárias, a diminuição das alíquotas marginais superiores e a simplificação do sistema. Até 1988, o IVA não era considerado um imposto muito importante. O imposto só foi adotado pelos militares depois de prolongadas discussões. Ao contrário do caso brasileiro, essa falta de policy entrepreneuralism foi gerada pela aversão ao risco. Segundo Schenone, "essa relutância em realizar mudanças drásticas e a preocupação com a redução das receitas durante a transição podem explicar por que se levou tanto tempo para adotar o IVA" (1991, p. 115). A instabilidade foi crucial nessa postergação, pois o horizonte temporal do cálculo político dos dirigentes se limitava ao curto prazo. O IVA foi introduzido em 1975 para substituir um imposto sobre o movimento total de vendas. Todavia, em meados dos anos de 1980, ele representava (excluindo-se a previdência social) somente 18% da carga tributária de 14% do PIB. No início da década seguinte, foi proposta a revisão do IVA, com a expansão do número de setores abrangidos e o aumento da alíquota. Menem conseguiu aprovar a maior parte de seu pacote de reformas, recorrendo aos Decretos Necessários e Urgentes, mas também se engajando em diversos acordos – uma série de Pactos Fiscales – com os legisladores provinciais, mediante os quais recebia apoio em troca de concessões. Menem desenvolveu uma estratégia seqüencial bem-sucedida de reforma tributária e de renegociação da partilha de impostos, de forma que fosse obtido, primeiro, a aprovação do alargamento da base tributária, depois o incremento gradual das alíquotas e só então a renegociação da partilha de tributos (Eaton, 2002). Nesse contexto, foram criadas isenções que acabaram por erodir mais ainda a consistência do sistema tributário (Idem). Um exemplo disso ocorreu durante as negociações em torno da eliminação do imposto provincial, altamente ineficiente, sobre o faturamento bruto. O governo federal terminou por introduzir alíquotas diferentes para a folha de pagamento de cada província, com o propósito declarado de reduzir o desemprego (Tommasi, 2002). Nas palavras de Schwartz e Liukila:

A segunda reforma fiscal claramente demonstra a negociação que envolve a implementação de reformas estruturais do sistema do federalismo fiscal [...] embora tenha ocorrido às expensas de transformar os impostos sobre a folha de pagamento em instrumentos explícitos de políticas regionais e setoriais e contribuir para o crescimento do déficit da previdência social (apud Tommasi, 2002, p. 35).

Nos sucessivos pactos para as reformas provinciais dos anos de 1990, sob o governo de De La Rua, a inabilidade do governo federal em firmar compromissos críveis o levou a oferecer valores fixos de transferências, o que se mostrou impossível de ser honrado por causa do déficit fiscal crescente.

O histórico de bailouts recorrentes das províncias pelo governo federal nesse período desgastou ainda mais a já residual credibilidade das instituições fiscais, além de os atores envolvidos não mais poderem firmar compromissos críveis no sentido de resolver os sérios problemas de coordenação. A base da receita nacional enfrentou o problema da "tragédia dos comuns", resultante da ausência de mecanismos de enforcement das regras (Tommasi, 2002; Nicolini et al., 2000). As iniciativas fiscais foram marcadas por grande volatilidade. A solução que veio finalmente a ser adotada para a crise fiscal foi extrema: o Plano de Convertibilidade (2001), que eliminou a capacidade de o Banco Central financiar o Tesouro. Ao estabelecer a formação de um conselho de moeda, a Lei de Convertibilidade de março de 1991 extinguiu o financiamento inflacionário dos déficits do setor público pelo Banco Central. Antes desse período, o governo federal conseguia acomodar a expansão dos gastos provinciais com o financiamento inflacionário, mas em 1991 isso não era mais possível. Esse mecanismo radical de enforcement das regras fiscais, usado para resolver o problema, mostrou-se insustentável. A história do período Menem foi caracterizada por medidas que enrijeceram ainda mais o sistema institucional, dada a ausência de compromissos críveis para as transações políticas. Isto produziu rigidez e reduziu a capacidade do sistema de se adaptar e/ou instituir arranjos políticos capazes de self-enforcement.

Vale lembrar que, antes de Menem, os governos recorriam primeiramente ao imposto inflacionário como fonte de financiamento. Como já discutido (cf. Figura 8 e Tabela 1), nos anos de 1970 e 1980, na Argentina, o imposto inflacionário, medido como percentual do PIB, era consistentemente mais alto do que no Brasil. Durante todo aquele período, esse percentual foi equivalente a, no mínimo, o dobro do observado no Brasil. Foi apenas durante o governo Menem que uma série de iniciativas importantes (muitas das quais, todavia, falharam) foi implementada para restaurar o sistema tributário. Essas medidas foram tomadas quando Menem conseguiu aprovar a emenda de reeleição, reduzindo com isso o nível de instabilidade do país (o que é consistente com o argumento desenvolvido por Cukierman, Edwards e Tabellini). O trade off entre imposto inflacionário e construção de capacidade tributária foi resolvido no primeiro governo Menem em favor desta última opção. Isto ocorreu devido ao alargamento do horizonte temporal do cálculo político do presidente em virtude da possibilidade de reeleição e também do ambiente macroeconômico estável no curto prazo que por sua vez foi criado pela convertibilidade. Ao optar por este último recurso, Menem eliminou a possibilidade do financiamento inflacionário. Só restava a Menen a modernização tributária e o ajuste fiscal. O primeiro malogrou em virtude das dificuldades em impor disciplina fiscal no plano subnacional. Bird assinalou com razão que "quando Menem foi eleito a situação tinha chegado a tal ponto que mesmo a arraigada preferência dos argentinos por pagar imposto inflacionário em vez de impostos normais havia se arrefecido o bastante para pôr a questão da reforma na agenda" (1992, p. 20).

A administração tributária era uma área que combinava alta volatilidade com medidas dramáticas, embora se tratasse de remédios de curto prazo para problemas crônicos. Historicamente, a administração caracterizava-se por baixos níveis de profissionalização, e o sistema tributário, por alíquotas múltiplas sobre várias atividades, além de mudanças contínuas na base tributária e da concessão de créditos raramente fiscalizados. O IVA, que havia sido introduzido para promover o desenvolvimento econômico, tornou-se um instrumento de enfraquecimento do Estado, pois o sistema de incentivos passou a ser uma espécie de "queijo suíço" (Bergman, 2003, p. 603). Os problemas que afetavam essa área foram exacerbados por conta da alta rotatividade do escalão superior e da grande politização ocorrida nos anos de 1980. Menem engajou-se num programa abrangente de modernização com foco nas reformas tributárias, o que incluiu a reestruturação da agência tributária (Dirección General Impositiva – DGI) e a nomeação de um ex-diretor do FMI para dirigi-la.35 35 Em 1989, o Banco Mundial descreveu o DGI como "uma das mais respeitadas agências do governo vinte anos atrás. Era conhecida pelo alto nível técnico e auto-estima. A erosão da DGI como instituição só tem paralelo na própria degradação do sistema tributário. Ela é simultaneamente produto da precária legislação e administração que levou o sistema ao colapso" (World Bank, 1990, p. 53). Deu início, também, a uma série de medidas populistas, muito divulgadas, para controlar a corrupção e a evasão fiscal.36 36 Quaisquer transações financeiras que excediam 10 mil pesos tinham que ser feitas em cheque. Além disso, Menen criou um imposto sobre bens como iates etc. Contudo, tal esforço durou pouco tempo (Idem, pp. 603-604). De acordo com Bergman, diversos fatores se combinaram para o malogro da reforma:

[...] a dependência estrutural da DGI, em relação à elite política e ao Ministério das Finanças, e as resistências institucionais dentro da organização, somadas aos graves erros políticos e administrativos, interromperam o esforço para modernizar e transformar a DGI numa administração efetiva, o que gerou um fraco poder de intimidação quanto as fraudes (Idem, p. 609).

Esse autor descarta o desaquecimento econômico e o ciclo político como fatores que explicam por que a reforma tributária foi interrompida,37 37 A esse respeito, ver também Berensztein (1995) e Bergman (2004). mostrando que isso se relaciona tanto à falta de autonomia da administração tributária, como a um sistema de crenças baseado na desconfiança.

Na Figura 7, pode-se observar que a produtividade do IVA na Argentina foi quase oito vezes menor que a no Brasil entre 1988 e 1991. A taxa efetiva de arrecadação do IVA (como proporção da demanda doméstica, ou seja, o PIB menos exportações e mais importações) são bem menores do que as alíquotas nominais, devido à exclusão de muitos bens e serviços finais da base tributária e aos graves problemas de administração e supervisão. A partir de 1992 a produtividade do IVA elevou-se significativamente, tendo duplicado entre 1991 e 1993! Essa melhoria no desempenho, no entanto, manteve-se estável em um nível ainda muito baixo comparado com o Brasil (cerca de metade da produtividade do IVA neste país). Isto mostra que a estabilidade lograda durante a conversibilidade deixou suas marcas.

Em suma, o caso da Argentina fornece um exemplo clássico de como a instabilidade política afeta as escolhas estratégicas dos governos em relação ao sistema tributário, ilustrando, pois, a aplicabilidade do argumento proposto por Cukierman, Edwards e Tabellini (1989). Os governos sistematicamente "transferem a conta" para governos futuros (Della Paolera, Irigoin e Bozzoli, 2003). Salienta, também, como isso se somou às dificuldades de estabelecer um contexto estável para as transações políticas intertemporais nas relações entre as províncias e o governo federal.

Brasil

Os legados dos governos militares no Brasil e na Argentina diferem em vários aspectos. O Estado brasileiro enfrentou uma séria crise fiscal nos anos de 1980, mas dispôs de uma capacidade institucional e extrativa bem superior à da Argentina. O Brasil tinha expandido significativamente sua base tributária com as reformas implementadas pelos governos militares (ver Figura 1). A volta à democracia produziu mudanças importantes no cenário fiscal em relação à estrutura do federalismo fiscal dos dois países. No Brasil, elas foram encapsuladas na Constituição de 1988, que levou à descentralização fiscal do país, aumentando a parcela dos municípios e dos estados na receita total. Além de conceder mais recursos, permitiu, também, que os estados fixassem alíquotas diferentes para o ICMS. Numa situação de soft budget constraint (fraco constrangimento orçamentário), isso levou os estados a se engajar em guerras fiscais, comprimindo a receita tributária total.

A Constituição foi escrita sob circunstâncias únicas e excepcionais. Na prática, o Executivo não desempenhou papel algum durante o processo de elaboração, ao contrário de atores subnacionais, especialmente os governadores, que tiveram uma participação efetiva. O fato de as primeiras eleições diretas do período de transição, em 1982, terem ocorrido para eleger governadores, garantiu-lhes uma grande legitimidade, a ponto de se tornarem os guardiões do novo regime, negociando ativamente a transição com os militares. O processo de elaboração da Constituição foi, portanto, marcado pela forte influência dos interesses subnacionais.

Conforme Alston et al., (2004), o jogo fiscal dos anos de 1990 refletiu, em grande medida, as reações do governo federal a esse estado de coisas. O executivo federal reagiu também ao novo federalismo fiscal, recorrendo a uma dupla estratégia. A primeira – que envolveu a linha de menor resistência – foi arrecadar tributos não compartilhados (as chamadas contribuições sociais: Cofins, CPMF, entre outras); uma parcela significativa do aumento de 10% na razão impostos/PIB entre 1992 e 2002 foi devida a aumentos nas alíquotas das contribuições sociais (cf. Alston et al., 2005; Melo, 2004). De forma semelhante ao que aconteceu na Argentina, as formas de tributação causadoras de grande distorção vieram a representar metade da receita tributária federal. Por serem tributos em cascata, as contribuições sociais, em muitos casos, exploram bases tributárias similares. Em suma, a rigidez imposta pela Constituição levou o governo federal a recorrer a um sistema tributário cada vez mais ineficiente. Deve ser enfatizado, todavia, que as instituições do federalismo fiscal no Brasil não têm gerado os mesmos problemas extremos de common pool observados na Argentina.

A segunda estratégia requeria mudanças na Constituição, com a retenção dos fundos exigidos para a distribuição entre os governos subnacionais. Várias foram as tentativas bem-sucedidas do Executivo em responder à situação criada pela Constituição (por exemplo, Fundo Social de Emergência – FSE; Fundo de Estabilização Fiscal – FEF; e Desvinculação dos Recursos daUnião – DRU) e à rigidez associada a fatores causais independentes. Isso também aconteceu na Argentina, embora no Brasil não tenha envolvido concessões importantes da parte do Executivo federal. A Constituição deve ser vista como o ponto de partida de um novo jogo fiscal por ter criado rigidez no gasto, conseqüência da aprovação de novos direitos sociais, sobretudo previdenciários, e da nova partilha de competências e receitas. Após a sua promulgação, houve uma reação do Executivo. As mudanças descritas refletem a capacidade do Executivo de impor sua agenda, embora não necessariamente para resolver os problemas fiscais e orçamentários. É necessário distinguir duas fases na evolução das relações entre o Executivo federal e os governadores. A primeira foi transitória e marcada por regras do jogo político não completamente institucionalizadas. Nesse período, entre 1985 e 1993, os governadores derivaram poder em virtude do papel que desempenharam na transição democrática. A segunda fase correspondeu ao governo FHC, quando as novas regras constitucionais do jogo estavam em vigor.

O poder dos governadores está ancorado em duas fontes. Em primeiro lugar, a grande influência que exerceram nos anos de 1980 decorreu do papel que desempenharam na transição democrática. Esses atores tendem a exercer alguma influência – embora em declínio – no comportamento dos deputados federais e dos senadores no Congresso (Cheibub, Figueiredo e Limongi, 2002). Podem, inclusive, influenciar a carreira eleitoral dos legisladores no âmbito estadual, mas, ao contrário da Argentina, não desempenham papel direto na eleição de senadores e presidentes. Em segundo, a Constituição brasileira garante aos estados substanciais poderes de tributar. A versão brasileira do imposto sobre o valor agregado – ICMS – é arrecadada pelos estados e representa o mais importante tributo do Brasil, sendo responsável por 1/3 de toda a receita tributária do país (exclusive receita previdenciária). Além disso, a fonte institucional de poder estadual também tem a ver com a prerrogativa dos estados de possuírem bancos e empresas públicas. Embora o padrão de negociação entre o governo federal e os governadores na Argentina apresente algumas similaridades com o do Brasil (Treisman, 2004) – especialmente em relação ao uso de incentivos nas reformas – aqui não ocorreu nada parecido com a sucessão de pactos fiscales em 1992, 1993, 1999 e 2000, e as concessões ali envolvidas.38 38 Essas concessões geraram, posteriormente, custos consideráveis. O governo federal conseguiu impor a privatização dos bancos e das empresas públicas, reduzindo, com isso, drasticamente o poder dos governadores, devido aos problemas fiscais enfrentados pelos estados após a estabilização monetária. Com a inflação sob controle, os bancos estaduais perderam sua principal fonte de receita (ou seja, o floating dos ativos financeiros). Por outro lado, o aumento da taxa de juros causou uma rápida deterioração da situação fiscal dos estados. O Plano Real representou, portanto, um choque exógeno que reduziu a capacidade dos estados em resistir às preferências do Executivo federal. O governo implementou um programa com o objetivo de renegociar as dívidas dos estados, que incluiu o swap de dívidas sob condições favoráveis e associadas a uma série de condicionalidades. Antes de 1994, havia incentivos perversos no federalismo fiscal brasileiro que encorajavam os estados a se comportar de forma financeiramente irresponsável. Isso pode ser observado na história dos diversos bail outs de governos subnacionais no período. Em suma, embora seja clara a importância do "federalismo" e do papel desempenhado pelos governadores, o Executivo conseguiu implementar seu programa ao recentralizar o jogo político durante a maior parte da última década. Isto se deu, também, por causa da aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal, em 2000, que afetou adversamente os governadores)39 39 Note-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal argentina não é compulsória no âmbito nacional. Cabe a cada província aderir ou não à Lei. e da adoção de medidas conducentes à recentralização do país. Segundo Alston et al., (2004), Fernando Henrique Cardoso foi capaz de impor suas preferências porque podia trocar recursos federais (adiantamentos de leilões futuros; federalização de dívida etc.) em troca de reformas fiscais, inclusive com a privatização de bancos e ativos estaduais; porque teve poderes para a implementação de sua agenda e outras prerrogativas legislativas; e, com a aprovação da emenda de reeleição, que fortaleceu também os governadores, teve a possibilidade de estender seus mandatos, introduziu um elemento de self-enforcement no jogo fiscal. Sem a emenda de reeleição, os governadores teriam incentivos para exacerbar o common pool problem, transferindo o problema fiscal para os governadores posteriores. Além disso, devido ao impacto devastador da hiperinflação em meados dos anos de 1990, as políticas do presidente eram vistas como favoráveis por grande parte da opinião pública, que havia se tornado bastante intolerante à inflação.

Em que pesem os sucessos na implementação de sua agenda, o governo FHC, todavia, não implementou uma reforma tributária abrangente. Em 1995, apresentou uma emenda constitucional relativa no campo tributário, uma vez que parte dela requeria mudança constitucional. A proposta exigia o estabelecimento de uma alíquota nacional única para o IVA, com a finalidade de eliminar a guerra fiscal entre os estados, a exclusão do IVA sobre as exportações, devido a seu impacto na competitividade do país, e a mudança na arrecadação do IVA (passaria do estado onde o bem ou o serviço é produzido para o estado onde é consumido). Essa última proposta tinha como objetivo converter o ICMS num legítimo IVA, conforme a prática internacional. A reforma foi discutida no Congresso, mas levando a interpretação errônea de que ao prever a oposição dos governadores, o Executivo federal resolvera desistir.40 40 Cheibub, Figueiredo e Limongi (2002) mostram que os governadores não controlam o comportamento legislativo dos deputados federais. Em estudos anteriores (2001, 2002) analisei os quatro fatores que, a meu ver, explicam o resultado final da reforma tributária: o conflito intraburocrático em torno do melhor curso de ação alternativo; a incerteza sobre os impactos de curto prazo, em termos de perdas e ganhos; o sucesso na introdução de mudanças infraconstitucionais;41 41 Como, por exemplo, a extensão do imposto temporário sobre as transações financeiras (CPMF), a instituição de um mecanismo simplificado para a taxação de pequenas empresas (SIMPLES) e o aumento das alíquotas da contribuição para fins sociais (COFINS). e, mais importante ainda, a aversão ao risco por parte dos gestores macroeconômicos. A decisão de não continuar com a reforma foi tomada durante as crises da Ásia e da Rússia e a subseqüente corrida contra o Real. O governo preferiu, então, manter o statu quo de um sistema tributário que propiciava uma grande arrecadação, mas altamente ineficiente, a um sistema aperfeiçoado com resultados incertos de receita (Idem). O sistema tributário vem se tornando cada vez mais ineficiente, porque os gastos crescentes com a previdência social e outras despesas sociais "incompressíveis" exigem o aumento de arrecadação na forma de alíquotas cada vez mais elevadas de contribuições sociais em cascata(Cofins, CPMF, PIS etc.), privilegiadas por não serem objeto de partilha federativa.

Os elevados custos políticos de transação do federalismo brasileiro no contexto pós-constituinte são ilustrados pela negociação em torno da eliminação do IVA sobre as exportações. O governo federal ofereceu a compensação das perdas incorridas pelos estados com o sistema transitório de seguro receita (instituído pela Lei Kandir). Depois de uma prolongada negociação, a compensação foi fixada como sendo a diferença entre o nível prevalecente de arrecadação tributária anterior à mudança e a atual receita, para cada ano. Isso criou, nos estados, uma situação de moral hazard, pois se criou incentivos para o não recolhimento de tributos (o governo federal pagaria a diferença). Ambos os lados tornaram-se oportunistas, visto que o governo federal também aproveitava brechas para não pagar as perdas reclamadas pelos estados. Todos os anos, desde 1997, têm ocorrido negociações bilaterais para fixar o valor da compensação para cada ano respectivo. Este episódio sugere que o federalismo fiscal brasileiro não propicia condições para transações intertemporais, mas a capacidade de o executivo de enforce regras tem credibilidade.

Os avanços das iniciativas que não exigiram mudança constitucional foram bem-sucedidos. Em 1995, o governo reformulou a tributação das pequenas empresas (ao introduzir o sistema SIMPLES) e de pessoa jurídica, além de implementar medidas para a eliminação de brechas no transfer pricing (preços de transferência). Em alinhamento com as tendências internacionais, o governo reduziu com certas oscilações as alíquotas marginais superiores do imposto de renda de pessoa física, de 60% em 1985, para 50% em 1987, 25% em 1989, 35% em 1995 e 27,5% em 1999. Para as empresas, as alíquotas correspondentes foram reduzidas de 40% em 1985, para 30% em 1990 e 25% em 1995. Além disso, algumas mudanças foram introduzidas para expandir a base tributária. As alíquotas do IVA, por sua vez, subiram marginalmente no período. Porém, por conta de uma boa gestão tributária, a produtividade do IVA no país tornou-se a mais elevada na América Latina e cerca de três vezes maior do que a da Argentina. O mesmo ocorreu com a produtividade do imposto sobre a renda pessoal, que foi duas vezes maior do que o da Argentina.

Para entendermos a produtividade tributária, temos que considerar que, ao contrário da Argentina, a maior capacidade organizacional do regime militar no Brasil e a existência de um apoio substancial por parte dos interesses da burocracia pública, dos militares e da sociedade, aumentaram a capacidade do governo em sustentar a criação de uma agência tributária forte. Isso, sem dúvida, foi o que aconteceu em 1969, quando a Secretaria da Receita Federal – SRF foi criada. Recrutamento meritocrático e low turnout marcaram a administração tributária.42 42 Na realidade são duas estruturas: a administração tributária propriamente dita (Secretaria da Receita Federal) e o INSS (auditores fiscais de contribuições previdenciárias). A administração do IVA estadual é competência dos estados, sendo, conseqüentemente, bastante heterogênea. Em estados mais desenvolvidos, é mais profissionalizada; em estados menos desenvolvidos, a atividade predatória das elites pode causar seu colapso, como ocorreu em Alagoas após o governo Collor, no início dos anos de 1990. Há 13 mil auditores fiscais no âmbito federal e 38 mil no estadual (contando-se apenas os auditores fiscais e excluindo-se as outras funções). No caso dos estados, os números referem-se aos auditores afiliados à Federação Nacional do Fisco Estadual (Fenafisco), podendo incluir membros aposentados. No transcorrer das décadas de 1980 e 1990, os auditores fiscais federais eram os servidores civis de carreira mais bem pagos do Brasil, com a única exceção dos servidores de carreira da Procuradoria da Fazenda Nacional. No governo Collor (1990-1992), a SRF foi politizada e teve sua autonomia administrativa e funcional reduzida. Collor nomeou um ex-superintendente da polícia federal para dirigir a agência, alegando a necessidade de se combater a corrupção – medida que lembra várias das medidas adotadas por Menem na Argentina. Mas o seu impeachment reverteu essa tendência.43 43 Sobre a modernização tributária nas décadas de 1960, 1970 e 1980, cf Ferreira (1986) e Kahn, Silva e Zykiack (2001). Nos dos mandatos de Cardoso, o mesmo indivíduo – Everardo Maciel – liderou a SRF.44 44 O atual governo do PT, maior partido de oposição ao governo FHC, continuou a tendência de low turnout, ao indicar o adjunto de Maciel para chefiar a agência.

A alta carga tributária dos anos de 1970, 1980 e 1990 não foi alvo de críticas e resistência, nem tem adquirido relevância no discurso político, salvo no período recente quando a questão passou a ter grande visibilidade política. Isso pode se explicar por uma tradição intervencionista no Brasil mais forte e pelo sucesso relativo prévio da industrialização liderada pelo Estado, que foi muito maior do que na Argentina. Com exceção do governo Collor, as reformas de mercado no país têm sido defendidas pelos governantes muito mais por pragmatismo fiscal do que por razões programáticas.

Conclusões

Este artigo discutiu os determinantes institucionais das trajetórias distintas da Argentina e do Brasil em termos não só de capacidade de tributar, mas também de capacidade de reformar as estruturas tributárias existentes após o retorno à democracia. No artigo analiso alternativas explicativas rivais e defendo que os fatores fundamentais que explicam grande parte das diferenças observadas são, de um lado, a instabilidade institucional e, de outro, o arranjo federativo presente em cada um dos países. A instabilidade institucional é fortemente condicionada pelas instituições federativas (e também pela polarização de preferência entre os atores), e é crucial no trade offs com que se defrontam os governos em torno de quais instrumentos de extração de recursos vão privilegiar: recursos tributários, o que requer uma construção institucional robusta na área tributária, ou a senhoriagem e a inflação. Aquilo que se denominou de tax morale também parece ter cumprido um papel significativo na trajetória dos dois países em análise, mas a legitimidade e a credibilidade das estruturas tributárias e da intervenção do Estado devem também ser consideradas. Em ambos os países, a tributação evoluiu mediante um processo de tributação sem representação, isto é, taxação imposta por um poder executivo autoritário. Essas questões foram exploradas com base no argumento de que as instituições políticas – e os incentivos que geram cooperação e confiança – modelam os regimes de taxação de uma forma relevante. Observamos que as instituições políticas na Argentina refletiram processos de path dependency que estiveram "encarcerados" durante o processo de formação do Estado e dos arranjos de partilha de receitas estabelecidos em 1935. Tais instituições mostraram-se altamente instáveis e foram eliminadas na reforma constitucional de 1994. Embora o sistema partidário seja mais institucionalizado e os partidos, mais disciplinados do que no Brasil, os presidentes argentinos dependem de interesses provinciais para sua sobrevivência, em função do Colégio Eleitoral e do Senado, que era até 1994 eleito indiretamente. O Estado argentino é também muito mais fraco do ponto de vista organizacional devido à instabilidade institucional do país. Com efeito, nela está a chave para decifrar o enigma da esfinge Argentina. Isso, combinado a um cinismo cívico geral em relação aos impostos, ajuda a explicar por que as capacidades tributárias na Argentina são inferiores às do Brasil. Com a aprovação da emenda da reeleição, Menem teve fortes incentivos a promover mudanças na estrutura tributária. Esta mudança alargou o horizonte temporal do seu cálculo político. Mas na realidade essa via tornou-se a única saída quando a lei de conversibilidade eliminou a possibilidade de financiamento inflacionário do Tesouro. Seu malogro foi resultado das dificuldades de se impor disciplina fiscal às províncias.

O leviatã brasileiro foi muito mais forte em termos institucionais, e o ambiente político, menos instável. As capacidades burocráticas nas áreas da taxação se expandiram e a tax morale parece ter sido superior pelo menos até a década de 1980. Além disso, o federalismo fiscal foi menos "predatório" do que na Argentina. Embora os estados brasileiros disponham de fontes autônomas de receita, eles são mais dependentes politicamente do governo federal do que na Argentina. Um considerável poder de agenda no Congresso e a habilidade de dispensar patronagem aos líderes partidários permitiram aos presidentes no Brasil se adaptarem ao choque produzido pela Constituição de 1988, apesar de gozarem de maioria parlamentar apenas quando contam com grandes coalizões, garantindo assim a efetivação de seu programa de estabilidade fiscal. Grande parte do aumento da carga tributária no Brasil pós-1988 foi resultado de path dependency criada pela nova constituição. Esse aumento tornou-se possível pela maior capacidade organizacional do Estado brasileiro. A Argentina, por sua vez, não experimentou nenhum processo semelhante de mudança institucional com repercussões fiscais.

NOTAS

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Artigo recebido em fevereiro/2005

Aprovado em abril/2005

Marcus André Melo é professor adjunto de ciência política da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Suas áreas de interesse são: políticas públicas, economia política e teoria democrática. E-mail: Marcus.melo@uol.com.br.

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  • WORLD BANK. (1990), Argentina: tax policy for stabilization and economic recovery Washington, DC, Word Bank.
  • 1
    O mais correto, como vamos assinalar, no caso brasileiro, seria usar a expressão "aprendeu a arrecadar" (Kaldor, 1963).
  • 2
    Os economistas têm discutido amplamente a relação causal entre impostos e gastos. Esta não é minha preocupação aqui. Baffes e Shah (1994) analisaram os casos do Brasil e da Argentina no período de 1908 a 1985. A conclusão foi de que não havia discrepâncias entre os dois – na Argentina antes e no Brasil depois da guerra.
  • 3
    Para uma discussão a respeito, ver Dixit (1996).
  • 4
    É interessante notar que a
    performance da Argentina em outras áreas de reforma de mercado (privatização) não foi ruim.
  • 5
    A produtividade do IVA é calculada pela razão entre a arrecadação (como proporção do PIB mais importações e menos exportações) e a alíquota em vigor. A produtividade do imposto de renda é calculada pela razão entre a arrecadação (como proporção do PIB) e a média das alíquotas máximas em vigor dos impostos sobre as empresas e os indivíduos.
  • 6
    Para uma discussão relevante sobre o conceito de Estado tributário em contraposição ao de Estado fiscal, ver Moore (2004).
  • 7
    Para maiores detalhes, ver Lieberman (2001b).
  • 8
    Para uma visão abrangente dessas questões, ver Lledo, Schneider e Moore (2003). Para uma crítica do papel desempenhado pelas instituições multilaterais, ver Goode (1993), Stewart (2002) e Stewart (2004). Sobre o assunto na América Latina, ver Bird (1992).
  • 9
    Segundo Peters, "grande parte das políticas tributárias é produzida na fase de implementação" (1991, p. 4).
  • 10
    Para estudos abrangentes sobre essa questão e um
    ranking do esforço tributário, ver Teera (2002) e Piancastelli (2001).
  • 11
    Bates (1989) e Moore (2004) discutem a aplicabilidade desse modelo padrão em outros contextos históricos e na realidade do Estado em países em desenvolvimento. Moore argumenta que, sobretudo no contexto de
    rentier states (Estados rentistas), a falta de incentivos para os soberanos forjarem esse jogo de barganha com as elites nacionais no mundo em desenvolvimento pode bloquear o surgimento da governança democrática. A preocupação de Moore aqui é com a situação dos Estados cuja receita vem, em primeiro plano, dos recursos naturais – como, por exemplo, o petróleo – ou dos que sobrevivem com o auxílio externo. Essa era a intenção por trás da assertiva de Kaldor de que "o auxílio externo só dá frutos quando é um complemento do esforço (tributário) doméstico, e não o inverso" (1963, p. 410). Nos termos de Bates (no prelo), "não tendo que barganhar com os detentores de ativos domésticos, não havia necessidade de parlamentos. Pela mesma linha de raciocínio, o Parlamento representa pouca restrição ao Executivo oportunista".
  • 12
    Bird argumenta que os países tendem a alcançar uma "posição de equilíbrio, com respeito ao tamanho e à natureza de seus sistemas fiscais, a qual reflete em grande medida o equilíbrio das forças políticas, lá ficando até serem 'impelidos' a um novo equilíbrio" (2003, p. 9).
  • 13
    Boix (2001), por sua vez, usando o modelo do eleitor mediano, chegou a diferentes conclusões. Esse modelo prediz que, em razão de o eleitor mediano estar localizado na extremidade inferior da distribuição de renda, as eleições tendem a favorecer governos que gastem mais. Além disso, nesse tipo de modelo, as instituições que afetam o comparecimento às urnas são bastante relevantes. O autor demonstra que, em muitos países desenvolvidos e em desenvolvimento, o comparecimento às urnas esteve diretamente associado ao tamanho do setor público.
  • 14
    A esse respeito, ver também Bird, Martinez-Vasquez e Torgler (2004).
  • 15
    Para uma revisão a respeito, ver Gould e Baker (2002).
  • 16
    Veto
    players são indivíduos ou instituições coletivas cuja anuência se requer para a adoção de novas políticas. Atualmente, a literatura a esse respeito é extensa e tem sido aplicada a áreas temáticas bem diversificadas (Tsebelis, 2002).
  • 17
    Lieberman (2001a) desenvolve a hipótese instigante de que a criação de um conceito racista de comunidade política nacional na África do Sul explica o desenvolvimento de um sistema de tributação da renda muito mais progressivo e eficiente do que no Brasil. A excepcionalidade da África do Sul nesse sentido pode ser explicada pela solidariedade da elite dominante branca em relação aos setores pobres também brancos, uma vez que esse grupo temia a comunidade negra, produzindo assim uma menor resistência à taxação progressista. No Brasil, esse tipo de solidariedade foi forjado em termos regionais e não raciais. Esse argumento tem, no entanto, pouca valia para explicar as diferenças no padrão geral de taxação da Argentina e do Brasil. Para uma discussão mais aprofundada, ver Melo (no prelo).
  • 18
    Para comparações sistemáticas da construção do Estado nos dois países, ver Merquior (1986) e Trindade (1986).
  • 19
    Conforme discutido por Iarvczower, Saiegh e Tommasi, isso deu origem à primeira mudança importante na distribuição efetiva de poderes tributários: "o governo nacional assumiu grande parte dos débitos que as províncias haviam contraído na década anterior. Em troca, as províncias foram obrigadas a renunciar ao controle de certas receitas e tributos locais" (1999, p. 17). A crise de 1890 gerou uma insurreição armada que derrubou o presidente Celman, em 1890, e levou à criação da União Cívica Radical.
  • 20
    Durante o governo Menem (1989-1995), houve quatro "intervenções", as quais implicaram mudança de liderança e/ou renúncia de autonomia fiscal e administrativa. Dois terços das intervenções foram implementadas por decreto, o restante, aprovado por lei.
  • 21
    Em 1893, a Corte Suprema decidiu que as intervenções federais tinham "natureza política" e não poderiam ser contestadas nos tribunais (Iariczower, Saiegh e Tommasi, 1999, p. 17). É interessante notar que, desde 1946, o tempo médio no cargo de juiz da Corte Suprema é de quatro anos. Em contrapartida, até aquela data, a média era de doze anos. Também a partir de 1946, devido aos golpes militares e aos subseqüentes processos de redemocratização, os presidentes indicaram todos os membros da Corte Suprema que ocuparam o cargo de juiz no período (
    Idem, p. 19).
  • 22
    A distribuição primária, ou seja, entre o governo federal, as províncias e a municipalidade de Buenos Aires, foi fixada da seguinte forma: 82,5% para o governo federal e 17,5% para os demais entes.
  • 23
    Conforme Gallo e Alston sugerem "Peron não apenas destinou suas políticas nos Pampas a punir os inimigos e ajudar os amigos, mas também precisava financiar as mudanças institucionais gerais na economia, ou seja, a nacionalização de muitos ativos e indústrias" (2004, p. 14).
  • 24
    Em 1943, o governo federal descumpriu a regra pela primeira vez e começou a se apoderar dos aumentos na arrecadação do imposto de renda (
    impuesto a los rétidos) (Porto, 2003, p. 15). Em 1946, quando o Congresso foi reaberto, uma lei nova mais abrangente foi aprovada, introduzindo critérios populacionais para a "distribuição secundária", ou seja, entre as províncias. A parcela das províncias na distribuição primária também cresceu de 17,5% para 21% (
    Idem, p. 16).
  • 25
    A esse respeito, ver também Gibson, Calvo e Faletti (2004).
  • 26
    Ver o
    site
  • 27
    Há casos de indivíduos que ocuparam o posto de presidente de província (governador) em até quatro diferentes províncias, localizadas em diversas regiões do país (Tapajos, 1969).
  • 28
    Na década de 1880, a tributação já era bastante centralizada no âmbito nacional, que contava com quase 80% da receita pública e 70% de todos os empregados públicos, mas era, todavia, bastante dependente do comércio exterior, particularmente do porto da província do Rio de Janeiro (e não de fontes internas, como na Europa). Ao contrário de Buenos Aires, a província do Rio de Janeiro foi o bastião do processo de centralização (Carvalho 1993, p. 65).
  • 29
    O imposto de renda, adotado em 1926, expandiu-se durante a Segunda Guerra Mundial, quando se tornou o imposto federal mais importante, seguido imediatamente pelo imposto sobre o consumo. Contudo quase 2/3 dele são cobrados sobre a renda de pessoa jurídica, o que representa aproximadamente 4% do PIB. A taxação da propriedade rural esteve nas mãos dos estados até 1964, quando os militares finalmente a transferiram para o governo federal. Só no último quarto do século XX, os impostos sobre a propriedade urbana e rural atingiram níveis significativos, porém modestos (exceto nas grandes cidades). A mesma inabilidade, ou falta de vontade, em tributar a propriedade pode ser observada na taxação da renda. Cf. Ferreira (1986).
  • 30
    De acordo com Shoup, "o primeiro país a introduzir o IVA de forma abrangente foi o Brasil" (1990, p. 4). O imposto foi discutido na França e em alguns países da OECD, mas só depois foi adotado por esses países – na Dinamarca, foi introduzido em 1967, na França e na Alemanha, em 1968, na Suécia, em 1969, e na Noruega, em 1970. Ver também a esse respeito, Guerard (1972).
  • 31
    Só durante os anos de Frondizi, houve 35 tentativas de derrubar o governo.
  • 32
    Os dados referem-se ao período de 1993 a 1996, quando a Argentina já estava no regime de conversibilidade e o Brasil encontrava-se em plena crise econômica. Provavelmente o hiato entre os dois países seria maior se os dados tivessem sido coletados em anos anteriores.
    Weberianess é definido pelos autores como um indicador sintético do uso de critérios meritocráticos no recrutamento de burocracias, para saber em que medida o setor público oferece carreiras de longo prazo bem estruturadas.
  • 33
    O desequilíbrio vertical é medido pela razão entre as transferências intergovernamentais oriundas do governo central, inclusive a partilha de tributos, e as receitas totais (as próprias e as transferidas) no âmbito subnacional. Os problemas associados a esse desequilíbrio resultam das competências tributárias dos entes federativos, dos incentivos resultantes de tais competências e do jogo fiscal no âmbito federal, além dos esforços de obtenção de receita exercidos pelas autoridades provinciais e nacionais tendo em vista estes incentivos (Tommasi, 2002, p. 8).
  • 34
    Lei n. 20.221, de 1973.
  • 35
    Em 1989, o Banco Mundial descreveu o DGI como "uma das mais respeitadas agências do governo vinte anos atrás. Era conhecida pelo alto nível técnico e auto-estima. A erosão da DGI como instituição só tem paralelo na própria degradação do sistema tributário. Ela é simultaneamente produto da precária legislação e administração que levou o sistema ao colapso" (World Bank, 1990, p. 53).
  • 36
    Quaisquer transações financeiras que excediam 10 mil pesos tinham que ser feitas em cheque. Além disso, Menen criou um imposto sobre bens como iates etc.
  • 37
    A esse respeito, ver também Berensztein (1995) e Bergman (2004).
  • 38
    Essas concessões geraram, posteriormente, custos consideráveis.
  • 39
    Note-se que a Lei de Responsabilidade Fiscal argentina não é compulsória no âmbito nacional. Cabe a cada província aderir ou não à Lei.
  • 40
    Cheibub, Figueiredo e Limongi (2002) mostram que os governadores não controlam o comportamento legislativo dos deputados federais.
  • 41
    Como, por exemplo, a extensão do imposto temporário sobre as transações financeiras (CPMF), a instituição de um mecanismo simplificado para a taxação de pequenas empresas (SIMPLES) e o aumento das alíquotas da contribuição para fins sociais (COFINS).
  • 42
    Na realidade são duas estruturas: a administração tributária propriamente dita (Secretaria da Receita Federal) e o INSS (auditores fiscais de contribuições previdenciárias). A administração do IVA estadual é competência dos estados, sendo, conseqüentemente, bastante heterogênea. Em estados mais desenvolvidos, é mais profissionalizada; em estados menos desenvolvidos, a atividade predatória das elites pode causar seu colapso, como ocorreu em Alagoas após o governo Collor, no início dos anos de 1990. Há 13 mil auditores fiscais no âmbito federal e 38 mil no estadual (contando-se apenas os auditores fiscais e excluindo-se as outras funções). No caso dos estados, os números referem-se aos auditores afiliados à Federação Nacional do Fisco Estadual (Fenafisco), podendo incluir membros aposentados. No transcorrer das décadas de 1980 e 1990, os auditores fiscais federais eram os servidores civis de carreira mais bem pagos do Brasil, com a única exceção dos servidores de carreira da Procuradoria da Fazenda Nacional.
  • 43
    Sobre a modernização tributária nas décadas de 1960, 1970 e 1980, cf Ferreira (1986) e Kahn, Silva e Zykiack (2001).
  • 44
    O atual governo do PT, maior partido de oposição ao governo FHC, continuou a tendência de
    low turnout, ao indicar o adjunto de Maciel para chefiar a agência.
  • *
    Este texto é uma versão expandida de um trabalho preparado para o workshop "Taxation and development: essays on the new politics of taxation and accountability", Copenhague, 14-15 junho,. 2004. Sou grato a Mick Moore, Odd-Helge Fjeldstad, Deborah Brautigan, Lee Alston, Eduardo Lora, Elisa Reis, Andres Gallo, Mariano Tommasi, Tulia Faletti, Alejandra Irigoin, Catalina Smulovitz, André Regis e Oscar Oszlack, por seus comentários e sugestões. A tradução do original em inglês é de Saulo Souza.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Abr 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2005

    Histórico

    • Aceito
      Abr 2005
    • Recebido
      Fev 2005
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