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INSTITUCIONALIZAÇÃO DO SISTEMA PARTIDÁRIO: MESMAS DIMENSÕES, OUTRAS INTERPRETAÇÕES* * Agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp; Processo 2016/10421-1) e a Capes por ter concedido o apoio financeiro para a realização desta pesquisa. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da Fapesp.

THE INSTITUTIONALIZATION OF THE PARTY SYSTEM: THE SAME DIMENSIONS OF ANALYSIS, DIFFERENT INTERPRETATIONS

L’INSTITUTIONNALISATION DU SYSTÈME DE PARTIS : MÊMES DIMENSIONS ; AUTRES INTERPRÉTATIONS

Resumos

O presente trabalho problematiza o conceito de institucionalização do sistema partidário desenvolvido por Mainwaring e Scully (1995). Buscamos demonstrar que certos aspectos teóricos e operacionais desse conceito podem levar a interpretações espúrias sobre o funcionamento e a durabilidade dos sistemas partidários e regimes democráticos nos quais estão inseridos. Para isso, analisamos as quatro condições propostas pelos autores com base na disputa para o cargo legislativo municipal, a arena mais desagregada do sistema político brasileiro, o que aumenta o número de observações. Criticamos tanto as análises comparativas, que mensuram o conceito elaborado pelos autores de maneira unidimensional, quanto aquelas análises que desconsideram características particulares de cada país. Por fim, tomamos os nossos dados empíricos como referência para demonstrar que o sistema partidário brasileiro pode ser considerado estável.

Institucionalização; Sistema partidário; Partidos políticos; Política local, Câmara municipal, Brasil


This paperquestionsthe concept of institutionalization of the party systems proposed by Mainwaring and Scully (1995). We demonstrate that the theoretical and operational aspects of this concept may leadto spurious interpretations about the organization and durability of each party systemand the democratic government in which they insert themselves. We criticize comparative analysis that are unidimensional and fail toconsider the particularities of each country and the development of its party system. To presentthis interpretation,we analyse the four conditions involved in the concept of party institutionalization based on thecity parliaments in Brazil, which show the most disaggregated level of competition and, therefore, increases our number of observations. Regarding this analysis, our empirical data shows that the Brazilian party system can be classified as stable.

Institutionalization; Party Systems; Political Parties; Local Politics; City Parliaments, Brazil


Cet article examine le concept d’institutionnalisation du système de partis développé par Mainwaring et Scully (1995). Nous cherchons à démontrer que les aspects théoriques et opérationnels de ce concept peuvent conduire à des interprétations fallacieuses sur le fonctionnement et la durabilité des systèmes de partis et des régimes démocratiques dans lesquels ils sont insérés. Pour cela, nous avons analysé les quatre conditions proposées par les auteurs ayant pour base la dispute pour le poste législatif municipal, l’arène la plus désagrégée du système politique brésilien, ce qui accroit le nombre d’observations. Nous portons un regard critique aussi bien en ce qui concerne les analyses comparatives qui mesurent le concept élaboré par les auteurs de façon unidimensionnelle, que sur celles qui ne considèrent pas les caractéristiques particulières de chaque pays. Puis, en conclusion, nous utilisons nos données empiriques comme référence pour démontrer que le système de parti brésilien peut être considéré stable.

Institutionnalisation; Système de partis; Partis politiques; Politique locale; Conseil Minucipal, Brésil


Introdução

Um dos modos de classificar o sistema partidário de um país é pelo seu grau de institucionalização. Esse conceito, desenvolvido por Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., enuncia que sistemas mais institucionalizados apresentam previsibilidade e estabilidade no comportamento dos atores políticos, o que favorece a consolidação do regime democrático. Sua operacionalização ocorre por meio de quatro dimensões que são exploradas neste artigo. Nosso objetivo foi examinar as variáveis utilizadas para mensurar o grau de institucionalização do sistema partidário dos países, apresentando possibilidades complementares de interpretação dos resultados e efeitos destoantes daqueles que eram esperados pelos autores. Assim, exploramos o conceito, tanto em sua operacionalização quanto em seus pressupostos teóricos.

Segundo Mainwaring e Scully, um sistema partidário institucionalizado deve ter “estabilidade na competição interpartidária, a existência de partidos que têm alguma raiz estável na sociedade, aceitação de partidos e eleições como instituições legítimas que determinam quem governa e organizações partidárias com regras e estruturas razoavelmente estáveis” (Idem, p. 1, tradução nossa).

Essas características seriam essenciais para sustentar a democracia, pois garantiriam sua legitimidade por meio da aceitação das instituições e dos procedimentos necessários para representação política, além de permitir accountability por meio da divulgação de informações para avaliação dos partidos políticos. Por isso, tornaria o regime mais previsível e estável.

Esse debate se orienta pela relação existente entre partidos políticos e eleitores. De modo normativo, a força desse vínculo aparece em cada uma das quatro dimensões que os autores indicam, apontando uma forma de como os partidos funcionam (ou deveriam funcionar). As variáveis propostas para medir essa relação nem sempre oferecem as informações necessárias e suficientes para que seja feita uma avaliação adequada sobre a estabilidade do regime. Pois, ao enfocarem somente a relação entre partidos e eleitores durante o processo eleitoral, ignoram outras questões como as condições contextuais e a atuação dos partidos no governo.

O conceito de institucionalização do sistema partidário traz consigo pressupostos que determinam as possíveis consequências da não institucionalização. Segundo esses pressupostos, um país com um sistema partidário pouco institucionalizado1 1 Considerando o grau de institucionalização do sistema partidário como uma variável contínua, o grande problema reside nos valores mais baixos do índice. Conforme argumentam Mainwaring e Scully (1995, pp. 21-22, tradução nossa), “nosso ponto não é que altos níveis de institucionalização são necessários ou até mesmo inequivocamente desejáveis; é, na verdade, que níveis muito baixos de institucionalização geram problemas”. tem processos políticos instáveis, cujos resultados são imprevisíveis. A baixa institucionalização incentivaria o personalismo, gerando aumento da corrupção e dos riscos de rupturas no regime. Consideramos tais consequências muito amplas e, por isso, sustentamos que a análise isolada deste conceito pode gerar interpretações pouco objetivas sobre a democracia de cada país.

Reconhecemos que o conceito de institucionalização do sistema partidário oferece uma importante ferramenta classificatória e posiciona um debate fundamental na ciência política, principalmente sobre as democracias mais jovens. Destacamos ainda que o texto de Mainwaring e Scully foi produzido em 1995 e que desde então muito já foi debatido sobre o tema.2 2 Mainwaring revisita frequentemente o conceito (Mainwaring, 1999; Mainwaring, Bizzarro e Power, 2017; Mainwaring e Torcal, 2005; Scully e Mainwaring, 1997). Nesse processo de construção e revisão, Casal Bértoa (2016) enumera três ondas de estudos sobre a institucionalização do sistema partidário. A primeira foi entre 1965 e 1995. Baseada em pesquisas mais descritivas, tem sua grande referência em Huntington (1965). A segunda onda ocorreu entre 1995 e 2007. Iniciada pelo trabalho de Mainwaring e Scully (1995), enfocou os países da terceira onda de democratização e iniciou o esforço de operacionalizar o conceito. Por fim, uma terceira começou em 2007. Essa investiga criticamente as características descritivas e analíticas da institucionalização do sistema partidário (Casal Bértoa, 2016, p. 2). Mas queremos reforçar a necessidade de olhar para essas informações com cautela, sem desconsiderar aspectos importantes da formação do sistema partidário, do seu funcionamento, do histórico político do país e de outras arenas de atuação dos partidos políticos além da eleitoral.

Executamos nosso objetivo decompondo o grau de institucionalização do sistema partidário em suas quatro dimensões,3 3 Luna e Altman (2011) fizeram esse esforço para analisar o caso chileno, assim como Zucco (2013) para o caso brasileiro. Nossa análise difere-se principalmente pela estratégia de investigação, pois escolhemos utilizar os municípios como lócus de pesquisa. Os desdobramentos desta escolha impactam inclusive na análise dos resultados, que serão discutidos no decorrer do artigo. o que nos permitiu discutir o conceito tanto do ponto de vista operacional, quanto em seus aspectos teóricos. Para tanto, analisamos o sistema partidário subnacional brasileiro, especificamente o cargo de vereador. Optamos pelo nível municipal, por ser a medida subnacional mais desagregada para o caso brasileiro. 4 4 Dependendo do âmbito da análise é possível chegar a resultados inclusive contraditórios para um mesmo país. Esse debate é longo na ciência política. Já em Poliarquia, Robert Dahl chamou atenção para que diferentes sistemas políticos poderiam ser encontrados sob uma mesma nacionalidade, pois, mesmo dentro de um país, as unidades subnacionais frequentemente diferem nas oportunidades que proporcionam para a contestação e a participação (Dahl, 2012, p. 31). Este âmbito é fundamental por aumentar o número de observações5 5 Bochsler (2010, p. 164) investiga o impacto do aumento no número de unidades analíticas (saindo do nível federal para o municipal, por exemplo) sobre a nacionalização dos partidos políticos, elemento-chave no conceito de institucionalização do sistema partidário. (Snyder, 2001SNYDER, Richard. (2001), “Scaling down: the subnational comparative method”. Studies in Comparative International Development, 36 (1): 93-110., p. 93). Ainda, por ser a arena mais elementar da competição partidária, conforma o ponto de entrada de novos quadros no sistema político (Rocha e Kerbauy, 2014ROCHA, Marta Mendes da & KERBAUY, Maria Teresa Miceli. (2014), Eleições, partidos e representação política nos municípios brasileiros. Juiz de Fora (MG), Editora UFJF.). Essa opção metodológica acrescentou um potencial colaborativo ao artigo em relação ao debate sobre o conceito em questão. Os dados utilizados são de duas naturezas: agregados, fornecidos pelo site do Tribunal Superior Eleitoral (TSE); individuais, provenientes do Estudo Eleitoral Brasileiro de 2002, 2006, 2010 e 2014.6 6 O Estudo Eleitoral Brasileiro é um survey nacional aplicado no período pós-eleitoral. Ele faz parte do Comparative Study of Electoral Systems, sendo organizado no Brasil pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp.

O artigo está divido em seis partes, além dessa introdução. Primeiro apresentamos o debate sobre institucionalização do sistema partidário e algumas problematizações sobre a operacionalização do conceito e seus aspectos teóricos. Em seguida, trazemos quatro seções, uma para cada condição proposta por Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., tendo como base informações sobre o sistema partidário brasileiro. Todos os dados têm os municípios como unidades de análises, mas eles serão apresentados agregados por estado nas quatro dimensões, isso facilita a visualização e comparação dos dados e mantém a informação padronizada ao longo de todo o trabalho. Por fim, apresentamos algumas considerações a partir do que foi previamente exposto.

Institucionalização de sistemas partidários: questões teóricas e operacionais

Autores que investigaram as transições democráticas na América Latina sempre mostraram preocupação quanto à estabilidade dos regimes recém-instaurados (Huntington, 1975HUNTINGTON, Samuel P. (1975), A ordem política nas sociedades em mudança. Rio de Janeiro/ São Paulo, Forense/Edusp.; 1994; Linz e Stepan, 1999LINZ, Juan José & STEPAN, Alfred C. (1999), A transição e consolidação da democracia: a experiencia do sul da Europa e da América do Sul. São Paulo, Paz e Terra.). Dado que a construção de um regime democrático sólido demanda instituições democráticas (Mainwaring e Scully, 1995MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., p. 27), a institucionalização dos jovens regimes tornou-se a chave para a garantia de sua durabilidade. Dentre as instituições decisivas para a estabilidade das democracias, o sistema partidário firmou-se como central na ciência política que trata sobre esse tema. Isso é destacado por Mainwaring e Scully, ao argumentarem que

[...] a institucionalização de um sistema partidário é importante para o processo de consolidação democrática. Se um sistema partidário institucionalizado existe ou não faz uma grande diferença no funcionamento das políticas democráticas. É difícil manter uma democracia de massa sem um sistema partidário institucionalizado. A natureza dos partidos e do sistema partidário molda as perspectivas de que uma democracia estável emergirá, se essa terá legitimamente conferida e se resultará na elaboração de políticas eficazes (Idem, pp. 1-2, tradução nossa).

O conceito de institucionalização do sistema partidário tornou-se influente na ciência política, e o caso brasileiro logo se formalizou enquanto estigma por sua baixa institucionalização (Idem). No entanto, com o passar dos anos e na medida em que a democracia brasileira desafiava os piores prognósticos, novos achados empíricos contestaram consistentemente as visões mais pessimistas (Braga, 2006BRAGA, Maria do Socorro Sousa. (2006), O processo partidário-eleitoral brasileiro: padrões de competição política, 1982-2002. São Paulo, Humanitas.; Braga, Ribeiro e Amaral, 2016; Figueiredo e Limongi, 2001FIGUEIREDO, Argelina Cheibub & LIMONGI, Fernando. (2001), Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro, Editora FGV.; Meneguello, 1998MENEGUELLO, Rachel. (1998), Partidos e governos no Brasil contemporâneo (1985-1997). São Paulo, Paz e Terra.). Assim, o protagonismo do conceito como determinante da estabilidade do regime e a forma de operacionalizá-lo passaram a ser questionados, pelo menos parcialmente.7 7 Conforme salienta Zucco Jr. (2013, p. 79, tradução nossa), “por um lado, medir cada dimensão de institucionalização de sistemas partidários não é simples; por outro, a conexão entre o conceito e certas consequências políticas de interesse não é comum”.

Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press. argumentam que um sistema partidário institucionalizado possui quatro dimensões: competição estável entre os partidos; partidos com raízes na sociedade, o que também ajudaria na estabilidade da competição; legitimação dos partidos e das eleições pela sociedade; organizações partidárias fortes e estáveis, o que evitaria a prevalência de características personalistas no regime democrático.

Do ponto de vista operacional, Luna e Altman (2011)LUNA, Juan Pablo & ALTMAN, David. (2011), “Uprooted but stable: Chilean parties and the concept of party system institutionalization”. Latin American Politics and Society, 53 (2): 1-28. apontam para a impossibilidade de dimensionar as quatro condições do sistema partidário institucionalizado em apenas uma medida. Segundo os autores, o conceito original pressupõe que essas quatro dimensões possuem uma relação entre si sempre positiva e linear (Luna e Altman, 2011LUNA, Juan Pablo & ALTMAN, David. (2011), “Uprooted but stable: Chilean parties and the concept of party system institutionalization”. Latin American Politics and Society, 53 (2): 1-28., p. 1).

Compartilhando dessa crítica, alguns autores procuraram desagregar a mensuração do conceito. Luna e Altman (2011)LUNA, Juan Pablo & ALTMAN, David. (2011), “Uprooted but stable: Chilean parties and the concept of party system institutionalization”. Latin American Politics and Society, 53 (2): 1-28., analisando o caso chileno, demonstraram que o país configura um modelo de sistema partidário estável, mas sem raízes na sociedade. Zucco apontou para a mesma direção ao investigar o Brasil. Segundo o autor, o caso brasileiro apresenta sinais de aumento dos níveis de institucionalização do sistema partidário, mas também o considera um “sistema partidário sem raízes na sociedade” (Zucco Jr., 2013, p. 80). Mesmo Mainwaring, em texto produzido recentemente, no qual é coautor, acompanha Zucco ao assumir algum grau de institucionalização – desigual – no sistema partidário brasileiro. De acordo com os autores, houve estabilidade do sistema partidário no âmbito agregado, mas somente o Partido dos Trabalhadores (PT) foi capaz de estabelecer raízes na sociedade e de desenvolver uma organização forte (Mainwaring, Bizzarro e Power, 2017, p. 48). Por isso a institucionalização seria desigual.

Quando se consideram as dimensões que avaliam a regularidade da competição interpartidária e os padrões de organização dos partidos (Braga, 2010BRAGA, Maria do Socorro Sousa. (2010), “Eleições e democracia no Brasil: a caminho de partidos e sistema partidário institucionalizados”. Revista Brasileira de Ciência Política, 4: 43-73.; Braga, Ribeiro, e Amaral, 2016), os índices apresentam evolução. Tendo esse diagnóstico em vista, Braga afirmou que o problema do conceito de sistema partidário institucionalizado que comumente se adota está no tipo de partido almejado e que esse tipo não seria possível a alguns países. Segundo a autora:

Para investigação do caso brasileiro, bem como de outras democracias da terceira onda democrática, é preciso partir de outra definição de partido político, o que, por sua vez, requer a adoção de uma nova perspectiva do conceito de institucionalização. Esse procedimento conceitual é preciso devido a características circunstanciais que marcaram a origem e o desenvolvimento dos atores partidários nessas novas democracias em meio às transformações dos próprios partidos políticos estabilizados nas democracias seculares (Braga, 2010BRAGA, Maria do Socorro Sousa. (2010), “Eleições e democracia no Brasil: a caminho de partidos e sistema partidário institucionalizados”. Revista Brasileira de Ciência Política, 4: 43-73., p. 68).

Não só as quatro dimensões podem ter valores altos e baixos dentro de um mesmo sistema partidário – questão operacional – como isso também seria fruto de um problema teórico do pressuposto de um tipo de partido inconsistente com os países da América Latina – problema conceitual. Os obstáculos para o surgimento de partidos de massa no Brasil são históricos. O atual regime democrático surgiu sem as condições europeias que propiciaram a gênese desse tipo de partido. Além disso, os direitos políticos de instituições e eleitores sofreram importantes fissuras durante o regime militar para chegar no estágio atual.

Outro problema de ordem teórica refere-se às consequências da baixa institucionalização do sistema partidário para a estabilidade do regime. Trabalhos que analisaram os partidos políticos brasileiros atuando na arena governativa identificaram partidos consistentes e disciplinados, que conformariam um sistema político governável (Figueiredo e Limongi, 2001FIGUEIREDO, Argelina Cheibub & LIMONGI, Fernando. (2001), Executivo e Legislativo na nova ordem constitucional. 2. ed. Rio de Janeiro, Editora FGV.; Meneguello, 1998MENEGUELLO, Rachel. (1998), Partidos e governos no Brasil contemporâneo (1985-1997). São Paulo, Paz e Terra.). Isso colocou em xeque a relação imediata entre sistema partidário com baixa institucionalização e instabilidade da democracia, medidos conforme Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., que tratam somente da arena organizacional e eleitoral.

Nesse sentido, Figueiredo e Limongi destacam a inconsistência de se utilizar dados exógenos ao processo legislativo (sistema partidário e eleitoral, por exemplo) para se inferir sobre a governabilidade de um país. Os autores argumentam que para se analisar a relação Executivo-Legislativo, as “variáveis organizacionais próprias à estruturação dos trabalhos legislativos podem e devem ser tomadas como variáveis independentes” (Figueiredo e Limongi, 2001, p. 22). Isso aponta para um problema de ordem teórica do conceito, pois, ou a estabilidade do regime não passa pela arena governativa, ou, se passa, as variáveis mobilizadas são insuficientes para qualquer conclusão.

Nas próximas seções exploramos empiricamente as quatro dimensões originalmente propostas por Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press.. Ao analisarmos o nível local, buscamos demonstrar que isso impacta na operacionalização do conceito e no seu sentido teórico. Assim, apresentamos nossa crítica às análises unidimensionais e pouco contextualizadas no país de referência. O primeiro fator analisado, o mais influente de todos, é a estabilidade das eleições.

Estabilidade das eleições

A primeira dimensão que Mainwaring e Scully (1995MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., p. 1) estabelecem para medir a institucionalização do sistema partidário é a estabilidade na competição política (stability in interparty competition), verificada pela volatilidade eleitoral. Essa dimensão trata da regularidade na votação dos partidos ao longo do tempo, e a proposta é calculá-la por meio do índice de volatilidade eleitoral de Pedersen (1979)PEDERSEN, Mogens N. (1979), “The dynamics of European party systems: changing patterns of electoral volatility”. European Journal of Political Research, 7 (1): 1-26., que indica a variação nos votos recebidos pelos competidores entre duas eleições consecutivas.8 8 Para esse cálculo, partidos novos foram incluídos na análise considerando que receberam 0 (zero) voto na eleições anterior à sua criação. Partidos que deixaram de existir foram incluídos considerando que receberam 0 (zero) voto na eleições seguinte após sua saída. Para os partidos que se fundiram, somamos os votos que eles receberam na eleição anterior à fusão. Por fim, para os casos de cisões, mantivemos a sigla que permaneceu e consideramos a nova sigla do mesmo modo que fizemos com os casos de partidos novos. Assim, se há regularidade nos resultados eleitorais, há estabilidade na competição.

Calculamos a volatilidade eleitoral para o cargo de vereador9 9 Mais detalhes sobre a volatilidade eleitoral no âmbito municipal brasileiro podem ser encontrados em Arquer (2015). Nesse trabalho, a volatilidade deixa de operar enquanto variável independente – situação mais comum principalmente nas pesquisas sobre estabilidade eleitoral – para se tornar uma variável dependente. Desse modo, a análise contribui tanto para compreensão do sistema partidário, quanto do comportamento eleitoral. de 2000 a 201610 10 Nossa série eleitoral se inicia em 2000. Isso por um lado pode ser um problema, uma vez que nesse momento o Brasil já tinha passado pela transição há mais de uma década e pela volta ao pluripartidarismo há duas décadas. Após todo esse período, espera-se que o sistema partidário já esteja razoavelmente estabilizado. Contudo, o TSE fornece dados eleitorais completos para todos os municípios brasileiros só a partir de 2000, e o uso de dados de anos anteriores comprometeria nossa análise. Além disso, mesmo após todo esse tempo ainda observamos diferenças nos padrões mais recentes, o que justifica a pertinência de olharmos para a série escolhida neste trabalho. – três pares eleitorais. Os dados, apresentados no Gráfico 1, foram desagregados por região e por estado. Os resultados informam que a média brasileira sofreu queda nos valores ao longo dos três primeiros pares eleitorais, com um suave acréscimo no último. Do ponto de vista regional, cabe destacar que a região Sul diferencia-se das demais, sempre apresentando as taxas mais baixas de volatilidade eleitoral. Mas, quando observamos os dados agregados por estado, não encontramos nenhum padrão capaz de definir a volatilidade eleitoral nacional, pois dentro de todas as regiões há variações consideráveis no perfil de cada unidade federativa. A variação do voto entre os partidos apresenta resultados distintos para cada par eleitoral, indicando que a resposta do eleitorado pode ser influenciada por características de cada competição, inclusive pelo aumento da oferta partidária.

Gráfico 1
Média da Volatilidade Eleitoral Partidária: Estado, Região e Nacional

Em relação ao agregado nacional, houve uma tendência de queda da volatilidade eleitoral partidária, interrompida por um leve aumento ocorrido no par 2012-2016. Por um lado, essa queda nos três primeiros pares analisados indica um reconhecimento do eleitorado pelos partidos políticos vigentes, que seguiam com um desempenho consideravelmente regular. Tal constatação se reforça ao verificarmos que no último par eleitoral ocorre um aumento, provavelmente refletindo a crise política pela qual o país passa desde 2013.11 11 Desde 2013 houve uma grande onda de contesta- ção popular contra o governo, os partidos, a corrupção etc. Ela se agravou com as consequências da operação Lava Jato, que investigou e trouxe à tona grandes escândalos de corrupção e desvio de dinheiro público. Em 2014, o resultado da eleição nacional chegou a ser contestado, culminando no impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff. Esse fato trouxe reflexos significativos ao sistema político como um todo, dentro do qual o PT foi o partido mais afetado. Nas eleições municipais seguintes, em 2016, o partido reduziu o lançamento de candidatura, a conquistas de cargos públicos e os índices de preferência partidária, sendo essa última uma característica que sempre o destacou em comparação com os demais partidos. Esse conjunto de eventos afetou e segue afetando a vida política brasileira e teve efeitos importantes sobre a população. O aumento da volatilidade eleitoral nacional parece ser um deles. Contudo, mesmo com o aumento observado, o valor agregado nacionalmente da volatilidade partidária do par eleitoral 2012-2016 é o segundo menor da série investigada, sugerindo uma resiliência do sistema partidário, pelo menos nos municípios, a fatores desestabilizantes, como a entrada de novos partidos e a alteração na oferta eleitoral.

Para verificar se o crescimento da oferta partidária se correlaciona com a volatilidade, calculamos o Número Efetivo de Partidos (NEP) por região e por estado (Laakso e Taagepera, 1979LAAKSO, Markku & TAAGEPERA, Rein. (1979), “‘Effective’ number of parties: a measure with application to west Europe”. Comparative Political Studies, 12 (1): 27.).12 12 O cálculo ocorre da seguinte forma: NEP = 1Σi=1n pi2, onde NEP é o número efetivo de partidos e pi é a fração de voto do i-ésimo partido em relação ao número total de votos. Os dados, exibidos no Gráfico 2, demonstram um perfil ascendente no número de partidos que receberam uma quantidade significativa de votos. Esse aumento não se dá apenas pela maior dispersão dos votos, o que poderia indicar instabilidade nas preferências do eleitor, mas também pela ampliação do número total de partidos que compõem o sistema partidário brasileiro. Entre 2000 e 2016 sua composição passou de 24 para 35 partidos segundo os dados do TSE, sendo que boa parte dos novos deriva de rupturas partidárias, formando-se com lideranças já conhecidas pela população. Isso pode facilitar o reconhecimento por parte do eleitorado.

Gráfico 2
Média do Número Efetivo de Partidos: Estado, Região e Nacional

Na maioria dos estados o NEP aumentou a cada eleição, o que evidencia uma considerável força de outros partidos junto ao eleitorado. Ainda que estes dados sejam descritivos, podemos avaliá-los à luz da volatilidade eleitoral, pois, apesar do aumento constante no número efetivo de partidos, a volatilidade apresentou perfil irregular, chegando até a decrescer quando consideramos a média nacional dos três primeiros pares eleitorais. Mesmo com o incentivo para redução na estabilidade eleitoral, causado pelo aumento no número de competidores viáveis, ela não foi reduzida, pelo menos do ponto de vista da volatilidade eleitoral. Isso pode indicar dois caminhos: ou o sistema partidário assumiu certa estabilidade e conseguiu resistir ao aumento no número de competidores – impacto teórico – ou a variável volatilidade não foi capaz de mensurar o impacto causado por este aumento – impacto operacional.

Importante destacar que tanto a volatilidade partidária quanto o NEP não sofreram grandes variações quando consideramos 2012 e 2016. A estabilidade desses dados chama atenção, pois em 2016 ocorreu a primeira eleição municipal após a crise política instaurada no país. Ou seja, mesmo com o cenário político conturbado e com o aumento do número absoluto de competidores, o número de partidos que recebem quantidade significativa de votos permaneceu estável e houve somente um leve aumento de alternância entre as legendas.

Do ponto de vista operacional, apresentamos outras duas formas distintas de se olhar para a mesma questão. Mair (1997MAIR, Peter. (1997), Party system change: approaches and interpretations. Nova York, Oxford University Press., p. 212) afirma que um dos critérios para que se tenha uma estrutura fechada de competição partidária é que o acesso a cargos governativos seja restrito a poucos atores partidários. Na mesma linha, Cox (1997COX, Gary W. (1997), Making votes count: strategic coordination in the world’s electoral systems. Nova York, Cambridge University Press., p. 225) assume que um sistema eleitoral é mais forte do que outro quando seu limite superior de competidores viáveis for menor do que o do sistema em comparação.13 13 Segundo Cox (1997, p. 225), essa preocupação com a estabilidade eleitoral gerou um dilema na ciência política entre representatividade e estabilidade governamental, pois, na medida em que a estabilidade aumenta e, no caso de sua construção teórica, o número de competidores viáveis diminui, reduz-se também o grau de representatividade política no Executivo e no Legislativo. No primeiro caso, o critério de estabilidade é consequência do resultado eleitoral – acesso ao poder –, enquanto no segundo é uma questão de competitividade eleitoral – competidores viáveis. Isso ilustra como a temática da estabilidade é alvo de diferentes mensurações, colocando em debate a utilização unívoca da volatilidade enquanto proxy dessa característica.

Segundo Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., é importante que haja alguma estabilidade no comportamento dos partidos, o que seria facilmente percebido em sistemas institucionalizados. Isso faria com que os eleitores pudessem ter maior continuidade em suas escolhas, pois suas opções preferidas sempre estariam presentes nas eleições. Consequentemente, a relação entre eleitor e partido apresentaria comportamento semelhante ao longo do tempo, principalmente em relação à sua ideologia.

Do ponto de vista teórico, não levar em conta o espectro ideológico do partido para a mensuração da volatilidade, principalmente num sistema multipartidário como o brasileiro, pode gerar um viés interpretativo, pelo menos no comportamento do eleitor. Como demonstramos, a oferta partidária aumentou e o número de partidos que receberam votos significativos também, mas isso não significa necessariamente que os eleitores mudam de opinião sem qualquer critério.

Para explorar como a questão ideológica reflete no comportamento do eleitorado brasileiro, dividimos os partidos em blocos com base na posição que ocupam no espectro ideológico e calculamos a volatilidade eleitoral ideológica para o mesmo período. Os partidos políticos que compõem cada bloco são:14 14 A classificação foi elaborada com base em Braga (2006), Power e Zucco (2011) e Braga, Ribeiro e Amaral (2016).

  • Direita – Novo, Partido dos Aposentados da Nação (PAN), Patriota (PATRI), Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Partido da Frente Liberal (PFL)/Democratas (DEM), Partido Geral dos Trabalhadores (PGT), Partido Humanista da Solidariedade (PHS), Partido Liberal (PL), Partido da Mulher Brasileira (PMB), Partido Progressista Brasileiro (PPB)/Progressistas (PP), Partido da Reconstrução Nacional (PRN), Partido da República (PR), Partido Republicano Brasileiro (PRB), PRONA, PRP, Partido Renovador Trabalhista Brasileiro (PRTB), Partido Social Cristão (PSC), Partido Social Democrático (PSD [1]), Partido Social Democrata Cristão (PSDC), Partido Social Liberal (PSL), Partido Social Trabalhista (PST), Partido Trabalhista do Brasil (PTdoB), Partido Trabalhista Cristão (PTC), Partido Trabalhista Nacional (PTN), Partido Social Democrático (PSD [2]) e Solidariedade (SD).

  • Centro – Partido da Social Democracia Brasileira (PSDB) e Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB).

  • Esquerda – Partido Comunista do Brasil (PCdoB), Partido Comunista Brasileiro (PCB), Partido da Causa Operária (PCO), Partido Democrático Trabalhista (PDT), Partido da Mobilização Nacional (PMN), Partido Pátria Livre (PPL), Partido Popular Socialista (PPS), Partido Republicano da Ordem Social (PROS), Partido Socialista Brasileiro (PSB), Partido Socialismo e Liberdade (PSOL), Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), PT, Partido Verde (PV) e Rede Sustentabilidade (REDE).

Vemos, no Gráfico 3, que a volatilidade eleitoral ideológica nacional e a desagregada por estado e região se manteve com valores muito inferiores aos da volatilidade eleitoral partidária. Além disso, e mais importante, os dados indicam uma tendência decrescente quase generalizada, o que sugere um processo de estabilização das preferências ideológicas dos eleitores. Salvo alguns estados do Norte e do Nordeste, todos os demais apresentaram valores continuamente decrescentes para a variação no voto ideológico. Isso informa que, apesar dos eleitores mudarem de partido a cada eleição, essa transferência de voto ocorre entre partidos com vieses ideológicos semelhantes, indicando o reconhecimento do eleitorado e a existência de preferências estáveis em relação às propostas políticas.

Gráfico 3
Média da Volatilidade Eleitoral Ideológica: Estado, Região e Nacional

Como observado nos Gráficos 1 e 2, apesar do NEP permanecer praticamente o mesmo, a volatilidade partidária teve leve aumento. Essas informações, vistas em conjunto com o Gráfico 3, permitem inferir que a variação na volatilidade partidária de 2012 para 2016 aconteceu principalmente por uma perda de votos pelo bloco da esquerda, mais especificamente, pelo PT. Os únicos estados nos quais o bloco de esquerda aumentou sua média de votos foram Goiás, Maranhão e Paraíba. Os dados confirmam que houve uma maior alternância nessas últimas eleições, o que pode ser explicado por essa conjuntura de maior instabilidade e pelo declínio de PT em lançar e eleger candidatos. No entanto, vale destacar que, do ponto de vista do sistema, essa alternância não chegou ao maior valor de volatilidade atingido durante a série analisada, seja em termos partidários, seja em termos ideológicos.

No que tange à estabilidade eleitoral nas disputas para vereadores, observamos uma leve tendência de queda da volatilidade quando consideramos a média nacional. Se adicionamos a essa constatação a de que o número efetivo de competidores aumentou ao longo da série e que nossa unidade analítica é o município, a mais desagregada das arenas eleitorais brasileiras, o resultado da volatilidade chama atenção. Isso indica que o sistema partidário foi capaz de resistir a incentivos desestabilizadores, e em uma arena desfavorável para isso, a local. Ou seja, a entrada de novos partidos no sistema, a variação no lançamento de candidatos e a crise pela qual o país passou não foram suficientes para alterar substantivamente a volatilidade eleitoral. Por fim, investigando a volatilidade eleitoral ideológica identificamos que o eleitor brasileiro nos municípios tende a um padrão de preferência estável, e isso se manteve mesmo considerando o impacto da eleição de 2016 no sistema partidário. Assim, apresentamos um limite operacional da volatilidade enquanto único indicador de estabilidade e um limite teórico enquanto proxy de preferências eleitorais, pelo menos em sistemas partidários fragmentados como o brasileiro.

Destacamos que as mudanças na opção dos eleitores não significam necessariamente um voto personalista ou um baixo reconhecimento dos partidos como atores que os representam. Concordamos que a contínua participação dos mesmos partidos em eleições consecutivas facilita a identificação por parte dos eleitores, mas não podemos ignorar as estratégias de competição. A possibilidade de lançar candidatos tanto para cargos majoritários quanto proporcionais é mais um componente que interfere na tática utilizada para competir. Essas questões são exploradas na seção seguinte.

Raízes partidárias na sociedade

A segunda dimensão para a institucionalização de um sistema partidário é a presença de partidos com “raízes estáveis na sociedade” (somewhat stable roots in society) (Mainwaring e Scully, 1995MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., p. 1). Essa característica tende a ser relacionada à identificação partidária. Tradicionalmente, utiliza-se surveys de preferência partidária para se aferir o quanto o eleitorado se identifica com os partidos. No caso brasileiro, as taxas de identificação em geral são baixas (Kinzo, 2005KINZO, Maria D’Alva. (2005), “Os partidos no eleitorado: percepções públicas e laços partidários no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20 (57): 65-81.; Paiva e Tarouco, 2011PAIVA, Denise & TAROUCO, Gabriela da Silva. (2011), “Voto e identificação partidária: os partidos brasileiros e a preferência dos eleitores”. Opinião Pública, 17 (2): 426-51.) e, consequentemente, infere-se que os partidos não possuem raízes com a sociedade. Kinzo, por exemplo, encontrou laços frágeis entre eleitores e partidos, relacionando isso com um conjunto de fatores do sistema politico brasileiro, que vai desde o sistema eleitoral até problemas organizacionais dos partidos. A autora argumenta que

[a] adoção de um conjunto de regras eleitorais complexo – sistema majoritário, sistema de representação proporcional com lista aberta e permissão de alianças entre os partidos – que dê conta de uma estrutura de poder presidencialista e federativa e um sistema partidário altamente fragmentado têm contribuído para obscurecer a inteligibilidade da competição partidária, desestimulando, portanto, o desenvolvimento de identidades partidárias (Kinzo, 2005KINZO, Maria D’Alva. (2005), “Os partidos no eleitorado: percepções públicas e laços partidários no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20 (57): 65-81., p. 76).

No entanto, o dado de preferência partidária não necessariamente reflete a questão organizacional do partido, o que acarreta um problema ao mesmo tempo teórico e operacional ao conceito de institucionalização. Afinal, duas condições – organização partidária e raízes dos partidos na sociedade – desse mesmo conceito podem levar a resultados distintos. Isso foi empiricamente constatado por Speck et al., ao demonstrarem que parcela significativa dos filiados aos partidos não tem identidade partidária explícita – filiados incongruentes/contraditórios. Os autores argumentam que o primeiro passo para explicar esse tipo de filiação é admitir que o conceito de identidade partidária explica apenas parcialmente os tipos de vínculos entre cidadãos e partidos (Speck et al., 2015, p. 146).

Portanto, optamos pela não utilização da preferência partidária – variável de nível individual – para medirmos as raízes dos partidos com a sociedade. Ao contrário, partimos de dados agregados para indicar essa capacidade de permanência do partido no território e a continuidade de sua atuação política. Desse modo, consideramos que ter raiz na sociedade também significa penetração e sucesso eleitoral e não apenas conquista de bases ou de preferências individuais, o que muitas vezes pode estar atrelado a construções históricas específicas de cada local.

Isso torna a perenidade do partido no município um fator importante para analisar o quanto ele tem raiz naquele território. Como vimos na seção anterior, o número de partidos aumentou no sistema político, inclusive o seu número efetivo ao longo das eleições. Contudo, os partidos mais antigos permaneceram na disputa e, pelo menos no que diz respeito à oferta eleitoral, a entrada de novos atores não significou a saída dos mais antigos. Ou seja, isso não impossibilitou que os partidos mais tradicionais do sistema estabelecessem vínculos nos municípios. A quantidade de partidos presentes nos municípios – considerando o número de partidos que oferece candidato para vereador – cresceu continuamente de pleito a pleito. Esses dados podem ser vistos na Tabela 1, que exibe as medidas-resumo dos partidos presentes nos municípios.

Tabela 1
Medidas-Resumo de Partidos com Candidatos a Vereador por Município

O lançamento de candidato para vereador diz respeito à oferta eleitoral proporcionada pelos partidos. Deslocando nosso olhar da oferta para o resultado eleitoral, podemos verificar o quanto o aumento no número de competidores se relaciona (ou não) à dificuldade de um partido em se estabelecer como a principal força eleitoral do município. Para tanto, verificamos se, ao longo das eleições, repete-se o partido que mais recebeu voto para vereador no mesmo município. O Gráfico 4 descreve essas informações e demonstra que dificilmente um partido se firma como principal receptor de votos para vereador em um único município. Pelo contrário, na maioria das vezes três ou quatro partidos diferentes consagraram-se como maior receptor de voto durante as cinco eleições.

Gráfico 4
Partidos Mais Bem Votados para Vereador Entre 2000 e 2016, em Porcentagem

Essas informações sugerem que, apesar de os partidos sempre disputarem cargos municipais, dificilmente conseguem ser hegemônicos em todas as eleições nos municípios. Isso pode ter relação com um problema de identidade partidária do eleitorado – já observado na seção anterior, no caso da volatilidade partidária –, mas também com o contínuo aumento no número de competidores na disputa eleitoral. O fato de os partidos estarem sempre competindo demonstra que pelo menos algum vínculo eles estabelecem na política local. Mas, como se alternam frequentemente como maiores vencedores das eleições legislativas, o eleitor tende a variar sua preferência partidária. Disso infere-se que os partidos se estabelecem localmente sem criar fortes vínculos identitários com os eleitores.

Para analisar se essa alta alternância de preferência partidária eleitoral num mesmo município é uma tendência geral ao longo dos anos, verificamos quantos partidos conseguem ser o mais votado para vereança em dois pleitos consecutivos. Desse modo, flexibilizamos a medida da preferência eleitoral sem perder a questão da perenidade. Investigamos esse resultado para quatro pares eleitorais, 2000-2004, 2004-2008, 2008-2012 e 2012-2016. Nos três primeiros pares, os valores se mantiveram estáveis, sendo que no último houve uma queda em torno de 5%.

As informações contidas no Gráfico 5 sugerem que, embora o laço do eleitor com os partidos seja baixo nos municípios brasileiros, a preferência eleitoral se mantém razoavelmente estável e em valores maiores quando utilizamos a medida em pares eleitorais. Por outro lado, os altos índices de alternância no partido mais bem votado nas disputas para vereador, mesmo considerando pares eleitorais, demonstram como essas eleições são competitivas. Por isso, esses dados podem referir-se a dois conceitos distintos e que manifestam resultados antagônicos. Afinal, a baixa prevalência de um partido aponta para um baixo enraizamento partidário, ao mesmo tempo que a alta alternância reflete uma intensa competitividade eleitoral (Peres, 2013PERES, Paulo Sergio. (2013), “Institucionalização do sistema partidário ou evolução da competição? Uma proposta de interpretação econômica da volatilidade eleitoral”. Opinião Pública, 19 (1): 21-48.; Vasquez, 2016VASQUEZ, Vitor. (2016), “Ao vencedor, a prefeitura: competição em eleições municipais (1996-2012)”. Dissertação de mestrado. Campinas (SP), Unicamp.).

Gráfico 5
Partidos Mais Bem Votados para Vereador em Pares Eleitorais, em Porcentagem

O termo raiz sugere perenidade, por isso medimos o quanto um partido consegue se consolidar em um município ao longo das disputas, seja em termos de oferta ou de resultado eleitoral. No que diz respeito à oferta, observamos que os partidos se mantiveram nos municípios, mesmo com a entrada de novos competidores. Isso foi constatado pelo constante aumento no número total de partidos que disputam a vereança em cada cidade. Mas, assumindo que a raiz demanda uma relação estreita entre eleitor e partido, os dados de resultado eleitoral não nos permitem afirmar que os partidos brasileiros são enraizados. Pois, conforme destacamos, dificilmente um mesmo partido se consolida como o grande vencedor ao longo das eleições. No entanto, quando analisamos essa mesma característica por par eleitoral, observamos que os dados não são tão baixos assim e se mantiveram estáveis ao longo da série, apenas com um decréscimo de 5% no último par.

Isso nos faz questionar se essa falta de enraizamento significa necessariamente que o sistema político brasileiro dificulta aos eleitores identificarem suas preferências políticas nos partidos. Essa questão fora desafiada na seção anterior, quando analisamos a volatilidade ideológica. Para aprofundarmos esse ponto, medimos quanto há de congruência entre a competição eleitoral para prefeito e para vereadores. Assumimos que tal congruência ocorre na medida em que os eleitores votam de forma coesa na eleição proporcional e majoritária de um mesmo município. Assim, verificamos se o partido que teve o candidato a prefeito mais votado é o mesmo que obteve mais voto para o cargo de vereador. Quanto mais isso ocorre, mais as eleições municipais tendem a ser congruentes e, consequentemente, mais os eleitores tendem a identificar suas preferências políticas no mesmo partido durante cada eleição.

Comparamos somente o partido do candidato para prefeito, excluindo os demais que porventura compunham sua coligação. Buscamos ser mais rigorosos com a análise, assumindo que o partido que o eleitor melhor reconhece na disputa para prefeito é o do próprio candidato. Por outro lado, buscamos eliminar alguma incoerência da análise, pois no Brasil as coligações para prefeito e para vereador podem ser diferentes. Por isso não seguimos à risca a proposta de Mainwaring e Scully (1995MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., p. 9). Os autores sugerem que, em casos de coligações para o majoritário, a comparação deve ser feita com base na coligação e não no partido do candidato.

Realizamos essa análise em todos os municípios do Brasil de 2000 a 2016. Os resultados, apresentados no Gráfico 6, demonstram queda leve e gradual na congruência prefeito-vereador com o passar das eleições de 2000 a 2012, sendo que, com exceção do pleito de 2000, os municípios da região Sul apresentam as maiores taxas. Contudo, apesar da tendência de queda nos primeiros anos da série, em 2016 ocorreu aumento em todas as regiões. Mais uma vez, o resultado eleitoral de 2016 surpreende ao sugerir, pelo menos do ponto de vista agregado, que o impacto da crise política na estabilidade dos partidos nos municípios não foi tão sensível. Isso pode indicar uma capacidade dos partidos brasileiros, em conjunto, de resistir a fatores desestabilizantes.

Gráfico 6
Congruência Prefeito-Vereador por Região, em Porcentagem (2000-2016)

Apesar da diferença de média de congruência prefeito-vereador entre os estados, a tendência de queda ao longo das eleições ocorre de forma quase generalizada até 2012. Sendo que em 2016 houve um crescimento nas taxas de congruência na maioria dos estados. Essa informação é detalhada pela Tabela 2.

Tabela 2
Congruência Prefeito-Vereador por Estado, em Porcentagem (2000-2016)

É importante destacar que com o passar das eleições os valores vão se comportando de modo mais uniforme. Isso pode ser observado na Tabela 3, composta pelas medidas-resumo calculadas com base nas médias estaduais. Note-se que houve queda seguida de estabilização em todos os desvios padrão, o que ratifica a maior uniformidade das taxas de congruência. Além disso, houve queda e estabilidade nos valores de primeiro e terceiro quartis, de mediana e de máximo. Esses dados descritivos sugerem uma tendência geral de queda e uniformização nos valores de congruência partido-vereador.

Tabela 3
Medidas-Resumo da Porcentagem de Municípios por Estado, com Congruência Prefeito-Vereador

Considerando que a congruência prefeito-vereador seja um preditor adequado de que os eleitores tendem a identificar preferências políticas nos partidos durante as eleições, nossos dados indicam uma homogeneização desta característica. Nesse sentido, pode ser surpreendente verificar que em cerca de 40% dos municípios brasileiros o prefeito eleito é do mesmo partido que mais recebe mais votos para vereador, e que isso se mantém mesmo em 2016, sobretudo se considerarmos a grande quantidade de partidos e de municípios que compõem o cenário brasileiro.

Nossos dados ratificam a condição, verificada em outros trabalhos (Kinzo, 2005KINZO, Maria D’Alva. (2005), “Os partidos no eleitorado: percepções públicas e laços partidários no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 20 (57): 65-81.; Paiva e Tarouco, 2011PAIVA, Denise & TAROUCO, Gabriela da Silva. (2011), “Voto e identificação partidária: os partidos brasileiros e a preferência dos eleitores”. Opinião Pública, 17 (2): 426-51.; Zucco Jr., 2013), de que os partidos brasileiros possuem poucas raízes junto aos eleitores. Porém, ao analisarmos a oferta eleitoral para o cargo de vereador, constatamos que os partidos se mantêm nos municípios, mesmo com a entrada de novos eleitores. Corroborando os achados de Speck et al. (2015), que afirmam não haver uma correlação necessária entre identidade e organização partidária, problematizamos o conceito de institucionalização do sistema partidário. Esse conceito é composto de dimensões que não necessariamente caminham para a mesma direção – raiz partidária na sociedade e organização partidária.

Por fim, analisando a congruência de votação entre prefeito e vereador no mesmo município e na mesma eleição, questionamos se os baixos índices de enraizamento significam que o eleitor não é capaz de identificar suas preferências políticas nos partidos. Isso é especialmente relevante se considerarmos que na imensa maioria dos municípios brasileiros as eleições para prefeitos são necessariamente decididas em turno único (municípios com menos de 200 mil eleitores). Conforme demonstram algumas pesquisas (Guarnieri, 2015GUARNIERI, Fernando. (2015), “Voto estratégico e coordenação eleitoral: testando a Lei de Duverger no Brasil”. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 30 (89): 77-92.; Vasquez, 2016VASQUEZ, Vitor. (2016), “Ao vencedor, a prefeitura: competição em eleições municipais (1996-2012)”. Dissertação de mestrado. Campinas (SP), Unicamp.), a Lei de Duverger prevalece nesses locais, reduzindo o número de candidatos para prefeito em algo entre dois e três postulantes. Essa condição reduz sensivelmente a probabilidade do partido que elegeu o prefeito também ser aquele com maior voto nas eleições proporcionais. A possibilidade de que o eleitor identifique nos partidos suas preferências políticas durante as eleições nos leva a refletir se isso é uma forma de legitimação do sistema, tema discutido a seguir.

Legitimidade do sistema

A terceira dimensão da institucionalização do sistema partidário trata da legitimidade do sistema político, mais especificamente da “[...] aceitação dos partidos e das eleições como as instituições legítimas que determinam quem governa” (Mainwaring e Scully 1995MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., p. 1). Os autores indicam que a forma mais adequada para medir essa relação é por meio de surveys. Assim, seguimos a sugestão e trazemos os resultados do Estudo Eleitoral Brasileiro (Eseb) de 2002, 2006, 2010 e 2014 para analisar como os eleitores se relacionam com os procedimentos e as instituições políticas do país.

Apesar desses dados não tratarem especificamente do nível municipal, eles trazem informações relevantes e significativas para a análise. O papel deles neste artigo é mostrar um posicionamento de nível individual sobre temas gerais referentes ao sistema político e eleitoral. Ou seja, temas que não necessariamente estão atrelados ao nível municipal, estadual ou nacional. Essas opiniões indicariam, portanto, como os cidadãos se relacionam com o sistema vigente e sua legitimidade. Desse modo, conseguimos replicar exatamente o que foi proposto por Mainwaring e Scully (1997) em seu trabalho de origem.

Na Tabela 4 observamos que uma porcentagem considerável da população votaria mesmo que o voto não fosse obrigatório, que a grande maioria considera que o voto influencia muito no que acontece no país e que faz diferença quem o governa. Esses resultados indicam que os eleitores reconhecem a importância do processo eleitoral e as consequências de seus atos, pois notam que há diferenças na política do país de acordo com quem (candidato e/ou partido) ocupa o governo.

Tabela 4
Comportamento Individual em Relação aos Partidos e às Eleições

Além disso, percebemos um aumento na avaliação da atuação dos partidos como regular, que deriva da queda das avaliações positivas e negativas, bem como um aumento no número de eleitores que não possuem algum partido de preferência. Sobre a primeira questão, podemos notar que a queda mais expressiva ocorreu entre 2002 e 2006, ou seja, exatamente no intervalo em que aconteceu o escândalo do Mensalão. A divulgação dessa e de outras notícias sobre corrupção pode ser um fator que influencia a queda nas avaliações positivas. Ao mesmo tempo, a maior transparência, a investigação e a divulgação desses casos pela mídia ou pelos próprios partidos podem favorecer a redução nas avaliações negativas. Porém, cabe ressaltar que precisaríamos de questões específicas sobre esses temas para confirmar essas hipóteses.

Já a identidade partidária no Brasil sempre apresentou percentuais baixos e, dentre aqueles que se identificam, são poucos os partidos pelos quais os eleitores manifestam suas preferências. Mas não podemos analisar esse dado de modo isolado. Vimos que os eleitores reconhecem os partidos e que ainda que não votem regularmente na mesma legenda, essa mudança não acontece de forma aleatória. Ou seja, não podemos interpretar a baixa preferência por algum partido político específico, como um baixo reconhecimento das legendas pelos eleitores.

Por fim, temos um aumento na satisfação com o funcionamento da democracia, com exceção da última onda. Ainda que nela o nível de satisfação tenha diminuído, é interessante notar a considerável inversão dos valores ao compararmos avaliações negativas e positivas. Com o passar do tempo, houve um aumento nas pessoas satisfeitas e indiferentes, contraposto a uma redução significativa no nível de insatisfeitos, se tomarmos a pesquisa de 2002 como referência. Para uma melhor interpretação desses resultados seriam necessárias questões que detalhassem quais aspectos da democracia precisam ser melhorados aos olhos da população, mas não temos essas informações.

Esses dados dizem respeito apenas ao período mais recente. Para minimizar a interferência do curto tempo em nossas análises, apresentamos também dados agregados que mostram o comparecimento eleitoral desde as primeiras eleições pós-reabertura democrática até os dias atuais. As informações apresentadas na Tabela 5 são sobre as medidas-resumo da porcentagem de comparecimento válido, ou seja, não levam em consideração os votos brancos e nulos. Optamos por essa informação para demonstrar que as pessoas não só vão votar, mas o fazem escolhendo algum candidato ou partido específico. Essa opção se justifica por dois motivos. Primeiro, indica que mesmo que a preferência partidária seja baixa, os eleitores reconhecem e escolhem um partido dentre as opções disponíveis; segundo, podem sugerir que não se trata apenas de um voto por obrigação, mas de uma escolha, considerando a obrigatoriedade do voto no Brasil. Os cálculos foram realizados por unidade federativa.

Tabela 5
Medidas-Resumo de Comparecimento Eleitoral Válido, em Porcentagem

Os dados demonstram que a grande maioria da população vai às urnas e escolhe um candidato ou partido político. Para ratificar isso, apresentamos também a porcentagem de votos brancos e nulos ao final da mesma tabela e confirmamos que apenas a minoria opta por essas alternativas. Esses votos, que normalmente são interpretados como um ato de protesto ou que podem significar a deslegitimação do sistema, são extremamente baixos, reforçando que, apesar da baixa identidade partidária, os eleitores reconhecem e legitimam os impactos do processo eleitoral.

Por fim, deve-se reforçar que desde a reabertura democrática todas as eleições ocorreram regularmente nas datas previstas; foram respeitados os cargos, os cálculos que determinam o vencedor e as datas das campanhas políticas; e houve pouquíssimos casos nos quais as eleições tiverem que acontecer novamente.15 15 Como exemplo, dados do TSE informam que entre 2007 e 2015 apenas 306 zonas eleitorais tiveram que repetir suas eleições. É um número extremamente baixo considerando que o Brasil tem mais de 5 mil municípios. Além disso, o horário gratuito partidário eleitoral facilita a divulgação dos partidos e de suas propostas e o acesso da população às opções disponíveis para depositarem seu voto. Todos esses elementos auxiliam na legitimidade do processo eleitoral e não podem ser descartados na análise sobre o funcionamento do sistema partidário.

Organização partidária

Por fim, a quarta dimensão corresponde à existência de “partidos com raízes e estruturas razoavelmente estáveis” (Mainwaring e Scully 1995MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., p. 1, tradução nossa). Para discutirmos a institucionalização do sistema partidário, que trata do grau de organização partidária, utilizamos como proxy a quantidade de municípios nos quais os partidos lançam candidatos para vereador. Consideramos que essa medida é coerente, pois o município é a menor subunidade eleitoral do Brasil e, de acordo com as regras locais, para lançar candidatos é preciso que o partido tenha algum tipo de organização naquele território. Além disso, como a disputa para vereador é feita de forma proporcional, o custo de entrada dos competidores é reduzido (Duverger, 1970DUVERGER, Maurice. (1970), Os partidos políticos. Rio de Janeiro, Zahar.). Assim, entendemos que a oferta de candidato para vereança tende a ser a forma mais elementar de inserção de um partido no município (Rocha e Kerbauy 2014ROCHA, Marta Mendes da & KERBAUY, Maria Teresa Miceli. (2014), Eleições, partidos e representação política nos municípios brasileiros. Juiz de Fora (MG), Editora UFJF.), bem como o primeiro indicativo da presença de uma estrutura partidária no local.

O dado mais adequado para essa informação é o de órgão partidário municipal – diretório, comissão provisória e comissão interventora –, pois indica também o porte e a perenidade da organização. Essa informação é disponibilizada pelo TSE, contudo, somente os órgãos com início de vigência mais recente estão disponíveis. Além disso, uma vez que o sistema partidário é a interação competitiva entre os partidos, e essa competição vai às vias de fato nas eleições, argumentamos que o lançamento de candidato para vereador se aproxima bem ao dado de organização, pelo menos no momento eleitoral.

A Figura 1 apresenta a presença de cada partido por município, considerando a oferta de candidato a vereador de 2000 a 2016. Podemos observar que, a despeito do elevado número de partidos no sistema, vários deles atuam numa porcentagem significativa das cidades brasileiras. Destaca-se ainda que os números são elevados e que aumentam a cada eleição. Isso indica duas tendências que interagem entre si. De um lado temos um aumento da participação dos partidos no país; de outro, um aumento no número de competidores (dado já observado na Tabela 3) e, consequentemente, na competitividade das eleições municipais.

Figura 1
Municípios Onde Cada Partido Ofereceu Candidato Para Vereador, em Porcentagem

Os resultados demonstrados pela Figura 1 são instigantes. Quando analisamos as raízes dos partidos junto aos eleitores, encontramos poucos indícios desta dinâmica. Isso poderia levar a interpretação da existência de partidos localistas e pouco estruturados. No entanto, quando investigamos o grau de estruturação partidária nos municípios, os dados nos levam para uma interpretação contrária. Nesse sentido, podemos assumir que a presença mais a longo prazo do partido num mesmo município não leva automaticamente a um enraizamento. Em contrapartida, inferimos também que o baixo enraizamento não implica obrigatoriamente em partidos que competem em poucos municípios.

Para mensurar a permanência desse tipo de organização, analisamos o quanto ela se repete ao longo das eleições. Separamos todos os partidos que disputaram as cinco eleições municipais entre 2000 e 2016 e verificamos quantos pleitos cada um deles disputou no mesmo município. Os dados expostos no Gráfico 7 demonstram que os cinco principais partidos nos municípios são PMDB, PT, PSDB, PPB/PP e PFL/DEM. Todos estes lançaram candidato a vereador em cerca de 50% dos municípios brasileiros nas cinco eleições verificadas. O número é significativo considerando cerca de 5.500 municípios e algo em torno de trinta partidos.

Gráfico 7
Número de Eleições no Mesmo Município por Partido (2000-2016)

Os dados investigados sobre organização partidária apontam para um caminho de ampla e gradativa estruturação dos partidos brasileiros. A inserção destes atores é significativa, tem se ampliado com o passar das eleições e resiste nos mesmos municípios ao longo do tempo. Esses resultados não correspondem aos observados na mensuração das raízes partidárias. Isso coloca em xeque o pressuposto teórico da institucionalização do sistema partidário de que há uma relação positiva entre organização partidária e enraizamento dos partidos no eleitorado. Aliás, essa contradição, já apresentada por Speck et al. (2015), fora vista também quando investigamos a dimensão das raízes partidárias.

O enraizamento na sociedade demanda uma identidade partidária por parte do eleitor. Diferentemente, a organização requer muito mais um esforço do partido. É de se pressupor que esse partido queira se aproximar do eleitor, pois depende de seu voto para vencer eleições. Porém, não é absurdo imaginar que os partidos invistam mais nisso durante os períodos eleitorais, pois o custo para manter organizações e vínculos tende a ser alto por necessitar de constante atividade dos simpatizantes, militantes e filiados. Para os partidos de massa, isso tende a ocorrer com menor esforço, pois, conforme destaca Duverger (1970DUVERGER, Maurice. (1970), Os partidos políticos. Rio de Janeiro, Zahar., p. 33), tais partidos já nascem externamente ao parlamento, com bases consolidadas, de baixo para cima. Entretanto, se seguirmos Aldrich (1995)ALDRICH, John H. (1995), Why parties? The origin and transformation of political parties in America. Chicago, University of Chicago Press. e considerarmos os partidos como instituições criadas por políticos para atingirem seus objetivos, a separação entre as duas dimensões – raízes na sociedade e organização partidária – deixa de parecer contraditória. Segundo o autor, “[o] partido político é portanto uma instituição ‘endógena’ – uma instituição moldada por [estes] atores políticos. Qualquer que seja sua força ou fraqueza, sua forma e seu papel, o partido é a criação de políticos ambiciosos. Estes políticos não têm meta partidária por si. Ao invés disso, eles têm metas mais fundamentais, e o partido é somente o instrumento para alcançá-las. Suas metas são várias e vêm em várias combinações” (Aldrich, 1995ALDRICH, John H. (1995), Why parties? The origin and transformation of political parties in America. Chicago, University of Chicago Press., p. 4, tradução nossa).

Nesse caso, o partido pode ter uma forma de organização estratégica concentrada em disputar e vencer eleições, sem que para isso necessite obrigatoriamente de raízes na sociedade. Assim, os partidos seriam capazes de organizar a competição partidária de forma sistêmica, com o objetivo de estabilizar o sistema que compõem, sem que para isso estabeleçam laços firmes com o eleitorado. Isso pode lhes custar legitimação e, porventura, votos, caso outros partidos estabeleçam estes vínculos.

Considerações finais

Neste artigo buscamos problematizar as dimensões que compõem o conceito de institucionalização dos sistemas partidários. Nossa proposta foi demonstrar que podemos encontrar resultados distintos daqueles esperados por Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press.. No entanto, o intuito não é negar a importância das dimensões que compõem o conceito, e sim avançar problematizando e complexificando o mesmo. A necessidade de rever teórica e metodologicamente este conceito foi ratificada em trabalhos recentes (Luna, 2014LUNA, Juan Pablo. (2014), “Party system institutionalization: do we need a new concept?” Studies in Comparative International Development, 49 (4): 403-25.; Piñeiro Rodríguez e Rosenblatt, 2018PIÑEIRO RODRÍGUEZ, Rafael & ROSENBLATT, Fernando. (2018), “Stability and incorporation: toward a new concept of party system institutionalization”. Party Politics, 18 maio: 1-12.; Hellmann, 2014HELLMANN, Olli. (2014), “Party system institutionalization without parties: evidence from Korea”. Journal of East Asian Studies, 14 (1): 53-84.; Chiaramonte e Emanuele, 2017; Enyedi, 2016ENYEDI, Zsolt. (2016), “Populist polarization and party system institutionalization: the role of party politics in de-democratization”. Problems of Post-Communism, 63 (4): 210-20.; Rose e Mishler, 2010). Inseridos nessa agenda, utilizamos o caso brasileiro para apresentar interpretações complementares com base nas mesmas dimensões propostas pelos autores.

Do ponto de vista operacional, nossos resultados apontam para o mesmo caminho já observado por outros autores (Braga, 2010BRAGA, Maria do Socorro Sousa. (2010), “Eleições e democracia no Brasil: a caminho de partidos e sistema partidário institucionalizados”. Revista Brasileira de Ciência Política, 4: 43-73.; Braga, Ribeiro e Amaral, 2016; Luna e Altman, 2011LUNA, Juan Pablo & ALTMAN, David. (2011), “Uprooted but stable: Chilean parties and the concept of party system institutionalization”. Latin American Politics and Society, 53 (2): 1-28.; Zucco Jr., 2013). O Brasil aparenta ter baixa estabilidade das eleições e poucas raízes dos partidos junto à sociedade. Ao mesmo tempo, apresenta taxas positivas de legitimidade da democracia e das eleições e de grau de organização dos partidos. Isso ratifica a inconsistência de se analisar a institucionalização do sistema partidário baseado tão somente na volatilidade, como se todas as outras dimensões variassem no mesmo perfil que a estabilidade eleitoral. Tal inconsistência se aplica ao tratamento de qualquer outra dimensão de modo isolado, o que limitaria a observação e poderia trazer resultados espúrios.

A partir dessas constatações, o artigo corrobora os apontamentos feitos por Luna (2014)LUNA, Juan Pablo. (2014), “Party system institutionalization: do we need a new concept?” Studies in Comparative International Development, 49 (4): 403-25. em relação ao conceito. Segundo o autor, a institucionalização do sistema partidário tem um problema tanto de validade, quando se usa somente a volatilidade para mensurá-lo, quanto de agregação, pois as quatro dimensões podem ter comportamentos não lineares.16 16 A ocorrência de não linearidade entre as dimensões do conceito pode ser encontrada em análise de outros casos para além dos já conhecidos latino-americanos. Nesse sentido, Hellmann (2014) demonstra que a Coreia apresenta estabilidade nas eleições, mas baixos graus de enraizamento partidário, de legitimidade do sistema e de estrutura organizacional dos partidos. Uma possível solução para o problema do conceito é apresentada por Piñeiro Rodríguez e Rosenblatt (2018)PIÑEIRO RODRÍGUEZ, Rafael & ROSENBLATT, Fernando. (2018), “Stability and incorporation: toward a new concept of party system institutionalization”. Party Politics, 18 maio: 1-12., ao proporem que se investigue não só a estabilidade da competição, mas também a capacidade do sistema de incorporar novos atores para se medir o grau de institucionalização de um sistema partidário. Assim, o sistema partidário nos municípios brasileiros pareceu pródigo, pois mesmo com a entrada de novos atores ao longo do tempo, principalmente na eleição de 2016, tanto a volatilidade como o NEP pouco variaram. No esforço de analisar as dimensões separadamente e comparar os resultados obtidos entre elas, buscamos contribuir em como se medem e se interpretam as dinâmicas dos sistemas partidários.

Outra contribuição diz respeito à análise individual de cada indicador. Nesse sentido, apontamos que tanto a volatilidade eleitoral quanto o enraizamento dos partidos na sociedade tendem a ser piores em países com elevado número de partidos. Isso traz um problema operacional e/ou teórico para essas dimensões. Caso o problema seja de natureza operacional, pode ser resolvido ponderando o número (efetivo) de partidos em seu cálculo. Porém, se a natureza da questão é teórica, deve-se admitir que há um pressuposto tácito de que quanto menos partidos tiver um sistema (desde que seja mais do que um), mais facilmente ocorrerá sua institucionalização.

Ainda a esse respeito, enfatizamos que utilizar unicamente a medida de fidelidade e de preferência partidária como forma de mensurar a estabilidade do sistema deixa lacunas importantes. Um exemplo é que isso desconsidera que os eleitores também respondem às estratégias partidárias e, assim, nem sempre conseguem votar em seu partido de preferência. Isso ocorre pois as mudanças pelas quais os partidos podem passar vão além de questões de caráter ideológico, mas são também referentes às estratégias de expansão nacional, de inserção municipal, de competição política, principalmente em relação ao jogo eleitoral. Isso fica patente sobretudo no âmbito municipal, composto por cerca de 5.500 prefeituras e câmaras legislativas.

Outro ponto a ser destacado trata das consequências previstas pelo conceito. Segundo Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., um sistema partidário de baixa institucionalização pode levar um regime democrático à bancarrota. Mas se o conceito de institucionalização do sistema partidário é composto por quatro dimensões e estas não necessariamente têm o mesmo perfil, deve-se definir qual dimensão seria mais determinante para a estabilidade do regime, ou então evitar analisá-las de forma isolada.17 17 Enyedi (2016) argumenta que na Hungria é justamente a estabilidade da competição que tem gerado baixos índices de qualidade de democracia. Isso aconteceria porque somente um dos partidos tem prevalecido nas eleições. Portanto, essa estabilidade sem incorporação de outros atores (Piñeiro Rodríguez e Rosenblatt, 2018), produz efeitos negativos ao regime democrático. Alguém pode argumentar que o regime estaria de fato em risco se, e somente se, todas as quatro dimensões possuíssem valores baixos. Seria um indício de por que o sistema partidário brasileiro tem se estabilizado e aparenta não colocar em risco o regime.

Ainda assim, o problema operacional seria mantido. Afinal, teríamos que verificar as quatro dimensões do conceito para concluirmos sobre o grau de institucionalização de um dado sistema partidário. Isso nos permite levantar outra questão, que trata da pertinência comparativa. Nosso argumento é de que quanto mais dimensões possuir o conceito, mais difícil se torna compará-lo entre diferentes democracias. A dificuldade se amplia à medida que o efeito de diferentes sistemas eleitorais, diferentes divisões subnacionais e das mais variadas distinções institucionais impactam não só uma, mas quatro variáveis distintas, o que aumentaria gradativamente. Quanto mais dimensões envolvidas, menos parcimoniosa é a comparação. Mas isso não pode ser a justificativa para se unir quatro variáveis com possíveis comportamentos distintos em apenas uma.

Mais uma dificuldade de comparação do conceito trata de colocar lado a lado países cujas democracias são consideradas avançadas com países que passaram por um processo mais recente de democratização. Concordamos com os autores ao afirmarem que a institucionalização do sistema partidário não é um processo linear com caráter evolutivo, mas um contínuo no qual os países podem ser alocados e alterados ao longo do tempo. Ao mesmo tempo, defendemos que muitas dessas comparações são incompletas, pois desconsideram processos históricos e contextos específicos que impactam no tipo de desenvolvimento político-partidário de cada país. Além disso, elas correm o risco de desconsiderar a variável tempo, relevante para o reconhecimento dos atores políticos e para a legitimação dos partidos, das eleições e do regime democrático.

Por fim, problematizamos o protagonismo que a volatilidade eleitoral pode receber como principal (ou único) índice de verificação do grau de institucionalização de um sistema partidário. Segundo Mainwaring e Scully, “institucionalizações se referem a um processo pelo qual uma prática ou organização se torna bem estabelecida e amplamente conhecida, se não universalmente aceita” (Mainwaring e Scully, 1995, p. 4, tradução nossa). Por essa premissa podemos assumir que a legitimidade dos partidos e das eleições e o grau de organização dos partidos são elementos centrais num processo de institucionalização. Logo, tendo essa premissa e nossa análise como base, concluimos que o sistema partidário brasileiro tem avançado em sua estabilização ao longo do tempo.

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  • 1
    Considerando o grau de institucionalização do sistema partidário como uma variável contínua, o grande problema reside nos valores mais baixos do índice. Conforme argumentam Mainwaring e Scully (1995MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., pp. 21-22, tradução nossa), “nosso ponto não é que altos níveis de institucionalização são necessários ou até mesmo inequivocamente desejáveis; é, na verdade, que níveis muito baixos de institucionalização geram problemas”.
  • 2
    Mainwaring revisita frequentemente o conceito (Mainwaring, 1999; Mainwaring, Bizzarro e Power, 2017; Mainwaring e Torcal, 2005MAINWARING, Scott & TORCAL, Mariano. (2005), “Teoria e institucionalização dos sistemas partidários após a terceira onda de democratização”. Opinião Pública, 11 (2): 249-286.; Scully e Mainwaring, 1997SCULLY, Timothy R. & MAINWARING, Scott. (1997), “La institucionalización de los sistemas de partidos en América Latina”. América Latina Hoy, 16: 91-108.). Nesse processo de construção e revisão, Casal Bértoa (2016)CASAL BÉRTOA, Fernando. (2016), “The three waves of party system institutionalisation studies: a multi- or uni-dimensional concept?” Political Studies Review, 16 (1): 60-72. enumera três ondas de estudos sobre a institucionalização do sistema partidário. A primeira foi entre 1965 e 1995. Baseada em pesquisas mais descritivas, tem sua grande referência em Huntington (1965)HUNTINGTON, Samuel P. (1965), “Political development and political decay”. World Politics, 17 (3): 386-430.. A segunda onda ocorreu entre 1995 e 2007. Iniciada pelo trabalho de Mainwaring e Scully (1995)MAINWARING, Scott & SCULLY, Timothy R. (1995), Building democratic institutions: party systems in Latin America. Stanford (CA), Stanford University Press., enfocou os países da terceira onda de democratização e iniciou o esforço de operacionalizar o conceito. Por fim, uma terceira começou em 2007. Essa investiga criticamente as características descritivas e analíticas da institucionalização do sistema partidário (Casal Bértoa, 2016CASAL BÉRTOA, Fernando. (2016), “The three waves of party system institutionalisation studies: a multi- or uni-dimensional concept?” Political Studies Review, 16 (1): 60-72., p. 2).
  • 3
    Luna e Altman (2011)LUNA, Juan Pablo & ALTMAN, David. (2011), “Uprooted but stable: Chilean parties and the concept of party system institutionalization”. Latin American Politics and Society, 53 (2): 1-28. fizeram esse esforço para analisar o caso chileno, assim como Zucco (2013) para o caso brasileiro. Nossa análise difere-se principalmente pela estratégia de investigação, pois escolhemos utilizar os municípios como lócus de pesquisa. Os desdobramentos desta escolha impactam inclusive na análise dos resultados, que serão discutidos no decorrer do artigo.
  • 4
    Dependendo do âmbito da análise é possível chegar a resultados inclusive contraditórios para um mesmo país. Esse debate é longo na ciência política. Já em Poliarquia, Robert Dahl chamou atenção para que diferentes sistemas políticos poderiam ser encontrados sob uma mesma nacionalidade, pois, mesmo dentro de um país, as unidades subnacionais frequentemente diferem nas oportunidades que proporcionam para a contestação e a participação (Dahl, 2012, p. 31).
  • 5
    Bochsler (2010BOCHSLER, Daniel. (2010), “Measuring party nationalisation: a new Gini-based indicator that corrects for the number of units”. Electoral Studies, 29 (1): 155-68., p. 164) investiga o impacto do aumento no número de unidades analíticas (saindo do nível federal para o municipal, por exemplo) sobre a nacionalização dos partidos políticos, elemento-chave no conceito de institucionalização do sistema partidário.
  • 6
    O Estudo Eleitoral Brasileiro é um survey nacional aplicado no período pós-eleitoral. Ele faz parte do Comparative Study of Electoral Systems, sendo organizado no Brasil pelo Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop) da Unicamp.
  • 7
    Conforme salienta Zucco Jr. (2013, p. 79, tradução nossa), “por um lado, medir cada dimensão de institucionalização de sistemas partidários não é simples; por outro, a conexão entre o conceito e certas consequências políticas de interesse não é comum”.
  • 8
    Para esse cálculo, partidos novos foram incluídos na análise considerando que receberam 0 (zero) voto na eleições anterior à sua criação. Partidos que deixaram de existir foram incluídos considerando que receberam 0 (zero) voto na eleições seguinte após sua saída. Para os partidos que se fundiram, somamos os votos que eles receberam na eleição anterior à fusão. Por fim, para os casos de cisões, mantivemos a sigla que permaneceu e consideramos a nova sigla do mesmo modo que fizemos com os casos de partidos novos.
  • 9
    Mais detalhes sobre a volatilidade eleitoral no âmbito municipal brasileiro podem ser encontrados em Arquer (2015)ARQUER, Monize. (2015), “Votos, partidos e contexto: uma análise da volatilidade eleitoral nos municípios brasileiros entre 2000 e 2012”. Dissertação de mestrado. Campinas (SP), Unicamp.. Nesse trabalho, a volatilidade deixa de operar enquanto variável independente – situação mais comum principalmente nas pesquisas sobre estabilidade eleitoral – para se tornar uma variável dependente. Desse modo, a análise contribui tanto para compreensão do sistema partidário, quanto do comportamento eleitoral.
  • 10
    Nossa série eleitoral se inicia em 2000. Isso por um lado pode ser um problema, uma vez que nesse momento o Brasil já tinha passado pela transição há mais de uma década e pela volta ao pluripartidarismo há duas décadas. Após todo esse período, espera-se que o sistema partidário já esteja razoavelmente estabilizado. Contudo, o TSE fornece dados eleitorais completos para todos os municípios brasileiros só a partir de 2000, e o uso de dados de anos anteriores comprometeria nossa análise. Além disso, mesmo após todo esse tempo ainda observamos diferenças nos padrões mais recentes, o que justifica a pertinência de olharmos para a série escolhida neste trabalho.
  • 11
    Desde 2013 houve uma grande onda de contesta- ção popular contra o governo, os partidos, a corrupção etc. Ela se agravou com as consequências da operação Lava Jato, que investigou e trouxe à tona grandes escândalos de corrupção e desvio de dinheiro público. Em 2014, o resultado da eleição nacional chegou a ser contestado, culminando no impeachment da presidente eleita Dilma Rousseff. Esse fato trouxe reflexos significativos ao sistema político como um todo, dentro do qual o PT foi o partido mais afetado. Nas eleições municipais seguintes, em 2016, o partido reduziu o lançamento de candidatura, a conquistas de cargos públicos e os índices de preferência partidária, sendo essa última uma característica que sempre o destacou em comparação com os demais partidos.
  • 12
    O cálculo ocorre da seguinte forma: NEP = 1Σi=1n pi2, onde NEP é o número efetivo de partidos e pi é a fração de voto do i-ésimo partido em relação ao número total de votos.
  • 13
    Segundo Cox (1997COX, Gary W. (1997), Making votes count: strategic coordination in the world’s electoral systems. Nova York, Cambridge University Press., p. 225), essa preocupação com a estabilidade eleitoral gerou um dilema na ciência política entre representatividade e estabilidade governamental, pois, na medida em que a estabilidade aumenta e, no caso de sua construção teórica, o número de competidores viáveis diminui, reduz-se também o grau de representatividade política no Executivo e no Legislativo.
  • 14
    A classificação foi elaborada com base em Braga (2006)BRAGA, Maria do Socorro Sousa. (2006), O processo partidário-eleitoral brasileiro: padrões de competição política, 1982-2002. São Paulo, Humanitas., Power e Zucco (2011)POWER, Timothy Joseph & ZUCCO JR., Cesar. (2011), O Congresso por ele mesmo: autopercepções da classe política brasileira. Belo Horizonte, Editora UFMG. e Braga, Ribeiro e Amaral (2016).
  • 15
    Como exemplo, dados do TSE informam que entre 2007 e 2015 apenas 306 zonas eleitorais tiveram que repetir suas eleições. É um número extremamente baixo considerando que o Brasil tem mais de 5 mil municípios.
  • 16
    A ocorrência de não linearidade entre as dimensões do conceito pode ser encontrada em análise de outros casos para além dos já conhecidos latino-americanos. Nesse sentido, Hellmann (2014)HELLMANN, Olli. (2014), “Party system institutionalization without parties: evidence from Korea”. Journal of East Asian Studies, 14 (1): 53-84. demonstra que a Coreia apresenta estabilidade nas eleições, mas baixos graus de enraizamento partidário, de legitimidade do sistema e de estrutura organizacional dos partidos.
  • 17
    Enyedi (2016)ENYEDI, Zsolt. (2016), “Populist polarization and party system institutionalization: the role of party politics in de-democratization”. Problems of Post-Communism, 63 (4): 210-20. argumenta que na Hungria é justamente a estabilidade da competição que tem gerado baixos índices de qualidade de democracia. Isso aconteceria porque somente um dos partidos tem prevalecido nas eleições. Portanto, essa estabilidade sem incorporação de outros atores (Piñeiro Rodríguez e Rosenblatt, 2018PIÑEIRO RODRÍGUEZ, Rafael & ROSENBLATT, Fernando. (2018), “Stability and incorporation: toward a new concept of party system institutionalization”. Party Politics, 18 maio: 1-12.), produz efeitos negativos ao regime democrático.
  • *
    Agradecemos a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp; Processo 2016/10421-1) e a Capes por ter concedido o apoio financeiro para a realização desta pesquisa. As opiniões, hipóteses e conclusões ou recomendações expressas neste material são de responsabilidade dos autores e não necessariamente refletem a visão da Fapesp.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Jul 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    19 Out 2017
  • Aceito
    11 Dez 2018
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