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Diagnosticar falhas e solucionar litígios de saúde: o processo de criação da CRLS

Diagnosing failures and resolving healthcare disputes: the process of creating the CRLS

Resumos

Resumo

O artigo recupera o histórico de criação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde (CRLS), um órgão público na cidade do Rio de Janeiro responsável por tentar encaminhar extrajudicialmente as demandas de pessoas que pretendem processar o Estado para acessar um serviço ou bem de saúde. A partir da combinação entre revisão bibliográfica, pesquisa documental e trabalho de campo, discuto como a formulação da CRLS constitui um processo simultâneo de diagnóstico de falhas e proposição de soluções para os litígios de saúde. Em diálogo com uma abordagem antropológica do Estado e das políticas públicas, argumento que a elaboração de mecanismos e instituições de gestão estatal não pode ser pensada de modo descolado da própria produção das questões problemáticas nas quais o poder público deve intervir. Assim, se, por um lado, a inauguração da Câmara contribui de maneira decisiva para consolidar o “excesso de judicialização da saúde” e “morosidade do Judiciário” como problemas, por outro, sua atuação reforça a ideia de que a melhor forma de enfrentá-los é por meio da “desjudicialização”, promovendo a resolução administrativa dos conflitos entre cidadãos e o Estado.

Palavras-chave:
Litígio; Saúde; Políticas Públicas; Morosidade; Desjudicialização


Abstract

The paper retraces the history of the creation of the Health Dispute Resolution Chamber (CRLS), a public agency in the city of Rio de Janeiro responsible for trying to out-of-court forward the demands of people who intend to sue the State to access a health service or good. Based on a combination of literature review, documentary research, and fieldwork, I discuss how the formulation of the CRLS constitutes a simultaneous process of diagnosing failures and proposing solutions for health disputes. In dialogue with an anthropological approach to the State and public policies, I argue that the elaboration of state management mechanisms and institutions cannot be detached from the very production of problematic issues in which the public power must intervene. Thus, if, on the one hand, the inauguration of the Chamber contributes decisively to consolidating the “excessive judicialization of health” and the “slowness of the Judiciary” as problems, on the other hand, its performance reinforces the idea that the best way to face them is through “de-judicialization”, promoting the administrative resolution of conflicts between citizens and the State.

Keywords:
Healthcare; litigation; Slowness; Public Policies; De-judicialization


Introdução: diagnosticando problemas, legitimando ações

A definição de uma situação ou fenômeno como um problema social (Lenoir, 1998LENOIR, Remi. (1998), “Objeto sociológico e problema social”, in P. Champagne; R. Lenoir; D. Merllié & L. Pinto (org.), Iniciação à Prática Sociológica, Petrópolis, Vozes. ) ou problema público (Cefaï, 2017CEFAÏ, Daniel. (2017), “Públicos, problemas públicos, arenas públicas...”. Novos Estudos CEBRAP, 36, 1: 187-213. DOI: http://dx.doi.org/10.25091/S0101-3300201700010009.
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) é uma etapa fundamental para que determinadas práticas e projetos de intervenção estatal sejam justificados e legitimados. Em uma abordagem antropológica do Estado e das políticas públicas focada na dimensão administrativa (Souza Lima, 2002SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. (2002), Gestar e Gerir: estudos para uma antropologia da administração pública no Brasil. Rio de Janeiro, Relume Dumará. e 2013SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. (2013), “Apresentação do Dossiê Fazendo Estado: O estudo antropológico das ações governamentais como parte dos processos de formação estatal”. Revista de Antropologia, 55, 2: 559-564. DOI: https://doi.org/10.11606/2179-0892.ra.2012.59295.
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; Souza Lima e Castro, 2015SOUZA LIMA, Antonio Carlos de; CASTRO, João Paulo. (2015), “Notas para uma abordagem antropológica da(s) Política(s) Pública(s)”. Anthropológicas, 26, 2: 17-54.; Teixeira e Souza Lima, 2010TEIXEIRA, Carla Costa; SOUZA LIMA, Antonio Carlos de. (2010), “A Antropologia da Administração da Governança no Brasil: área temática ou ponto de dispersão?”, in C.B. Martins (org.), Horizontes das Ciências Sociais no Brasil, São Paulo, ANPOCS.), esse raciocínio encontra eco na ideia de que certas noções são fabricadas e utilizadas para fins de gestão, uma vez que determinada conjuntura tida como “problemática” implica a adoção de racionalidades estatais produzidas como imprescindíveis para a manutenção da máquina pública.

No que diz respeito ao acesso a serviços e bens públicos de saúde, um dos principais problemas contemporâneos, alvo de planos de “reorganização”, é o alegado “excesso de judicialização”. O grande número de litígios acaba por entrar em um círculo vicioso, sendo afetado e contribuindo com outro problema considerado histórico dos tribunais brasileiros: a “morosidade do Judiciário”. O processo de elaboração desses diagnósticos e dos mecanismos para sua solução que culmina na criação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde (doravante CRLS ou apenas Câmara) é o tema central deste artigo.

Grosso modo, a CRLS é uma iniciativa do poder público desenhada com o objetivo de oferecer meios extrajudiciais de resolução de conflitos sanitários e, consequentemente, gerenciar o fluxo de novos litígios de saúde que chegam aos Tribunais de Justiça na cidade do Rio de Janeiro. Sua missão é promover o que seus idealizadores chamam de “diálogos” entre diferentes instituições estatais e produzir arranjos consensuais que prescindam da judicialização propriamente dita. Com isso, pretende-se a viabilização de soluções que sejam ao mesmo tempo mais eficazes, rápidas e menos custosas, tanto para o Estado quanto para os demandantes.

Entre os anos de 2016 e 2017, realizei trabalho de campo de 13 meses na instituição. Durante esse período, pude acompanhar o cotidiano do trabalho na Câmara e estive em contato direto com funcionários e usuários do serviço. Além de observar diretamente a prática diária dos profissionais no manejo dos casos, conversei também com alguns deles a respeito de suas percepções acerca da litigância em saúde e também sobre a própria criação e funcionamento da CRLS. Ainda que esses diálogos não tenham sido gravados e convertidos em entrevistas formais, eles foram fundamentais para a tarefa de recuperação da história da instituição. Assim, a partir de pistas e indicações fornecidas pelos meus interlocutores, passei a procurar outras fontes de informação, a saber, documentos institucionais públicos, como o Termo de Cooperação n. 003/504/2012, que cria a Câmara; notícias de jornal, como a nota divulgada pela assessoria de imprensa da Defensoria Pública da União na ocasião de inauguração do órgão e matérias publicadas em outros portais e veículos de comunicação; e trabalhos acadêmicos, como as dissertações, teses e/ou artigos de Teixeira (2011)TEIXEIRA, Mariana Faria. (2011), Criando alternativas ao processo de judicialização da saúde: o sistema de pedido administrativo, uma iniciativa pioneira do Estado e Município do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. , Souza (2016)SOUZA, Anderson Monteiro de. (2016), A atuação em rede de instituições governamentais na resolução de conflitos sobre demandas sanitárias no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. , Corvino (2017)CORVINO, Juliana. (2017), A crise do Sistema Único de Saúde e o fenômeno da judicialização da saúde. Rio de Janeiro, Gramma. , Soares (2017)SOARES, Flávia Dantas. (2017), A atuação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde (CRLS) na resolução extrajudicial dos conflitos sanitários: um estudo dos anos de 2014 a 2016. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal Fluminense, Niterói. e Ventura e Simas (2021)VENTURA, Miriam; SIMAS, Luciana. (2021), “Uma experiência interinstitucional de resolução de litígios em saúde: percursos dos usuários no acesso ao direito e à justiça”. Direito e Práxis, 12, 3: 1989-2014. DOI: https://doi.org/10.1590/2179-8966/2020/51143.
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. Esse levantamento teve como objetivo encontrar dados capazes de elucidar os pontos confusos, as cadeias de eventos e as circunstâncias que deram origem à Câmara. É com base nesse conjunto relativamente heterogêneo de materiais empíricos que busquei traçar a cronologia da atuação de diferentes órgãos públicos relativa ao tema da judicialização da saúde.

Ainda que não seja o tópico central do texto, é importante sublinhar que a judicialização da saúde é um tema atravessado por controvérsias, configurando-se simultaneamente como um objeto tanto de estudos, quanto de intervenções. São as disputas que giram em torno da fabricação da “necessidade de responder a esse fenômeno” que fazem dele um tema provocativo, alvo de uma intensa produção de dados, interpretações, protocolos, resoluções, normativas e políticas públicas. Um trecho da mais recente pesquisa nacional sobre essa questão encomendada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) sumariza os principais pontos de disputa entre os diferentes especialistas da temática:

A judicialização da saúde é também um fenômeno de elevada complexidade. A literatura científica, por exemplo, diverge sobre quem procura o Judiciário requerendo serviços e produtos de saúde (pobres ou ricos?), diverge sobre o que requerem (medicamentos e serviços que são parte das listas, protocolos e contratos ou fora destes?) ou ainda diverge sobre os efeitos dessas ações judiciais sobre a política geral de saúde pública e privada (qual a magnitude dos distúrbios causados?). Ademais, a divergência perpassa, inclusive, os próprios pressupostos normativos do conflito, ou seja, sobre quais devem ser os parâmetros de justiça e de quem é a competência para decidir. (Azevedo e Aith, 2019, pAZEVEDO, Paulo; AITH, Fernando. (2019), Judicialização da Saúde no Brasil: perfil das demandas, causas e propostas de solução. Brasília, CNJ. . 14)

Reconheço que esquadrinhar as formas pelas quais o “excesso de judicialização da saúde” e a “morosidade do Judiciário” se configuram enquanto problemas que demandam a urgente e indispensável atuação estatal renderia um trabalho por si só. Além disso, o próprio nexo causal entre um alegado “aumento exagerado” no número de ações judiciais e o seu consequente prolongamento do prazo para a apreciação de um processo é também alvo de controvérsias que não poderão ser exploradas detidamente aqui. Um estudo detalhado sobre quem tem a autoridade e a expertise necessárias para definir um amplo conjunto de questões ligadas ao que seria o direito à saúde poderia ser feito por meio do exame atento de um grande volume de artigos acadêmicos, livros, entrevistas, artigos de opinião etc. A partir desse material, seria possível mapear as perspectivas de especialistas como advogados, magistrados, defensores públicos, procuradores, promotores, sanitaristas, gestores públicos, médicos e economistas acerca das questões envolvidas na judicialização da saúde. Entretanto, mais do que tratar longamente de como tais problemáticas são produzidas, dedico-me a refletir sobre o que elas produzem e quais iniciativas/projetos elas colocam em marcha.

Nesse sentido, tomo o “excesso de judicialização” e a “morosidade do Judiciário” não como fatos ou problemas verdadeiramente existentes, mas como diagnósticos sobre o funcionamento de diferentes órgãos de Estado - mais precisamente, das instituições que compõem o Sistema de Justiça. Uma das principais características dessas ideias é que elas se constituíram ao longo do tempo como “vulgatas” (Lugones, 2012LUGONES, María Gabriela. (2012), Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial en los Tribunales Prevencionales de Menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Rio de Janeiro, E-papers. ) de múltiplas camadas sobre os modos de operação do Judiciário, ou, ainda, como um tipo de “senso comum erudito”. Tais diagnósticos são elaborados por distintos atores públicos e privados e ambos fazem parte de um duplo processo de descrição e fabricação de problemas com os quais o Estado deve lidar, que são, ao mesmo tempo, resultados e produtores tanto de agentes, quanto de formas de intervenção (Vianna, 2013VIANNA, Adriana. (2013), “Introdução: fazendo e desfazendo inquietudes no mundo dos direitos”, in A. Vianna (org.), O Fazer e o Desfazer dos Direitos: experiências etnográficas sobre política, administração e moralidades, Rio de Janeiro, E-papers. ).

O suposto excesso de demandas apresentadas ao poder público não é debatido na esfera pública com ampla participação da sociedade civil. Sua discussão se dá principalmente entre especialistas de áreas como direito, saúde coletiva e administração e funcionários de distintas agências de Estado. Além disso, tal problema é visto como o resultado de um descompasso nas relações entre diferentes aparatos estatais - tais como Defensorias Públicas, Secretarias de Saúde, Tribunais de Justiça, Procuradorias e Ministérios Públicos -, identificado pelos próprios agentes desses órgãos e cujos projetos de solução são elaborados, conduzidos, apreciados, mensurados e atestados por eles mesmos. Em um esquema cíclico e de interferência recíproca, o “excesso de judicialização” é formulado como causa e consequência do desequilíbrio entre os Poderes Executivo e Judiciário, o que, em última instância, representa uma ameaça ao próprio funcionamento do Estado.

Já a demora para o Judiciário julgar e determinar o que deve ser feito diante de um pedido diz respeito fundamentalmente ao modo como o Sistema de Justiça é visto pela grande maioria dos cidadãos. Isso faz com que as soluções propostas para a superação do problema sejam do interesse não só dos agentes estatais, mas da sociedade como um todo, de modo que a “eficácia” das respostas institucionais precisa ser publicamente demonstrada e atestada. Ou seja, a lentidão do Judiciário importa na medida em que ela tem a ver com as avaliações feitas pela sociedade civil acerca da qualidade dos serviços prestados pelo Estado. Além disso, afirmo que a “morosidade do Judiciário” pode ser considerada também um problema social, pois sua construção cumpre com os dois fatores decisivos indicados por Lenoir (1998)LENOIR, Remi. (1998), “Objeto sociológico e problema social”, in P. Champagne; R. Lenoir; D. Merllié & L. Pinto (org.), Iniciação à Prática Sociológica, Petrópolis, Vozes. : 1) ela afeta a vida cotidiana dos indivíduos e tais efeitos diferem de acordo com os grupos sociais; e 2) ela recebeu uma formulação pública amplamente compartilhada na percepção do mundo social.

Em suma, ao passo que o controle da quantidade de ações protocoladas nos Tribunais é algo que interessa fundamentalmente aos gestores, a eficácia das soluções propostas para enfrentar a lentidão do Judiciário deve ser demonstrada publicamente para toda a sociedade. Para melhor atender a essas duas questões, deve-se priorizar estratégias e mecanismos de “desjudicialização” e de resolução administrativa dos conflitos sanitários. Assim, o escopo do artigo é demonstrar como o “excesso de judicialização” e a “morosidade do Judiciário” são reiteradamente mobilizados como justificativas para a formulação de uma série de projetos e experiências institucionais que servirão de base para a criação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde.

O texto se encontra dividido em duas partes. Na primeira, concentro-me em demonstrar como o volume de novos processos judiciais configurou-se como um problema decorrente de projetos que visavam solucionar falhas consideradas históricas do Sistema de Justiça, tais como a “morosidade do Judiciário” e a “falta de acesso à Justiça”. Na segunda, trago um histórico da concepção da CRLS ao expor como, no Rio de Janeiro, a resposta estatal ao diagnóstico de “excesso de judicialização” se baseou na ideia de que era preciso estabelecer diálogos entre os membros das Procuradorias Gerais, das Defensorias Públicas, dos Tribunais de Justiça e das Secretarias de Saúde. Por fim, argumento que a fabricação desses problemas e seus métodos de solução constituem um processo de influência mútua e não podem ser pensados de modo apartado, nem analítica e nem historicamente.

Ampliação do acesso à Justiça e judicialização da saúde: mais processos e mais lentidão

A questão da judicialização da saúde vem sendo debatida em diferentes esferas do Poder Judiciário ao longo dos últimos anos. Em 2009, o Supremo Tribunal Federal (STF) realizou uma Audiência Pública entre os meses de abril e maio. Naquela ocasião, foram ouvidas cerca de 50 pessoas diretamente envolvidas com o tema: especialistas (médicos, técnicos de saúde, enfermeiros, professores universitários e advogados), agentes de Estado (promotores, magistrados, defensores públicos, procuradores de Justiça e servidores médicos da área de gestão em saúde) e usuários do SUS que passaram por experiências de litígio em saúde. O resultado imediato dessa Audiência foi a proposição e divulgação de uma série de recomendações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) para uniformizar os procedimentos nos Tribunais de Justiça estaduais e homogeneizar as decisões proferidas pelos magistrados (Oliveira et al., 2015OLIVEIRA, Maria dos Remédios Mendes; DELDUQUE, Maria Célia; SOUSA, Maria Fátima de; MENDONÇA, Ana Valéria Machado. (2015), “Judicialização da saúde: para onde caminham as produções científicas?”. Saúde Debate, 39, 105: 525-535. DOI: https://doi.org/10.1590/0103-110420151050002019.
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).

Em abril de 2010, o CNJ aprovou a Resolução n. 107, a qual instituiu a criação do Fórum Nacional do Judiciário para a Saúde. O Fórum é composto por magistrados envolvidos com a matéria e membros dos Sistemas de Justiça e de Saúde. Seu objetivo é desenvolver estudos, propor, oferecer e incentivar caminhos para a qualificação das demandas e redução da judicialização da saúde. Durante os anos seguintes, os integrantes desse Fórum discutiram a construção de uma plataforma a ser alimentada com dados e “informações técnicas” que poderiam ser utilizados para subsidiar as decisões de magistrados em todo o país no que diz respeito aos pedidos judiciais na área da Saúde.

Em 2016, a Resolução n. 238 estabeleceu a criação de Comitês Estaduais de Saúde tanto nos Tribunais de Justiça (TJ), quanto nos Tribunais Regionais Federais (TRF). De acordo com o texto dessa normativa, as principais funções de tais Comitês seriam o monitoramento do fenômeno e a especialização dos magistrados. Também em 2016, o CNJ assinou um Termo de Cooperação Técnica com o Ministério da Saúde para a produção de um banco de dados utilizado como “subsídio técnico” para que as decisões judiciais fossem tomadas com base em “evidências científicas”.

Em abril de 2018, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) concluiu o julgamento do recurso repetitivo e fixou critérios fundamentais e cumulativos para que os magistrados pudessem determinar o fornecimento de medicamentos não incluídos nas listas do Sistema Único de Saúde (SUS), a saber (a) a comprovação da imprescindibilidade do medicamento; (b) a demonstração da incapacidade financeira de arcar por conta própria com a aquisição da medicação; e (c) a existência de registro do produto pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Além da decisão do STJ, este ponto foi discutido também no âmbito nacional pelo STF por meio do julgamento dos Recursos Extraordinários (RE) nº 657.718 - sobre o fornecimento gratuito de medicamentos em fase de testagem e/ou ainda não registrados pela Anvisa - e nº 566.471 - sobre o financiamento público de tratamentos de alto custo para pessoas acometidas por doenças graves e que não possuem condições de arcar com tais custos. Em relação ao primeiro RE, o STF decidiu que o Estado não poderia descumprir as leis que proíbem a circulação de medicamentos experimentais e/ou sem autorização para comercialização por parte da agência reguladora, salvo raras exceções. O julgamento do segundo RE ocorreu em março de 2020 e foi decidido que o poder público não teria obrigação de disponibilizar gratuitamente medicações ou tratamentos de alto custo que não estivessem previstos na relação do Programa de Dispensação de Medicamentos em Caráter Excepcional do SUS.

No estado do Rio de Janeiro, segundo informações do CNJ (Fernandes, 2015FERNANDES, Waleiska. (2015), “RJ cria estrutura própria para atender casos de saúde que chegam à Justiça”. Agência CNJ de Notícias, 26 out. Disponível em https://www.cnj.jus.br/rj-cria-estrutura-propria-para-atender-casos-de-saude-que-chegam-a-justica/, consultado em 12/01/2023.
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), os processos judiciais envolvendo demandas de saúde saltaram de 12.208 casos em 2007 para 29.970 processos em 2014. Ainda que o crescimento no número de processos judiciais não seja descrito como um problema que afeta apenas a área da Saúde - mas sim como uma questão que precisa ser enfrentada pelos diferentes órgãos que compõem o Sistema de Justiça -, esse alegado “excesso” de judicialização de demandas de saúde foi construído enquanto uma “situação problemática” cuja solução passaria por indispensáveis intervenções estatais em distintos âmbitos, níveis e órgãos da administração pública. Além da “enorme” quantidade de ações judiciais requerendo medicamentos, exames, consultas, internação etc., havia ainda outro problema que representava um grave risco à efetivação do direito à saúde não só no Rio de Janeiro, mas em todo o Brasil: a “morosidade do Judiciário”.

A percepção de que o Judiciário é lento e demorado se configura como uma espécie de senso comum ou “vulgata” (Lugones, 2012LUGONES, María Gabriela. (2012), Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial en los Tribunales Prevencionales de Menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Rio de Janeiro, E-papers. ) histórica no Brasil. Contemporaneamente, essa percepção da vagareza do Judiciário tem se constituído em diferentes camadas a partir de um conjunto de números, depoimentos de litigantes, matérias de jornal, análises de especialistas etc. Ou seja, são certas formulações e reiterações que dão a esse diagnóstico de lentidão um caráter de “verdade indiscutível” (Bourdieu, 1996BOURDIEU, Pierre. (1996), A Economia das Trocas Linguísticas: o que o falar quer dizer. São Paulo, EDUSP. ) e de aspecto fundante do Sistema de Justiça brasileiro. Como exemplos de dados quantitativos que consolidaram e consolidam essa visão de um Judiciário vagaroso, existem os levantamentos que conformam o Índice de Confiança na Justiça brasileira1 1 O Índice de Confiança na Justiça brasileira (ICJBrasil) é um levantamento periódico realizado em sete estados brasileiros e no Distrito Federal. Na parte qualitativa, a pesquisa se baseia em entrevistas feitas com uma amostra representativa da população brasileira. O principal objetivo do índice é acompanhar de forma sistemática o sentimento da população em relação ao Judiciário, entendendo a “confiança” como o fato da pessoa acreditar que as instituições jurídicas cumprem suas funções de forma adequada. O ICJBrasil é composto por dois subíndices: um subíndice de percepção, pelo qual é medida a opinião da população sobre a Justiça e a forma como ela presta o serviço público; e um subíndice de comportamento, o qual busca identificar se a população recorre ao Judiciário para solucionar determinados conflitos. (ICJBrasil), elaborado por pesquisadores da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas de São Paulo (FGV-SP) desde 2009. Em todas as suas edições, a “morosidade na prestação jurisdicional” é um dos principais problemas que levam a população a não confiar no Judiciário do país. Certa “insatisfação difusa” da sociedade para com a Justiça no Brasil e as críticas geradas por seu “mau funcionamento” vêm sendo discutidas por pesquisadores há décadas. De acordo com o último relatório publicado, referente ao ano de 2021, 83% das pessoas entrevistadas responderam que o Judiciário resolve os casos de forma “lenta” ou “muito lentamente” (Ramos et al., 2021RAMOS, Luciana; CUNHA, Luciana Gross; OLIVEIRA, Fabiana Luci de; SAMPAIO, Joelson de Oliveira. (2021), Relatório ICJBrasil, 2021. São Paulo, FGV Direito SP. ).

Desde 2003, o CNJ elabora anualmente um relatório chamado “Justiça em Números”, no qual é apresentado um amplo conjunto de dados estatísticos oficiais sobre o funcionamento do Poder Judiciário no país. Dentre as muitas informações contidas neste levantamento, destacam-se aquelas relativas às “taxas de congestionamento”2 2 A taxa de congestionamento é um cálculo entre o total de casos novos que ingressaram, os casos baixados e o estoque pendente ao final do período anterior em relação ao período base. Sua função é mensurar a efetividade do tribunal em um dado período. nos diferentes Tribunais de Justiça brasileiros e o “tempo médio de tramitação dos processos” - que é calculado desde a sua distribuição até sua sentença. Sempre “altos”, esses números são mobilizados como as principais evidências da lentidão do Judiciário no Brasil. Como aparece em um trecho das considerações finais do relatório de 2016,

[a]lgumas constatações extraídas do Relatório, embora confirmem as impressões do senso comum, oferecem elementos para a reflexão. Confirmou-se que o Judiciário apresenta problemas relativos à morosidade - situação, todavia, agravada na fase da execução dos processos.3 3 Os processos judiciais possuem duas fases: conhecimento e execução. A primeira compreende o período desde a distribuição até que se tenha uma sentença transitada em julgado e a segunda diz respeito ao período de cumprimento da decisão judicial após a promulgação da sentença ou de acordo extrajudicial. (CNJ, 2016, sCNJ. (2016), Justiça em Números 2016: ano-base 2015. Brasília, CNJ.. p., grifos no original)

Para além das estatísticas e indicadores, a “morosidade do Judiciário” também tem sido uma questão central em pesquisas de caráter qualitativo. Nesse sentido, perguntas sobre as causas e consequências da demora para o desfecho dos processos; os sentidos atribuídos à espera por litigantes, magistrados e servidores dos tribunais; as possíveis soluções para tornar o Judiciário mais ágil etc. orientam investigações conduzidas por autores dos diferentes campos das Ciências Sociais. A partir de diferentes perspectivas e enfoques, a questão da temporalidade da Justiça vem sendo o tema principal de uma diversificada produção bibliográfica nas últimas décadas.

Com relação ao modo como a espera por uma solução judicial para uma demanda é vivenciada e os significados e impactos dessa experiência na vida das pessoas, Sadek (2014)SADEK, Maria Tereza. (2014), “Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos”. Revista USP, 101: 55-66. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i101p55-66.
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argumenta que a morosidade do Judiciário é um dos principais obstáculos que impedem a população de acessar a Justiça de modo amplo. Esse argumento é também defendido por Pasinato (2003)PASINATO, Wânia. (2003), Justiça para todos: os Juizados Especiais Criminais e a violência de gênero. Tese de doutorado. Universidade de São Paulo, São Paulo. , quando ela afirma em sua tese que “a morosidade judicial integra o rol de obstáculos que precisam ser enfrentados por políticas que tenham como objetivo ampliar o acesso à Justiça pelos cidadãos” (p. 40). Ao tratarem sobre como o tempo e a duração do julgamento de um processo são percebidos no âmbito da justiça criminal, Adorno e Pasinato (2007)ADORNO, Sérgio; PASINATO, Wânia. (2007), “A justiça no tempo, o tempo da justiça”. Tempo Social, 19, 2: 131-155. DOI: https://doi.org/10.1590/S0103-20702007000200005.
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postularam que “o tempo é medida da justiça”. Assim, uma extensão temporal “incorreta” resultará sempre em uma “injustiça”, posto que, se, por um lado, um processo que demore muito para ser julgado transmite a sensação de que as leis não estão sendo cumpridas e pode implicar, por exemplo, a impossibilidade de localização de testemunhas e agressores, por outro, se julgado muito rapidamente, corre o risco de que os direitos assegurados pela Constituição e os procedimentos determinados pelas leis processuais penais não estejam sendo respeitados.

Ao abordar a mesma temática de um ponto de vista da Antropologia, Lacerda (2015)LACERDA, Paula. (2015), Meninos de Altamira: violência, “luta” política e administração pública. Rio de Janeiro, Garamond. demonstrou como o sentido de justiça está profundamente ligado ao julgamento dos perpetradores de assassinatos, mutilações genitais e desaparecimentos de crianças e adolescentes do sexo masculino ocorridos entre 1989 e 1993 no estado do Pará. Nesse contexto, a morosidade do Judiciário foi vista pelos familiares das vítimas como expressões do descaso e da omissão dos atores responsáveis por encaminhar o processo, de modo a reforçar e multiplicar as violências vividas e fazer com que o “tempo do processo” fosse percebido como o “tempo da impunidade”. Isto é, na “luta por justiça”, etnografada pela autora, a morosidade era percebida pelas famílias não só como um problema estrutural do Sistema de Justiça, mas também como produto da conivência e da corrupção de certos promotores e juízes, reiteradamente denunciadas nas manifestações promovidas pelos parentes dos meninos assassinados.

Também a partir de uma perspectiva antropológica, Vianna (2015)VIANNA, Adriana. (2015), “Tempos, Dores e Corpos: considerações sobre a ‘espera’ entre familiares de vítimas de violência policial no Rio de Janeiro”, in C. Machado; M.P. Leite & P. Birman (org.), Dispositivos Urbanos e Trama dos Viventes: ordens e resistências, Rio de Janeiro, FGV. explorou como o tempo esperado por mães que tiveram seus filhos assassinados por agentes do Estado para que seus “casos” fossem julgados funciona como um tipo de “teste” capaz de revelar “a verdade” sobre vítimas, perpetradores e familiares. Além disso, a autora destacou que essa espera é capaz não só de prolongar, mas também de fazer com que essas mulheres revivam as dores da perda de seus filhos inúmeras vezes. Já Lugones (2012)LUGONES, María Gabriela. (2012), Obrando en autos, obrando en vidas: formas y fórmulas de protección judicial en los Tribunales Prevencionales de Menores de Córdoba, Argentina, a comienzos del siglo XXI. Rio de Janeiro, E-papers. associou o controle do tempo ao exercício do poder nos Tribunales Prevencionales de Menores na cidade de Córdoba, como, por exemplo, quando os sujeitos são chamados a comparecer em dias e horários determinados.

Em suma, ainda que recorrente há muitos anos na literatura não apenas das Ciências Sociais, mas sobretudo do Direito, um novo elemento foi recentemente introduzido no debate das controvérsias sobre as causas da “morosidade do Judiciário”: a ampliação do acesso à Justiça. Com isso, o aumento na quantidade de ações propostas nos Tribunais de Justiça de todo o país e o reforço do protagonismo do Poder Judiciário na resolução de conflitos variados seriam decorrências evidentes das novas formas e iniciativas de acesso ao Sistema de Justiça. Isto é, se o Judiciário já era lento quando acionado apenas por uma ínfima parte da população, é óbvio que uma maior abertura de suas portas de entrada e o crescimento do número de litígios fez com que o tempo para a conclusão de um processo também se estendesse.

O argumento de que a ampliação do acesso à Justiça está conectada ao crescimento de demandas judiciais tem como pressuposto a ideia de que os processos de redução das barreiras econômicas, culturais e legais e de institucionalização de canais de “incentivo à judicialização” são os motores de tal expansão. Dentre as iniciativas que estariam estimulando a via litigiosa e fazendo do acionamento do Judiciário uma das principais - senão a principal - forma de resolução de conflitos de interesses, foram elencadas, por exemplo, a estruturação de Defensorias Públicas em vários estados do Brasil e a criação de Juizados Especiais. Tal tese é explicitada nas conclusões da pesquisa coordenada por Gabbay e Cunha (2010)GABBAY, Daniela; CUNHA, Luciana. (2010), Diagnóstico sobre as causas de aumento das demandas judiciais cíveis, mapeamento das demandas repetitivas e propositura de soluções pré-processuais, processuais e gerenciais à morosidade da Justiça. Relatório final de pesquisa. São Paulo, FGV. Disponível em <cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/relat_pesquisa_fgv_edital1_2009.pdf> consultado em 12/01/2023. acerca das causas do aumento das demandas judiciais cíveis. Como exposto no título do relatório final da investigação, as autoras diagnosticaram:

A criação de novas portas de acesso ao Judiciário, como os juizados especiais, não necessariamente reduz o volume de demandas, podendo gerar um crescimento deste volume e a visibilidade de demandas que antes não chegavam ao Judiciário. Abre-se uma porta, surgem mais demandas. (Gabbay e Cunha, 2010, pGABBAY, Daniela; CUNHA, Luciana. (2010), Diagnóstico sobre as causas de aumento das demandas judiciais cíveis, mapeamento das demandas repetitivas e propositura de soluções pré-processuais, processuais e gerenciais à morosidade da Justiça. Relatório final de pesquisa. São Paulo, FGV. Disponível em <cnj.jus.br/wp-content/uploads/2011/02/relat_pesquisa_fgv_edital1_2009.pdf> consultado em 12/01/2023. . 160, grifos no original)

Para pesquisadores como Trentin (2012), aTRENTIN, Fernanda. (2012), “Métodos alternativos de resolução de conflito: um enfoque pluralista do direito”. Âmbito Jurídico - Sociologia, 98. simples expansão do acesso à Justiça não dá conta de explicar o crescimento do número de processos judiciais em andamento, já que houve também uma mudança social que acompanhou esse maior acionamento do Judiciário para a resolução de contendas variadas. De acordo com a autora, fatores como a globalização e o desenvolvimento das tecnologias de comunicação propiciaram o que ela chamou de “crescimento das relações sociais”, posto que diminuíram distâncias e tornaram mais fáceis o estabelecimento de relações de diferentes tipos, como, por exemplo, de compra e venda. Ter a capacidade e a possibilidade de estabelecer “mais relações” significa aumentar potencialmente a quantidade dos conflitos sociais existentes. A expansão quantitativa e qualitativa desses conflitos, somadas a essa abertura das portas do Judiciário, geraram uma “crise paradigmática do direito”, expressão utilizada pela autora para caracterizar o “abarrotamento do sistema judiciário” provocado pela crescente demanda jurisdicional e o colapso das estruturas estatais de resolução de conflitos.

Contrário à tese de que a morosidade do Judiciário deriva da ampliação do acesso à Justiça, o professor de Direito da Universidade de São Paulo (USP), Paulo Eduardo Alves da Silva, declarou que

[a] leitura que se faz atualmente esquece do conceito original. Pensamos em volume de processos da perspectiva do gabinete, mas, da perspectiva da população, ela não se sente com tanto acesso à Justiça. Os litígios no Brasil envolvem grandes empresas contra pequenos indivíduos. É importante saber quem usa o Judiciário para sabermos se de fato existe acesso à Justiça antes de imputar o acesso à Justiça como causa da morosidade. (Crepaldi e Valente, 2019CREPALDI, Thiago; VALENTE, Fernanda. (2019), “Maior acesso à Justiça não é causa da morosidade, afirmam juristas”. Boletim de Notícias do Conjur. 01 mar. Disponível em https://www.conjur.com.br/2019-mar-01/maior-acesso-justica-nao-causa-morosidade-afirmam-juristas, consultado em 12/01/2023.
https://www.conjur.com.br/2019-mar-01/ma...
)

Sua fala se deu no painel intitulado “Acesso à Justiça e causas da morosidade do processo judicial” do seminário “Acesso à ordem jurídica justa”, realizado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) em fevereiro de 2019. Na mesma mesa esteve a já citada Maria Tereza Sadek, que apresentou dados de sua mais recente pesquisa que apontam que entre 2004 e 2019, o número de processos que continuam não resolvidos permaneceu na casa dos 70%. A perspectiva de que a morosidade é um “problema crônico” do Judiciário brasileiro foi um consenso entre os participantes do painel.

Além do crescimento da demanda, outros dois fatores são elencados nas explicações sobre o longo tempo para a resolução dos processos no país. O primeiro deles diz respeito a questões estruturais do Judiciário, como o número insuficiente de magistrados e servidores nos Tribunais de Justiça - o que vem sendo apontado como uma das principais causas da morosidade do Judiciário há décadas (Sadek e Arantes, 1994SADEK, Maria Tereza; ARANTES, Rogério. (1994), “A crise do Judiciário e a visão dos juízes”. Revista USP, 21: 34-45. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i21p34-45.
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). De acordo com os relatórios anuais do CNJ, o Judiciário terminou o ano de 2016 com 18.011 juízes de direito, desembargadores e ministros, montante que representa uma média de 8,2 juízes para grupos de 100 mil habitantes no Brasil, um número considerado muito baixo para atender ao contingente populacional (CNJ, 2017CNJ. (2017), Justiça em Números 2017: ano-base 2016. Brasília, CNJ.).

O segundo tem a ver com a lentidão imposta pela formalidade burocrática do Judiciário e envolve os próprios procedimentos e ritos processuais que balizam o funcionamento dos Tribunais. Isto é, são as próprias etapas e normas judiciais estabelecidas por lei que prolongam o tempo para uma sentença final ao fixar prazos e possibilitar a apresentação de diversos recursos ao longo do julgamento de uma ação, postergando sua conclusão por tempo indefinido, como dito pelos entrevistados de Bonelli (2010)BONELLI, Maria da Gloria. (2010), “As interações dos profissionais do direito em uma comarca do Estado de São Paulo”, in M.T. Sadek (org.), O Sistema de Justiça, Rio de Janeiro, Centro Edelstein de Pesquisas Sociais. .

Em síntese, a ideia de que a Justiça precisa ser mais rápida e eficiente está presente no senso comum brasileiro há muito tempo, tornando-se presente na Constituição Federal a partir da Emenda Constitucional 45/04 que incluiu no artigo 5º o inciso LXXVIII, o qual diz que “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação” (Brasil, 1988BRASIL. Constituição (1988). Emenda Constitucional nº 45 de 30 de dezembro de 2004. Diário Oficial da União, Brasília, Distrito Federal. Disponível em https://legislacao.presidencia.gov.br/atos/?tipo=EMC№=45&ano=2004&ato=5ecUTRq1keRpWT67b, consultado em 5/7/2023.
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). Parte do que compõe a noção de “eficiência do Judiciário” tem a ver com a própria ampliação do acesso à Justiça para os mais pobres, os menos instruídos, as minorias, entre outros grupos sociais tidos como vulneráveis, posto que este é um direito basilar e diz respeito ao “direito a ter direitos”.

Como destaca Sadek (2014), aSADEK, Maria Tereza. (2014), “Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos”. Revista USP, 101: 55-66. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i101p55-66.
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concretização do direito ao acesso à Justiça depende da possibilidade de o sujeito litigante percorrer o caminho entre as portas de entrada e de saída do Judiciário dentro de um intervalo de tempo razoável. Logo, a morosidade na solução de conflitos representa um obstáculo para que tal direito possa ser de fato usufruído. Para as demandas de saúde, a preocupação com o ritmo dos julgamentos adquire um caráter especial, tendo em vista que a não efetivação tanto do direito à saúde quanto do direito de acesso à Justiça podem ter resultados particularmente catastróficos, como uma sequela irreversível ou até mesmo a morte de uma pessoa.

Como em quase todas as questões abordadas até aqui, o tema da temporalidade do julgamento, quando trata-se da judicialização da saúde, também é alvo de múltiplas controvérsias. Por um lado, argumenta-se que uma demanda em saúde quase sempre é uma emergência que precisa ser resolvida o mais rápido possível - ou que pode se tornar uma emergência caso nada seja feito em um tempo hábil. Portanto, estas não podem ser submetidas à morosidade judicial, ocasionando inúmeras decisões liminares nas quais os magistrados determinam que uma das esferas de governo cumpra o mandado de fornecimento de tratamento, de internação, de agendamento de consulta etc. Por outro lado, gestores afirmam que os juízes que concedem essas liminares não têm a expertise necessária para avaliar as demandas, bem como desconhecem como os órgãos do Executivo - o Ministério da Saúde e as Secretarias Municipal e de Estado de Saúde - planejam e administram as políticas públicas da área. Para os representantes dessa perspectiva, essas decisões são emitidas “rápido demais”, pois os magistrados julgam tais casos “no calor da emoção”. Assim, não tomam o tempo e a distância necessários para “uma avaliação técnica e rigorosa” da situação, tanto em termos de gestão de políticas de saúde, quanto em termos médicos - ou seja, no que se refere à melhor escolha para a saúde do paciente.

É em nome da superação de tal controvérsia que surgiram os primeiros esforços para “resolver administrativamente” esses conflitos. Abordarei, a seguir, o histórico de iniciativas interinstitucionais cujo objetivo era oferecer respostas que fossem, ao mesmo tempo, “rápidas” e “técnicas” para os possíveis litigantes na área da saúde e que pavimentaram o caminho para a criação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde (CRLS).

“A CRLS surge com o intuito de resolver a situação”: um breve histórico dos mecanismos de resolução administrativa de litígios de saúde

Ao refletir sobre os diferentes obstáculos que dificultam e até mesmo impedem a efetivação do direito ao acesso à Justiça no Brasil, Sadek (2014)SADEK, Maria Tereza. (2014), “Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos”. Revista USP, 101: 55-66. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i101p55-66.
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é categórica ao expor as prováveis consequências do recente crescimento do número de processos judiciais e da lentidão do Judiciário para solucionar suas demandas: “a explosão da litigiosidade e a morosidade na solução de conflitos são questões que têm que ser enfrentadas sob pena de erodirem, além da credibilidade do Poder Judiciário, também a qualidade da democracia brasileira” (Sadek, 2014, pSADEK, Maria Tereza. (2014), “Acesso à justiça: um direito e seus obstáculos”. Revista USP, 101: 55-66. DOI: https://doi.org/10.11606/issn.2316-9036.v0i101p55-66.
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. 64).

Para os procuradores e gestores das secretarias de saúde,4 4 O uso do plural para falar dos agentes estatais envolvidos nos serviços e órgãos aqui examinados pode fazer com que a caracterização desses sujeitos pareça demasiadamente vaga. No entanto, isso se deve a algumas razões: como dito anteriormente, parte do material presente nesta revisão histórica dos mecanismos de “desjudicialização da saúde” foi obtida de “segunda mão”. Ao trabalhar com documentos institucionais, dissertações, teses e artigos sobre esses serviços, raras vezes pude localizar o nome das pessoas concretas envolvidas nessas iniciativas. Por exemplo, quem assina o Acordo de Cooperação que cria a CRLS não são os defensores, procuradores e gestores que desenharam o projeto, mas somente os chefes de cada um dos órgãos que vão compor a Câmara. Além disso, nas conversas que tive com funcionários da CRLS, muitos deles diziam não lembrar quem eram exatamente as personagens das narrativas, mas apenas seus cargos e instituições. Por fim, ao optar por trazê-los ao texto desse modo, minha intenção é reproduzir uma estratégia de operacionalização do poder de agentes estatais e burocratas que é a de diluir suas convicções e vontades pessoais nas normativas, no “sistema” e/ou na própria instituição que eles alegam representar. Essa forma de exercício da autoridade já foi vastamente discutida por cientistas sociais, como, por exemplo, Bourdieu (1990) e Herzfeld (1993). envolvidos nas diferentes iniciativas de “desjudicialização da saúde”, além do excesso de ações em andamento e do longo tempo de espera para que esses processos sejam julgados, há também outras duas questões que se fazem presentes no debate. A primeira é o já apontado “desconhecimento técnico” dos magistrados no que diz respeito não só aos aspectos biológicos da saúde - tais como métodos diagnósticos, procedimentos terapêuticos, quadros do desenvolvimento de uma doença etc. -, mas, sobretudo, acerca da gestão pública em saúde - como, por exemplo, a repartição de competências entre municípios, estados e União, no que se refere ao SUS. A segunda questão é a “falta de diálogo” entre os atores do Sistema de Justiça e os responsáveis pelo planejamento e execução das políticas públicas de saúde. São esses diagnósticos e projeções calamitosas que servem de pano de fundo para o desenvolvimento de uma série de iniciativas, tecnologias e mecanismos de gestão que culminaram na criação da CRLS.

O crescimento no número geral de litígios de saúde tem como uma das primeiras e mais perceptíveis consequências o aumento dos gastos públicos, o que é gerado pelas decisões judiciais favoráveis aos pedidos apresentados pelos demandantes. Cientes e preocupados com esse cenário, em 2007, gestores das Secretarias Municipal e de Estado de Saúde (SMS e SES, respectivamente) tomaram a dianteira e propuseram um acordo com a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ), uma vez que parte importante das ações julgadas procedentes era representada por defensores públicos. O objetivo dessa primeira iniciativa foi estabelecer regras mínimas e determinar o fluxo dos pedidos de medicamentos que fossem da competência do município ou do estado atendidos pelo órgão. Por meio de um acordo de cooperação, a Defensoria se comprometeu a 1) exigir dos assistidos um laudo médico fornecido por algum profissional do SUS; e 2) consultar os entes federativos acerca da disponibilidade do medicamento e definir um prazo para a manifestação, antes de propor uma ação ao Judiciário.

Nesse mesmo contexto, foi inaugurada a Central de Atendimento de Demandas Jurídicas (CADJ). A partir do esforço conjunto de funcionários da SES e da SMS, a CADJ tinha o objetivo de centralizar o recebimento e as respostas às intimações recebidas por ambos os órgãos, no que diz respeito aos litígios de saúde (Corvino, 2017CORVINO, Juliana. (2017), A crise do Sistema Único de Saúde e o fenômeno da judicialização da saúde. Rio de Janeiro, Gramma. ). De acordo com Guimarães e Palheiro (2015)GUIMARÃES, Rita; PALHEIRO, Pedro. (2015), “Medidas adotadas para enfrentar a judicialização na Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e a experiência da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde”, in A.O. Santos (org.), Direito à Saúde, Brasília, CONASS. , essa Central foi criada para “dar cumprimento às decisões judiciais e organizar e controlar o estoque dos medicamentos e insumos destinados ao atendimento das ordens judiciais, a fim de evitar a utilização da dispensa de licitação por emergência para a aquisição desses itens” (p. 4). A atuação dos membros da CADJ foi crucial para a compreensão local do fenômeno da judicialização da saúde, já que uma de suas tarefas era mapear os medicamentos mais demandados judicialmente no Rio de Janeiro. Com esses dados levantados, as Secretarias puderam atualizar seus planejamentos e ajustar suas políticas de assistência farmacêutica. Um dos resultados mais importantes dessa iniciativa foi a extinção da aquisição de medicamentos em caráter emergencial e com dispensa de licitação, algo que foi alcançado em 2012.

Enquanto as Secretarias de Saúde buscavam se articular para manter a autoridade sobre a elaboração e a execução das políticas de saúde - e, consequentemente, o controle do orçamento -, as principais reclamações dos magistrados dos Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), relativas aos litígios de saúde, eram o descumprimento das determinações judiciais e a falta de resposta dos órgãos após o recebimento das sentenças. Em algumas ocasiões, juízes e desembargadores entendiam essa ausência de manifestação por parte dos gestores públicos como uma negligência ou até mesmo um desafio aos mandados judiciais. Nesse contexto, houve episódios em que foram expedidos mandados de prisão e/ou fixadas multas diárias a serem aplicadas aos secretários municipal e estadual da Saúde em casos de não cumprimento de uma decisão judicial. Para os gestores públicos, foi diante desse “vácuo comunicacional” que a criação de uma iniciativa como a CADJ desempenhou um importante papel no estabelecimento de um canal de diálogo até então inexistente entre o TJRJ, as SMS e as SES. Segundo Guimarães e Palheiro (2015)GUIMARÃES, Rita; PALHEIRO, Pedro. (2015), “Medidas adotadas para enfrentar a judicialização na Secretaria de Saúde do Estado do Rio de Janeiro e a experiência da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde”, in A.O. Santos (org.), Direito à Saúde, Brasília, CONASS. , foi essa possibilidade de comunicação direta com e entre os órgãos que fez com que o Judiciário “voltasse a confiar” nas Secretarias de Saúde.

Se o problema da inexistência de interlocução entre Judiciário e Executivo no Rio de Janeiro pôde ser parcialmente resolvido por meio da implementação da CADJ, na visão dos administradores públicos ainda restava outra questão a ser solucionada no que diz respeito aos litígios de saúde: a falta de conhecimento técnico dos magistrados e seu consequente distúrbio no planejamento das políticas públicas de saúde. Assim, em 2009, foi implementado o primeiro Núcleo de Assessoria Técnica (NAT) no Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro (TJRJ). A partir da cooperação entre o Tribunal e a Secretaria Estadual de Saúde, o NAT foi criado com o objetivo de auxiliar juízes e desembargadores, fornecendo informações qualificadas sobre temas sanitários, como, por exemplo, a diferença entre uma urgência e uma emergência médica, ou, ainda mais importante, a distinção entre uma necessidade e uma demanda de saúde. Com isso, os gestores esperavam que as decisões se tornassem mais “seguras”, tanto do ponto de vista jurídico, quanto científico, melhorando efetivamente a qualidade da prestação jurisdicional dos magistrados (Corvino, 2017CORVINO, Juliana. (2017), A crise do Sistema Único de Saúde e o fenômeno da judicialização da saúde. Rio de Janeiro, Gramma. ).

Na sua formulação, os princípios que balizam a atuação dos profissionais do NAT são celeridade e imparcialidade. O primeiro diz respeito ao prazo de 48 horas para a emissão dos pareceres técnicos solicitados. Já o segundo é definido a partir da atuação apenas de servidores de carreira da SES, o que supostamente lhes dá a liberdade de exercer um papel estritamente técnico e formular pareceres favoráveis ou contrários aos interesses tanto dos autores das ações, quanto dos réus.5 5 As interações institucionais entre magistrados e os membros das equipes do NAT não se dão sem conflitos ou disputas de autoridade. Ainda que se alegue que o papel desses profissionais é “puramente técnico”, não se pode esquecer que eles foram colocados pela SES para atuar diretamente nos tribunais com a intenção de que o órgão do Executivo pudesse tentar controlar minimamente o resultado das ações judiciais em saúde. Contudo, na medida em que esse não é um tópico central do artigo, essa questão não poderá ser aprofundada. Na prática, os médicos, enfermeiros, nutricionistas, farmacêuticos e fisioterapeutas que compõem as equipes do NAT devem elaborar pareceres que serão juntados aos autos em processos que envolvem o fornecimento de medicamentos, procedimentos cirúrgicos, internações, compra de próteses, entre outras demandas na área de saúde.

O sucesso da iniciativa foi refletido na sua expansão. A avaliação positiva da atuação das equipes do NAT deu as bases para o que viria a ser a, já mencionada, resolução n. 107 do Conselho Nacional de Justiça, o que representou um primeiro passo na implementação do projeto no âmbito da Justiça Federal. Em 2014, o Ministério da Saúde considerou o NAT do TJRJ uma referência para todo o país, recomendando a adoção deste modelo de parceria entre tribunais e secretarias estaduais e municipais de saúde. Além disso, ao longo dos anos 2010, comarcas do interior do estado do Rio de Janeiro - como, por exemplo, as de Duque de Caxias e Nova Iguaçu - também puderam contar com seus próprios Núcleos, descentralizando o serviço prestado pelos funcionários da SES.

Por mais exitosas que fossem as contribuições da CADJ e do NAT, no que diz respeito à judicialização da saúde, os gestores e promotores identificavam ainda um problema não alcançado por iniciativas desse tipo: o “crescimento desenfreado” do número de processos. Na medida em que lidavam apenas com ações judiciais já em andamento, a atuação das equipes da CADJ e do NAT era vista como extremamente eficaz na gestão da judicialização propriamente dita, mas nada podia fazer para interromper ou controlar o fluxo de novos litígios de saúde. Para resolver a questão do “excesso” de demandas e impedir seu aumento exponencial, seria necessário produzir mecanismos que pudessem regular sobretudo as etapas pré-processuais e estabelecer formas extrajudiciais de resolução desses conflitos.

Para esse propósito, foi criado outro serviço que funcionou paralelamente à CADJ e ao NAT, entre os anos de 2008 e 2012: o Sistema de Pedido Administrativo (SPA). Resultado de um acordo firmado entre as Procuradorias Gerais do Estado (PGE) e do Município (PGM), a Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro (DPE-RJ) e as Secretarias Estadual e Municipal de Saúde, o SPA foi responsável por tentar solucionar de forma administrativa especificamente pedidos de medicamentos e de realização de exames de tomografia e ressonância magnética. As pesquisas sobre mecanismos consensuais e resolução extrajudicial de litígios de saúde feitas por Souza (2016)SOUZA, Anderson Monteiro de. (2016), A atuação em rede de instituições governamentais na resolução de conflitos sobre demandas sanitárias no Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Escola Brasileira de Administração Pública e Empresas, Fundação Getúlio Vargas, Rio de Janeiro. e Teixeira (2011)TEIXEIRA, Mariana Faria. (2011), Criando alternativas ao processo de judicialização da saúde: o sistema de pedido administrativo, uma iniciativa pioneira do Estado e Município do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. descrevem o SPA como fruto de um Grupo de Trabalho (GT) idealizado por procuradores interessados e/ou que atuavam diretamente em casos de conflitos por direitos sanitários. Após algumas reuniões desse grupo inicial, representantes da Defensoria Pública e das SES e SMS foram convidados para trazer suas perspectivas sobre o assunto da judicialização da saúde e compor o GT. Esses encontros foram o pontapé inicial do processo que culminou na inauguração do SPA em agosto de 2008 (Teixeira, 2011TEIXEIRA, Mariana Faria. (2011), Criando alternativas ao processo de judicialização da saúde: o sistema de pedido administrativo, uma iniciativa pioneira do Estado e Município do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado. Escola Nacional de Saúde Pública, Fundação Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro. ).

Em suma, a Central de Atendimento de Demandas Jurídicas (CADJ), os Núcleos de Assessoria Técnica (NAT) e o Sistema de Pedido Administrativo (SPA) são respostas oferecidas pelos agentes e agências de Estado a um cenário encarado por procuradores e funcionários da gestão em saúde como “extremamente preocupante”, pois estaríamos já vivenciando um “excesso de judicialização” de questões ligadas aos direitos sanitários. Todos esses acordos, convênios e parcerias funcionaram como mecanismos de gestão visando monitorar, controlar e/ou diminuir a judicialização da saúde, seja pela instituição de um setor voltado exclusivamente para o processamento e a operacionalização das sentenças (como a CADJ), seja pela formulação de um protocolo de tentativa de solução administrativa em etapa pré-processual (como o SPA), ou até mesmo pela disponibilização de funcionários destacados para garantir que os magistrados tenham “informações qualificadas” para embasar suas decisões (como os NAT). A partir da análise conjunta das experiências acumuladas por esses três serviços, gestores públicos municipais e estaduais concluíram que um dos principais problemas referentes ao gerenciamento da judicialização da saúde era a “falta de diálogo” entre os distintos atores e órgãos implicados nesses processos.

Visto como uma das mais eficazes iniciativas visando à desaceleração do crescimento do número de processos envolvendo medicamentos e exames, o SPA serviu como modelo para a elaboração de uma nova forma de administrar os litígios de saúde. Isto é, os agentes que participavam do serviço notaram que a “qualificação da judicialização da saúde”, proporcionada pelo SPA, poderia ser ampliada, de modo a abarcar também os pedidos de consultas, procedimentos cirúrgicos, tratamentos para enfermidades crônicas etc. Havia apenas uma questão que ainda precisava ser resolvida: a alegada ausência de diálogo entre as instituições.

A ideia de que a interlocução entre as entidades estatais era deficitária se baseava no argumento de que mesmo após a celebração de acordos e o estabelecimento de modos coordenados de conduta, os agentes ainda operavam de forma unilateral, pois trabalhavam apenas dos gabinetes e salas localizados em seus órgãos de atuação originários. Assim, para promover a sinergia entre secretários, procuradores e defensores públicos, era preciso que eles atuassem não apenas de modo articulado, mas efetivamente juntos em um mesmo espaço. É essa necessidade incontornável de um “espaço de diálogo” físico e simbólico que sustenta a criação da Câmara de Resolução de Litígios de Saúde, cujas premissas de funcionamento foram constituídas a partir dos expedientes e protocolos de atendimento do SPA, da CADJ e dos NAT.

Dessa forma, a CRLS configurou-se como uma instituição pública composta a partir da cooperação e atuação conjunta de outros órgãos estatais, a saber: as Secretarias Municipal e de Estado de Saúde (SMS e SES), as Defensorias Públicas do Estado do Rio de Janeiro e da União (DPE-RJ e DPU), as Procuradorias Gerais do Estado do Rio de Janeiro e do Município (PGE-RJ e PGM-RJ), o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) e o Departamento de Gestão Hospitalar da Secretaria de Assistência à Saúde do Ministério da Saúde (DGH/SAS/MS). Sua criação ocorreu em junho de 2012, após a assinatura de um convênio com validade de 60 meses. No entanto, a organização da infraestrutura da instituição e o estabelecimento do seu fluxo de trabalho pareceu levar mais tempo do que o inicialmente planejado, de modo que a Câmara só começou a funcionar de fato pouco mais de um ano depois, em setembro de 2013.

É difícil rastrear o órgão que factualmente propôs a criação da CRLS, bem como qual instituição é a responsável por mantê-la atualmente. Essas são questões repletas de controvérsias e informações desencontradas. Ao passo que algumas notícias e reportagens veiculadas no momento de inauguração da Câmara apontam a Secretaria de Estado de Saúde como a idealizadora do projeto, outras indicam a CRLS como fruto de uma iniciativa da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro. No site da PGE-RJ, a página dedicada a informar sobre a Câmara se encontra vinculada ao programa + Consenso da instituição, sendo descrita como um dos “empreendimentos” da Procuradoria voltados para a redução da judicialização dos conflitos entre cidadãos e o Estado.6 6 Segundo a Procuradoria, o programa + Consenso é resultado de uma “nova postura da advocacia pública, com ênfase na solução administrativa para os litígios”. Nesse sentido, a iniciativa objetiva incentivar a conciliação e proporcionar soluções extrajudiciais dos conflitos. Outro braço desse programa é a Câmara Administrativa de Solução de Conflitos (CASC), cuja missão é mediar litígios na área de educação. Cabe salientar que a CASC é criada em 2016, após os procuradores atestarem a “eficiência” e os “bons resultados” protagonizados pela CRLS. Assim, pode se observar o espraiamento da forma de atuação da CRLS como uma espécie de modelo para a “desjudicialização” e a promoção de mecanismos extrajudiciais de resolução de litígios. Na prática, tanto a SES-RJ quanto a PGE-RJ ocupam posições centrais na CRLS, uma vez que a coordenação institucional cabe a funcionários ligados à Secretaria de Saúde, enquanto a responsabilidade pela manutenção do espaço físico e contratação de seguranças, ascensoristas e auxiliares de serviços gerais que trabalham na Câmara é da Procuradoria.

O que o projeto da CRLS visa é colocar em diálogo - ou, como acontece no cotidiano da instituição, “performar o diálogo” - os principais agentes de Estado envolvidos nos litígios de saúde: gestores das Secretarias de Saúde, defensores públicos e promotores. Tal como sumarizado por um defensor público da União em mais de um diálogo que tivemos sobre o assunto: “A CRLS surge com o intuito de resolver a situação”. Tal frase sintetiza a finalidade da instituição: resolver a “situação” de desconhecimento dos programas de saúde pública e da estrutura do SUS por parte de defensores públicos e procuradores, bem como as falhas de comunicação entre atores do Sistema de Justiça e os gestores públicos de saúde. Nesse sentido, a Câmara arroga um papel protagonista - senão centralizador - na intermediação e administração dos conflitos judiciais na área da saúde. Sua prática de privilegiar estratégias baseadas na “conciliação” e no “consenso” entre as partes contribui para a constituição mútua dos problemas de “excesso de judicialização” e “morosidade do Judiciário” e da solução extrajudicial que servirá para responder a ambos.

Conclusão: a criação de um órgão público e a consolidação de problemas de Estado

Como espero ter demonstrado ao longo do texto, a criação da CRLS está imbricada em um processo de correspondente fabricação de um diagnóstico e de um tratamento. Isto é, a inauguração da Câmara representa um passo decisivo no estabelecimento do “excesso de judicialização da saúde” e da “morosidade do Judiciário”, não necessariamente como fatos, mas como problemas, perturbações as quais o Estado deveria estar empenhado em resolver. Simultaneamente, sua criação também consolida a ideia de que as resoluções administrativas são as formas mais eficazes, rápidas e econômicas de intervir em tais questões. É sublinhando esse caráter inseparável da produção de problemas públicos e suas soluções que concluo o artigo.

Em sua discussão sobre a construção de problemas sociais, Lenoir (1998)LENOIR, Remi. (1998), “Objeto sociológico e problema social”, in P. Champagne; R. Lenoir; D. Merllié & L. Pinto (org.), Iniciação à Prática Sociológica, Petrópolis, Vozes. afirma que os organismos e regulações estatais instituem tais problemas ao influírem sobre as categorias de percepção e de pensamento que orientam e informam a visão corrente do mundo social. Assim, a produção e o reconhecimento de uma “situação problemática” são questões caras ao funcionamento do Estado porque é através delas que o poder público pode legitimar suas iniciativas e sua própria atuação. Nas palavras do autor:

A constituição de uma situação como “problema social” interessa os poderes públicos por dois motivos: a essa definição estão associadas “soluções” que o Estado poderá aplicar através de medidas apropriadas; ou tal situação é suscetível de ser apreendida e avaliada com uma aparente exatidão, dando assim a impressão de que os poderes públicos têm condições de controlá-la, o que acaba por reforçar a representação de um Estado onisciente e, portanto, onipotente. (Lenoir, 1998, pLENOIR, Remi. (1998), “Objeto sociológico e problema social”, in P. Champagne; R. Lenoir; D. Merllié & L. Pinto (org.), Iniciação à Prática Sociológica, Petrópolis, Vozes. . 103)

Ao refletir sobre quais seriam as possíveis contribuições de uma perspectiva etnográfica e antropológica para o estudo das políticas públicas, Shore (2010)SHORE, Cris. (2010), “La antropología y el estudio de la política pública: reflexiones sobre la ‘formulación’ de las políticas”. Antípoda, 10: 21-49. sugere que podem ser compreendidas como estatutos de legitimidade, tecnologias políticas, mecanismos de exercício da governamentalidade etc. De um modo relativamente semelhante ao de Lenoir (1998)LENOIR, Remi. (1998), “Objeto sociológico e problema social”, in P. Champagne; R. Lenoir; D. Merllié & L. Pinto (org.), Iniciação à Prática Sociológica, Petrópolis, Vozes. , Shore (2010)SHORE, Cris. (2010), “La antropología y el estudio de la política pública: reflexiones sobre la ‘formulación’ de las políticas”. Antípoda, 10: 21-49. argumenta que as instituições do Estado buscam influenciar a percepção social acerca das questões que elas mesmas formulam como problemáticas por meio da criação de políticas públicas. Tal movimento teria como objetivo fazer com que a discussão pública sobre um assunto seguisse somente uma única forma de interpretação da situação - a “definição oficial” - e, por conseguinte, que somente as soluções propostas no âmbito da própria política pública fossem encaradas como legítimas e, se não como as únicas, ao menos como as melhores que poderiam ser executadas em um dado contexto.

Zenobi (2017)ZENOBI, Diego. (2017), “Políticas para la tragedia: Estado y expertos en situaciones de crisis”. Iberoamericana, 46, 1: 30-41. DOI: http://dx.doi.org/10.16993/iberoamericana.105.
http://dx.doi.org/10.16993/iberoamerican...
, por sua vez, destaca a importância da mobilização de dados quantitativos para a fundamentação e elaboração de uma política pública ao construir interpretações e diagnósticos que dão a um determinado problema uma magnitude que demanda uma incontornável intervenção estatal. Para ele, uma das mais importantes características da estatística é a sua capacidade de produzir “indicadores” que transformam fenômenos variados em questões claras, impessoais e sem nenhuma ambiguidade. O autor também sublinha que o Estado e as políticas públicas estatais ocupam um papel preponderante na construção da definição coletiva de uma situação problemática, uma vez que fazem circular um amplo conjunto de discursos de diferentes agentes estatais (políticos, gestores etc.) e paraestatais (especialistas de diferentes campos do conhecimento) sobre a questão. Nesse sentido, Zenobi afirma que “longe de ver as políticas públicas como instrumentos cirúrgicos assépticos que intervêm no ‘corpo social’ para ‘melhorar sua saúde’, considero-as como ferramentas poderosas para construir a realidade” (Zenobi, 2017, pZENOBI, Diego. (2017), “Políticas para la tragedia: Estado y expertos en situaciones de crisis”. Iberoamericana, 46, 1: 30-41. DOI: http://dx.doi.org/10.16993/iberoamericana.105.
http://dx.doi.org/10.16993/iberoamerican...
. 32).7 7 Tradução de Lucas Freire. Um argumento análogo foi também discutido por Motta (2019)MOTTA, Eugênia. (2019), “Resistência aos números: a favela como realidade (in)quantificável”. Mana, 25, 1: 72-94. DOI: https://doi.org/10.1590/1678-49442019v25n1p072.
https://doi.org/10.1590/1678-49442019v25...
, que destaca como os números conformam e fabricam a realidade que será objeto da intervenção estatal. Em outras palavras, as estatísticas produzem referências que serão mobilizadas nas ações de governo.

Assim, seguindo as proposições desses autores, argumento que a criação da CRLS não pode ser vista apenas como uma resposta estatal aos problemas do “excesso de judicialização” de demandas em saúde e da “morosidade do Judiciário” que se apresentam a priori na realidade. Pelo contrário, a instituição de um órgão de Estado cuja finalidade é resolver tais questões representa um ponto crucial no próprio processo de formação do Estado e de formulação e consolidação desses fenômenos como problemas. A produção dessas “situações complexas e de difícil manejo” se dá por meio de diagnósticos que envolvem as estatísticas sobre judicialização, o tempo para a conclusão de um processo e os supostos desequilíbrios não apenas entre os Poderes, mas sobretudo entre aquilo que supostamente o Estado pode oferecer e aquilo que é demandado pelo cidadão como parte do seu direito à saúde. Em suma, ao implementar uma política pública de resolução extrajudicial de litígios de saúde, o Estado não reconhece oficialmente estas questões, mas as fabrica como fatos problemáticos cujas soluções legitimam seus próprios modos de funcionamento, sempre operacionalizados por meio de projetos, planos e atuações em prol da superação de tais problemas.

  • 1
    O Índice de Confiança na Justiça brasileira (ICJBrasil) é um levantamento periódico realizado em sete estados brasileiros e no Distrito Federal. Na parte qualitativa, a pesquisa se baseia em entrevistas feitas com uma amostra representativa da população brasileira. O principal objetivo do índice é acompanhar de forma sistemática o sentimento da população em relação ao Judiciário, entendendo a “confiança” como o fato da pessoa acreditar que as instituições jurídicas cumprem suas funções de forma adequada. O ICJBrasil é composto por dois subíndices: um subíndice de percepção, pelo qual é medida a opinião da população sobre a Justiça e a forma como ela presta o serviço público; e um subíndice de comportamento, o qual busca identificar se a população recorre ao Judiciário para solucionar determinados conflitos.
  • 2
    A taxa de congestionamento é um cálculo entre o total de casos novos que ingressaram, os casos baixados e o estoque pendente ao final do período anterior em relação ao período base. Sua função é mensurar a efetividade do tribunal em um dado período.
  • 3
    Os processos judiciais possuem duas fases: conhecimento e execução. A primeira compreende o período desde a distribuição até que se tenha uma sentença transitada em julgado e a segunda diz respeito ao período de cumprimento da decisão judicial após a promulgação da sentença ou de acordo extrajudicial.
  • 4
    O uso do plural para falar dos agentes estatais envolvidos nos serviços e órgãos aqui examinados pode fazer com que a caracterização desses sujeitos pareça demasiadamente vaga. No entanto, isso se deve a algumas razões: como dito anteriormente, parte do material presente nesta revisão histórica dos mecanismos de “desjudicialização da saúde” foi obtida de “segunda mão”. Ao trabalhar com documentos institucionais, dissertações, teses e artigos sobre esses serviços, raras vezes pude localizar o nome das pessoas concretas envolvidas nessas iniciativas. Por exemplo, quem assina o Acordo de Cooperação que cria a CRLS não são os defensores, procuradores e gestores que desenharam o projeto, mas somente os chefes de cada um dos órgãos que vão compor a Câmara. Além disso, nas conversas que tive com funcionários da CRLS, muitos deles diziam não lembrar quem eram exatamente as personagens das narrativas, mas apenas seus cargos e instituições. Por fim, ao optar por trazê-los ao texto desse modo, minha intenção é reproduzir uma estratégia de operacionalização do poder de agentes estatais e burocratas que é a de diluir suas convicções e vontades pessoais nas normativas, no “sistema” e/ou na própria instituição que eles alegam representar. Essa forma de exercício da autoridade já foi vastamente discutida por cientistas sociais, como, por exemplo, Bourdieu (1990)BOURDIEU, Pierre. (1990), “A delegação e o fetichismo político”, in P. Bourdieu, Coisas Ditas, São Paulo, Brasiliense. e Herzfeld (1993)HERZFELD, Michael. (1993), The Social Production of Indifference: exploring the symbolic roots of Western bureaucracy. Chicago, The University of Chicago Press..
  • 5
    As interações institucionais entre magistrados e os membros das equipes do NAT não se dão sem conflitos ou disputas de autoridade. Ainda que se alegue que o papel desses profissionais é “puramente técnico”, não se pode esquecer que eles foram colocados pela SES para atuar diretamente nos tribunais com a intenção de que o órgão do Executivo pudesse tentar controlar minimamente o resultado das ações judiciais em saúde. Contudo, na medida em que esse não é um tópico central do artigo, essa questão não poderá ser aprofundada.
  • 6
    Segundo a Procuradoria, o programa + Consenso é resultado de uma “nova postura da advocacia pública, com ênfase na solução administrativa para os litígios”. Nesse sentido, a iniciativa objetiva incentivar a conciliação e proporcionar soluções extrajudiciais dos conflitos. Outro braço desse programa é a Câmara Administrativa de Solução de Conflitos (CASC), cuja missão é mediar litígios na área de educação. Cabe salientar que a CASC é criada em 2016, após os procuradores atestarem a “eficiência” e os “bons resultados” protagonizados pela CRLS. Assim, pode se observar o espraiamento da forma de atuação da CRLS como uma espécie de modelo para a “desjudicialização” e a promoção de mecanismos extrajudiciais de resolução de litígios.
  • 7
    Tradução de Lucas Freire.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    18 Set 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    16 Jan 2023
  • Aceito
    20 Jun 2023
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