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As articulações franco-brasileiras na formação da sociologia do trabalho no Brasil (1950 – 1960)

Franco-Brazilian articulations in the formation of the sociology of work in Brazil (1950 – 1960)

Resumo:

Este artigo tem como objetivo analisar a criação e o desenvolvimento da sociologia do trabalho no Brasil e as suas interlocuções com a sociologia do trabalho francesa ao longo dos anos 1950 e 1960. Ressalta-se, para isso, a importância das relações políticas e acadêmicas estabelecidas entre os autores por meio de uma incipiente comunidade acadêmica internacional. Além de uma análise das obras produzidas nesse campo científico, priorizou-se as instituições envolvidas na construção desse novo domínio das ciências sociais. Este texto é ancorado numa sistemática pesquisa em arquivos da França e do Brasil, além de entrevistas com seus protagonistas. Conclui-se que houve um projeto de construção e institucionalização da sociologia do trabalho no Brasil, em articulação com autores e centros de pesquisas de países centrais e da América Latina, acabando por produzir uma agenda de pesquisa e reflexões em comum.

Palavras-chave:
Sociologia – História; Sociologia do trabalho – Brasil; Sociologia do trabalho – França; Intelectuais

Abstract:

This article aims to analyze the Brazilian sociology of work creation and development and its interlocutions with the French sociology of work throughout the 1950s and 1960s. For this, the paper highlights the importance of political and academic relationships established between authors through an incipient international scholarly community. The institutions involved in constructing this new domain of social sciences were prioritized, in addition to an analysis of the works produced in this scientific field. This text is based on systematic research in archives in France and Brazil and interviews with its protagonists. The conclusion indicates a project for the construction and institutionalization of the sociology of work in Brazil, in conjunction with authors and research centers from significant countries and Latin America, producing a common research agenda and reflections.

Keywords:
Sociology – History; Sociology of work – Brazil; Sociology of work – France; Intellectuals

Introdução

Este artigo busca realizar uma análise socio-histórica sobre a criação e o desenvolvimento da sociologia do trabalho no Brasil, ao longo dos anos 1950 e 1960, ressaltando a importância das relações político-acadêmicas estabelecidas com autores e instituições de outros países por meio de uma incipiente comunidade acadêmica internacional.1 1 Este texto apresenta reflexões desenvolvidas na tese de doutoramento O mundo do trabalho e os dilemas da modernização: percursos cruzados da sociologia francesa e brasileira (1950-1960), defendida em 2018 no PPGS/Unicamp, sob orientação do Prof. Dr. Ricardo Antunes. Entre essas, a sociologia do trabalho francesa teve um papel de relevância na influência sobre os sociólogos da Universidade de São Paulo e, por conta disso, também será objeto de análise.

Aquilo que chamamos de sociologia do trabalho, desenvolvida nos anos 1950 e 1960, não se restringe apenas a um campo especializado das ciências sociais. Propomos uma análise mais abrangente, abarcando os estudos que se preocuparam com as questões referentes à indústria e ao trabalho, pois assim esse campo era visto por seus autores naquele período.2 2 Vale ressaltar que, ao longo dos anos 1950 e 1960, este amplo campo de estudos sobre o mundo do trabalho recebeu várias denominações, tais como “sociologia industrial” e “sociologia do trabalho”. Para o caso específico do grupo analisado, propomos a denominação de “sociologia uspiana do trabalho” com o objetivo de ressaltar a consolidação de um estilo de fazer sociologia. Como a interdisciplinaridade e a busca por uma análise da totalidade social era uma tônica dos sociólogos da USP dos anos 1950/60, em particular dos vinculados à Cadeira de Sociologia I, parte de suas produções acadêmicas também foi classificada por outros autores como “sociologia econômica” (Guimarães e Leite, 1994; Nahoum, 2017). Dessa forma, quando falamos de sociologia do trabalho francesa, referimo-nos ao grupo que se desenvolveu a partir dos estudos e das pesquisas de Georges Friedmann e, posteriormente, Alain Touraine. No caso brasileiro, entendemos por “sociologia uspiana do trabalho” os estudos que foram realizados por um heterogêneo grupo de cientistas sociais, composto por Mário Wagner Vieira da Cunha, Juarez Brandão Lopes, Azis Simão e os principais colaboradores da Cadeira de Sociologia I, regida por Florestan Fernandes, em particular Fernando Henrique Cardoso e Leôncio Martins Rodrigues.

A maioria dos textos que abordam o desenvolvimento da sociologia do trabalho no Brasil concentra-se nas análises das obras e das categorias formuladas pelos seus autores, predominando, muitas vezes, o estudo de exegese de texto ou a análise comparativa das teses e das “escolas”.3 3 Alguns exemplos de artigos e teses nesse sentido são de Romão (2003, 2006), Cândido (2002), Guimarães e Leite (1994), Leite Lopes et al. (2012), Lima e Leite (2020) e Bridi et al. (2020). Em alguns casos, quando diferentes “tradições”4 4 Não será possível neste artigo problematizar e desenvolver a ideia de tradição sociológica, em contraposição à de “escola sociológica”. Vale pontuar que esse termo busca ressaltar a heterogeneidade de um grupo acadêmico envolvido em projetos comuns e na construção de um determinado campo científico. Para um aprofundamento do conceito, ver Chapoulie (2001, 2005) são comparadas, ressalta-se mais os confrontos político-teóricos e as disputas acadêmicas do que as articulações entre os seus membros na busca de constituir um campo comum de trabalho. Isso ocorre, pois raríssimos são os estudos que priorizam a análise das instituições envolvidas na construção desse novo domínio das ciências sociais, aspecto que conduziria os pesquisadores a uma rigorosa investigação documental. Por conta disso, este texto é ancorado numa sistemática pesquisa em dezenas de arquivos da França e do Brasil, além de entrevistas com protagonistas da época.

Assim, a pesquisa que embasou a escrita deste artigo nos permite concluir que, nos anos 1950 e 1960, houve no Brasil um projeto de construção e institucionalização de estudos sobre a indústria e o trabalho, em articulação com autores e centros de investigações de países centrais, especialmente os franceses, que acabou por produzir um estilo de pesquisa que marcou a sociologia do trabalho brasileira.

O mito de origem da sociologia do trabalho no Brasil

Realizar uma análise socio-histórica da sociologia do trabalho brasileira das décadas de 1950 e 1960, particularmente aquela produzida na USP, coloca-nos diante de algumas dificuldades metodológicas importantes, principalmente no que diz respeito às narrativas de protagonistas que se consolidaram como verdades e se reproduziram como fatos na maioria dos trabalhos sobre o tema. Aqui vale a ressalva sobre a importância de perceber as

[...] representações e hierarquizações com que também os cientistas sociais buscam (re)construir o passado de seus antecessores como parte de seu presente, selecionando mentores, patronos e heróis intelectuais e políticos, firmando reputações e nulidades, estabelecendo filiações, parentescos e linhas de influência, celebrando alianças, rompendo coalizões, num trabalho sistemático de ordenamento e racionalização que cada geração de produtores procura refazer como que tentando moldar a sua própria posição e firmar o valor de sua contribuição para a história intelectual de que se sentem e se veem como participantes. (Miceli e Massi, 1989MICELI, Sergio & MASSI, Fernanda (org.). (1989), História das ciências sociais no Brasil, São Paulo - SP, Brasil: IDESP: Vértice: FINEP., p. 8)

Assim, seguindo a mesma preocupação de Miceli, vale destacar e indagar uma das narrativas predominantes, nas obras sobre o tema, quando se trata de explicar o surgimento da sociologia do trabalho no Brasil. Segundo as palavras de um de seus protagonistas, Cardoso,

[...] mais tarde, por alguma razão, eu creio que foi o Fernando de Azevedo quem convidou o Friedmann. Ele era um professor francês do Conservatoire National des Arts et Métiers. Ele foi o iniciador do que se chamou de sociologia do trabalho, nos anos 1950, no começo dos anos 1950. Aí veio o Friedmann para cá. E isso coincidiu com uma eleição. Não sei se foi de 54 ou de 50. Acho que foi de 54. Meu pai era general, mas ele foi candidato a Deputado pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) e foi eleito. Eu nunca participei da vida política ativa, na época acadêmica. Só muito mais tarde. Mas eu conhecia e eu andei com o Friedmann, pois, na época, tinha as suas vantagens e desvantagens. Eu tinha um automóvel. Uma tia minha me deu um carro. Então eu andei muito com ele para mostrar São Paulo e mostrar também como era a eleição em São Paulo. E era muito complicado, pois o Partido Comunista estava embutido no PTB, e ele não entendia nada. Isso daqui era Casa de Getúlio, mas, na verdade, era tudo comunista. Então era difícil para um europeu entender a situação brasileira, então eu andei com o Friedmann por aí [...] O fato é que eles resolveram indicar o Alain Touraine para vir para cá. Touraine, a essa altura, já tinha feito aquela pesquisa lá no Chile, em Huachipato e Lota. E, por acaso, tinha trabalhado lá com alguém que depois escreveu um livro comigo, Enzo Faletto. O Alain veio para cá, e eu falava francês desde pequeno, então era mais fácil entrar em contato com essa gente [...] (Cardoso, 2017CARDOSO, Fernando Henrique. Entrevista com Cardoso. Ricardo Festi. 06 de dezembro de 2017, São Paulo, Brasil. Gravada digitalmente, 50’12”.)5 5 As duas entrevistas citadas neste artigo contaram com autorização dos entrevistados para serem utilizadas em trabalhos acadêmicos.

Essa versão é reforçada por Leôncio Martins Rodrigues:

[...] o Florestan Fernandes me convidou para integrar um grupo de trabalho que tinha sido criado pelo Fernando Henrique, uma coisa chamada Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho [Cesit] (...) Veio aqui o Touraine... Antes, passou o Friedmann aqui, que, se não me engano, tinha sido catedrático do Touraine, na hierarquia francesa, mutatis mutandis. O Friedmann tinha escrito aquele livro O trabalho em migalhas, Le travail en miettes, além de outros. Depois veio o Touraine aqui e fez uma série de conferências sobre organização do trabalho e incentivou a formação do Cesit [...], que ficou sob a direção do Fernando Henrique. Eu não era formado, portanto eu não poderia ser contratado como professor, mas poderia ser como auxiliar de pesquisa [...]. (Rodrigues, 2010RODRIGUES, Leôncio Martins. (2010), Leôncio Martins Rodrigues Netto (depoimento, 2008). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV; LAU/IFCS/UFRJ; ISCTE/IUL.)

Essa e outras narrativas6 6 Semelhante narrativa foi apresentada por Touraine nas entrevistas que concedeu a nós, em fevereiro de 2017, e a José Sergio Leite Lopes (2013), em 1994. acabaram por colocar o Centro de Sociologia Industrial e do Trabalho (Cesit), criado em fevereiro de 1962, como o precursor da sociologia do trabalho no Brasil e por destacar e sobrevalorizar o papel de algumas figuras, em detrimento de outros personagens e grupos que vinham, desde o início dos anos 1950, produzindo pesquisas sobre o mundo da indústria e do trabalho.7 7 Aqui cabe destacar os trabalhos realizados por Mário Wagner Vieira da Cunha (1951), Juarez Brandão Lopes (1956, 1957a, 1957b, 1960a, 1964) e Azis Simão (1955, 1961). Não será possível neste artigo desenvolver a importância de suas produções para a constituição do que estamos denominando de sociologia uspiana do trabalho. No entanto, vale destacar que esses autores tiveram contato com os franceses, estando presentes nos Seminários ministrados por Friedmann, em 1958, e por Touraine, em 1960. Ainda segundo a narrativa de um de seus protagonistas, a sociologia do trabalho no Brasil teria surgido quando Friedmann e, em seguida, Touraine visitaram a USP, respectivamente em 1958 e 1960, e conheceram o jovem Cardoso, que teria se destacado, pois, na época, tinha a sorte de ter um carro e de falar francês.8 8 Esta mesma narrativa de Cardoso, ressaltando a importância de ter um carro e de falar francês, apareceu em outros depoimentos, tais como Cardoso (2012, 2021).Vale ressaltar um “erro” de memória nesses relatos, pois a primeira visita de Friedmann ao Brasil ocorreu em 1958, e a eleição de Leônidas Cardoso, pai de Fernando Henrique, como deputado federal, foi em 1954.

É verdade que Friedmann, o “pai” da sociologia do trabalho na França, se impressionou, logo em sua primeira visita, em 1958, com o grupo de jovens sociólogos da USP, em particular Cardoso. Na preparação de sua terceira viagem à América Latina, em agosto de 1960, o sociólogo francês escreve para Azevedo confessando que seria “bem agradável pensar que o reverei, assim como os seus colaboradores, em particular F.H. Cardoso, D. Monteiro e R. Moreira”.9 9 Cf. Carta de Friedmann a Fernando de Azevedo. 10 de junho de 1960, timbre da Flacso e carimbo de Paris XVI. Arquivo Fernando de Azevedo, Arquivo IEB-USP. Código: Cp-cx13, 23.

Entretanto, seria ingenuidade considerar que o patron da sociologia francesa nos anos 1950 teria se impressionado com um bom francês e com uma carona que o levou para conhecer as zonas industriais de São Paulo. O que podemos concluir, após nossa análise nos arquivos, é que Friedmann se animara em conhecer uma geração de jovens sociólogos que, há quase uma década, se debruçava sobre o problema da industrialização e, em particular, em construir uma sociologia capaz de intervir na realidade brasileira em plena transformação. Sua empolgação em conhecer a América Latina foi tamanha que ele publicou dois pequenos livros sobre a região para o público francófono (Friedmann, 1959aFRIEDMANN, Georges. (1959a), Problèmes d’Amérique latine. Paris, Gallimard., 1961FRIEDMANN, Georges. (1961), Problèmes d’Amérique latine II : signal d’une troisième voie? Paris, Gallimard.). Portanto, ele se deparou com um grupo de intelectuais brasileiros que expressava a mesma preocupação que os franceses, isto é, com o processo de modernização da sociedade capitalista ocidental. Vejamos, portanto, quais eram as condições sociais, políticas e institucionais que permitiram que esses intelectuais se encontrassem nos anos 1950 e buscassem construir projetos em comum.

A consolidação de uma comunidade acadêmica internacional

Ao longo de quase três décadas após o término da Segundo Guerra Mundial, o mundo acadêmico assistiu a um de seus mais importantes processos de expansão e de consolidação de intercâmbios de pessoas e de pesquisas no âmbito mundial. Contribuíram, para esse propósito, numerosas organizações nacionais e internacionais (tais como a ONU, a Unesco, a OEA e a OCDE) e fundações filantrópicas norte-americanas (em particular, a Ford e a Rockefeller), assim como ajudas financeiras específicas a determinadas regiões (como foi o caso do Plano Marshall), encorajando e financiando o ensino e a pesquisa em ciências sociais nos países centrais e periféricos. Essas ações eram parte da dinâmica que consolidou, no mundo ocidental, a sociedade capitalista hegemonizada pelo taylorismo-fordismo, pela produção e o consumo em massa, pelo planejamento e o intervencionismo estatal, produzindo, dessa forma, novas exigências de conhecimentos técnico-científicos por parte da força de trabalho e dos agentes promotores das mudanças.

Na França, por exemplo, o renascimento da sociologia, no período pós-guerras, deu-se a partir do reencontro entre as políticas modernistas e os empreendimentos intelectuais mobilizados para esse fim (Tanguy, 2011TANGUY, Lucie. (2011), La sociologie du travail en France : enquête sur le travail des sociologues, 1950-1990. Paris, Éd. la Découverte.). A consequência disso foi uma alteração do papel das universidades e dos intelectuais (ou experts) na sociedade. Por um lado, a sociedade capitalista passou a exigir uma força de trabalho mais bem qualificada, principalmente entre aqueles que ocupavam os postos de gestão, como os cadres ou os managers. Por outro, o conhecimento científico tornou-se ainda mais instrumental, buscando-se resoluções rápidas para os problemas sociais e técnicos vigentes. O resultado foi que esse novo perfil acadêmico se distanciou tanto do catedrático conservador e isolado da sociedade como do intelectual engajado. Surgiu, portanto, incentivado pelas políticas modernizadoras do período da “reconstrução”, um profissional que objetivava contribuir com a modernização capitalista, mesmo que assumisse uma postura crítica a ela.

A confluência desse novo projeto político-acadêmico com a tradição durkheimiana na França e a estrutural-funcionalista nos EUA favoreceu a predominância do método de investigação empírico e de um modelo que parecia mais com as ciências da natureza do que com as disciplinas da cultura. Essa perspectiva já tinha sido anunciada por Gurvitch, logo após a Libertação da França, em um artigo-programa publicado no primeiro número da revista Cahiers internationaux de sociologie:

O enorme trabalho descritivo fornecido pela sociologia americana mostrou o caminho a seguir, ainda que tenha necessidade, para usufruir de todos os seus frutos ou mesmo para se tornar utilizável, de ser assentado sobre esquemas conceituais mais claros, mais refinados e mais flexíveis, tais como os que fazem a força do pensamento sociológico francês. (Gurvitch, 1946GURVITCH, Georges. (1946), “La Vocation actuelle de la Sociologie”. Cahiers Internationaux de Sociologie, 1, 1., p. 7–8, tradução nossa)

A sociologia uspiana, que contou com forte influência francesa desde a criação da universidade, também buscaria a consolidação desse projeto por meio de pesquisas e reflexões realizadas ao longo dos anos 1950. Um espaço privilegiado para isso, que serviu de formação e de experimentação às novas gerações por meio de pesquisas empíricas, foram os cursos de Sociologia Aplicada para os alunos do quarto ano de Ciências Sociais, a cargo de Fernandes, após o retorno de Roger Bastide para a França, em 1954.

Segundo Fernandes, em texto publicado em 1958,10 10 Trata-se de “Ciência e sociedade na evolução social do Brasil”, publicado, originalmente, pela Revista Brasiliense, no.6 de julho-agosto de 1956, e republicado em Fernandes (1977). o desmembramento da antiga ordem social brasileira – rural, escravocrata, senhorial, tradicional etc. – permitiu o surgimento e o desenvolvimento da sociedade moderna – ou seja, urbana e industrial – e, consequentemente, a proliferação, pela primeira vez, do pensamento e da ação racional. A cidade de São Paulo, por representar o centro dinâmico da industrialização no Brasil, teria sido a primeira a desenvolver essa nova mentalidade. Entretanto, a evolução desse pensamento racional não teria eliminado a influência do irracionalismo sobre a vida cotidiana dos indivíduos.

A magia de origem folclórica continua a existir e a ser praticada, crenças religiosas ou mágico-religiosas, que apelam para o misticismo ou para valores exóticos, encontram campo propício para desenvolvimento graças às inseguranças subjetivas, desencadeadas pelas incertezas morais e ficções sociais do mundo urbano. (Fernandes, 1977FERNANDES, Florestan. (1977), A sociologia no Brasil. Contribuição para o estudo de sua formação e desenvolvimento. Petrópolis - RJ, Vozes., p. 22)

Portanto, estaria nas novas instituições, desenvolvidas no contexto das políticas modernizantes do nacional-desenvolvimentismo dos anos 1950 e 1960, o lugar privilegiado de aplicação das novas técnicas racionais de intervenção sobre os problemas das cidades. Estas receberiam a ajuda dos planejadores e do conhecimento produzido na universidade pública.

Em conferência proferida na Escola de Sociologia e Política de São Paulo, em outubro de 1955, Fernandes assim definiu os níveis de utilização plena da pesquisa sociológica:

[...] em face do alcance desse desenvolvimento, a sociologia poderá ter certa importância tanto prática quanto educativa. Existem três níveis que poderão refletir de modo mais intenso tais efeitos: a) esfera da concepção racional do mundo; b) esfera da integração da teoria científica [...]; c) esfera da intervenção prática, orientada racionalmente (ligações da sociologia aplicada e da pesquisa sociológica com o comportamento humano, com a solução racional dos problemas e tensões sociais e com o planejamento experimental).11 11 Intitulada “A função da pesquisa sociológica no mundo moderno”, a conferência foi organizada pelo grêmio dos estudantes desta faculdade, entre 20 e 27 de outubro de 1955. Cf. referência 02.06.7966, Fundo Florestan Fernandes, Acervo Coleções Especiais UFSCAR/BCo, São Carlos. (grifos nossos)

Nesse contexto de avanços da “modernização”, ou seja, da industrialização e da urbanização das sociedades europeias e latino-americanas, a sociologia industrial – posteriormente, sociologia do trabalho – era, nas palavras de Touraine, sinônimo de sociologia.12 12 Cf. entrevista de Touraine (2017), concedida ao autor, o projeto político desta geração dos anos 1950/60 se filiava ao espectro da social-democracia. No programa fundador da revista Sociologie du Travail, encontramos em seu primeiro artigo-programa, escrito por Friedmann, a defesa de uma sociologia do trabalho que não se resumisse às questões propriamente do mundo laboral, mas buscasse a produção de análises e explicações totalizantes (Friedmann, 1959b). Na França, seu desenvolvimento se deu sob a tensão entre a concretização de um projeto político-acadêmico e a necessidade de responder criticamente às novas demandas advindas tanto do movimento sindical quanto das transformações produzidas pelo mundo industrial taylorista-fordista. No caso do Brasil, os sociólogos se deparavam com o projeto nacional-desenvolvimentista, a “revolução democrática” e a superação dos elementos ditos arcaicos da sociedade.

Os incentivos financeiros e políticos advindos dos organismos nacionais e internacionais e das fundações filantrópicas permitiram a consolidação de novas e modernas instituições de pesquisa e ensino. Foi o caso, na França, do Centre d’Études Sociologiques (CES) e do Institut des Sciences Sociales du Travail (ISST), duas instituições importantes, ao longo dos anos 1950 e 1960, para o desenvolvimento da sociologia do trabalho naquele país (Tanguy, 2011TANGUY, Lucie. (2011), La sociologie du travail en France : enquête sur le travail des sociologues, 1950-1990. Paris, Éd. la Découverte.). No Brasil, o Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), que contou com a presença de vários estrangeiros, teve um papel fundamental no impulso das primeiras grandes pesquisas empíricas sobre a industrialização e o desmembramento da “antiga ordem societal”. No caso da USP, a Cadeira de Sociologia I, após seu contato com os franceses, buscou consolidar um laboratório de pesquisa semelhante ao que se fazia nos países centrais, com a criação do Cesit, em fevereiro de 1962,13 13 Cf. Decreto do Governador de São Paulo, no. 38.854 de 28/02/1962. experiência inovadora que contou com verba pública e privada.14 14 Para a sua criação, em 1962, o Cesit contou com a doação de Cr$10.000,00 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por mediação de Cardoso. Esse era um valor alto para a universidade.

Por fim, também foram importantes, para a consolidação dessa comunidade acadêmica internacional, os incentivos dados para a criação de associações profissionais e científicas, como a Associação Internacional de Sociologia (ISA) e a Sociedade Brasileira de Sociologia, criadas, respectivamente, em 1949 e 1951.15 15 O processo de criação da ISA (Congresso Constitutivo em 1949, I Congresso Mundial em 1950) impulsionou uma intensa correspondência entre o Comitê Provisório votado em 1949, os membros do que seria o Departamento de Ciências Sociais da Unesco e os vários intelectuais espalhados pelo mundo. Algumas dessas cartas chegaram a São Paulo, o que incitou o “grupo paulista” a reanimar uma Sociedade Paulista de Sociologia, alterando o seu nome para Sociedade Brasileira de Sociologia, entidade filiada à ISA e representante desta no Brasil (Cf. Arquivos da Unesco, Paris; Arquivos de Florestan Fernandes, Ufscar; Arquivos de Fernando de Azevedo, IEB-USP). Assim, a circulação das ideias e dos intelectuais passaram a contar com uma rede internacional estabelecida por meio dessas instituições e associações, além dos intercâmbios e missões técnicas ou acadêmicas, bem como as revistas, os congressos e os seminários acadêmicos internacionais.

Podemos verificar os impactos dessa política na progressão do número de participantes e de países representados nos quatro primeiros Congressos Mundiais da ISA, ocorridos na década de 1950, conforme Tabela 1:

Tabela 1
– Participação nos Congressos Mundiais de Sociologia, em total de participantes e países representados –1949-1959.

Os temas que pautaram os congressos mundiais da ISA refletiram os debates e as pesquisas que vinham sendo desenvolvidos nos principais polos de produção das ciências sociais, fundamentalmente nos EUA e na Europa Ocidental. Uma reflexão presente em todos os congressos era sobre a capacidade da sociologia de intervir no processo de transformação social em curso. Evidentemente que essa problemática estava indissociável da nova função social dos cientistas e de sua posição frente às políticas estatais de planificação. A fala de Friedmann, então presidente da ISA, na abertura do IV Congresso Mundial de Sociologia (1959), deixa evidente a concepção de ciência que tal geração buscava produzir. Como muitos outros, ele estava convencido de que a sociologia poderia auxiliar os Estados e as entidades da sociedade civil na prevenção de determinados problemas sociais e na melhor adaptação ao desenvolvimento técnico da sociedade:

A sociologia, estreitamente vinculada às outras ciências sociais, afirma-se cada vez mais como uma necessidade de tomada de consciência da sociedade industrial por ela mesma [...] Constatamos que a ambição do conhecimento científico se confunde com a exigência (ou a nostalgia) da ação. A ação do sociólogo pode ser projetada por ele essencialmente como a transformação militante do meio. Mas ele pode também considerar que sua missão é, antes de tudo, ajudar o homem na sua adaptação a esse novo meio [...] Os sociólogos ocidentais contribuem para a transformação e, em todo caso, a reforma do meio social por meio das pesquisas [...] O papel do sociólogo é diferente segundo a coletividade que lhe demanda: uma grande administração pública (ou seja, o Estado), uma empresa industrial, comercial, financeira, uma corporação econômica, um sindicato, uma associação profissional [...] (Friedmann, 1960FRIEDMANN, Georges. (1960), “Société et connaissance sociologique”. Annales: Economies, sociétés, civilisations, Extrait, 1: p. 9–17., p. 11, 15,16 tradução nossa)

No caso da América Latina, em particular o Brasil, um momento importante desse longo processo de “academização” das ciências sociais foi a realização da Conferência sobre o Ensino de Ciências Sociais na América Latina, organizada pela Unesco, na cidade do Rio de Janeiro, em 1956. Nesse evento, além de aprovarem a criação da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso), com sede em Santiago do Chile, e do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais (Clapcs), no Rio de Janeiro, apontaram para a necessidade de produzir pesquisas e ensino que abordassem o mundo industrial e do trabalho: “As universidades da América do Sul deveriam fomentar ativamente as disciplinas designadas com o nome genérico de Relações Industriais ou Relações de Trabalho”.16 16 Cf. Resolução 24 da Conferência. Arquivos da Unesco, Paris.

Diferentemente do que aconteceu na Unesco17 17 Nos primeiros anos de funcionamento da Unesco, a América Latina tinha uma expressiva representação em seus órgãos diretivos. Isso se explica, pois, nesses primeiros anos, com a ausência dos países africanos e asiáticos, a região representava um terço dos Estados-membros, o que lhe dava força política dentro da organização. durante os anos 1950, a participação e a influência dos latino-americanos nos Congressos da ISA foram bem menores do que as europeia e norte-americana. No entanto, esse fator não diminuiu a importância dessa associação enquanto espaço político-acadêmico que possibilitava criar e aprofundar as relações entre EUA-Europa e entre Norte-Sul do mundo ocidental. No caso específico dos latino-americanos, se a sua participação era quase ínfima nos congressos internacionais – e isso se justificava, essencialmente, pelos encargos financeiros que as viagens representavam –, o contrário ocorria no âmbito da diretoria da ISA. A presença permanente de latino-americanos e, em especial, de brasileiros em todas as diretorias eleitas nos anos 1950 comprova a importância política e acadêmica dessa região no desenvolvimento do campo das ciências sociais.18 18 Nos quatro primeiros Congressos da ISA, sempre houve uma delegação brasileira, mesmo que ela fosse pequena. Fernando de Azevedo foi Vice-Presidente da ISA entre 1950 e 1952, assumindo a responsabilidade de Presidente após a morte de quem ocupava esse cargo. L.A. Costa Pinto foi membro do Comitê Executivo (1953-1956) e Vice-Presidente (1956-1959). Dois brasileiros, particularmente, tiveram destaque na promulgação dessa relação no âmbito das associações internacionais e regionais: Fernando de Azevedo e Luiz de Aguiar Costa Pinto. Como mostraremos, o primeiro foi fundamental para o impulso institucional da sociologia uspiana do trabalho.

Portanto, é de supor que a atuação dos brasileiros nos congressos internacionais e nas diretorias da ISA, nos espaços da Unesco e de outros organismos internacionais lhes permitiram estreitar laços com seus pares de outras nacionalidades. Essa tese é confirmada pela farta correspondência entre brasileiros e intelectuais de outras nacionalidades encontrada nos arquivos pesquisados. Foi por meio dessas relações que se desenvolveu uma rede de contatos em torno de uma agenda de pesquisa sobre o mundo do trabalho e da indústria.

Os intercâmbios iniciais entre França e Brasil na sociologia do trabalho

A sociologia do trabalho que se desenvolveu ao longo dos anos 1950 no Brasil nasceu com um forte vínculo entre autores, correntes e instituições de outros países. Os estudos sobre a indústria e o trabalho talvez tenham sido os que mais se beneficiaram das redes de contatos que se formaram por meio da constituição daquela comunidade acadêmica internacional. Duas instituições foram fundamentais nesse período, os já mencionados CBPE e Cesit. Mas foi do encontro entre o grupo de Friedmann e o de Fernandes que a sociologia do trabalho no Brasil deu um salto acadêmico, na passagem dos anos 1950 e 1960, criando um estilo de pesquisa que influenciou gerações.19 19 Como foi ressaltado, a sociologia do trabalho desenvolvida nos anos 1950 não se restringiu ao grupo ao redor de Florestan Fernandes e do Cesit. Vale destacar a importância de autores como Azis Simão e Juarez Brandão Lopes em pesquisas sobre a indústria e o trabalho realizadas muito antes da visita de Friedmann ao Brasil. Porém, como o próprio Brandão Lopes reconheceu, o Seminário dado pelo francês em 1958 foi decisivo para o seu giro em direção à concepção de sociologia do trabalho desenvolvida na França (Cf. intervenção de Juarez B. Lopes no Seminário Internacional “Quando a sociologia se submete à análise sociológica”, em agosto de 2009, na Faculdade de Educação da Unicamp).

O vínculo de Friedmann com os sociólogos da USP teve início nos fóruns internacionais,20 20 Friedmann exerceu na ISA os cargos de Presidente (1956-1959) e de membro do Comitê Executivo (1959-1962), no mesmo período em que foram criadas, na América do Sul, a Flacso e a Clapcs; o francês foi Presidente da primeira (1958-1964). mas foi via Fernando de Azevedo, catedrático da Cadeira de Sociologia II da USP, e a recém-criada Capes,21 21 A Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atual Capes) foi criada em 11 de julho de 1951. chefiada por Anísio Teixeira, que a articulação da vinda do francês ao Brasil foi costurada, com o objetivo de colaborar com o desenvolvimento de estudos no campo da sociologia industrial. Assim também foi com Touraine, quando visitou pela primeira vez o Brasil, em 1960. Antes de chegar a São Paulo, o francês fez uma pequena estadia no Rio de Janeiro para estabelecer contato com Teixeira.22 22 Cf. Carta de Alain Touraine a Fernando de Azevedo. 8 de julho de 1960. Arquivo IEB-USP, Arquivo Fernando de Azevedo, Código: fa-cp-cx30, 77.

Em nenhum artigo ou tese sobre o desenvolvimento da sociologia do trabalho no Brasil, o nome de Anísio Teixeira é mencionado como importante articulador, junto a Azevedo, da vinda de Friedmann ao país. No entanto, as cartas que encontramos nos arquivos confirmam que, desde 1954, havia o convite para que o francês ministrasse uma palestra na USP sobre sociologia industrial. O francês demonstra grande interesse em conhecer o nosso país, no entanto seus planos são sempre adiados por excesso de trabalho23 23 Cf. Carta de Georges Friedmann a Fernando de Azevedo, de 23 de outubro de 1954. O francês confirma ter recebido carta de Anísio Teixeira, convidando-o para ministrar um curso na USP no ano seguinte: “Je suis très touché de cette invitation et serais heureux, en principe, de faire un séjour au Brésil. J’ai dit à Monsieur Teixeira que, dès que j’aurai rassemblé les informations nécessaires (étant donné les engagements que j’ai déjà pris pour 1955 et, par ailleurs mes obligations professionnelles), je lui donnerai ma réponse » (CP-CX13,14, Arquivo Fernando de Azevedo, Arquivo IEB-USP). . A primeira visita ocorreu somente no final de 1957, quando pôde fazer uma escala de quatro dias no Rio de Janeiro e se encontrar com Teixeira. No ano seguinte, finalmente se concretizou o plano, com as palestras e o seminário ministrados em São Paulo. Desde o início, o objetivo era estabelecer uma colaboração de pesquisa e formação entre o Centre d’Études Sociologiques e a FFCL-USP.24 24 Depois de sua passagem por São Paulo, em 1958, Friedmann ainda se encontrou novamente com Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro, para discutirem a colaboração franco-brasileira no domínio da sociologia do trabalho (Cf. Carta de Friedmann a Azevedo, de 3/10/1958: CP-CX13,21/2, Arquivo Fernando de Azevedo, Arquivo IEB-USP).

Em 1956, antes da primeira visita de Friedmann ao Brasil, ele recebeu um convite do reitor da Universidade do Chile para ajudar na construção de uma linha de pesquisa de sociologia industrial no recém-criado Instituto de Sociologia dessa universidade. Por conta de suas atividades na França e na ISA, o sociólogo francês delega essa tarefa aos jovens pesquisadores que trabalhavam com ele no Centre d’Études Sociologiques, sob a direção de Touraine. Este organizou com Jean-Daniel Reynaud, entre 1956 e 1958,25 25 A primeira viagem de Friedmann para a América Latina ocorreu em novembro e dezembro de 1957, com o objetivo de supervisionar a pesquisa dirigida por Touraine. Ele também visitou Buenos Aires e o Rio de Janeiro. Nesta cidade, ministrou uma conferência sobre “Problemas humanos da empresa contemporânea”, no auditório do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), em 16 de dezembro de 1957 (Cf. Diário de Notícias (RJ), sexta-feira, 13 de dezembro de 1957, p. 9.) um estudo comparativo sobre consciência de classe nas cidades de Lota e Huachipato (DI TELLA et al., 1966DI TELLA, Torcuato Salvador et al. (1966), Huachipato et Lota: étude sur la conscience ouvrière dans deux entreprises chiliennes. (Recherche menée par l’Institut de recherches sociologiques de l’Université du Chili). Paris, Éditions du Centre national de la recherche scientifique.). Vale aqui destacar, como ilustração do quanto essas ações criaram uma rede de relações político-acadêmicas ao longo dos anos 1950/1960, que, entre os estudantes chilenos que participaram da pesquisa, estava Enzo Faletto. Anos mais tarde, ele se tornaria um parceiro intelectual de Cardoso quando de seu exílio no Chile. Assim Faletto se recorda do trabalho que realizou com Touraine:

O primeiro estudo foi sobre os grupos de supervisores, que no Chile eram chamados de mayordomos de mira, ou capatazes. A ideia era acompanhar esse capataz em suas atividades e anotá-las, mas no fundo se tratava de conhecer o mundo das minas, com o que me envolvi por quase três semanas (...) depois (...) fizemos entrevistas com os operários sobre a atividade. Touraine participou todo o tempo. Ele organizou a pesquisa e iniciou todo o trabalho de campo que levou, por fim, à elaboração dos questionários. Depois de Touraine, veio, por meio do convênio, Reynaud, com quem iniciamos a análise e sobretudo a primeira parte da sistematização e da organização dos dados. (Rego, 2007REGO, José Marcio. (2007), “Entrevista com Enzo Faletto”. Tempo Social, 19, 1. DOI: 10.1590/S0103-20702007000100010.
https://doi.org/10.1590/S0103-2070200700...
, p. 192)26 26 Conforme o Relatório da investigação, o trabalho de campo foi realizado de dezembro de 1956 a maio de 1957, em etapas sucessivas, que compreenderam a enquete realizada entre os operários, seguida de uma outra enquete com os contramestres e, por fim, uma observação detalhada do trabalho nessas categorias profissionais (Di Tella et al., 1966, p. 15).

Após os primeiros encontros entre a sociologia do trabalho francesa e a sociologia uspiana, em 1958 e 1960, respectivamente, com as visitas de Friedmann e Touraine à USP, abriram-se oportunidades de intercâmbios e estágios desses brasileiros na França, em particular no Laboratoire de Sociologie Industrielle (LSI).27 27 Outro que merece destaque é Azis Simão. Ele obteve uma bolsa da Fapesp e do CNRS (França) para realizar seu intercâmbio no LSI entre 1° de março e 30 de junho de 1968. Esse foi o caso de Cardoso, que, entre outubro de 1962 e março de 1963, se beneficiou de bolsas de estudos da Capes e da École Pratique des Hautes Études. O objetivo do intercâmbio era avançar nas relações com as instituições de ensino e pesquisa francesas. O próprio Cardoso relatou, em cartas para Fernandes, que os europeus demonstravam grande expectativa com as pesquisas do Cesit.28 28 Cf. 62.1.21955.1.1, CX 2394, Fernando Henrique Cardoso, Afastamento. Arquivo Geral da USP e Carta de Fernando H. Cardoso a Florestan Fernandes. Paris, 8 de fev. de 1962. Fundo Florestan Fernandes. Acervo Coleções Especiais Ufscar/BCo. Código: 02.09.1008.

Assim, em um contexto de construção de uma comunidade acadêmica internacional, os temas referentes ao mundo do trabalho foram ganhando importância no momento em que a industrialização do centro e da periferia se tornaram fundamentais para as políticas entendidas como modernizadoras. Nessa conjuntura, como buscamos sinteticamente pontuar, houve no Brasil um esforço de vários órgãos e instituições, em particular o Ministério da Educação, a Capes e catedráticos da USP, para desenvolver no Brasil pesquisas no campo da sociologia do trabalho. Tinha-se o objetivo de produzir conhecimentos acadêmicos para incentivar e influenciar políticas públicas.

O mundo do trabalho ganha relevância na USP

Muito antes do Seminário de Friedmann, em 1958, e da criação do Cesit, em 1962, a ideia de aplicação do conhecimento sociológico no desenvolvimento de determinadas áreas da sociedade esteve na base da expansão ocorrida no Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos (Inep), no início da década de 1950, e na criação do Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais (CBPE), em dezembro de 1955, uma parceria entre o governo brasileiro e a Unesco. Um dos objetivos principais do CBPE e dos seus centros regionais era realizar pesquisas sobre as condições culturais da sociedade brasileira para compreender, em suas diversas dimensões, quais eram as tendências de desenvolvimento e de regressão e as origens dessas condições e forças, visando a uma intepretação regional do país tão precisa e tão dinâmica quanto possível. Nesse sentido, a modernização da sociedade brasileira, que passava pela resolução do seu gargalo “educação”, no sentido mais amplo, deveria estar vinculada às ciências modernas da sociedade.

O CBPE e os seus centros regionais permitiram a constituição de uma ampla e nacional estrutura de pesquisa científica e a elaboração de diversos estudos coordenados entre as várias regiões. Muitos dos principais autores das ciências sociais brasileiras que marcaram os anos 1950 e 1960 foram patrocinados ou trabalharam nas pesquisas do CBPE, que também contaram, em suas equipes, com a ajuda de especialistas e acadêmicos estrangeiros financiados pela Unesco. No caso específico da USP, estiveram envolvidos nesses projetos Mário Wagner Vieira da Cunha, Florestan Fernandes, Fernando Henrique Cardoso, Juarez Brandão Lopes, Luiz Pereira, Fernando de Azevedo e o britânico Bertram Hutchinson.29 29 O principal livro de Brandão Lopes deste período, Sociedade industrial no Brasil (1964)¸ foi o resultado das pesquisas que o autor realizou junto ao CBPE sobre os impactos da modernização (industrialização) no mundo tradicional e a sobrevivência deste sobre o mundo moderno.

Na USP, o mundo industrial e do trabalho foi, progressivamente, ganhando relevância enquanto objeto de pesquisa e tema de eventos acadêmicos ou disciplinas, ocorrendo um “pico” de atividades justamente no período de articulação e criação do Cesit. Podemos mencionar a pioneira investigação realizada por Azis Simão – e apresentada no I Congresso Brasileiro de Sociologia, em 1954 – sobre o voto operário em São Paulo (SIMÃO, 1955SIMÃO, Azis. (1955), O voto operário em São Paulo, in: Anais do I Congresso Brasileiro de Sociologia, São Paulo.). Em 1955, por exemplo, no curso de Dinâmica Social, ministrado por Azevedo para os alunos do terceiro ano de ciências sociais, apareceu, pela primeira vez, na bibliografia obrigatória, um artigo de Friedmann.30 30 Tratava-se de “Technological change and human relations”, in The British Journal of Sociology. III, 2. June 1952. London, pp. 95-116. No ano seguinte, no curso de Sociologia Aplicada, Cardoso ministrou seminários sobre os problemas sociais da sociedade de classe, que continham uma extensa bibliografia de sociologia industrial norte-americana.31 31 Cf. Programas de Cursos da FFCL-USP, de 1949 a 1968, Arquivo da Administração da FFLCH-SP e CAPH. Paralelamente, foram registrados vários seminários e palestras dadas por Simão, Brandão Lopes e Cardoso para sindicatos patronais e operários, bem como para grandes empresas. Em 1960 e 1961, foram organizados cursos na USP sobre sociologia industrial, sendo o primeiro com a presença de Touraine. Assim, pode-se verificar uma progressiva inserção das temáticas sobre a indústria e o trabalho, assim como referências à sociologia industrial e, posteriormente, à sociologia do trabalho nos cursos, seminários e preocupações de pesquisa dos professores, assistentes e estudantes da USP.

De fato, as visitas de Friedmann e Touraine ao Brasil, em 1958 e 1960, e a possibilidade de construção de um centro de pesquisa com vínculos internacionais foram um momento-chave na inflexão dos estudos sobre a indústria e o trabalho na USP. Nesse interregno foi possível uma união de diferentes grupos de pesquisa, como foi o caso do Seminário realizado ao longo do primeiro semestre de 1961, sob a coordenação de Simão e que contou com a seguinte configuração:

28 de abril – A análise sociológica dos problemas econômicos, Florestan Fernandes.

04 de maio – As tendências atuais da sociologia industrial, Juarez Brandão Lopes.

10 de maio – Aspectos da ideologia do empreendedor no Brasil, Octavio Ianni.

16 de maio – A formação do proletariado paulista, Fernando H Cardoso.

22 de maio – O sindicato e a industrialização, Azis Simão.

A consolidação de um campo sociológico na França e no Brasil

O projeto dos anos 1950/1960 de “modernização” da sociedade capitalista alimentou o engajamento de toda uma geração de intelectuais no período aqui analisado. Modernizar, nos anos 1950 e 1960, era compreendido como sinônimo de desenvolvimento econômico e, em algumas regiões, de democratização da sociedade em seu sentido liberal. Na França do pós-guerra, por exemplo, a obstinação central desse projeto passava, centralmente, pelo aumento da produtividade do trabalho. No Brasil, a sua condição de país periférico e dependente impunha como objetivo central o desvencilhamento das amarras herdadas de um passado colonial, “arcaico” e tradicional. Um dos pontos em comum entre os projetos modernizantes, tanto do grupo francês quanto do brasileiro, está em seu otimismo com o progresso técnico e científico.

Nesse sentido, a sociologia industrial norte-americana e, posteriormente, a sociologia do trabalho francesa eram lidas nos cursos de Ciências Sociais da USP, em meados dos anos 1950, enquanto reflexões abstratas de uma sociedade que viria a se concretizar algum dia no Brasil. Porém, quando a industrialização se tornou o fator mais dinâmico da economia brasileira, o mundo do trabalho foi incorporado na sociologia uspiana enquanto objeto central de reflexão político-acadêmica (Brandão Lopes, 1960bBRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1960b), “Motivações e atitudes do operário e o desenvolvimento econômico: observações sobre a restrição de produção”. Boletim do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, III, 2: 15–53.; Cunha, 1951CUNHA, Mario Wagner Vieira da. (1951), Burocratização das empresas industriais estudo monográfico. Tese de Cátedra. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, Universidade de São Paulo, São Paulo.; Simão, 1955SIMÃO, Azis. (1955), O voto operário em São Paulo, in: Anais do I Congresso Brasileiro de Sociologia, São Paulo.). Como desdobramento daquele processo, a classe operária brasileira passou a ter relevância enquanto agente político. Portanto, a partir disso, a sociologia do trabalho ganhou concretude no território brasileiro, permitindo um diálogo teórico, pautado em pesquisas empíricas, entre os brasileiros e os franceses.

Assim, quando os sociólogos do trabalho franceses desembarcaram no Brasil, no final dos anos 1950, encontraram um estilo de pesquisa semelhante ao que buscavam na França. A criação do Cesit, em 1962, que acabou por colocar em prática o projeto de uma sociologia aplicada, esboçado pela Cadeira de Sociologia I, regida por Fernandes (Romão, 2006ROMÃO, Wagner. (2006), Sociologia e política acadêmica nos anos 1960: a experiência do CESIT. São Paulo, Humanitas.), só foi possível frente à conjuntura política nacional e estadual que valorizava as políticas planificadoras. No âmbito estadual, o governo implementava uma política chamada de Plano de Ação do Estado de São Paulo32 32 O Plano de Ação do Governo foi lançado pelo Decreto n° 34.656, de 12 de fevereiro de 1959. Foi criado um Grupo de Planejamento, responsável por formular o projeto do Plano de Ação, coordenado por Plínio de Arruda Sampaio e composto por vários profissionais e economistas, entre eles Diogo Adolho Nunes e Antônio Delfim Neto [Barros, 1974; São Paulo (Estado), Governador (1959-1963: Carvalho Pinto), São Paulo, 1959]. e incentivava uma relação estreita entre os quadros da burocracia estatal com a USP (Camargo, 2016CAMARGO, Mônica Junqueira de. (2016), “Inventário dos bens culturais relativos ao Plano de Ação do Governo Carvalho Pinto (1959-1963)”. Revista CPC, Especial: 164–203.). No espectro nacional, a crise aberta com a renúncia de Jânio Quadros possibilitou que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) fosse gerida por um amigo de longa data de Cardoso, o que facilitou uma doação relevante para o início dos trabalhos do novo centro.33 33 Foram fundamentais também para o funcionamento do Cesit os auxílios financeiros recebidos da então recém-criada Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em particular nos anos de 1962 e 1963

No caso da França, entre 1940 e 1960, três problemáticas foram recorrentes em grande parte das pesquisas em sociologia: (1) as consequências das transformações técnicas sobre o trabalho e o conjunto da sociedade;34 34 Os trabalhos mais representativos desta linha de pesquisa foram Friedmann (1946, 1950, 1956), Touraine (1955) e Naville (1963). (2) as atitudes operárias;35 35 Neste caso, ver principalmente Touraine (1966) e Touraine e Ragazzi (1961). e (3) a organização e a remuneração do trabalho.36 36 Ver Crozier (1963, 1965). Entre as figuras mais importantes dessa geração, podemos citar, além de Friedmann e Touraine, Reynaud, Michel Crozier e Pierre Naville. Fica evidente que os diálogos entre esses sociólogos franceses e os uspianos impactaram as reflexões e as agendas de pesquisas realizadas no Brasil. Ao mesmo tempo, havia uma curiosidade dos franceses pelos estudos realizados na América Latina. Uma prova disso são os dois Dossiês Especiais publicados na revista Sociologie du Travail nos anos de 1961 e 1967.37 37 Referimo-nos aos dossiês “Operários e Sindicatos da América Latina”, ano 3, n° 4, outubro-dezembro de 1961, e “Classes sociais e poder na América Latina”, ano 9, n° 3, julho-setembro de 1967. No primeiro, encontramos artigos de Lucien Brams, Torquato Di Tella, Brandão Lopes, Cardoso, Azis Simão, Touraine e Gino Germani. No segundo, novamente Touraine e Cardoso, além de Pécaut, José Nun, Bourricaud e Brant.

O primeiro grande projeto temático do Cesit se chamou Economia e Sociedade no Brasil: análise sociológica do subdesenvolvimento. Com ele, buscou-se compreender os efeitos da industrialização sobre a região metropolitana da capital paulista. Paralelamente a isso, o Cesit também encaminhou uma pesquisa sobre a estrutura da empresa industrial em São Paulo, proporcionando conhecimentos objetivos e precisos sobre a situação global das indústrias na região, os caracteres estruturais dos vários tipos de empresas industriais existentes e, por fim, a organização, as tendências de crescimento e as condições de integração ao sistema socioeconômico vigente de empresas consideradas típicas. Por fim, o Cesit também buscou investigar a relação da industrialização de São Paulo com o desenvolvimento da nação, em particular os impedimentos desse desenvolvimento devido às condições de atraso da sociedade brasileira.38 38 Algumas das teses que resultaram desse projeto de pesquisa foram Cardoso (1964), Ianni (1965), Rodrigues (1968, 1970) e Pereira (1965).

A sociologia uspiana, principalmente a produzida no Cesit, buscava uma interpretação e uma análise da realidade brasileira a partir de uma perspectiva totalizante39 39 Entre os estudos mais conhecidos, produzidos no interior ou por conta das reflexões das pesquisas do Cesit, estavam Cardoso (1964), Ianni (1965), Rodrigues (1966, 1970), Pereira (1965), Singer (1968), Fernandes (1968, 1975) entre outros. . As obras desses autores continham uma tensão interna devido ao confronto entre o modelo funcionalista, valorizado ao longo dos anos 1950, e o método dialético, incorporado pelos mais novos em suas pesquisas com as leituras de Marx e outros marxistas. Como afirmam Guimarães e Leite, essa geração

ousava correr o risco de formular uma teoria da sociedade brasileira. Nesse pioneirismo, os estudos sobre o trabalho industrial desempenharam um papel decisivo (...) Nessas condições, a moderna sociologia do trabalho nasceu, no Brasil, fortemente tributária da herança de alguns pioneiros que aceitaram o desafio de explicar as condições de emergência, as atitudes políticas e a ação sindical dos contingentes operários que se formavam no processo de industrialização. (Guimarães e Leite, 1994GUIMARÃES, Nadya Araújo & LEITE, Marcia de Paula. (1994), “A sociologia do trabalho industrial no Brasil: desafios e interpretações”. BIB. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 37: 39–59., p. 40)

Entretanto, as suas produções não superaram a visão dualista em voga nas ciências sociais, ainda que eles se colocassem críticos a elas. Por meio de pesquisas empíricas e surveys, tendo como objeto central o mundo urbano e industrial (o lado “moderno” do país), os membros do Cesit buscaram demonstrar as razões pelas quais o projeto modernizador encontrava resistências no Brasil. A causa, grosso modo, estava na presença de elementos do arcaísmo nas atitudes de operários e empresários industriais.

Um dos eixos temáticos de pesquisa desenvolvido pelo Cesit foi sobre a mentalidade do empresário industrial. Buscou-se compreender esse ator social, com o objetivo de contribuir com a constituição de um novo tipo de empresário, com um perfil racional e planejador, consciente da importância de suas ações estarem articuladas com a lógica do mercado competitivo e sabendo aproveitar, da melhor maneira possível, os novos perfis de operários e o conhecimento científico produzido em seu tempo. Em última instância, acreditava-se que seria possível superar o perfil de um burguês industrial, marcado pela sociedade tradicional, arcaica e paternalista. Portanto, produzir conhecimentos sobre a mentalidade dos empresários industriais seria fundamental para orientar e disciplinar essa camada social no processo de modernização da sociedade. No entanto, as conclusões de Cardoso (1960aCARDOSO, Fernando Henrique. (1960a), “A estrutura da indústria de São Paulo”. Educação e Ciências Sociais, VII, 13: 29 – 42., 1960bCARDOSO, Fernando Henrique. (1960b), “As condições sociais da industrialização de São Paulo”. Revista Brasiliense, 28: 31 – 46., 1964CARDOSO, Fernando Henrique. (1964), Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo - SP, Difel.) foram que, influenciados pelo arcaísmo de nosso passado, os empresários industriais apresentavam a ausência de uma racionalidade instrumental fundamental para o desenvolvimento capitalista, elemento agravado pela dependência da economia brasileira. Portanto, caberia ao Estado, com o auxílio de técnicos e o conhecimento científico, o papel de formular e incentivar a industrialização com métodos modernos.

Sobre a outra ponta do antagonismo de classe, ocorreu a pesquisa sobre a mobilização da força de trabalho, na qual o Cesit partia do pressuposto de que as formas de estratificação social produzidas pela colonização e a escravidão no Brasil deixaram como legado a degradação da força de trabalho. Ainda que os seus autores quisessem romper com a lógica dualista, o fato é que as suas pesquisas e conclusões se mantiveram nessa perspectiva. Por exemplo, a hipótese de Rodrigues era a de que a

natureza do moderno processo de industrialização, em interação com determinadas características da sociedade brasileira, acarretou uma posição relativa da classe operária no interior da nação e tipos de orientações e atitudes políticas divergentes das observadas nos países de antiga industrialização. (Rodrigues, 1968RODRIGUES, Leôncio Martins. (1968), Sindicalismo e sociedade. São Paulo, Difel., p. 341)

Muito próximo das conclusões de Brandão Lopes (1957aBRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1957a), “A fixação do operário de origem rural na indústria”. Educação e ciências sociais, 2, n. 6., 1960aBRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1960a), “Ajustamento do trabalho à indústria: mobilidade social e motivação”, in B. Hutchinson (org.), Mobilidade e trabalho, Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais: 360–440., 1960bBRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1960b), “Motivações e atitudes do operário e o desenvolvimento econômico: observações sobre a restrição de produção”. Boletim do Centro Latino-Americano de Pesquisas em Ciências Sociais, III, 2: 15–53., 1966BRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1966), Crise do Brasil arcaico: estudo das relações industriais na sociedade patrimonialista brasileira. São Paulo, Difel.), Rodrigues entende que não houve no Brasil a formação de uma ideologia questionadora do capital no interior da classe operária. Portanto, o desajustamento dos trabalhadores na sociedade industrial se refletia numa falta de consciência de classe. Com esse limitador, os sindicatos e os movimentos sociais dos trabalhadores não poderiam cumprir, portanto, o papel de sujeitos históricos. Com a ausência de uma ação radical, as entidades sindicais se desenvolveriam controladas e subordinadas ao Estado, permitindo a emergência do populismo.

A temática sobre a consciência operária ou as atitudes operárias era uma preocupação central na primeira fase da produção intelectual de Touraine (ou seja, de 1948 a 1968).40 40 Nesta primeira fase de Touraine estão, principalmente, as suas preocupações sobre o mundo industrial e a consciência operária. São obras desse período as suas teses de Doutorado de Estado (Touraine, 1965, 1966). O momento de inflexão que deu início a sua segunda fase foram as mobilizações de maio de 1968 na França e, em seguida, a publicação de La société post-industrielle (Touraine, 1969) e Production de la Société (Touraine, 1973). O sociólogo buscava produzir uma teoria da ação social, refletindo sobre o que ele denominava de historicité, ou seja, a capacidade da sociedade de se transformar por si mesma. No entanto, essa transformação dependeria da ação de um sujeito histórico, isto é, a classe operária.

Lembremos que, nesse período da sociologia do trabalho francesa, ocorreram inúmeros estudos sobre as resistências operárias ao processo de transformação técnico-administrativo no mundo do trabalho, que contaram com a aplicação de enquetes, com o objetivo de medir a consciência operária (Touraine, 1966TOURAINE, Alain. (1966), La conscience ouvrière. Paris, Éditions du Seuil.). Dessa forma, acreditava-se que, compreendendo as questões que normatizavam as ações dos trabalhadores, seria possível aos sindicatos, aos patrões e aos agentes dos governos planejarem as políticas necessárias para acelerar o processo de modernização da sociedade.

Assim, por meio de uma rede de contatos político-acadêmicos e de uma comunidade acadêmica internacional, foi possível criar agendas de pesquisas comuns e reflexões teóricas sobre o processo de “modernização” sob uma perspectiva comparativa entre centro e periferia, destacando tanto as suas semelhanças quanto as singularidades locais. A ambição desses autores em dar conta da totalidade social, em especial dos dois polos da “modernização” capitalista do período pós-Segunda Guerra Mundial, levou Touraine a articular um gigantesco projeto de pesquisa sobre consciência de classe, que envolvia uma parceria entre o Laboratoire de Sociologie Industrielle (LSI), dirigido pelo francês, e os latino-americanos, entre eles o Cesit.

Um novo projeto de parceria internacional na sociologia do trabalho

O projeto do LSI intitulado Mudança social e movimentos sociais na América Latina foi articulado em 1964 com o argentino Gino Germani e colocado em prática no ano seguinte. Tratou-se de um pretensioso projeto de cooperação entre pesquisadores de diversos países, que buscou realizar uma análise comparativa das escolhas econômicas (tipos de investimento, formas de determinação dos salários, inflação etc.) dos atores sociais no processo de transformação da sociedade ou, para usar o vocabulário de Touraine, da manifestação do sistema de ação histórico.

Na França, ele contava com o apoio e a cooperação do Institut des Hautes Études d’Amérique Latine (IHEAL), criado em 1954 e vinculado à EPHE, e com aportes financeiros da Délégation Générale à la Recherche Scientifique et Technique. Previamente ao projeto, o LSI e o IHEAL se esforçaram, sob a direção de Touraine e de Daniel Pécaut, em criar um Centro de Documentação Social sobre a América Latina, com o objetivo de reunir documentos acerca dos problemas sociais da industrialização na região41 41 De 30 de outubro de 1964 a 16 de janeiro de 1965, Pécaut visitou vários países da América do Sul (Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Peru e Colômbia) com o objetivo de reunir a documentação base, principalmente dados estatísticos, que constituiria o novo centro de documentação. Essa missão também possibilitou que o francês estreitasse suas relações com os latino-americanos, o que foi decisivo para o projeto subsequente e para a sua própria carreira acadêmica. O Centro contou com a ajuda financeira do CNRS e foi concretizado em setembro de 1966 (Cf. « Rapport de Mission en Amérique Latine et aux États-Unis ». Activités des instituitions de recherches et d’enseignement à Paris concernant l’Amérique Latine (1963-1965). Fonds Clemens Heller – Amérique Latine. Arquivos EHESS, Paris. Código: cpCH 33). . Os documentos reunidos e os dados das pesquisas seriam compartilhados com as instituições parceiras do LSI na América Latina. Parte dessa cooperação previa o envio de pesquisadores franceses em missões para os países envolvidos42 42 Tiveram importância na execução desse projeto do LSI, além de Touraine e Pécaut, Karpik, Mottez e Ahtik. e a ida dos coordenadores latino-americanos do projeto a Paris.

Segundo um de seus relatórios, o LSI visava, em colaboração com institutos de pesquisa latino-americanos, a realizar um “certo número de enquetes sobre a formação das classes operárias, sobre os efeitos das migrações internas, os movimentos sociais e nacionais, e sobre a formação dos dirigentes da classe econômica”.43 43 Cf. « Laboratoire de Sociologie Industrielle ». Rapport sur les activités de l’École Pratique des Hautes Études – VIe Section – concernant l’Amérique du Sud. Fonds Louis Velay : fonds de dossier sur l’Amérique Latine. Années 1960. Arquivos da EHESS, Paris. Código: CP9/72. Em carta escrita por Touraine a Fernandes, a pesquisa é apresentada da seguinte forma:

O objetivo da pesquisa é considerar as atitudes das novas categorias e o desenvolvimento de seus países. Em função de quais objetivos e por quais meios os trabalhadores desempenham um papel nos processos de decisão que levam ao desenvolvimento econômico e social? Como o tema e a modalidade do nacionalismo e da defesa de classe se entrelaçam? Qual concepção se forma do sindicalismo, da política, do trabalho industrial etc.? Como você pode ver, trata-se menos de um estudo sobre a integração ou a adaptação social que de uma análise da participação e da reivindicação.44 44 Cf. Carta de Touraine a Florestan Fernandes. Paris, 17 de novembro de 1965. Fundo Florestan Fernandes. Acervo Coleções Especiais Ufscar/BCo. Código: 02.09.0125.

As investigações seriam realizadas na Argentina, no Brasil, no Chile, no Peru, na Colômbia e no México. Isso exigia não apenas uma significativa articulação político-acadêmica, algo possível aos franceses num momento de relevantes aportes financeiros advindos de organismos nacionais e internacionais para os temas relativos ao desenvolvimento dos países do “terceiro mundo”, mas sobretudo dependia das condições políticas de cada nação. Os golpes militares foram um dos principais limitadores na articulação dessa e de outras pesquisas. Mesmo assim, estiveram envolvidos na elaboração desse projeto os mais importantes centros de estudos sociológicos da América do Sul, ainda que nem todos tenham participado da sua concretização.45 45 Entre eles estão o Cesit, da USP, o Centro de Sociologia Comparada do Instituto Torcuato Di Tella e o Instituto de Sociologia da Universidade de Buenos Aires, os dois dirigidos por Gino Germani, o Departamento de Sociologia da Universidade de Buenos Aires, dirigido por Garcia Rena, a Faculdade de Sociologia de Bogotá, com ajuda de Fals Borda e Rotinof. A Clapcs do Rio de Janeiro, na época dirigida por Manuel Diegues, chegou a manifestar interesse em participar da pesquisa, mas nada confirma a efetivação dessa parceria. Os documentos pesquisados levam a crer que a Fundação Ford também colaborou financeiramente com o projeto.

As problematizações que colocavam o grupo de sociólogos em torno de Touraine coincidiam com as mesmas questões refletidas por uma parte da sociologia latino-americana, ou seja, as dificuldades do desenvolvimento econômico na periferia do capital.46 46 O mesmo documento ressalta a importância da realização de estudos sobre os empresários, aspecto que não foi contemplado pelo projeto francês. No entanto, destacam: “Felizmente, a Cepal levou à frente um importante programa de pesquisa nesse domínio. Os trabalhos de F. H. Cardoso no Brasil e A. Lipman na Colômbia já demonstram o interesse nesses estudos. F. H. Cardoso deve estender as suas pesquisas para o conjunto da América Latina” [Cf. Recherche sur les voies sociales de l’industrialisation en Amérique Latine, (Mimeo), p. 1. Fonds Clemens Heller – Amérique Latine. Arquivos EHESS, Paris. Código: cpCH33]. Os atores estudados – sejam os operários, sejam os empresários industriais – eram compreendidos tanto como agentes do desenvolvimento quanto como defensores de interesses privados. Mas o elemento mais concreto desse estudo seria, afirma o documento, a investigação sobre a formação da consciência operária. Ela permitiria compreender o conjunto das formas pelas quais uma categoria profissional se torna um ator político e social, intervindo ativa ou passivamente nas decisões que afetam o desenvolvimento nacional.

As primeiras reuniões das equipes de pesquisa ocorreram ao longo do primeiro semestre de 1965, realizadas em Paris e Buenos Aires, com participação de Gino Germani. O LSI assumiu a maior parte dos custos do projeto, pagando as missões, os coordenadores e os pesquisadores.47 47 Cf. Budget Amérique Latine de la VIe Section de l’EPHE (1963-1964). Fonds Clemens Heller – Amérique Latine. Arquivos da EHESS, Paris. Código : cpCH33. A pesquisa se efetivaria com a aplicação de questionários entre os operários – cerca de 800 a 1000 questionários por país – e a investigação em documentos relativos à atuação sindical, aos movimentos sociais e ao sistema político. As pesquisas foram realizadas entre novembro de 1965 e agosto de 1966, sem a participação da equipe brasileira.

O Golpe Militar de 1964 e a perseguição realizada contra os membros da Cadeira de Sociologia I dificultaram a continuidade das investigações programadas pelo Cesit. O exílio de Cardoso em 1964, por exemplo, debilitou a direção do novo centro de pesquisa, que efetivamente foi assumido por Fernandes – seu idealizador e principal dirigente até 1964. Touraine buscou inúmeras vezes convencer os membros do Cesit a participarem da pesquisa internacional coordenada pelo LSI, tentando colocar em sua direção no Brasil Luiz Pereira e, posteriormente, Leôncio Martins Rodrigues.48 48 Cf. Carta de Touraine a Florestan Fernandes. Paris, 17 de novembro de 1965. Fundo Florestan Fernandes. Acervo Coleções Especiais Ufscar/BCo. Código: 02.09.0125. No entanto, os ventos tinham mudado, e os interesses acadêmicos também. Rodrigues, por exemplo, estava mais animado em seguir os caminhos de Cardoso e Weffort e assumir um lugar na Cepal, em Santiago do Chile, do que se manter no Brasil sob as dificuldades e austeridades acadêmicas impostas pelo novo regime ditatorial.

Considerações finais

Este artigo buscou problematizar a criação e o desenvolvimento do campo da sociologia do trabalho no Brasil, ao longo dos anos 1950 e 1960, com destaque para o que denominamos de sociologia uspiana do trabalho e sua relação com a sociologia do trabalho francesa. Para tanto, por meio de uma investigação rigorosa em arquivos, analisamos a importância das instituições nacionais e internacionais extra-acadêmicas para a efetivação dessa empreitada. Também foi fundamental compreender o papel exercido nesse período por uma incipiente comunidade acadêmica internacional, que proporcionou o intercâmbio de ideias e de pessoas.

As relações político-acadêmicas entre franceses e latino-americanos, ao longo dos anos 1950 e 1960, permitiram a elaboração de agendas comuns de reflexões e pesquisas. Elas tiveram como problemática central as transformações ocorridas no mundo da indústria e do trabalho e suas consequências para o conjunto da sociedade. Compartilhando da perspectiva da teoria da modernização, esses acadêmicos buscaram meios de influenciar as políticas públicas de seus países, em particular aquelas que repercutiam no desenvolvimento econômico.

Essa relação acabou por produzir um estilo de pesquisa pautado na investigação empírica, em particular com a aplicação de surveys, que buscava revelar não apenas os aspectos socioeconômicos do objeto ou da temática abordada, mas também as subjetividades e as consciências das classes sociais envolvidas. Além disso, sob a perspectiva da totalidade social, buscou-se compreender a sociedade por meio de seus conflitos e de como os seus agentes eram capazes de interferir nos rumos da economia e do Estado.

Após o Golpe Militar de 1964, esse projeto político de sociologia e as articulações institucionais e internacionais no campo da sociologia do trabalho, estabelecidas nos anos precedentes, deixaram de existir, ainda que as relações pessoais e intelectuais entre franceses e brasileiros tenham permanecido em outras esferas. Além disso, a passagem dos anos 1950 para os 1960 representou uma inflexão no campo da sociologia uspiana e da sociologia francesa, pois elas se afastaram do aparato conceitual do estrutural-funcionalismo em direção a perspectivas críticas, como foram os casos, na América Latina, da teoria da dependência e do marxismo. No entanto, ainda assim, a sociologia do trabalho que surgiu no Brasil nos anos 1950/1960 deixou um legado teórico e um estilo de pesquisa que se perpetuou nas gerações seguintes.

Arquivos consultados

Arquivo Anísio Teixeira, Arquivo FGV–CPDOC.

Arquivo Geral da USP.

Arquivos da administração da FFLCH-USP.

Arquivos da Fundação FHC (acesso ao acervo digital).

Arquivos da Unesco, Paris.

Arquivos de Fernando de Azevedo, Arquivos do IEB-USP.

Bibliothèque Nationale de France (BnF), Paris, França.

CAPH/DH – Projeto Memória da FFCL/FFLCH-USP.

Fonds Clemens Heller – Amérique Latine. Arquivos EHESS, Paris.

Fonds Louis Velay: fonds de dossier sur l’Amérique Latine. Années 1960. Arquivos da EHESS, Paris

Fundo Florestan Fernandes, Acervo Coleções Especiais UFSCAR/BCo.

Agradecimentos

Parte desta pesquisa foi desenvolvida com o apoio da Capes, processo no 99999.009623/2014-00, na modalidade Bolsa de Doutorado Sanduíche junto à École des Hautes Études en Sciences Sociales (França). Agradeço às/aos pareceristas anônimas/os pelas generosas leituras, sugestões e comentários em versões anteriores do texto.

  • 1
    Este texto apresenta reflexões desenvolvidas na tese de doutoramento O mundo do trabalho e os dilemas da modernização: percursos cruzados da sociologia francesa e brasileira (1950-1960), defendida em 2018 no PPGS/Unicamp, sob orientação do Prof. Dr. Ricardo Antunes.
  • 2
    Vale ressaltar que, ao longo dos anos 1950 e 1960, este amplo campo de estudos sobre o mundo do trabalho recebeu várias denominações, tais como “sociologia industrial” e “sociologia do trabalho”. Para o caso específico do grupo analisado, propomos a denominação de “sociologia uspiana do trabalho” com o objetivo de ressaltar a consolidação de um estilo de fazer sociologia. Como a interdisciplinaridade e a busca por uma análise da totalidade social era uma tônica dos sociólogos da USP dos anos 1950/60, em particular dos vinculados à Cadeira de Sociologia I, parte de suas produções acadêmicas também foi classificada por outros autores como “sociologia econômica” (Guimarães e Leite, 1994GUIMARÃES, Nadya Araújo & LEITE, Marcia de Paula. (1994), “A sociologia do trabalho industrial no Brasil: desafios e interpretações”. BIB. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 37: 39–59.; Nahoum, 2017NAHOUM, André. (2017), “A Sociologia Econômica no Brasil: Balanço de um Campo Jovem”, in: S. Miceli & C.B. Martins (org.), Sociologia brasileira hoje. São Paulo, Ateliê Editorial.).
  • 3
    Alguns exemplos de artigos e teses nesse sentido são de Romão (2003ROMÃO, Wagner. (2003), A experiência do CESIT: sociologia e política acadêmica nos anos 1960. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo., 2006ROMÃO, Wagner. (2006), Sociologia e política acadêmica nos anos 1960: a experiência do CESIT. São Paulo, Humanitas.), Cândido (2002)CÂNDIDO, João Carlos. (2002), Entre a “política” e a “polícia”: a constituição e a crítica da sociedade industrial democrática na sociologia paulista dos anos 1950 e 1960. Dissertação de Mestrado. Universidade de São Paulo, São Paulo., Guimarães e Leite (1994)GUIMARÃES, Nadya Araújo & LEITE, Marcia de Paula. (1994), “A sociologia do trabalho industrial no Brasil: desafios e interpretações”. BIB. Revista Brasileira de Informação Bibliográfica em Ciências Sociais, 37: 39–59., Leite Lopes et al. (2012),LEITE LOPES, José Sergio.; PESSANHA, Elina; RAMALHO, José Ricardo. (2012), “Esboço de uma história social da primeira geração de sociólogos do trabalho e dos trabalhadores no Brasil”. Educação & Sociedade, 33, 118: 115 – 129. DOI: 10.1590/S0101-73302012000100008.
    https://doi.org/10.1590/S0101-7330201200...
    Lima e Leite (2020)LIMA, Jacob Carlos & LEITE, Marcia de Paula. (2020), “Trabalho, classe e cultura no Brasil: uma revisão temática”, in: R.C. Fazzi & J.A. Lima (org.), Campos das ciências sociais: figuras do mosaico das pesquisas no Brasil e em Portugal, Petrópolis - RJ, Vozes. e Bridi et al. (2020)BRIDI, Maria Aparecida; PINTO, Geraldo Augusto; CAVALCANTE, Sávio. (2020), “Sociologia do trabalho no Brasil: um panorama das pesquisas sobre reestruturação produtiva, sindicalismo e classe trabalhadora”, in R. de C. Fazzi & J. A. de Lima (org.), Campos das ciências sociais: figuras do mosaico das pesquisas no Brasil e em Portugal, Petrópolis - RJ, Vozes..
  • 4
    Não será possível neste artigo problematizar e desenvolver a ideia de tradição sociológica, em contraposição à de “escola sociológica”. Vale pontuar que esse termo busca ressaltar a heterogeneidade de um grupo acadêmico envolvido em projetos comuns e na construção de um determinado campo científico. Para um aprofundamento do conceito, ver Chapoulie (2001CHAPOULIE, Jean-Michel. (2001), La tradition sociologique de Chicago: 1892-1961. Paris, Seuil., 2005CHAPOULIE, Jean-Michel. (2005), “Un cadre d’analyse pour l’histoire des sciences sociales”. Revue d’Histoire des Sciences Humaines, 13, 2: 99 - 130. DOI: 10.3917/rhsh.013.0099.
    https://doi.org/10.3917/rhsh.013.0099...
    )
  • 5
    As duas entrevistas citadas neste artigo contaram com autorização dos entrevistados para serem utilizadas em trabalhos acadêmicos.
  • 6
    Semelhante narrativa foi apresentada por Touraine nas entrevistas que concedeu a nós, em fevereiro de 2017, e a José Sergio Leite Lopes (2013)LEITE LOPES, José Sergio. (2013), “Touraine e Bourdieu nas ciências sociais brasileiras: duas recepções diferenciadas”. Sociologia & Antropologia, 3, 5: 43 – 79. DOI: 10.1590/2238-38752013v352.
    https://doi.org/10.1590/2238-38752013v35...
    , em 1994.
  • 7
    Aqui cabe destacar os trabalhos realizados por Mário Wagner Vieira da Cunha (1951)CUNHA, Mario Wagner Vieira da. (1951), Burocratização das empresas industriais estudo monográfico. Tese de Cátedra. Faculdade de Ciências Econômicas e Administrativas, Universidade de São Paulo, São Paulo., Juarez Brandão Lopes (1956BRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1956), “Escolha ocupacional e origem social”. Educação e Ciências Sociais, I, 2: 43–62., 1957aBRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1957a), “A fixação do operário de origem rural na indústria”. Educação e ciências sociais, 2, n. 6., 1957bBRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1957b), “Sistema industrial e estratificação social”. Revista Brasileira de Estudos Políticos, 2, 6: 293–322., 1960aBRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1960a), “Ajustamento do trabalho à indústria: mobilidade social e motivação”, in B. Hutchinson (org.), Mobilidade e trabalho, Rio de Janeiro, Centro Brasileiro de Pesquisas Educacionais: 360–440., 1964BRANDÃO LOPES, Juarez Rubens. (1964), Sociedade industrial no Brasil. São Paulo, Difel.) e Azis Simão (1955SIMÃO, Azis. (1955), O voto operário em São Paulo, in: Anais do I Congresso Brasileiro de Sociologia, São Paulo., 1961SIMÃO, Azis. (1961), “As funções do sindicato na sociedade moderna brasileira”. Revista de Estudos Sócio-econômicos, I, 1.). Não será possível neste artigo desenvolver a importância de suas produções para a constituição do que estamos denominando de sociologia uspiana do trabalho. No entanto, vale destacar que esses autores tiveram contato com os franceses, estando presentes nos Seminários ministrados por Friedmann, em 1958, e por Touraine, em 1960.
  • 8
    Esta mesma narrativa de Cardoso, ressaltando a importância de ter um carro e de falar francês, apareceu em outros depoimentos, tais como Cardoso (2012CARDOSO, Fernando Henrique. (2012), Fernando Henrique Cardoso (depoimento, 2011). Rio de Janeiro, CPDOC/FGV; LAU/IFCS/UFRJ; ISCTE/IUL., 2021CARDOSO, Fernando Henrique. (2021), Um intelectual na política: memórias. São Paulo - SP, Companhia das Letras.).Vale ressaltar um “erro” de memória nesses relatos, pois a primeira visita de Friedmann ao Brasil ocorreu em 1958, e a eleição de Leônidas Cardoso, pai de Fernando Henrique, como deputado federal, foi em 1954.
  • 9
    Cf. Carta de Friedmann a Fernando de Azevedo. 10 de junho de 1960, timbre da Flacso e carimbo de Paris XVI. Arquivo Fernando de Azevedo, Arquivo IEB-USP. Código: Cp-cx13, 23.
  • 10
    Trata-se de “Ciência e sociedade na evolução social do Brasil”, publicado, originalmente, pela Revista Brasiliense, no.6 de julho-agosto de 1956, e republicado em Fernandes (1977)FERNANDES, Florestan. (1977), A sociologia no Brasil. Contribuição para o estudo de sua formação e desenvolvimento. Petrópolis - RJ, Vozes..
  • 11
    Intitulada “A função da pesquisa sociológica no mundo moderno”, a conferência foi organizada pelo grêmio dos estudantes desta faculdade, entre 20 e 27 de outubro de 1955. Cf. referência 02.06.7966, Fundo Florestan Fernandes, Acervo Coleções Especiais UFSCAR/BCo, São Carlos.
  • 12
    Cf. entrevista de Touraine (2017)TOURAINE, Alain. Entrevista com Touraine. Ricardo Festi. 22 de fevereiro de 2017, Paris, França. Gravada digitalmente, 1h52’09”., concedida ao autor, o projeto político desta geração dos anos 1950/60 se filiava ao espectro da social-democracia. No programa fundador da revista Sociologie du Travail, encontramos em seu primeiro artigo-programa, escrito por Friedmann, a defesa de uma sociologia do trabalho que não se resumisse às questões propriamente do mundo laboral, mas buscasse a produção de análises e explicações totalizantes (Friedmann, 1959bFRIEDMANN, Georges. (1959b), “Quelques problèmes de définition et de limites”. Sociologie du Travail, 1e année.).
  • 13
    Cf. Decreto do Governador de São Paulo, no. 38.854 de 28/02/1962.
  • 14
    Para a sua criação, em 1962, o Cesit contou com a doação de Cr$10.000,00 da Confederação Nacional da Indústria (CNI), por mediação de Cardoso. Esse era um valor alto para a universidade.
  • 15
    O processo de criação da ISA (Congresso Constitutivo em 1949, I Congresso Mundial em 1950) impulsionou uma intensa correspondência entre o Comitê Provisório votado em 1949, os membros do que seria o Departamento de Ciências Sociais da Unesco e os vários intelectuais espalhados pelo mundo. Algumas dessas cartas chegaram a São Paulo, o que incitou o “grupo paulista” a reanimar uma Sociedade Paulista de Sociologia, alterando o seu nome para Sociedade Brasileira de Sociologia, entidade filiada à ISA e representante desta no Brasil (Cf. Arquivos da Unesco, Paris; Arquivos de Florestan Fernandes, Ufscar; Arquivos de Fernando de Azevedo, IEB-USP).
  • 16
    Cf. Resolução 24 da Conferência. Arquivos da Unesco, Paris.
  • 17
    Nos primeiros anos de funcionamento da Unesco, a América Latina tinha uma expressiva representação em seus órgãos diretivos. Isso se explica, pois, nesses primeiros anos, com a ausência dos países africanos e asiáticos, a região representava um terço dos Estados-membros, o que lhe dava força política dentro da organização.
  • 18
    Nos quatro primeiros Congressos da ISA, sempre houve uma delegação brasileira, mesmo que ela fosse pequena. Fernando de Azevedo foi Vice-Presidente da ISA entre 1950 e 1952, assumindo a responsabilidade de Presidente após a morte de quem ocupava esse cargo. L.A. Costa Pinto foi membro do Comitê Executivo (1953-1956) e Vice-Presidente (1956-1959).
  • 19
    Como foi ressaltado, a sociologia do trabalho desenvolvida nos anos 1950 não se restringiu ao grupo ao redor de Florestan Fernandes e do Cesit. Vale destacar a importância de autores como Azis Simão e Juarez Brandão Lopes em pesquisas sobre a indústria e o trabalho realizadas muito antes da visita de Friedmann ao Brasil. Porém, como o próprio Brandão Lopes reconheceu, o Seminário dado pelo francês em 1958 foi decisivo para o seu giro em direção à concepção de sociologia do trabalho desenvolvida na França (Cf. intervenção de Juarez B. Lopes no Seminário Internacional “Quando a sociologia se submete à análise sociológica”, em agosto de 2009, na Faculdade de Educação da Unicamp).
  • 20
    Friedmann exerceu na ISA os cargos de Presidente (1956-1959) e de membro do Comitê Executivo (1959-1962), no mesmo período em que foram criadas, na América do Sul, a Flacso e a Clapcs; o francês foi Presidente da primeira (1958-1964).
  • 21
    A Campanha Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (atual Capes) foi criada em 11 de julho de 1951.
  • 22
    Cf. Carta de Alain Touraine a Fernando de Azevedo. 8 de julho de 1960. Arquivo IEB-USP, Arquivo Fernando de Azevedo, Código: fa-cp-cx30, 77.
  • 23
    Cf. Carta de Georges Friedmann a Fernando de Azevedo, de 23 de outubro de 1954. O francês confirma ter recebido carta de Anísio Teixeira, convidando-o para ministrar um curso na USP no ano seguinte: “Je suis très touché de cette invitation et serais heureux, en principe, de faire un séjour au Brésil. J’ai dit à Monsieur Teixeira que, dès que j’aurai rassemblé les informations nécessaires (étant donné les engagements que j’ai déjà pris pour 1955 et, par ailleurs mes obligations professionnelles), je lui donnerai ma réponse » (CP-CX13,14, Arquivo Fernando de Azevedo, Arquivo IEB-USP).
  • 24
    Depois de sua passagem por São Paulo, em 1958, Friedmann ainda se encontrou novamente com Anísio Teixeira, no Rio de Janeiro, para discutirem a colaboração franco-brasileira no domínio da sociologia do trabalho (Cf. Carta de Friedmann a Azevedo, de 3/10/1958: CP-CX13,21/2, Arquivo Fernando de Azevedo, Arquivo IEB-USP).
  • 25
    A primeira viagem de Friedmann para a América Latina ocorreu em novembro e dezembro de 1957, com o objetivo de supervisionar a pesquisa dirigida por Touraine. Ele também visitou Buenos Aires e o Rio de Janeiro. Nesta cidade, ministrou uma conferência sobre “Problemas humanos da empresa contemporânea”, no auditório do Instituto Superior de Estudos Brasileiros (ISEB), em 16 de dezembro de 1957 (Cf. Diário de Notícias (RJ), sexta-feira, 13 de dezembro de 1957, p. 9.)
  • 26
    Conforme o Relatório da investigação, o trabalho de campo foi realizado de dezembro de 1956 a maio de 1957, em etapas sucessivas, que compreenderam a enquete realizada entre os operários, seguida de uma outra enquete com os contramestres e, por fim, uma observação detalhada do trabalho nessas categorias profissionais (Di Tella et al., 1966DI TELLA, Torcuato Salvador et al. (1966), Huachipato et Lota: étude sur la conscience ouvrière dans deux entreprises chiliennes. (Recherche menée par l’Institut de recherches sociologiques de l’Université du Chili). Paris, Éditions du Centre national de la recherche scientifique., p. 15).
  • 27
    Outro que merece destaque é Azis Simão. Ele obteve uma bolsa da Fapesp e do CNRS (França) para realizar seu intercâmbio no LSI entre 1° de março e 30 de junho de 1968.
  • 28
    Cf. 62.1.21955.1.1, CX 2394, Fernando Henrique Cardoso, Afastamento. Arquivo Geral da USP e Carta de Fernando H. Cardoso a Florestan Fernandes. Paris, 8 de fev. de 1962. Fundo Florestan Fernandes. Acervo Coleções Especiais Ufscar/BCo. Código: 02.09.1008.
  • 29
    O principal livro de Brandão Lopes deste período, Sociedade industrial no Brasil (1964)¸ foi o resultado das pesquisas que o autor realizou junto ao CBPE sobre os impactos da modernização (industrialização) no mundo tradicional e a sobrevivência deste sobre o mundo moderno.
  • 30
    Tratava-se de “Technological change and human relations”, in The British Journal of Sociology. III, 2. June 1952. London, pp. 95-116.
  • 31
    Cf. Programas de Cursos da FFCL-USP, de 1949 a 1968, Arquivo da Administração da FFLCH-SP e CAPH.
  • 32
    O Plano de Ação do Governo foi lançado pelo Decreto n° 34.656, de 12 de fevereiro de 1959. Foi criado um Grupo de Planejamento, responsável por formular o projeto do Plano de Ação, coordenado por Plínio de Arruda Sampaio e composto por vários profissionais e economistas, entre eles Diogo Adolho Nunes e Antônio Delfim Neto [Barros, 1974BARROS, José Roberto Mendonça. (1974), “A experiência regional de planejamento”, in B.M. Lafer (org.), Planejamento no Brasil, São Paulo, Perspectiva.; São Paulo (Estado), Governador (1959-1963: Carvalho Pinto), São Paulo, 1959SÃO PAULO (ESTADO), GOVERNADOR (1959-1963: CARVALHO PINTO). (1959), Plano de ação do governo 1959-1963: administração estadual e desenvolvimento econômico social. São Paulo, Imprensa Oficial do Estado.].
  • 33
    Foram fundamentais também para o funcionamento do Cesit os auxílios financeiros recebidos da então recém-criada Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), em particular nos anos de 1962 e 1963
  • 34
    Os trabalhos mais representativos desta linha de pesquisa foram Friedmann (1946FRIEDMANN, G. (1946). Problèmes humains du machinisme industriel. Paris: Gallimard., 1950FRIEDMANN, G. (1950). Où va le travail humain?. Paris: Gallimard., 1956FRIEDMANN, G. (1956). Le travail en miettes: spécialisation et loisirs. Bruxelles: Université de Bruxelles.), Touraine (1955) TOURAINE, A. (1955). Evolution du travail ouvrier aux usines Renault. Paris: Centre national de la recherche scientifique. e Naville (1963)NAVILLE, P. (1963). Vers l’automatisme social ?: problèmes du travail et de l’automation. Paris: Gallimard..
  • 35
    Neste caso, ver principalmente Touraine (1966)TOURAINE, Alain. (1966), La conscience ouvrière. Paris, Éditions du Seuil. e Touraine e Ragazzi (1961)TOURAINE, A.; RAGAZZI, O. Ouvriers d’origine agricole. Paris: Éditions du Seuil, 1961..
  • 36
    Ver Crozier (1963CROZIER, M. (1963). Le Phénomène bureaucratique , essai sur les tendances bureaucratique des systèmes d’organisation modernes et sur leurs relations en France avec le système social et culturel. Paris: Éditions du Seuil., 1965CROZIER, M. (1965). Le monde des employés de bureau : résultats d’une enquête menée dans sept compagnies d’assurances parisienne. Paris: Ed. du Seuil.).
  • 37
    Referimo-nos aos dossiês “Operários e Sindicatos da América Latina”, ano 3, n° 4, outubro-dezembro de 1961, e “Classes sociais e poder na América Latina”, ano 9, n° 3, julho-setembro de 1967. No primeiro, encontramos artigos de Lucien Brams, Torquato Di Tella, Brandão Lopes, Cardoso, Azis Simão, Touraine e Gino Germani. No segundo, novamente Touraine e Cardoso, além de Pécaut, José Nun, Bourricaud e Brant.
  • 38
    Algumas das teses que resultaram desse projeto de pesquisa foram Cardoso (1964)CARDOSO, Fernando Henrique. (1964), Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo - SP, Difel., Ianni (1965)IANNI, Octávio. (1965), Estado e capitalismo: estrutura social e industrialização no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., Rodrigues (1968RODRIGUES, Leôncio Martins. (1968), Sindicalismo e sociedade. São Paulo, Difel., 1970RODRIGUES, Leôncio Martins. (1970), Industrialização e atitudes operárias: estudo de um grupo de trabalhadores. São Paulo, Brasiliense.) e Pereira (1965)PEREIRA, Luiz. (1965), Trabalho e desenvolvimento no Brasil, São Paulo, Difel..
  • 39
    Entre os estudos mais conhecidos, produzidos no interior ou por conta das reflexões das pesquisas do Cesit, estavam Cardoso (1964)CARDOSO, Fernando Henrique. (1964), Empresário industrial e desenvolvimento econômico no Brasil. São Paulo - SP, Difel., Ianni (1965)IANNI, Octávio. (1965), Estado e capitalismo: estrutura social e industrialização no Brasil. Rio de Janeiro, Civilização Brasileira., Rodrigues (1966RODRIGUES, Leôncio Martins. (1966), Conflito industrial e sindicalismo no Brasil. São Paulo, Difel., 1970RODRIGUES, Leôncio Martins. (1970), Industrialização e atitudes operárias: estudo de um grupo de trabalhadores. São Paulo, Brasiliense.), Pereira (1965)PEREIRA, Luiz. (1965), Trabalho e desenvolvimento no Brasil, São Paulo, Difel., Singer (1968)SINGER, Paul. (1968), Desenvolvimento econômico e evolução urbana: análise da evolução econômica de São Paulo, Blumenau, Porto Alegre, Belo Horizonte e Recife. São Paulo, Ed. Nacional: Edusp., Fernandes (1968FERNANDES, Florestan. (1968), Sociedade de classes e subdesenvolvimento. Rio de Janeiro, Zahar., 1975FERNANDES, Florestan. (1975), A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica. Rio de Janeiro, Zahar.) entre outros.
  • 40
    Nesta primeira fase de Touraine estão, principalmente, as suas preocupações sobre o mundo industrial e a consciência operária. São obras desse período as suas teses de Doutorado de Estado (Touraine, 1965TOURAINE, Alain. (1965), Sociologie de l’action. Paris, Éditions du Seuil., 1966TOURAINE, Alain. (1966), La conscience ouvrière. Paris, Éditions du Seuil.). O momento de inflexão que deu início a sua segunda fase foram as mobilizações de maio de 1968 na França e, em seguida, a publicação de La société post-industrielle (Touraine, 1969TOURAINE, Alain. (1969), La société post-industrielle. Paris, Ed. Denoël.) e Production de la Société (Touraine, 1973TOURAINE, Alain. (1973), Production de la société. Paris, Éditions du Seuil.).
  • 41
    De 30 de outubro de 1964 a 16 de janeiro de 1965, Pécaut visitou vários países da América do Sul (Argentina, Brasil, Chile, Uruguai, Peru e Colômbia) com o objetivo de reunir a documentação base, principalmente dados estatísticos, que constituiria o novo centro de documentação. Essa missão também possibilitou que o francês estreitasse suas relações com os latino-americanos, o que foi decisivo para o projeto subsequente e para a sua própria carreira acadêmica. O Centro contou com a ajuda financeira do CNRS e foi concretizado em setembro de 1966 (Cf. « Rapport de Mission en Amérique Latine et aux États-Unis ». Activités des instituitions de recherches et d’enseignement à Paris concernant l’Amérique Latine (1963-1965). Fonds Clemens Heller – Amérique Latine. Arquivos EHESS, Paris. Código: cpCH 33).
  • 42
    Tiveram importância na execução desse projeto do LSI, além de Touraine e Pécaut, Karpik, Mottez e Ahtik.
  • 43
    Cf. « Laboratoire de Sociologie Industrielle ». Rapport sur les activités de l’École Pratique des Hautes Études – VIe Section – concernant l’Amérique du Sud. Fonds Louis Velay : fonds de dossier sur l’Amérique Latine. Années 1960. Arquivos da EHESS, Paris. Código: CP9/72.
  • 44
    Cf. Carta de Touraine a Florestan Fernandes. Paris, 17 de novembro de 1965. Fundo Florestan Fernandes. Acervo Coleções Especiais Ufscar/BCo. Código: 02.09.0125.
  • 45
    Entre eles estão o Cesit, da USP, o Centro de Sociologia Comparada do Instituto Torcuato Di Tella e o Instituto de Sociologia da Universidade de Buenos Aires, os dois dirigidos por Gino Germani, o Departamento de Sociologia da Universidade de Buenos Aires, dirigido por Garcia Rena, a Faculdade de Sociologia de Bogotá, com ajuda de Fals Borda e Rotinof. A Clapcs do Rio de Janeiro, na época dirigida por Manuel Diegues, chegou a manifestar interesse em participar da pesquisa, mas nada confirma a efetivação dessa parceria. Os documentos pesquisados levam a crer que a Fundação Ford também colaborou financeiramente com o projeto.
  • 46
    O mesmo documento ressalta a importância da realização de estudos sobre os empresários, aspecto que não foi contemplado pelo projeto francês. No entanto, destacam: “Felizmente, a Cepal levou à frente um importante programa de pesquisa nesse domínio. Os trabalhos de F. H. Cardoso no Brasil e A. Lipman na Colômbia já demonstram o interesse nesses estudos. F. H. Cardoso deve estender as suas pesquisas para o conjunto da América Latina” [Cf. Recherche sur les voies sociales de l’industrialisation en Amérique Latine, (Mimeo), p. 1. Fonds Clemens Heller – Amérique Latine. Arquivos EHESS, Paris. Código: cpCH33].
  • 47
    Cf. Budget Amérique Latine de la VIe Section de l’EPHE (1963-1964). Fonds Clemens Heller – Amérique Latine. Arquivos da EHESS, Paris. Código : cpCH33.
  • 48
    Cf. Carta de Touraine a Florestan Fernandes. Paris, 17 de novembro de 1965. Fundo Florestan Fernandes. Acervo Coleções Especiais Ufscar/BCo. Código: 02.09.0125.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    24 Mar 2021
  • Aceito
    23 Nov 2021
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