Acessibilidade / Reportar erro

COMUNALISMO NAS REFUNDAÇÕES ANDINAS DO SÉCULO XXI O sumak kawsay/suma qamaña

LE COMMUNALISME DANS LES REFONDATIONS ANDINES DU XXIÈME SIÈCLE: LE SUMAK KAWSAY/SUMA QAMAÑA

COMMUNALISM IN THE ANDEAN REFOUNDATIONS OF THE 21ST CENTURY: SUMAK KAWSAY / SUMA QAMAÑA

Resumos

Esse artigo estuda o conceito de sumak kawsay em quéchua/quíchua ou suma qamaña em aimara. Na primeira parte, analisa a origem e significado do conceito. Mapeia seus diversos usos, debatendo se ele deveria ser entendido como ideias distintas ou como um conceito unitário. Na segunda parte, discute a apropriação da noção durante os processos constituintes ocorridos no Equador e na Bolívia e sua utilização como justificativa programática pelos respectivos governos, de Rafael Correa e de Evo Morales, articulada a ideias de “socialismo comunitário”, como a defendida por Álvaro García Linera. Na conclusão, o artigo defende que essas ideias são a reedição de um tema recorrente no pensamento das esquerdas periféricas desde o século XIX: a busca de pretensos elementos comunais ainda presentes nessas sociedades, oriundos de um (em certa medida idealizado) passado pré-capitalista e não ocidental, que serviriam de base material e espiritual para a construção de uma sociedade igualitária.

Pensamento político latino-americano; Sumak kawsay/suma qamaña; Comunalismo


Cet article étudie le concept de sumak kawsay en quechua/quichua ou suma qamaña en aymara. Dans la première partie, nous analysons l’origine et le sens du concept. Nous identifions également ses différentes utilisations et débattons si ce concept devrait être compris comme constitué par des idées distinctes ou comme un concept unitaire. Dans la seconde partie, nous discutons l’appropriation de la notion au cours des processus constitutionnels qui ont eu lieu en Équateur et en Bolivie et son utilisation comme justification programmatique par les gouvernements de Rafael Correa et de Evo Morales, respectivement, articulée aux idées de « socialisme communautaire », telle que celle défendue par Álvaro García Linera. En conclusion, nous défendons que ces idées constituent la réédition d’un thème récurrent dans la pensée des gauches périphériques depuis le XIXème : la recherche de prétendus éléments communautaires toujours présents dans ces sociétés, dérivées d’un passé (d’une certaine manière, idéalisé) précapitaliste et non-occidental qui servirait de base matérielle et spirituelle pour la construction d’une société égalitaire.

Pensée politique latino-américaine; Sumak kawsay/suma qamaña; Communalisme


This paper studies the concept of sumak kawsay in Quechua / Quichua or suma qamaña in Aymara. In the first part, it analyses the origin and meaning of the concept. It maps its various uses, inquiring whether it should be understood as distinct ideas or as a unitary concept. In the second part, it discusses the appropriation of the notion during the constituent processes that occurred in Ecuador and Bolivia and its use as a programmatic justification by the respective governments of Rafael Correa and Evo Morales, articulated to ideas of “community socialism”, as defended by Alvaro Garcia Linera. In conclusion, the paper argues that these ideas are the actualization of a recurrent theme of the peripheral left thought since the nineteenth century: the search for alleged communal elements still present in these societies, originated on a (to some extent idealized) precapitalist and not Western past, which would serve as material and spiritual basis for the construction of an egalitarian society.

Latin American Political Thought; Sumak kawsay / suma qamaña; Communalism


Essa utopia tem raízes poderosas no presente e no passado: no presente, porque se apoia em todas as potencialidades e contradições da modernidade para explodir o sistema, e no passado, porque encontra nas sociedades pré-modernas exemplos concretos e provas tangíveis de um modo de vida qualitativamente diferente, distinto da (e, em certos aspectos, superior à) civilização industrial capitalista. Sem nostalgia do passado, não pode existir sonho de futuro autêntico. Nesse sentido, a utopia será romântica ou não será.

Michael Löwy e Robert Sayre (2015LÖWY, Michael & SAYRE, Robert. (2015), Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade. São Paulo, Boitempo., p. 269)

O perigo ameaça tanto o patrimônio da tradição como os que a recebem. Em ambos os casos o perigo é o mesmo: prestar-se a ser instrumento da classe dominante. Em cada época deve-se tentar arrancar a tradição ao respectivo conformismo que está a ponto de subjugá-la. O Messias não vem unicamente como redentor: vem também como vencedor do Anticristo. O dom de acender no passado a fagulha da esperança só é inerente ao historiador que está convencido do seguinte: nem os mortos estarão seguros diante do inimigo quando este vencer. E este inimigo não tem cessado de vencer.

Walter Benjamin (1989BENJAMIN, Walter. (1989), Discursos interrumpidos I. Filosofía del arte y de la historia. Buenos Aires, Taurus., pp. 180-181)

Introdução

Esse artigo analisa o conceito de sumak kawsay (em quéchua ou quíchua1 1 Quéchua no Peru ou quíchua no Equador. O conceito vem tendo menos fortuna no Peru, o outro país andino no qual a presença indígena é significativa. ) ou suma qamaña (em aimara), respectivamente buen vivir ou vivir bien em tradução aproximada ao espanhol, “bem viver”/“bom viver”2 2 Na nota introdutória em Acosta (2016), Tadeu Breda, tradutor e editor do livro, observa que “bom viver” é a tradução que mais respeita o original em espanhol e quíchua. Isso porque sumak é um adjetivo (que significa na tradução ao espanhol hermoso, bello, bonito, precioso, primoroso, excelente), assim como buen e “bom”. No entanto, o tradutor faz a opção “política” e não “linguística” pelo termo “bem viver”, porque este vem sendo utilizado pelos movimentos sociais brasileiros há alguns anos; é a expressão em uso no Brasil. Neste artigo, utilizo a expressão preferencialmente no original quíchua, mas quando é o caso adoto a expressão “bem viver” em português pela mesma razão apontada por Breda. ou “viver bem” em português3 3 Por vezes, se utiliza adicionalmente a expressão guarani ñande reko, que poderia ser entendida por “vida harmoniosa”. Geralmente, a expressão surge como sinônimo de sumak kawsay ou de suma qamaña em discursos políticos, mas não contém necessariamente o mesmo sentido para a intelectualidade indianista guarani ou para especialistas nos modos de vida daquela nação. . A depender do autor, sumak kawsay poderia ser entendido ainda por “vida limpa e harmônica”, ou por “boa vida”. Suma qamaña poderia significar “viver em paz”, “conviver bem”, levar uma “vida doce”, “criar a vida do mundo”. Há diversas outras sugestões de tradução para sumak kawsay e para suma qamaña, às vezes parecendo haver praticamente uma para cada linguista ou intelectual indianista4 4 Aqui se assumem os sentidos de “indianismo” como reflexão originária, declaradamente decolonial, de intelectuais indianistas; em contraposição ao indigenismo, fruto de reflexões de intelectuais criollos ou mestizos “ocidentalizados”. O sentido é extraído diretamente da literatura especializada hispano-americana sobre o tema. – o que torna o tema de sua passagem ao espanhol problemático. O mais razoável é supor que esses termos não são passíveis de uma tradução exata para outros idiomas, no máximo de aproximações.

No entanto, esses termos de difícil tradução nomeiam um corpo de ideias que vem ocupando espaço na política, nos movimentos sociais e no mundo acadêmico desde o início dos anos 2000. À medida que isso ocorre, tais termos vão assumindo sentidos diversos no Equador e na Bolívia (lugares de origem desses debates), ao mesmo tempo que se expandem para várias partes do mundo (nas quais ganham, por sua vez, outros usos). Deve-se considerar que o conceito constitui desde o princípio um significante em disputa, utilizado em chave positiva para definir desde programas e projetos a novas concepções da vida social – e, eventualmente, em chave negativa para criticar posições rivais e adversários políticos. Mapear e compreender essas disputas em torno dos sentidos e usos do sumak kawsay/suma qamaña pode lançar luz sobre diversos aspectos das lutas políticas dos últimos anos no Equador e na Bolívia. Seria interessante adicionalmente mapear e aventar hipóteses acerca da expansão do conceito para além de seu lugar andino de origem5 5 Haveria diversos elementos interessantes a investigar nessa expansão. Por exemplo, sua recepção por parte da intelectualidade crítica e das esquerdas europeias, órfãs de projetos transformadores; a apropriação do conceito por referências cristãs progressistas, como o próprio Papa Francisco, Jorge Mario Bergoglio (2015); ou a sua utilização por diversos grupos étnicos com os quais não necessariamente mantinha relação anterior, como os guaranis, os shuar, os afroequatorianos, e mesmo movimentos indígenas mapuches e maias (estes mais distantes de sua origem geográfica). . Porém, nesse artigo o foco estará posto sobre seus usos no Equador e na Bolívia, onde se tornaram peça central nos programas e discursos dos governos de Rafael Correa (2007CORREA, Rafael. (2007), “Discurso de posesión del presidente de la República, Economista Rafael Correa en la Mitad del Mundo”. Disponível em: <www.efemerides.ec/1/enero/0115_4.htm>. Acesso em: 22 set. 2019.
www.efemerides.ec/1/enero/0115_4.htm>...
-2017) e de Evo Morales (2006-), nos posicionamentos de alguns dos mais relevantes movimentos sociais e, até mesmo, em parte dos setores oposicionistas a esses governos. Para isso, se baseará primordialmente em levantamento de fontes primárias (discursos, programas, manifestos e propostas teóricas que lançam mão desses conceitos) e secundárias (livros e artigos que analisam seus usos). Secundariamente, se baseia em trabalhos de campo realizados pelo autor na Bolívia e no Equador, ao longo dos últimos quinze anos.

É impossível abordar a construção e avanço de projetos alternativos desde os anos 1990 na Bolívia e no Equador sem remeter ao papel dos movimentos indígenas, bem como de ideias que são comumente associadas a esses movimentos e de modo geral a uma “herança indígena” ou “comunal” presente nesses países. O processo boliviano passa pela hegemonia de um projeto e de uma aliança social cujo núcleo é camponês/indígena (sejam os sindicatos6 6 Estruturados politicamente como instituições “ocidentais” (daí o próprio nome de “sindicato”), essas instituições estão imbricadas com estruturas comunais originárias. Os sindicatos, mais que instrumentos reivindicativos e de socialização, organizam a vida comunitária dos indivíduos e famílias que os integram, repartindo terras, aplicando justiça comunitária, organizando trabalho voluntário, comercializando produtos cultivados, entre outras funções. cocaleiros, sejam os ayllus7 7 Núcleo de convivência indígena comunitária calcada em laços familiares estendidos e territoriais, os ayllus são uma permanência e releitura de estruturas sociais anteriores à conquista do continente, basicamente aimaras, quéchuas e urus (Soares, 2014). Servem hoje de identificação e delimitação para movimentos étnicos, como o Conselho Nacional de Ayllus e Markas do Qullasuyu (Conamaq). ). O processo equatoriano assume características mais urbanas e de camadas médias, herdando elementos e referências indígenas do ciclo de lutas anterior, mas não como o núcleo central de seu projeto – o que se explica pelo descenso do movimento indígena e de seu partido8 8 Refiro-me à Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e ao Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik (MUPP). no momento de avanço da Revolução Cidadã liderada por Correa. Essa presença distinta das organizações e projetos indígenas nos dois países não impede, entretanto, que em ambos os casos se recorra às noções respectivamente de suma qamaña e de sumak kawsay (seja diretamente do original, seja em traduções ao espanhol), que vêm exercendo peso considerável nos debates políticos e acadêmicos desses países.

Na primeira seção do artigo, analiso a origem e significado do sumak kawsay/suma qamaña. Mapeio seus diversos usos, debatendo inclusive se ele deveria ser entendido enquanto ideias distintas (ainda que intercambiáveis) ou como um conceito unitário. Na segunda seção, discuto a apropriação da noção durante os processos constituintes ocorridos no Equador e na Bolívia. Adicionalmente demonstro sua utilização como justificativa programática pelos governos de Correa e de Morales e por seus partidos, articulada a ideias limítrofes, como a de “socialismo comunitário”, defendida pelo vice-presidente boliviano Álvaro García Linera. Como conclusão, defendo que essas ideias são apenas a reedição de um tema recorrente no pensamento das esquerdas periféricas desde o século XIX: a busca de pretensos elementos comunais ainda presentes nessas sociedades, oriundos de um (em certa medida) idealizado passado pré-capitalista e não ocidental, que serviriam de base material e espiritual para a construção de uma sociedade igualitária no futuro.

Os múltiplos sentidos de um conceito em disputa

Antes de tudo, é preciso assumir que o sumak kawsay ou suma qamaña constitui uma ideia aberta, “que se está debatendo, que está em construção; é um conceito completamente móvel, que chama a refletir. Se trata de um conceito complexo, não linear, historicamente construído e em constante mutação”9 9 Todas as traduções ao português foram realizadas pelo autor. (Ramírez, 2010RAMÍREZ, René. (2010), “La transición ecuatoriana hacia el Buen Vivir”, in I. León (coord.), Sumak kawsay/buen vivir y cambios civilizatorios, Quito, Fedaeps., p. 139). O debate conceitual e mesmo semântico acerca do tema é longo, e dificilmente poderia ser diferente, por pelo menos três razões.

  1. Há discussões entre intelectuais e movimentos quéchuas/quíchuas e aimaras de que sumak kawsay e suma qamaña poderiam se referir a noções distintas, advindas das diferentes cosmologias dos referidos povos.

  2. Nota-se uma divisão espacial na utilização dessas noções. No Equador de forte presença quíchua, se utiliza geralmente a primeira, enquanto na Bolívia de maior presença aimara no Altiplano, se trabalha com a segunda, o que provavelmente deriva desses diferentes pesos étnicos e distintas experiências históricas.

  3. Não há acordo acerca do nível de influência (dita) “ocidental” sobre o conceito, e, consequentemente, acerca de sua ancestralidade. Essas ideias seriam para muitos uma construção híbrida e recente, fruto do encontro de acadêmicos ocidentais e de identidade mestiza com intelectuais de identidade indianista, propiciado por uma recente reativação das identidades indígenas. Para outros, é uma noção (mais precisamente uma visão de mundo, um modo de estar no mundo) majoritariamente ou puramente indígena, com uma continuidade que remeteria a temporalidades anteriores à conquista do continente.

Quanto ao primeiro problema, considero que esses conceitos guardam uma unidade na pluralidade. Isso permite abordá-los como algo único, apesar das diferenças, visto que boa parte dos que utilizam esses conceitos os consideram expressão de uma pretensa cultura andina comum – como é sugerido, por exemplo, em Albó (2011)ALBÓ, Xavier. (2011), “Suma qamaña = convivir bien. ¿Cómo medirlo?”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó.. Esse conjunto de signos congrega uma pluralidade de conceituações e expressões sociais e territoriais, que vem inclusive rompendo os limites andinos e adquirindo incidência em outros países latino-americanos e europeus. Isso torna em grande medida relativizável e superada a segunda questão. Se há eventuais diferenças entre o “bem viver” equatoriano e o “viver bem” boliviano (e entre as posteriores apropriações realizadas pelos governos de esquerda em ambos os países), essas ideias vêm sendo tratadas por seus formuladores, receptores pelo mundo e por seus críticos10 10 Um bom exemplo de crítica ao conceito (e provavelmente o mais polêmico, ao associar a ele negativamente o epíteto de “pachamamismo”) está em Stefanoni (2011). como algo unitário. Elas remeteriam, conjuntamente, seja a heranças e releituras de cosmologias andinas (distinguíveis, porém entendidas nessas análises geralmente como um corpo unificado em oposição a visões de mundo “ocidentais”), seja a esforços de intelectuais nos Andes e por todo o mundo em buscar alternativas ao desenvolvimento, ao capitalismo, à modernidade, até mesmo ao eurocentrismo e ao ocidente.

Desse modo, chega-se ao terceiro problema, ao qual darei maior atenção porque me parece central para a compreensão do surgimento, relevância e sucesso do conceito. Tomo como recente a criação do sumak kawsay/suma qamaña. Sua aparição como um conjunto de ideias nos debates acadêmicos e políticos se deu, grosso modo, somente no início dos anos 2000, e sua maior expansão ocorreu a partir da segunda metade da década (Vanhulst, 2015VANHULST, Julien. (2015), “El laberinto de los discursos del buen vivir: entre sumak kawsay y socialismo del siglo XXI”. Polis [on-line], Santiago, 14 (40): 233-261.)11 11 Localizei apenas uma referência anterior aos anos 2000, que sistematiza esse conjunto de ideias: o livro compilado pelo intelectual aimara Simón Yampara (1991). . Porém, deve-se reconhecer que ele remete ao mesmo tempo a uma tradição mais larga, que é parte da cultura política e se articula com a materialidade desses países. É uma reinvenção recente, iniciada nos anos 1970 e 1980 com intelectuais indianistas (principalmente aimaras), que iam se formando nas universidades e buscando narrativas alternativas ao liberalismo e ao marxismo, com o apoio de intelectuais e organizações não governamentais (ONGs) “ocidentais”. Mas também é uma retomada de repertórios e cosmologias preexistentes, ainda que não decodificadas enquanto conceitos em sentido acadêmico ou político. Ou seja, trata-se de um exemplo concreto nos países andinos de hibridização, preservação e mesmo incremento de uma “ecologia de saberes”12 12 Refiro-me aqui ao “diálogo horizontal entre conhecimentos” diversos, que Santos (2010, p. 53) denomina “ecologias de saberes” em contraposição à “monocultura da ciência moderna” (Santos, 2010SANTOS, Boaventura de Sousa. (2010), “La hora de l@s invisibles”, in I. León (coord.), Sumak kawsay/buen vivir y cambios civilizatorios, Quito, Fedaeps.).

Em suma, o sumak kawsay/suma qamaña é recente enquanto um corpo de ideias que pode ser mapeado, estudado e compreendido como parte do pensamento político. Mas alguns elementos que constituem sua base já estavam lá, ainda que não fossem chamados somente por um nome e entendidos como algo que pudesse alimentar um corpo de ideias consideradas “respeitáveis”. Do contrário, ele seria um conceito artificial, sem qualquer vocação hegemônica13 13 É como a ideia de ujamaa na Tanzânia recém-independente. Sua aparição como um corpo de ideias intelectuais e políticas (chegando no limite a uma ideologia de Estado) se deveu ao líder da independência e primeiro governante Julius Nyerere, a seus assessores e a intelectuais próximos. Mas remetia a traços sociais e a uma visão de mundo minimamente presente naquela sociedade – do contrário não teria fortuna. Isso serve também para a ideia de “felicidade interna bruta” (FIB) no Butão, ou para a mais recente formulação do ubuntu no Sul da África – entre outros conceitos assemelhados que poderiam ser mencionados aqui. . Voltarei mais adiante a esse ponto.

Nesse sentido, sumak kawsay/suma qamaña é, por excelência, uma construção contemporânea de intelectuais indianistas, movimentos camponeses/indígenas e, em grau crescente, de acadêmicos do campo da “teoria crítica” (especialmente de abordagens decoloniais), que passaram a visualizar nele um potencial para conceber uma visão de mundo alternativa. Mas está em conexão com um passado que, de alguma maneira, ainda persiste no presente. Portanto, há duas temporalidades em jogo: reconstrói-se algo que é parte de um passado até certo ponto mitificado, de sociedades pré-capitalistas que seriam coletivas e igualitárias; mas, ao mesmo tempo, traços e adaptações dessas formas de vida e de conceber a si mesmo e ao mundo ainda se materializam, ao menos parcialmente e de forma adaptada, no presente, em um contexto de sociedades abigarradas14 14 Conceito formulado por Zavaleta para a Bolívia, que remete à noção de sociedade heterogênea, variada, colcha de retalhos ou bricolagem, “uma situação de sobreposição desarticulada de várias sociedades, em que os múltiplos grupos sociais e as instituições políticas se encontram como que sobrepostos, sem estarem articulados. São vários tempos históricos, visões de mundo, vários modos de produção da subjetividade, de socialidade e, sobretudo, várias formas de estruturas de autoridade ou autogoverno que convivem em um mesmo espaço e sem articulação” (Freitas, 2012, p. 77). . Assim, remete-se a um passado que integra o presente ainda que minoritariamente ou em potência. Um passado ao qual se deve retornar para construir uma nova possibilidade de futuro. Seria uma ideia recorrente da originalidade tradicionalizada ou tradição tornada original que permeia diferentes conceitos e ideologias produzidos pelo pensamento político das esquerdas na periferia – ideia que será mais desenvolvida nas considerações finais deste artigo.

Dito isso, deve-se definir com mais propriedade o que vem a ser o sumak kawsay/suma qamaña. Deve-se insistir que se trata de um conceito polissêmico e, ademais, em construção, que vem emergindo de quatro fontes ou correntes intelectuais15 15 Sigo parcialmente a proposta de Hidalgo-Capitán e Cubillo-Guevara (2014), ampliando-a e redefinindo alguns de seus termos. :

  1. indianista ou indigenista, formulação dos próprios intelectuais e movimentos indígenas ou associada a eles, enfatiza o caráter originário do conceito, como em Medina (2011)MEDINA, Javier. (2011), “Acerca del suma qamaña”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó.. Eventualmente, nem o considera de esquerda, entendendo “esquerda” e “direita” como parâmetros ocidentais alheios ao seu universo simbólico. Quando o considera, é claramente uma releitura original da ideia ocidental de esquerda realizada por esses intelectuais e movimentos;

  2. pós-estruturalista, oriunda de intelectuais e movimentos ecologistas, “pós-moderna” e/ou “decolonial”, em busca de alternativas ao desenvolvimento e à modernidade, como em Acosta (2016)ACOSTA, Alberto. (2016), O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo, Autonomia Literária, Elefante. e Gudynas (2012)GUDYNAS, Eduardo. (2012), Buen Vivir y críticas al desarrollo. Saliendo de la modernidad por la izquierda en contra hegemonía y Buen Vivir. Quito, Universidad Central del Ecuador.. Essa vertente propõe mais claramente a apropriação por parte de uma intelectualidade de esquerda de sociabilidades comunais, lidas por ela como originalmente indígenas;

  3. socialista, buscando mesclar elementos comunalistas oriundos da herança indígena a valores e estratégias socialistas, formulando noções como o “socialismo comunitário” ou “do bem viver”, como em Ramírez (2010)RAMÍREZ, René. (2010), “La transición ecuatoriana hacia el Buen Vivir”, in I. León (coord.), Sumak kawsay/buen vivir y cambios civilizatorios, Quito, Fedaeps.. Esse uso do sumak kawsay/suma qamaña já propõe uma reapropriação ainda mais explícita, ao entendê-lo como fonte a inspirar um socialismo alternativo;

  4. neodesenvolvimentista, voltada a estratégias estatais de desenvolvimento e de equidade social. Essa corrente entende o conceito como um “desenvolvimento alternativo”, a exemplo de Álvarez Lozano (2012)ÁLVAREZ LOZANO, Luis Jorge. (2012), “El modelo de desarrollo del buen vivir: alternativa al capitalismo”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 4., não como uma “alternativa ao desenvolvimento”. Progressivamente, hegemonizou os quadros dos governos de esquerda da Bolívia e do Equador, ao menos desde a aprovação das cartas constitucionais. Essa vertente tende a esvaziar o núcleo comunal do conceito e a negar seu sentido epistemológico alternativo, ao associá-lo com “bem-estar” ou “vida melhor”.

Em sua origem, pode-se considerar que o núcleo do conceito implica uma mudança na relação entre os seres humanos, e desses com a natureza. Duas ideias estão em sua base: a primeira, o comunalismo na relação entre os indivíduos, calcado na reciprocidade e na igualdade; a segunda, uma concepção holística da relação homem-natureza, de integração em lugar de domínio e exploração, “de uma ‘externalidade’ para o estabelecimento de uma relação harmônica, com princípios de justiça intergeracional” (Wray, 2009WRAY, Norman. (2009), “Los retos del régimen de desarrollo. El buen vivir en la Constitución”, in A. Acosta; E. Martínez (comps.), El buen vivir: una vía para el desarrollo, Quito, Abya-Yala., p. 53). A relação nesse ponto se modificaria em duas frentes: homem-natureza e geração atual-gerações futuras. Recasens (2014RECASENS, Andreu Viola. (2014), “Discursos ‘pachamamistas’ versus políticas desarrollistas: el debate sobre el sumak kawsay en los Andes”. Íconos – Revista de Ciencias Sociales, Quito, 48: 55-72., p. 58) inclusive compreende que essas relações partem de três polos:

[...] o significado dessas referidas expressões seria o de uma vida digna, ainda que austera, que concebe o bem-estar de forma holística, identificando-o com a harmonia [1] com o entorno social (a comunidade), [2] com o entorno ecológico (a natureza) e [3] com o entorno sobrenatural (os Apus ou Achachilas e demais espíritos de um mundo encantado).

No entanto, é tão evidente que nesse caso o chamado “mundo sobrenatural” está imbricado com a dita “vida material” que considero não haver sentido pensar em três polos. O mundo sobrenatural aqui está subentendido tanto na comunidade quanto na natureza. Deve-se reconhecer ainda que mesmo a referida divisão em dois polos, na qual vou me apoiar aqui por razões argumentativas, é adotada apenas para facilitar a explanação, porque mesmo ela é em parte conflitiva com a ideia de sumak kawsay/suma qamaña. Para diversos autores que se debruçam sobre o tema, esses dois polos deveriam ser entendidos holisticamente, como algo uno: “é necessário ampliar o conceito de comunidade, para outro que inclua não só os seres humanos, mas todos os seres vivos enquanto partes de um ecossistema mais amplo, que se poderia chamar ‘comunidade natural’” (Wray, 2009WRAY, Norman. (2009), “Los retos del régimen de desarrollo. El buen vivir en la Constitución”, in A. Acosta; E. Martínez (comps.), El buen vivir: una vía para el desarrollo, Quito, Abya-Yala., p. 54). A reciprocidade entre indivíduos no presente e em relação às gerações futuras (e mesmo passadas, dado o respeito devido aos antepassados, materializados na própria natureza) também poderia ser observada na relação homem-natureza: o homem recebe seu sustento da natureza que integra e, em troca, permite sua regeneração; e ela, mais adiante, agradecida, voltará a lhe oferecer seus frutos.

Portanto, se assenta em uma concepção de circularidade temporal, alternativa à concepção de tempo progressista, evolucionista, linear, típica da modernidade (Koselleck, 2006KOSELLECK, Reinhart. (2006), Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro, Contraponto/Editora da PUC-Rio.). Remete a uma cosmologia que não compreende a natureza e a cultura como apartadas, nem o humano separado do não humano – um tipo de cosmologia que, apesar de distinta da concepção cartesiana típica da modernidade, que foi se impondo a partir da Europa do século XVII, é recorrente em milhares de sociedades ao longo do tempo (Descola, 2005DESCOLA, Philippe. (2005), Par-delà nature et culture. Paris, Gallimard.). Por tudo isso, seus críticos entenderão o sumak kawsay/suma qamaña como “pré-moderno” e contrário ao bem-estar de suas sociedades, bem-estar esse associado ao avanço da modernidade; seus apoiadores o verão como “pós”, “trans”-moderno, ou, ao menos potencialmente, capaz de alimentar “outra modernidade”.

As duas bases mencionadas se articulam respectivamente com o espaço do ayllu e com a noção de pachamama. O primeiro é o núcleo da convivência indígena comunitária, baseada em laços familiares estendidos e territoriais. Nele se expressa a qama-ña, o lugar do ser/existir, o espaço-tempo social harmônico de bem-estar, lócus da comunidade. Se articula indissociavelmente com a jaka-ña, que se refere mais ao viver, ao espaço-tempo onde se cria a vida, se (re)produz, e é o lócus do casal, do lar (jaqi); e com a jiwa-ña, o lugar de morrer (Medina, 2011MEDINA, Javier. (2011), “Acerca del suma qamaña”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó., pp. 44-45)16 16 Em círculos concêntricos, o ayllu seria a comunidade de jaqis, a marka seria a comunidade de ayllus, rumo a dimensões mais ampliadas como o Qullasuyu e o Tawantinsuyu. . Em resumo, o ayllu é o espaço onde se vive bem. E qama-ña, jaka-ña e jiwa-ña, por sua vez, são indissociáveis do espaço da natureza, a pachamama, com a qual se interage e convive, na qual se apoia a vida em casal, o estar em comunidade e a morte. Qamaña

[...] insinua também a convivência com a natureza, com a Mãe Terra ou Pacha Mama, ainda que sem explicitá-lo. [...] Qamasa é [...] “a energia e força vital para viver e compartir com outros”. Esta é talvez a relação mais explícita entre a raiz qama, como algo que está de maneira muito forte e viva na Pacha Mama, e nós que a habitamos e fazemos dela nossa morada (Albó, 2011ALBÓ, Xavier. (2011), “Suma qamaña = convivir bien. ¿Cómo medirlo?”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó., p. 134).

O sumak kawsay/suma qamaña se aproxima na maioria de suas formulações de referências acadêmicas “ocidentalistas”, seja apelando para narrativas modernistas e socialistas, seja para pós-modernistas e decoloniais, encontro que se evidencia quando intelectuais mais atrelados ao ambiente acadêmico se apropriam do conceito, como Alberto Acosta, Edgardo Lander, Eduardo Gudynas e Boaventura de Sousa Santos. Alberto Acosta (2011, p. 191) chega a afirmar que o conceito não pode se circunscrever às sociedades andinas e que não tem apenas um “enraizamento histórico no mundo indígena, se sustenta também em alguns princípios filosóficos universais aristotélicos, marxistas, ecologistas, feministas, cooperativistas, humanistas e outros”. Por outro lado, o conceito parece relativamente mais “autóctone” quando elaborado por intelectuais indianistas, aimaras como Simón Yampara ou quíchuas como Luis Macas.

Em termos econômicos, propõe-se, em geral, a superação do extrativismo que constitui a base das economias primárias desses países, mas não há qualquer consenso acerca do que deveria substituí-lo – e qual seria o papel de políticas estatais industrializantes e (neo)desenvolvimentistas nesse processo. Alguns autores defendem a necessidade de um “desenvolvimento alternativo”, um novo conceito de desenvolvimento, um novo “regime de desenvolvimento”. Outros defendem a própria superação da noção de desenvolvimento, um “não desenvolvimento” ou “pós-desenvolvimento”: “não se trata hoje em dia de buscar e justificar um desenvolvimento alternativo e sim de construir alternativas ao desenvolvimento” (Carpio Benalcázar, 2009CARPIO BENALCÁZAR, Patricio. (2009), “El buen vivir, más allá del desarrollo. La nueva perspectiva Constitucional en Ecuador”, in A. Acosta; E. Martínez (comps.), El buen vivir: una vía para el desarrollo, Quito, Abya-Yala., p. 122; grifos no original). Isso fica claro na formulação de Acosta:

Quando é evidente a inutilidade de seguir correndo atrás do fantasma do desenvolvimento, emerge com força a busca de alternativas ao desenvolvimento, ou seja, de formas de organizar a vida fora do desenvolvimento, superando o desenvolvimento e, em especial, rechaçando aqueles núcleos conceituais da ideia de desenvolvimento convencional, entendido como a realização do conceito de progresso que nos foi imposto há vários séculos. Isso necessariamente implica superar o capitalismo e suas lógicas de devastação social e ambiental, o que nos abre as portas ao pós-desenvolvimento e, claro, ao pós-capitalismo (Acosta, 2016ACOSTA, Alberto. (2016), O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo, Autonomia Literária, Elefante., pp. 53-54; grifo no original).

Outro debate inconcluso é sobre se o que deverá substituir aquelas referidas metas e estratégias associadas ao “fantasma do desenvolvimento” tem um conteúdo que pode ser entendido como “socialista”. Por vezes, se defende uma mescla entre elementos capitalistas em chave mais progressista (neodesenvolvimentista, estatista) e comunalista, como na proposição de García Linera (2010)GARCÍA LINERA, Álvaro. (2010), “El socialismo comunitario: un aporte de Bolivia al mundo”. Entrevista al Vicepresidente del Estado Plurinacional Ciudadano Álvaro García Linera. Revista de Análisis: reflexiones sobre la coyuntura, 3 (5). Disponível em: <https://issuu.com/vicepresidenciabolivia/docs/revista_analisis_5>. Acesso em: 21 set. 2019.
https://issuu.com/vicepresidenciabolivia...
da necessidade de um “capitalismo andino-amazônico”17 17 García Linera advoga ou prevê uma etapa de desenvolvimento capitalista de Estado, valorizando o comunalismo, a pequena produção e a diversidade étnico-cultural, antes do socialismo de novo tipo (“socialismo comunitário”) baseado nas tradições comunais originárias. como etapa prévia a um “socialismo comunitário” (conceito que ganhou primazia nos trabalhos mais recentes do autor, p. ex., 2015, 2011). Em outros casos, se enfatiza a impossibilidade de convivência desse novo conceito com o capitalismo, mas ao mesmo tempo com o socialismo enquanto um paradigma gestado pela modernidade. Finamente, há os que associam sumak kawsay/suma qamaña com um novo socialismo e, nesse caso, se recorre a noções como socialismo “comunitário” ou “do bem viver”. As relações do sumak kawsay/suma qamaña com diferentes projetos políticos envolvendo as noções de desenvolvimento e de socialismo serão debatidas na próxima seção.

Há, portanto, um papel considerável de intelectuais “ocidentalizados” e mesmo de ONGs internacionais, assessores e consultores internacionais na formulação e expansão do conceito,

[...] atores alheios ao campesinato andino [...]. Esta participação é perfeitamente legítima e não deveria inspirar nenhuma suscetibilidade, sobretudo no caso de pessoas ou instituições caracterizadas por um inquestionável compromisso com o respeito à diversidade cultural e às demandas dos povos indígenas. No entanto, este papel nem sempre está isento de riscos, posto que a falta de contato direto com a realidade cotidiana daqueles a quem se pretende “representar” pode levar à adoção de propostas idealizadas, irreais e essencialistas sobre suas necessidades, suas aspirações e em definitivo sobre seu modus vivendi. […] nos encontramos diante de um caso de “tradição inventada”, na medida em que alguns intelectuais, ao divulgar uma versão idealizada da cosmovisão e dos valores das culturas andinas e convertê-la numa alternativa à visão desenvolvimentista (individualista, economicista, etnocida e ambientalmente agressiva) promovida durante décadas por governos e instituições de desenvolvimento teriam contribuído a sobredimensionar e reificar seu significado (Recasens, 2014RECASENS, Andreu Viola. (2014), “Discursos ‘pachamamistas’ versus políticas desarrollistas: el debate sobre el sumak kawsay en los Andes”. Íconos – Revista de Ciencias Sociales, Quito, 48: 55-72., pp. 63-64).

No entanto, mesmo corroborando com parte das preocupações do autor, quero insistir aqui no hibridismo do conceito – que não constitui um problema em si, provavelmente o enriquece –, bem como nas bases simbólicas e materiais em que ele se sustenta para ter obtido a legitimidade e coerência necessárias à sua expansão e sucesso. Não parece haver dúvidas dos elementos de “tradição inventada” presentes no conceito. Mas algo que os autores que trabalham com a ideia de tradição inventada geralmente ignoram ou pouco enfatizam, a começar por Hobsbawm e Ranger18 18 Trata-se de uma ideia interessante que, no entanto, foi provavelmente motivada pelo internacionalismo/antinacionalismo desses autores. Isso deriva do tratamento hegemonicamente negativo que o tema do nacionalismo moderno recebe no interior do marxismo, e logo da necessidade de reforçar os elementos de mistificação (e mesmo de consciente “falsificação” em muitos casos) presente nos nacionalismos modernos e em seus movimentos. Isso gera pelo menos dois problemas ao marxismo, um acadêmico e outro político. Academicamente, o impede de avaliar o que faz algumas tradições “inventadas” sobreviverem enquanto outras perecem. Politicamente, dificulta a compreensão do potencial revolucionário que os nacionalismos adquirem na periferia. (2012), é que as tradições “inventadas” de “sucesso” devem apresentar sólida base material – do contrário falariam para o vazio, teriam grandes dificuldades em contribuir para a construção de hegemonias. Iamamoto (2013)IAMAMOTO, Sue A. S. (2013), El nacionalismo boliviano en tiempos de plurinacionalidad. Revueltas antineoliberales, Asamblea Constituyente y Democracia Intercultural (2000-2009). La Paz, Tribunal Supremo Electoral, Servicio Intercultural de Fortalecimiento Democrático (Sifde). observa muito bem esse ponto ao afirmar serem a memória e o passado elementos essenciais para a construção da etnicidade e do nacionalismo. O passado é inventado, em grande medida, a partir do presente, mas isso não ocorre do zero, do nada. Pode-se imaginar uma via de mão dupla: o presente reformulando o passado e o passado se manifestando no presente e retornando de tempos em tempos19 19 Essa ideia ecoa as recorrências à “memória larga” nos trabalhos de René Zavaleta (2011) e de Silvia Rivera Cusicanqui (2010). .

Em resumo, o sumak kawsay/suma qamaña constitui um conceito rico exatamente por sua capacidade de se prestar tanto para nomear propostas e programas articulados pelos próprios intelectuais indianistas e movimentos sociais de base camponesa/indígena, quanto para a defesa por uma intelectualidade crítica e por grupos internacionais de um novo projeto societário (em suas versões “fortes”) ou ao menos de propostas socioambientais alternativas (em suas versões mais “fracas”). Obviamente, está embutido aí um risco de se tornar tão amplo que perca qualquer valor. Porém, como apontou Schavelzon (2015)SCHAVELZON, Salvador. (2015), Plurinacionalidad y vivir bien/buen vivir: dos conceptos leídos desde Bolivia y Ecuador. Quito, Abya Yala-Clacso., até aqui parece ser exatamente essa ambivalência o que faz esse conceito relevante nos dias de hoje.

O papel do conceito de sumak kawsay/suma qamaña nas refundações da Bolívia e do Equador

O sumak kawsay/suma qamaña tem se articulado discursivamente com os processos de refundação na Bolívia e no Equador20 20 Para uma discussão da ideia de “refundação” e uma análise dos governos da Bolívia e do Equador, conferir Pereira da Silva (2011, 2015). – tanto durante os processos constituintes nos dois países, quanto nas estratégias de seus governos de esquerda. O conceito assumiu provavelmente a capacidade de remeter ao enraizamento de governos e movimentos em suas sociedades, de maiorias indígenas ou de identidades mestizas recentemente reetnizadas. Nesse sentido, o conceito parece ter sido introduzido nas Assembleias Constituintes da Bolívia (2006-2007) e do Equador (2007-2008) pela atuação de intelectuais, assembleístas governistas, ONGs e movimentos sociais, de forma a inspirar e a nomear diversas inovações institucionais. Além disso, assumiu desde então um papel de legitimação de posições no interior de disputas intragovernamentais e entre governos e setores sociais, servindo de parâmetro (desde sua abertura e polissemia) para avaliar se os dois governos desenvolvem políticas inovadoras, ou se levam a cabo meras reedições de antigos projetos desenvolvimentistas.

Na Bolívia, o conceito foi introduzido na Constituição por contribuições de movimentos camponeses/indígenas e pela atuação de personalidades como o ex-ministro das relações exteriores David Choquehuanca. Ele aparece enquanto princípio ético-moral (entre outros) que deve inspirar o Estado, a sociedade e o modelo econômico. O Artigo 8 afirma que:

O Estado assume e promove como princípios ético-morais da sociedade plural: ama qhilla, ama llulla, ama suwa (não seja preguiçoso, não seja mentiroso nem seja ladrão), suma qamaña (viver bem), ñandereko (vida harmoniosa), teko kavi (vida boa), ivi maraei (terra sem mal) e qhapaj ñan (caminho ou vida nobre).

O mesmo artigo elenca uma série de valores que sustentam o Estado “para viver bem”, que considero mesclarem (de forma sugestiva) elementos “originários”, das esquerdas “tradicionais” e mesmo liberais:

O Estado se sustenta nos valores de unidade, igualdade, inclusão, dignidade, liberdade, solidariedade, reciprocidade, respeito, complementaridade, harmonia, transparência, equilíbrio, igualdade de oportunidades, equidade social e de gênero na participação, bem-estar comum, responsabilidade, justiça social, distribuição e redistribuição dos produtos e bens sociais, para viver bem.

Chegou-se à fórmula negociada das naciones y pueblos indígena originario campesinos (as três ideias reunidas numa mesma formulação sem hífen e com plural só ao final como se fossem uma única ideia) para nomear esse novo sujeito social recorrente no texto constitucional (Schavelzon, 2012SCHAVELZON, Salvador. (2012), El nacimiento del Estado Plurinacional de Bolivia. Etnografía de una Asamblea Constituyente. La Paz, Clacso/Plural/Cejis/IWGIA.), que reflete as identidades híbridas e as alianças na base de sustentação inicial do governo e é, de certo modo, o portador dos valores do suma qamaña e agente do proceso de cambio. O novo sujeito social é definido constitucionalmente no Artigo 30:

É nação e povo indígena originário camponês toda a coletividade humana que comparta identidade cultural, idioma, tradição histórica, instituições, territorialidade e cosmovisão, cuja existência é anterior à invasão colonial espanhola.

Aqui o suma qamaña aparece mais na forma da coexistência da justiça comunitária com a justiça “ocidental” (algo pouco aprofundado desde então) e da noção de “democracia intercultural”21 21 Sustentada “na existência das nações e povos indígena originário camponeses e das comunidades interculturais e afrobolivianas [...] com diferentes formas de deliberação democrática, distintos critérios de representação política e o reconhecimento de direitos individuais e coletivos, [e] baseada na complementaridade da democracia direta e participativa, democracia representativa e democracia comunitária” (Lei do Regime Eleitoral, apudColpari, 2011, p. 5). . Esses aspectos estão expressados e justificados no Artigo 2:

Dada a existência pré-colonial das nações e povos indígena originário camponeses e seu domínio ancestral sobre seus territórios, se garante sua livre determinação no marco da unidade do Estado, que consiste em seu direito à autonomia, ao autogoverno, à sua cultura, ao reconhecimento de suas instituições e à consolidação de suas entidades territoriais.

No Equador, a ideia se impôs nos debates constituintes por diversos fatores, como o papel dos intelectuais quíchuas e dos movimentos indígenas nas discussões, bem como a presença de Alberto Acosta presidindo os trabalhos. Terminou por assumir uma função de unificação discursiva dos vários projetos em pugna, desde o preâmbulo, no qual os assembleístas afirmam ter decidido construir “uma nova forma de convivência cidadã, em diversidade e harmonia com a natureza, para alcançar o bem viver, o sumak kawsay”. Um corpo de direitos fundamentais é constituído pelos direitos “da natureza”, talvez a maior inovação desse texto, na medida em que a natureza é entendida como um sujeito de direitos, em especial quanto à sua preservação e regeneração. Para Santos (2010SANTOS, Boaventura de Sousa. (2010), “La hora de l@s invisibles”, in I. León (coord.), Sumak kawsay/buen vivir y cambios civilizatorios, Quito, Fedaeps., p. 24),

[...] o próprio conceito dos Direitos da Pachamama implica uma mescla, resulta de uma ecologia de saberes: o saber ancestral com o saber moderno, eurocêntrico, progressista. É uma hibridização entre a linguagem do direito e a linguagem proveniente da cosmovisão indígena, pois nesta última o conceito de direito é mais exatamente um de deveres.

Além disso, boa parte dos direitos sociais – mais tradicionais ou de elaboração recente – foi agrupada na consigna dos “direitos do bem viver”, ou seja, a noção define um corpo de direitos fundamentais. Os direitos sociais “garantem”, “possibilitam”, “realizam” o bem viver. Deles derivam um “regime do bem viver”, no qual se agrupam políticas de inclusão e equidade, defesa da biodiversidade e dos recursos naturais; e um “regime de desenvolvimento”, que deve garantir a realização do bem viver. Afirma-se que é dever primordial do Estado, “para aceder ao bem viver”, “planificar o desenvolvimento nacional, erradicar a pobreza, promover o desenvolvimento sustentável e a redistribuição equitativa dos recursos e da riqueza”. Assim como na Constituição da Bolívia, percebe-se na Constituição do Equador a amplitude de significados que o conceito pode assumir, remetendo ao mesmo tempo à profunda inovação dos “direitos da natureza” e associando-se a noções de “desenvolvimento” (“nacional” e “sustentável”).

Para além das constituições, o conceito vem sendo utilizado recorrentemente nos discursos e textos presidenciais, especialmente por parte de Morales, bem como nos documentos governamentais e programas partidários do Movimento ao Socialismo (MAS) na Bolívia e do Pátria Altiva e Soberana (PAÍS) no Equador. Ainda que diversos críticos destaquem as estratégias “neodesenvolvimentistas” e “extrativistas” de ambos os governos (debate que não será aprofundado nestas páginas), o que pretendo destacar aqui é que o sumak kawsay/suma qamaña segue vigente como um significante que nomeia o “horizonte histórico” projetado nos dois países, por mais que possa ter adquirido novos significados no processo ou que possa estar em contradição com projetos e estratégias dos dois governos.

Pode-se observar que o conceito segue vigente como referência fundamental para nomear os planos governamentais. Na Bolívia, vem sendo executado o Plano de Desenvolvimento Econômico e Social no Marco do Desenvolvimento Integral para Viver Bem (2016-2020). Nesse documento,

O Viver Bem é uma filosofia que valoriza a vida, busca o equilíbrio consigo mesmo e com os demais, o estar bem individual, assim como o estar bem coletivo. […] O Viver Bem é o horizonte que reivindica a cultura da vida comunitária em plenitude, em contraposição à cultura do individualismo, do mercantilismo e do capitalismo que se baseia na exploração irracional da humanidade e da natureza, recuperando as raízes mais profundas de nossa história e da identidade de nossos povos (Ministerio de Planificación del Desarrollo, 2016MINISTERIO de Planificación del Desarrollo. (2016), Plan de Desarrollo Económico y Social en el Marco del Desarrollo Integral para Vivir Bien 2016-2020. La Paz, Ministerio de Planificación del Desarrollo., pp. 3-4).

No Equador, os Planos Nacionais de Desenvolvimento de 2009-2013 e de 2013-2017 foram denominados Planos Nacionais para o Bem Viver, estruturados pela Secretaria Nacional de Planejamento e Desenvolvimento (Senplades). No documento para 2013-2017, por exemplo:

O Bem Viver ou Sumak Kawsay é uma ideia mobilizadora que oferece alternativas aos problemas contemporâneos da humanidade. O Bem Viver constrói sociedades solidárias, corresponsáveis e recíprocas que vivem em harmonia com a natureza, a partir de uma mudança nas relações de poder. O Sumak Kawsay fortalece a coesão social, os valores comunitários e a participação ativa de indivíduos e coletividades nas decisões relevantes para a construção de seu próprio destino e felicidade. […] Não se trata de voltar a um passado idealizado, mas de encarar os problemas das sociedades contemporâneas com responsabilidade histórica. O Bem Viver não postula o não desenvolvimento, mas contribui para uma visão distinta da economia, da política, das relações sociais e da preservação da vida no planeta. O Bem Viver promove a busca comunitária e sustentável da felicidade coletiva e uma melhoria da qualidade de vida a partir dos valores (Senplades, 2013SENPLADES – Secretaría Nacional de Planificación y Desarrollo. (2013), Plan Nacional de Desarrollo / Plan Nacional para el Buen Vivir 2013-2017. Quito, Senplades., p. 23).

Segundo Morales:

Enquanto os Povos Indígenas propõem para o mundo o “Viver Bem”, o capitalismo se baseia no “Viver Melhor”. As diferenças são claras: o viver melhor significa viver à custa do outro, explorando o outro, saqueando os recursos naturais, violando a Mãe Terra, privatizando os serviços básicos; em troca o Viver Bem é viver em solidariedade, em igualdade, em harmonia, em complementariedade, em reciprocidade. [...] O Viver Bem é um sistema que supera o capitalista, mas também planteia um desafio que põe em xeque alguns preceitos clássicos da esquerda que, num ânimo desenvolvimentista, propunha o domínio da natureza pelo ser humano (Morales, 2011MORALES, Evo. (2011), “Prólogo”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó.; grifo no original).

Morales e seu ex-chanceler David Choquehuanca se tornaram referências em arenas internacionais de debate sobre a mudança climática, direitos indígenas, entre outros temas, contribuindo para a circulação internacional do conceito de viver bem. Essas iniciativas culminaram na realização da Conferência Mundial dos Povos sobre a Mudança Climática e os Direitos da Mãe Terra, realizada em Cochabamba, de 19 a 22 de abril de 201022 22 Uma compilação dessas intervenções internacionais e de diversos documentos sobre o tema produzidos a partir da chancelaria encontra-se no livro Vivir bien: mensajes y documentos sobre el vivir bien 1995-2010, editado pelo Ministério das Relações Exteriores da Bolívia. .

Por sua parte, nota-se nos discursos de Correa menor utilização da noção e sua crescente associação ao bem-estar e aos valores do cristianismo social defendidos pelo ex-presidente, por exemplo, ao defender

[...] um país sem miséria, mas também sem luxuriosos esbanjamentos, um país que supere a cultura da indiferença, onde se acabem os descartáveis da sociedade. No qual trabalhemos para os filhos de todos e assim, juntos, alcancemos o Bem Viver, o Sumak Kawsay de nossos povos ancestrais” (El Comercio, 2015).

Para além disso, nos últimos anos Correa passou a apresentar o conceito como adjetivação do socialismo, na forma do “socialismo do bem viver” ou “do sumak kawsay”.

Quero me deter um pouco mais aqui na aproximação do sumak kawsay/suma qamaña ao socialismo, realizada pelos dois governos. Pode-se mapear particularmente a ideia de “socialismo comunitário” (mais recentemente complementado pela expressão “do viver bem”) recorrente na Bolívia, e a de “socialismo do bem viver” ou “do sumak kawsay” presente no Equador. Em ambos, sumak kawsay/suma qamaña remeteria a heranças e valores indígenas ainda presentes nas sociedades boliviana e equatoriana, que permitiriam nesses casos dotar a tradição socialista de conteúdos locais, próprios, nacionais. Esse pano de fundo está presente nas duas ideias, mas se elas forem submetidas a uma análise mais criteriosa, percebe-se que diferem consideravelmente. Vejamos.

A ideia de “socialismo comunitário” tem enfatizado nos últimos anos a organização social, econômica, cultural e territorial comunal presente na Bolívia através da permanência/adaptação do ayllu, como na declaração de Morales a seguir. Note-se que ela foi formulada como algo presente, referente ao mundo indígena contemporâneo e a seus movimentos:

[...] somos um socialismo comunitário, baseado no modelo social e econômico do ayllu, na coletividade, reciprocidade e solidariedade. [...] Aqui não se discrimina nem se marginaliza, eliminamos o sectarismo da esquerda tradicional (Morales, 2002MORALES, Evo. (2002), “Entrevista Evo”. El Deber, 8 jul.).

Para diversos intelectuais que acompanham o processo refundador boliviano, a ideia central do conceito é de que a organização comunal, ainda existente no espaço rural boliviano, não constitui um atraso na transição ao socialismo, mas sim uma vantagem23 23 Impossível não remeter a José Carlos Mariátegui e à sua formulação de um “comunismo incaico”, memória social que poderia favorecer a construção do socialismo no Peru. .

Além de autores como Mariátegui, a referência sempre citada pelos formuladores do socialismo comunitário (García Linera, Jorge Viaña, Silvia de Alarcón, entre outros) é o próprio Marx. No entanto, a atenção se volta para textos que fogem da habitual visão de história teleológica expressa em geral nas obras marxianas, nas quais a história teria direção e sentido predeterminados (Bartra, 2015BARTRA, Armando. (2015), “Terca comunidad. Karl Marx: sus lecturas, sus lectores”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 15.). Mais especificamente, remete a textos marxianos alternativos aos Grundrisse (manuscritos de 1857-1858 que delinearam Para a crítica da economia política, de 1859) e, principalmente, ao esboço de resposta de Marx à carta de Vera Zasulich (de 1881). Nesses textos, pouco conhecidos e recuperados posteriormente, Marx defende que a comuna russa (a obschtchina) poderia servir de base para a socialização da produção naquele país, não havendo a necessidade de sua passagem por todas as etapas do desenvolvimento capitalista, pelo fato de que tal sistema já estava consolidado internacionalmente e a Rússia já estava articulada a ele. A comuna poderia passar, em suma, de uma forma de organização produtiva “arcaica” diretamente a uma forma “superior” (Viaña, 2011VIAÑA, Jorge. (2011), “Construyendo fundamentos en la lucha por un socialismo comunitario”, in G. Gosálvez; J. Dulon (coords.), Descolonización, Estado plurinacional, economía comunitaria, socialismo comunitario: debate sobre el cambio, La Paz, Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolivia, Fundación Boliviana para la Democracia Multipartidaria.). Note-se que, se essa formulação parece superar a visão teleológica de história do autor, ainda não rompia com seu evolucionismo eurocêntrico, uma vez que se apontava ainda para formas “inferiores” e “superiores” de organização social. É relevante mencionar que os fragmentos das obras de Marx que sugerem uma visão alternativa de desenvolvimento histórico foram traduzidos ao espanhol e editados em livro (junto com textos de Zasulich, Engels e trabalhos de diversos comentaristas) pela própria vice-presidência da Bolívia, sob o título Karl Marx: escritos sobre la comunidad ancestral (Alarcón e Prieto, 2015ALARCÓN, Silvia de & PRIETO, Vicente (eds.). (2015), Karl Marx: escritos sobre la comunidad ancestral. La Paz, Vicepresidencia del Estado Plurinacional, Presidencia de la Asamblea Legislativa Plurinacional.).

A influência desses manuscritos – além das obras de Mariátegui e de René Zavaleta – permeiam as proposições do Grupo Comuna, de maneira geral. Esse coletivo de intelectuais críticos, como García Linera, Raúl Prada e Luis Tapia, teve relevância no período de crise orgânica vivenciada na Bolívia nos primeiros anos da década de 2000, e se vinculou com maior ou menor intensidade à alternativa constituída em torno de Morales. A posição progressivamente crítica de alguns desses intelectuais em relação ao processo refundador, combinada à sua defesa irrestrita por parte de outros que integram o governo, terminou por desarticular o grupo24 24 Um interessante trabalho sobre a trajetória e as principais formulações do grupo é o livro de Santaella Gonçalves (2016). . Para esses autores, não se trata – é importante assinalar – de um retorno à comunidade tradicional, organização “limitada”, mas de seu papel central no desenvolvimento de novas sociabilidades comunitárias “superiores”, agregando valores das comunidades historicamente existentes. Assim, “o socialismo comunitário é a forma que assume a luta contra o capital tendo como horizonte e como meio de realização as formas comunitárias” (Alarcón, 2011ALARCÓN, Silvia de. (2011), “Socialismo comunitario”, in G. Gosálvez; J. Dulon (coords.), Descolonización, Estado plurinacional, economía comunitaria, socialismo comunitario: debate sobre el cambio. La Paz, Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolivia, Fundación Boliviana para la Democracia Multipartidaria., p. 443).

García Linera se apresenta provavelmente como o representante mais relevante dessa formulação, associando-a mais claramente, nos últimos anos, ao conceito de suma qamaña, ao propor o “socialismo comunitário do viver bem”. A citação a seguir ilustra claramente sua visão sobre o tema:

[...] como na Bolívia fazemos esta revolução desde os Andes, a Amazônia, os vales, as planícies e o Chaco, que são regiões marcadas pela história das antigas civilizações comunitárias locais; então nosso socialismo é comunitário por seu porvir, mas também o é por sua raiz e por seus ancestrais. Já que viemos do comunitário ancestral dos povos indígenas e porque o comunitário está latente no interior das grandes conquistas da ciência e da economia moderna, o futuro necessariamente será um tipo de socialismo comunitário nacional, continental e, em longo prazo, planetário. Mas também o socialismo do novo milênio, que se alimenta de nossa raiz ancestral, incorporará os conhecimentos e as práticas indígenas de diálogo e convivialidade com a Mãe Terra. O resgate do intercâmbio metabólico vivificante entre o ser humano e a natureza, praticado pelas primeiras nações do mundo, pelos povos indígenas, é a filosofia do Viver Bem. E está claro que não somente é a maneira de enraizar o futuro em raízes próprias, mas é ademais a única solução real à catástrofe ambiental que ameaça a vida inteira do planeta. Por isso, o socialismo do novo milênio só pode ser democrático, comunitário e do “viver bem”. Esse é o horizonte de época da sociedade mundial. A única esperança real para uma regeneração (García Linera, 2015GARCÍA LINERA, Álvaro. (2015), “Socialismo comunitario del ‘vivir bien’”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 15., p. 73; grifo no original)25 25 Deve-se mencionar que a vice-presidência da Bolívia vem editando desde 2012 a revista La Migraña… [A Enxaqueca...], que é uma das principais divulgadoras do conceito de sumak kawsay/suma qamaña em suas diversas formas – não apenas em sua aproximação com o socialismo. .

Por sua vez, o “socialismo do bem viver” ou “do sumak kawsay”, recorrente nos discursos de Correa, em documentos do PAÍS e nos trabalhos de René Ramírez (importante quadro do governo equatoriano), reveste-se de conteúdos de fundo ético-moral, do humanismo, do cristianismo, do ecologismo, do republicanismo. Nele, a base comunitária (bem mais frágil no Equador, diga-se de passagem) expressada no ayllu não assume centralidade. Remete, porém, às tradições originárias, na construção de um socialismo original e adequado ao século XXI, um “socialismo à equatoriana”, nuestroamericano. Defende a

[...] consecução do bem-estar comum e da felicidade de cada um, que não se obtém mediante a acumulação de grandes riquezas, nem mediante uma capacidade de consumo excessivo, mas através da maximização dos talentos e capacidades pessoais e coletivas, [...] do desfrute da presença e do acompanhamento dos seres queridos, da existência em harmonia com a natureza” (PAÍS, 2010aPAÍS. (2010A), “Manifiesto Ideológico de Alianza PAIS. Nuestro juramento. Hacia la construcción del Socialismo del Buen Vivir”, in 1era. Convención Nacional de Alianza País, 18 sept.-15 nov. Principios y Programa, Quito, s. ed., p. 12).

Propõe, em linhas gerais, um “mundo mais justo, igualitário e sustentável que, pelo menos, reduza e, posteriormente, reverta, as dinâmicas de estruturação do capitalismo histórico”. Propugna a supremacia do homem e “do trabalho humano sobre o capital e em harmonia com a natureza”, sendo aquele o fim da produção (PAÍS, 2010bPAÍS. (2010B), “Programa, estrategia y táctica del cambio político. La Revolución Ciudadana y la transformación social”, in 1era. Convención Nacional de Alianza País, 18 sept.-15 nov. Principios y Programa, Quito, s. ed., p. 38). Uma apresentação mais detida do que seria o “socialismo do bem viver” encontra-se em Senplades (2013SENPLADES – Secretaría Nacional de Planificación y Desarrollo. (2013), Plan Nacional de Desarrollo / Plan Nacional para el Buen Vivir 2013-2017. Quito, Senplades., em especial pp. 21-29).

Desse modo, mesmo integrando um universo semântico comum, pode-se observar algumas diferenças conceituais nas formulações da Bolívia e do Equador. Quanto a isso, Schavelzon (2015SCHAVELZON, Salvador. (2015), Plurinacionalidad y vivir bien/buen vivir: dos conceptos leídos desde Bolivia y Ecuador. Quito, Abya Yala-Clacso., p. 194) observou que:

As vozes que participam do debate […] são diferentes e é notável que aos antropólogos, filósofos e intelectuais indígenas que participaram do debate […] na Bolívia se somam também os economistas no contexto equatoriano. O dado pode ter relação com os caminhos do conceito nos dois países. Se as menções estatais ao Viver Bem na Bolívia remetem frequentemente à comunidade, no Equador o debate estatal parte da discussão ambiental e das políticas públicas, com presença ecologista e da economia solidária. As distintas características da Chancelaria na Bolívia e da SENPLADES no Equador, que protagonizam o debate, é seguramente um dos fatores que se somam a uma hostilidade e distância maior e mais antiga entre o movimento indígena e o governo do Equador.

Esse trecho ajuda a explicar a abordagem mais ecologista e holística do vivir bien observada no governo boliviano, enquanto a noção de buen vivir se confunde mais no governo equatoriano a ideias associadas a desenvolvimento, progresso e bem-estar. Adicionalmente, se observa da parte de Morales e seu entorno uma recorrência mais decidida ao conceito, em comparação com Correa. De todo modo, nota-se, em ambos os países, maior aderência do conceito nos últimos anos a políticas públicas e estratégias de desenvolvimento e de industrialização – o que vem justificando as críticas de diversos intelectuais que fomentam o conceito. Essa apropriação do conceito talvez ajude a explicar sua crescente articulação “oficial” com a ideia de socialismo, bem como sua maior utilização nas traduções ao espanhol.

Considerações finais: o comunalismo revisitado

Procurei enfatizar ao longo do artigo a expansão e os diversos usos do conceito, deixando implícito que não se trata mais de um conceito “indígena”. Talvez nem tenha sido, desde o início, propriamente indígena. As sociabilidades e epistemologias que o inspiram são indígenas, mas não necessariamente o conceito, pois ele foi gerado há pouco tempo, justamente do encontro de movimentos e intelectuais “indígenas” com intelectuais e ONGs “ocidentais”. Mesmo essa dualidade indígena/ocidental que estou buscando relativizar pelo uso das aspas deve ser em boa medida contestada. Os próprios movimentos e intelectuais indígenas já estavam evidentemente atravessados por hibridismos, exemplificados pelos usos de noções como “esquerda” e “sindicato”, ou pela ideia da doble mirada (classe e etnia). A partir daí, há diferentes usos, e procurei explicitar esse ponto segundo os quatro tipos propostos. Para concluir este artigo, defendo que o sumak kawsay/suma qamaña é uma expressão andina contemporânea de um fenômeno social mais amplo. Farah e Vasapollo (2011FARAH, Ivonne & VASAPOLLO, Luciano. (2011), “Introducción”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó., p. 18) observam que

[...] em diferentes zonas do planeta com ou sem essa densidade [de organização social, comunitária e processos de empoderamento social das comunidades agrárias], se observou a emergência de noções similares. Noções como “viver bem”, “bem viver” e “felicidade pública” surgiram no trânsito de sociedades predominantemente agrárias às modernas ao amparo do humanismo social e paradigmas fundados na crítica social aos problemas emergentes com o capitalismo. Nesse sentido, não é estranho que hoje (res)surjam em diferentes lugares do planeta, e sobretudo onde persistem essas estruturas de maneira importante.

O conceito aqui estudado pode ser associado a diversos outros surgidos nas últimas décadas em meio a processos de expansão acelerada da modernidade na periferia global. São exatamente essas modernidades periféricas de capitalismo dependente que geram os hibridismos, heterogeneidades e abigarramientos, que permitem propor alternativas societárias baseadas em permanências comunais de um passado mais ou menos idealizado. Essas formulações implicam elementos de “invenção de tradições”, mas exigem que esses processos de “invenção” encontrem sólidas bases materiais para seu sucesso. Sucesso aqui entendido como a formulação de conceitos com vocação hegemônica, em sentido gramsciano.

Essas referidas permanências comunais evidentemente integram o presente de suas sociedades, em toda sua complexidade. As visões dualistas das sociedades ditas em processo de “modernização” ou de “desenvolvimento” – tão comuns nas teorias da modernização do século XX e que implicavam a crença em um progressivo desaparecimento do “arcaico” dando lugar ao “moderno”, ou no bloqueio do “moderno” pela permanência do “arcaico” – já foram devidamente criticadas e superadas por todas as reflexões dos dependentistas, subaltern studies, “pós” e “decoloniais” etc. Se aquelas permanências integram o presente, adaptaram-se, em certo sentido, à modernidade, ainda que a entendamos como múltipla e heterogênea26 26 No limite, é compreender a modernidade e seus tempos como algo não monolítico. E reconhecer a existência, particularmente na periferia global, de “tempos heterogêneos”, como na formulação de Chaterjee (2008), desenvolvida para compreender alternativamente a constituição de nações. . Nesse processo de adaptação, constituíram-se em elementos modernos, mesmo que guardem relações com heranças pré-modernas e que possam eventualmente servir de base a projetos alternativos à modernidade. Se constituem como um “outro”, um discurso alternativo, porém do interior da própria modernidade, no sentido sugerido por Delgado.

A constatação de que a lógica moderna é excludente, marginalizando a diferença, não significa afirmar que o “outro” é excluído da modernidade. Ele se constitui na própria modernidade, assim como esta se constrói a partir da interação entre o “eu” e o “outro”. Pressupor o contrário seria entender a própria América Latina como externa à modernidade e corroborar a narrativa dominante. Nesse sentido, o indígena é “produzido” em meio às relações com o colonizador, sendo excluído não da modernidade, mas na modernidade, relação que vai se tornando mais complexa historicamente em meio a uma dinâmica social de interação, exclusão e tensão (Delgado, 2016DELGADO, Ana Carolina. (2016), “Para além do desenvolvimento? A busca por ruptura e a tensão entre modernidade e diferença no Viver Bem”, in C. M. Cunha Filho; J. P. S. L. Viana (orgs.), A Bolívia no século XXI: Estado plurinacional, mudança de elites e (pluri)nacionalismo, Curitiba, Appris., p. 169; grifos no original).

Ao tratar das memórias que são retomadas nas lutas sociais bolivianas contemporâneas, Iamamoto (2015)IAMAMOTO, Sue A. S. (2015), “Desafíos para pensar la memoria colectiva desde Bolivia”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 16. sugere que elementos do passado são estruturantes do presente, ao mesmo tempo que a agência dos atores atua na seleção e construção de memórias. Para a autora, não há contradição entre esses dois movimentos, que denomina respectivamente de “constitutivo” e “instrumental”: essas memórias “são instrumentais porque se tornam ferramentas na luta política, mas só podem ser poderosas porque se relacionam com aspectos íntimos e constitutivos dos próprios atores” (Iamamoto, 2015IAMAMOTO, Sue A. S. (2015), “Desafíos para pensar la memoria colectiva desde Bolivia”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 16., p. 51). Nessa perspectiva, não são quaisquer memórias que podem ser instrumentalizadas. Elas parecem ter

[...] a capacidade de expressar desequilíbrios de poder contemporâneos; o enraizamento no espaço cotidiano dos atores (ou seja, a facilidade com que se pode imaginar os eventos do passado no espaço vivido); e a existência de metáforas corporais, que expressam a perda e a necessidade de tornar-se novamente inteiro para construir projetos futuros” (Iamamoto, 2015IAMAMOTO, Sue A. S. (2015), “Desafíos para pensar la memoria colectiva desde Bolivia”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 16., p. 51).

A leitura de Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade, obra de Michael Löwy e Robert Sayre (2015)LÖWY, Michael & SAYRE, Robert. (2015), Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade. São Paulo, Boitempo., lança ainda mais luz sobre essa questão. Os autores defendem que o romantismo pode ser entendido não como uma corrente artístico-literária do começo do século XIX, mas como um modo de ver o mundo moderno que se estende até hoje, quase como uma antítese da modernidade (como Marx, segundo os autores, já parecia sugerir em seus Grundrisse). Dessa forma, constituiria uma crítica à modernidade surgida da própria modernidade, de seu interior. Isso leva os autores a questionarem a visão do romantismo como algo reacionário, destacando que ele muitas vezes mostra uma perspectiva de futuro, podendo constituir-se inclusive como revolucionário e de esquerda. Trata-se assim não de um retorno ao passado, mas de buscar nele elementos para a construção de um devir alternativo – pois aquele passado é entendido como um momento de realização plena do indivíduo, da nacionalidade, da comunidade. Se já ocorreu, poderá novamente se dar, ainda que em novas bases.

Como o que interessa nessas páginas é a apropriação dessas reflexões pelas esquerdas periféricas, a ideia de um “romantismo revolucionário” em particular importa para a compreensão de uma proposta como o sumak kawsay/suma qamaña. Se essas esquerdas, nos seus processos de invenção e adaptação de conceitos, apelam a um passado (mais ou menos mitificado), isso quer dizer que há uma apropriação de elementos de um passado que é parte efetiva de um presente. Nos termos de Koselleck (2006)KOSELLECK, Reinhart. (2006), Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro, Contraponto/Editora da PUC-Rio., um “passado atual” – do contrário não faria sentido realizar tal apropriação –, de modo a reforçar um projeto de futuro. Trata-se de conectar-se a um dado “espaço de experiência” para produzir um novo “horizonte de expectativas”, um novo “futuro presente”. Sugiro aqui que a ênfase dessas esquerdas segue sendo no futuro, na construção de uma nova sociedade – que pode superar ou não a ideia de progresso e de modernidade, a depender do ponto de vista de cada uma delas, mas procura ao menos queimar etapas, reproduzir elementos do desenvolvimento capitalista, romper com posições periféricas no sistema mundial.

Defendo que é possível comparar formulações produzidas em diversas partes da periferia, ao longo do processo de expansão da modernidade pelo globo – como as ideias de ujamaa, négritude, ubuntu, sumak kawsay/suma qamaña, “felicidade interna bruta” (FIB) –, ainda que tenham sido concebidas em diferentes contextos e momentos. Todas elas constituem propostas de construção de sociedades alternativas baseadas em modos de viver, produzir, socializar, sentir, conhecer, estar no mundo distintos da via principal da modernidade ocidental – modos de vida que fariam parte não somente da memória social daqueles povos que inspiraram esses conceitos, mas ainda parcialmente de seu presente.

Todos esses conceitos remetem àqueles esforços dos narodniks na Rússia do século XIX (os “populistas” russos) em compreender o potencial da comuna em uma transição ao socialismo sem a necessidade de passar por todos os estágios do desenvolvimento capitalista. São formulações típicas das intelectualidades constituídas na periferia global, em busca de um lugar para elas próprias e para seus povos no mundo, desde o momento em que essas intelectualidades adquiriram a “consciência de ser periferia” (Devés-Valdés, 2017DEVÉS-VALDÉS, Eduardo. (2017), Pensamiento periférico. Asia, África, América Latina, Eurasia y más. Una tesis interpretativa global. Santiago, Ariadna.). Essas formulações permearam igualmente o pensamento político das esquerdas na periferia, constituindo-se em diversos momentos, e onde foi possível, na base para processos de adaptação e de nacionalização dessas esquerdas – processos que considero essenciais para sua maior vocação hegemônica.

BIBLIOGRAFIA

  • ACOSTA, Alberto. (2011), “Sólo imaginando otros mundos, se cambiará éste. Reflexiones sobre el buen vivir”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó.
  • ACOSTA, Alberto. (2016), O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo, Autonomia Literária, Elefante.
  • ALARCÓN, Silvia de. (2011), “Socialismo comunitario”, in G. Gosálvez; J. Dulon (coords.), Descolonización, Estado plurinacional, economía comunitaria, socialismo comunitario: debate sobre el cambio. La Paz, Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolivia, Fundación Boliviana para la Democracia Multipartidaria.
  • ALARCÓN, Silvia de & PRIETO, Vicente (eds.). (2015), Karl Marx: escritos sobre la comunidad ancestral. La Paz, Vicepresidencia del Estado Plurinacional, Presidencia de la Asamblea Legislativa Plurinacional.
  • ALBÓ, Xavier. (2011), “Suma qamaña = convivir bien. ¿Cómo medirlo?”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó.
  • ÁLVAREZ LOZANO, Luis Jorge. (2012), “El modelo de desarrollo del buen vivir: alternativa al capitalismo”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 4.
  • BARTRA, Armando. (2015), “Terca comunidad. Karl Marx: sus lecturas, sus lectores”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 15.
  • BENJAMIN, Walter. (1989), Discursos interrumpidos I. Filosofía del arte y de la historia. Buenos Aires, Taurus.
  • BERGOGLIO, Jorge Mario. (2015), “Las tres tareas de los movimientos populares para el proceso de cambio”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 15.
  • CARPIO BENALCÁZAR, Patricio. (2009), “El buen vivir, más allá del desarrollo. La nueva perspectiva Constitucional en Ecuador”, in A. Acosta; E. Martínez (comps.), El buen vivir: una vía para el desarrollo, Quito, Abya-Yala.
  • CHATERJEE, Partha. (2008), La nación en tiempo heterogéneo y otros estudios subalternos. Buenos Aires, Siglo XXI.
  • COLPARI, Otto. (2011), “La nueva participación ciudadana en Ecuador y Bolivia. ¿Resultado de la lucha del movimiento indígena-campesino?” Nómadas. Revista Crítica de Ciencias Sociales y Jurídicas, n. especial América Latina.
  • CORREA, Rafael. (2010), “Entrevista”. La República, 5 mar.
  • CORREA, Rafael. (2007), “Discurso de posesión del presidente de la República, Economista Rafael Correa en la Mitad del Mundo”. Disponível em: <www.efemerides.ec/1/enero/0115_4.htm>. Acesso em: 22 set. 2019.
    » www.efemerides.ec/1/enero/0115_4.htm>
  • CUSICANQUI, Silvia Rivera. (2010), “Oprimidos pero no vencidos”. Luchas del campesinado Aymara y Qhechwa 1900-1980. La Paz, La Mirada Salvaje.
  • DELGADO, Ana Carolina. (2016), “Para além do desenvolvimento? A busca por ruptura e a tensão entre modernidade e diferença no Viver Bem”, in C. M. Cunha Filho; J. P. S. L. Viana (orgs.), A Bolívia no século XXI: Estado plurinacional, mudança de elites e (pluri)nacionalismo, Curitiba, Appris.
  • DESCOLA, Philippe. (2005), Par-delà nature et culture. Paris, Gallimard.
  • DEVÉS-VALDÉS, Eduardo. (2017), Pensamiento periférico. Asia, África, América Latina, Eurasia y más. Una tesis interpretativa global. Santiago, Ariadna.
  • EL COMERCIO. (2015), “Lea los discursos textuales del papa Francisco y Rafael Correa”. 5 jul. Disponível em: <http://www.elcomercio.com/actualidad/discursos-rafaelcorrea-papafrancisco-visitapapal-bienvenida.html> Acesso em: 22 set. 2019.
    » http://www.elcomercio.com/actualidad/discursos-rafaelcorrea-papafrancisco-visitapapal-bienvenida.html>
  • FARAH, Ivonne & VASAPOLLO, Luciano. (2011), “Introducción”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó.
  • FREITAS, Caroline Cotta de Mello. (2012), Entre wiphalas, polleras e ponchos. Embates entre os discursos de CONAMAQ, do Estado Plurinacional da Bolívia e do Direito Internacional. Tese de doutorado em Antropologia Social, São Paulo, USP.
  • GARCÍA LINERA, Álvaro. (2010), “El socialismo comunitario: un aporte de Bolivia al mundo”. Entrevista al Vicepresidente del Estado Plurinacional Ciudadano Álvaro García Linera. Revista de Análisis: reflexiones sobre la coyuntura, 3 (5). Disponível em: <https://issuu.com/vicepresidenciabolivia/docs/revista_analisis_5> Acesso em: 21 set. 2019.
    » https://issuu.com/vicepresidenciabolivia/docs/revista_analisis_5>
  • GARCÍA LINERA, Álvaro. (2011), Las tensiones creativas de la revolución. La quinta fase del proceso de cambio. La Paz, Vicepresidencia del Estado Plurinacional – Presidencia de la Asamblea Legislativa Plurinacional.
  • GARCÍA LINERA, Álvaro. (2015), “Socialismo comunitario del ‘vivir bien’”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 15.
  • GUDYNAS, Eduardo. (2012), Buen Vivir y críticas al desarrollo. Saliendo de la modernidad por la izquierda en contra hegemonía y Buen Vivir. Quito, Universidad Central del Ecuador.
  • HIDALGO-CAPITÁN, Antonio Luis & CUBILLO-GUEVARA, Ana Patricia. (2014), “Seis debates abiertos sobre el sumak kawsay”. Íconos – Revista de Ciencias Sociales, Quito, 48: 25-40.
  • HOBSBAWM, Eric & RANGER, Terence (orgs.). (2012), A invenção das tradições. Rio de Janeiro, Nova Fronteira.
  • IAMAMOTO, Sue A. S. (2013), El nacionalismo boliviano en tiempos de plurinacionalidad. Revueltas antineoliberales, Asamblea Constituyente y Democracia Intercultural (2000-2009). La Paz, Tribunal Supremo Electoral, Servicio Intercultural de Fortalecimiento Democrático (Sifde).
  • IAMAMOTO, Sue A. S. (2015), “Desafíos para pensar la memoria colectiva desde Bolivia”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 16.
  • KOSELLECK, Reinhart. (2006), Futuro passado: contribuição à semântica dos tempos históricos. Rio de Janeiro, Contraponto/Editora da PUC-Rio.
  • LÖWY, Michael & SAYRE, Robert. (2015), Revolta e melancolia: o romantismo na contracorrente da modernidade. São Paulo, Boitempo.
  • MEDINA, Javier. (2011), “Acerca del suma qamaña”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó.
  • MINISTERIO de Planificación del Desarrollo. (2016), Plan de Desarrollo Económico y Social en el Marco del Desarrollo Integral para Vivir Bien 2016-2020. La Paz, Ministerio de Planificación del Desarrollo.
  • MINISTERIO de Relaciones Exteriores. (2010), Vivir Bien: mensajes y documentos sobre el Vivir Bien 1995 - 2010. La Paz, Ministerio de Relaciones Exteriores.
  • MORALES, Evo. (2002), “Entrevista Evo”. El Deber, 8 jul.
  • MORALES, Evo. (2011), “Prólogo”, in I. Farah; L. Vasapollo (coords.), Vivir bien: ¿paradigma no capitalista?, La Paz, Plural, Cides-Umsa, Fundación Xavier Albó.
  • PAÍS. (2010A), “Manifiesto Ideológico de Alianza PAIS. Nuestro juramento. Hacia la construcción del Socialismo del Buen Vivir”, in 1era. Convención Nacional de Alianza País, 18 sept.-15 nov. Principios y Programa, Quito, s. ed.
  • PAÍS. (2010B), “Programa, estrategia y táctica del cambio político. La Revolución Ciudadana y la transformación social”, in 1era. Convención Nacional de Alianza País, 18 sept.-15 nov. Principios y Programa, Quito, s. ed.
  • PEREIRA DA SILVA, Fabricio. (2011), Vitórias na crise. Trajetórias das esquerdas latino-americanas contemporâneas. Rio de Janeiro, Ponteio.
  • PEREIRA DA SILVA, Fabricio. (2015), Democracias errantes. Reflexões sobre experiências participativas na América Latina. Rio de Janeiro, Ponteio.
  • RAMÍREZ, René. (2010), “La transición ecuatoriana hacia el Buen Vivir”, in I. León (coord.), Sumak kawsay/buen vivir y cambios civilizatorios, Quito, Fedaeps.
  • RECASENS, Andreu Viola. (2014), “Discursos ‘pachamamistas’ versus políticas desarrollistas: el debate sobre el sumak kawsay en los Andes”. Íconos – Revista de Ciencias Sociales, Quito, 48: 55-72.
  • SANTAELLA GONÇALVES, Rodrigo. (2016), Intelectuais em movimento. O grupo Comuna e a construção da hegemonia antineoliberal na Bolívia. São Paulo, Alameda.
  • SANTOS, Boaventura de Sousa. (2010), “La hora de l@s invisibles”, in I. León (coord.), Sumak kawsay/buen vivir y cambios civilizatorios, Quito, Fedaeps.
  • SCHAVELZON, Salvador. (2012), El nacimiento del Estado Plurinacional de Bolivia. Etnografía de una Asamblea Constituyente. La Paz, Clacso/Plural/Cejis/IWGIA.
  • SCHAVELZON, Salvador. (2015), Plurinacionalidad y vivir bien/buen vivir: dos conceptos leídos desde Bolivia y Ecuador. Quito, Abya Yala-Clacso.
  • SENPLADES – Secretaría Nacional de Planificación y Desarrollo. (2013), Plan Nacional de Desarrollo / Plan Nacional para el Buen Vivir 2013-2017. Quito, Senplades.
  • SOARES, Alice. (2014), A reemergência de identidades étnicas na modernidade: movimentos sociais e Estado na Bolívia contemporânea. Rio de Janeiro, EdUERJ.
  • STEFANONI, Pablo. (2011), “¿Adónde nos lleva el pachamamismo?” Tabula Rasa, Bogotá, n. 15, s.p.
  • VANHULST, Julien. (2015), “El laberinto de los discursos del buen vivir: entre sumak kawsay y socialismo del siglo XXI”. Polis [on-line], Santiago, 14 (40): 233-261.
  • VIAÑA, Jorge. (2011), “Construyendo fundamentos en la lucha por un socialismo comunitario”, in G. Gosálvez; J. Dulon (coords.), Descolonización, Estado plurinacional, economía comunitaria, socialismo comunitario: debate sobre el cambio, La Paz, Vicepresidencia del Estado Plurinacional de Bolivia, Fundación Boliviana para la Democracia Multipartidaria.
  • WRAY, Norman. (2009), “Los retos del régimen de desarrollo. El buen vivir en la Constitución”, in A. Acosta; E. Martínez (comps.), El buen vivir: una vía para el desarrollo, Quito, Abya-Yala.
  • YAMPARA, Simón (comp.). (1991), Naciones autóctono originarias: vivir y convivir en tolerancia y diferencia. La Paz, Ed. Qamañ-pacha, CADA.
  • ZAVALETA, René. (2011), Lo nacional-popular en Bolivia. La Paz, Plural.

Notas

  • 1
    Quéchua no Peru ou quíchua no Equador. O conceito vem tendo menos fortuna no Peru, o outro país andino no qual a presença indígena é significativa.
  • 2
    Na nota introdutória em Acosta (2016)ACOSTA, Alberto. (2016), O bem viver: uma oportunidade para imaginar outros mundos. São Paulo, Autonomia Literária, Elefante., Tadeu Breda, tradutor e editor do livro, observa que “bom viver” é a tradução que mais respeita o original em espanhol e quíchua. Isso porque sumak é um adjetivo (que significa na tradução ao espanhol hermoso, bello, bonito, precioso, primoroso, excelente), assim como buen e “bom”. No entanto, o tradutor faz a opção “política” e não “linguística” pelo termo “bem viver”, porque este vem sendo utilizado pelos movimentos sociais brasileiros há alguns anos; é a expressão em uso no Brasil. Neste artigo, utilizo a expressão preferencialmente no original quíchua, mas quando é o caso adoto a expressão “bem viver” em português pela mesma razão apontada por Breda.
  • 3
    Por vezes, se utiliza adicionalmente a expressão guarani ñande reko, que poderia ser entendida por “vida harmoniosa”. Geralmente, a expressão surge como sinônimo de sumak kawsay ou de suma qamaña em discursos políticos, mas não contém necessariamente o mesmo sentido para a intelectualidade indianista guarani ou para especialistas nos modos de vida daquela nação.
  • 4
    Aqui se assumem os sentidos de “indianismo” como reflexão originária, declaradamente decolonial, de intelectuais indianistas; em contraposição ao indigenismo, fruto de reflexões de intelectuais criollos ou mestizos “ocidentalizados”. O sentido é extraído diretamente da literatura especializada hispano-americana sobre o tema.
  • 5
    Haveria diversos elementos interessantes a investigar nessa expansão. Por exemplo, sua recepção por parte da intelectualidade crítica e das esquerdas europeias, órfãs de projetos transformadores; a apropriação do conceito por referências cristãs progressistas, como o próprio Papa Francisco, Jorge Mario Bergoglio (2015)BERGOGLIO, Jorge Mario. (2015), “Las tres tareas de los movimientos populares para el proceso de cambio”. La Migraña… Revista de Análisis Político, n. 15.; ou a sua utilização por diversos grupos étnicos com os quais não necessariamente mantinha relação anterior, como os guaranis, os shuar, os afroequatorianos, e mesmo movimentos indígenas mapuches e maias (estes mais distantes de sua origem geográfica).
  • 6
    Estruturados politicamente como instituições “ocidentais” (daí o próprio nome de “sindicato”), essas instituições estão imbricadas com estruturas comunais originárias. Os sindicatos, mais que instrumentos reivindicativos e de socialização, organizam a vida comunitária dos indivíduos e famílias que os integram, repartindo terras, aplicando justiça comunitária, organizando trabalho voluntário, comercializando produtos cultivados, entre outras funções.
  • 7
    Núcleo de convivência indígena comunitária calcada em laços familiares estendidos e territoriais, os ayllus são uma permanência e releitura de estruturas sociais anteriores à conquista do continente, basicamente aimaras, quéchuas e urus (Soares, 2014SOARES, Alice. (2014), A reemergência de identidades étnicas na modernidade: movimentos sociais e Estado na Bolívia contemporânea. Rio de Janeiro, EdUERJ.). Servem hoje de identificação e delimitação para movimentos étnicos, como o Conselho Nacional de Ayllus e Markas do Qullasuyu (Conamaq).
  • 8
    Refiro-me à Confederação de Nacionalidades Indígenas do Equador (Conaie) e ao Movimento de Unidade Plurinacional Pachakutik (MUPP).
  • 9
    Todas as traduções ao português foram realizadas pelo autor.
  • 10
    Um bom exemplo de crítica ao conceito (e provavelmente o mais polêmico, ao associar a ele negativamente o epíteto de “pachamamismo”) está em Stefanoni (2011)STEFANONI, Pablo. (2011), “¿Adónde nos lleva el pachamamismo?” Tabula Rasa, Bogotá, n. 15, s.p..
  • 11
    Localizei apenas uma referência anterior aos anos 2000, que sistematiza esse conjunto de ideias: o livro compilado pelo intelectual aimara Simón Yampara (1991)YAMPARA, Simón (comp.). (1991), Naciones autóctono originarias: vivir y convivir en tolerancia y diferencia. La Paz, Ed. Qamañ-pacha, CADA..
  • 12
    Refiro-me aqui ao “diálogo horizontal entre conhecimentos” diversos, que Santos (2010SANTOS, Boaventura de Sousa. (2010), “La hora de l@s invisibles”, in I. León (coord.), Sumak kawsay/buen vivir y cambios civilizatorios, Quito, Fedaeps., p. 53) denomina “ecologias de saberes” em contraposição à “monocultura da ciência moderna”
  • 13
    É como a ideia de ujamaa na Tanzânia recém-independente. Sua aparição como um corpo de ideias intelectuais e políticas (chegando no limite a uma ideologia de Estado) se deveu ao líder da independência e primeiro governante Julius Nyerere, a seus assessores e a intelectuais próximos. Mas remetia a traços sociais e a uma visão de mundo minimamente presente naquela sociedade – do contrário não teria fortuna. Isso serve também para a ideia de “felicidade interna bruta” (FIB) no Butão, ou para a mais recente formulação do ubuntu no Sul da África – entre outros conceitos assemelhados que poderiam ser mencionados aqui.
  • 14
    Conceito formulado por Zavaleta para a Bolívia, que remete à noção de sociedade heterogênea, variada, colcha de retalhos ou bricolagem, “uma situação de sobreposição desarticulada de várias sociedades, em que os múltiplos grupos sociais e as instituições políticas se encontram como que sobrepostos, sem estarem articulados. São vários tempos históricos, visões de mundo, vários modos de produção da subjetividade, de socialidade e, sobretudo, várias formas de estruturas de autoridade ou autogoverno que convivem em um mesmo espaço e sem articulação” (Freitas, 2012FREITAS, Caroline Cotta de Mello. (2012), Entre wiphalas, polleras e ponchos. Embates entre os discursos de CONAMAQ, do Estado Plurinacional da Bolívia e do Direito Internacional. Tese de doutorado em Antropologia Social, São Paulo, USP., p. 77).
  • 15
    Sigo parcialmente a proposta de Hidalgo-Capitán e Cubillo-Guevara (2014)HIDALGO-CAPITÁN, Antonio Luis & CUBILLO-GUEVARA, Ana Patricia. (2014), “Seis debates abiertos sobre el sumak kawsay”. Íconos – Revista de Ciencias Sociales, Quito, 48: 25-40., ampliando-a e redefinindo alguns de seus termos.
  • 16
    Em círculos concêntricos, o ayllu seria a comunidade de jaqis, a marka seria a comunidade de ayllus, rumo a dimensões mais ampliadas como o Qullasuyu e o Tawantinsuyu.
  • 17
    García Linera advoga ou prevê uma etapa de desenvolvimento capitalista de Estado, valorizando o comunalismo, a pequena produção e a diversidade étnico-cultural, antes do socialismo de novo tipo (“socialismo comunitário”) baseado nas tradições comunais originárias.
  • 18
    Trata-se de uma ideia interessante que, no entanto, foi provavelmente motivada pelo internacionalismo/antinacionalismo desses autores. Isso deriva do tratamento hegemonicamente negativo que o tema do nacionalismo moderno recebe no interior do marxismo, e logo da necessidade de reforçar os elementos de mistificação (e mesmo de consciente “falsificação” em muitos casos) presente nos nacionalismos modernos e em seus movimentos. Isso gera pelo menos dois problemas ao marxismo, um acadêmico e outro político. Academicamente, o impede de avaliar o que faz algumas tradições “inventadas” sobreviverem enquanto outras perecem. Politicamente, dificulta a compreensão do potencial revolucionário que os nacionalismos adquirem na periferia.
  • 19
    Essa ideia ecoa as recorrências à “memória larga” nos trabalhos de René Zavaleta (2011)ZAVALETA, René. (2011), Lo nacional-popular en Bolivia. La Paz, Plural. e de Silvia Rivera Cusicanqui (2010)CUSICANQUI, Silvia Rivera. (2010), “Oprimidos pero no vencidos”. Luchas del campesinado Aymara y Qhechwa 1900-1980. La Paz, La Mirada Salvaje..
  • 20
    Para uma discussão da ideia de “refundação” e uma análise dos governos da Bolívia e do Equador, conferir Pereira da Silva (2011PEREIRA DA SILVA, Fabricio. (2011), Vitórias na crise. Trajetórias das esquerdas latino-americanas contemporâneas. Rio de Janeiro, Ponteio., 2015PEREIRA DA SILVA, Fabricio. (2015), Democracias errantes. Reflexões sobre experiências participativas na América Latina. Rio de Janeiro, Ponteio.).
  • 21
    Sustentada “na existência das nações e povos indígena originário camponeses e das comunidades interculturais e afrobolivianas [...] com diferentes formas de deliberação democrática, distintos critérios de representação política e o reconhecimento de direitos individuais e coletivos, [e] baseada na complementaridade da democracia direta e participativa, democracia representativa e democracia comunitária” (Lei do Regime Eleitoral, apudColpari, 2011COLPARI, Otto. (2011), “La nueva participación ciudadana en Ecuador y Bolivia. ¿Resultado de la lucha del movimiento indígena-campesino?” Nómadas. Revista Crítica de Ciencias Sociales y Jurídicas, n. especial América Latina., p. 5).
  • 22
    Uma compilação dessas intervenções internacionais e de diversos documentos sobre o tema produzidos a partir da chancelaria encontra-se no livro Vivir bien: mensajes y documentos sobre el vivir bien 1995-2010, editado pelo Ministério das Relações Exteriores da Bolívia.
  • 23
    Impossível não remeter a José Carlos Mariátegui e à sua formulação de um “comunismo incaico”, memória social que poderia favorecer a construção do socialismo no Peru.
  • 24
    Um interessante trabalho sobre a trajetória e as principais formulações do grupo é o livro de Santaella Gonçalves (2016)SANTAELLA GONÇALVES, Rodrigo. (2016), Intelectuais em movimento. O grupo Comuna e a construção da hegemonia antineoliberal na Bolívia. São Paulo, Alameda..
  • 25
    Deve-se mencionar que a vice-presidência da Bolívia vem editando desde 2012 a revista La Migraña… [A Enxaqueca...], que é uma das principais divulgadoras do conceito de sumak kawsay/suma qamaña em suas diversas formas – não apenas em sua aproximação com o socialismo.
  • 26
    No limite, é compreender a modernidade e seus tempos como algo não monolítico. E reconhecer a existência, particularmente na periferia global, de “tempos heterogêneos”, como na formulação de Chaterjee (2008)CHATERJEE, Partha. (2008), La nación en tiempo heterogéneo y otros estudios subalternos. Buenos Aires, Siglo XXI., desenvolvida para compreender alternativamente a constituição de nações.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    07 Jan 2017
  • Aceito
    19 Ago 2019
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais - ANPOCS Av. Prof. Luciano Gualberto, 315 - sala 116, 05508-900 São Paulo SP Brazil, Tel.: +55 11 3091-4664, Fax: +55 11 3091-5043 - São Paulo - SP - Brazil
E-mail: anpocs@anpocs.org.br