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Estudo fitoquímico de Davilla rugosa: flavonóides e terpenóides

Phytochemical study of Davilla rugosa: flavonoids and terpenoids

Resumos

Este trabalho descreve o isolamento e caracterização de alguns metabólitos presentes nos caules de Davilla rugosa (Dilleniaceae), conhecida vulgarmente como cipó-caboclo e utilizada pela população na medicina tradicional brasileira para diversas enfermidades. O extrato hidrometanólico foi particionado entre hexano, clorofórmio e acetato de etila. Da fase hexânica foram obtidos a friedelina, sitostenona e ácido betulínico. Da fase clorofórmica foram isolados através de técnicas cromatográficas o ácido betulínico e a narigenina. Enquanto que do extrato acetato de etila foram obtidos dois outros flavonóides, quercetina e 4’-O-metil taxifolina. As substâncias tiveram suas estruturas elucidadas através da análise de dados no UV e de RMN.

Davilla rugosa; Dilleniaceae; ácido betulínico; flavonóides


This work describes the first chemical study of the Brazilian medicinal plant Davilla rugosa (Dilleniaceae) popularly known as “cipó-caboclo”. The hydromethanolic extract of the stems was partitioned between hexane, CHCl3 and EtOAc. Chromagraphic methods of fractions resulted in isolation of friedelin, sitostenone, betulinic acid, narigenin, quercetin and 4’-O-methyl taxifolin. The compounds were identified by spectrometric data analyses.

Davilla rugosa; Dilleniaceae; betulinic acid; flavonoids


ARTIGO

Estudo fitoquímico de Davilla rugosa: flavonóides e terpenóides

Phytochemical study of Davilla rugosa: flavonoids and terpenoids

Jorge M. DavidI, * * E-mail: jmdavid@ufba.br, Tel. + 55-71-32375784, Fax + 55-71-32355166 ; Jurema C. SouzaI; Maria L. Silva GuedesII; Juceni P. DavidIII

IInstituto de Química, Universidade Federal da Bahia, Campus Ondina, 40170-290, Salvador, BA, Brasil

IIFaculdade de Farmácia, Universidade Federal da Bahia, Campus Ondina, 40170-290, Salvador, BA, Brasil

IIIInstituto de Biologia, Universidade Federal da Bahia, Campus Ondina, 40170-290, Salvador, BA, Brasil

RESUMO

Este trabalho descreve o isolamento e caracterização de alguns metabólitos presentes nos caules de Davilla rugosa (Dilleniaceae), conhecida vulgarmente como cipó-caboclo e utilizada pela população na medicina tradicional brasileira para diversas enfermidades. O extrato hidrometanólico foi particionado entre hexano, clorofórmio e acetato de etila. Da fase hexânica foram obtidos a friedelina, sitostenona e ácido betulínico. Da fase clorofórmica foram isolados através de técnicas cromatográficas o ácido betulínico e a narigenina. Enquanto que do extrato acetato de etila foram obtidos dois outros flavonóides, quercetina e 4’-O-metil taxifolina. As substâncias tiveram suas estruturas elucidadas através da análise de dados no UV e de RMN.

Unitermos: Davilla rugosa, Dilleniaceae, ácido betulínico, flavonóides.

ABSTRACT

This work describes the first chemical study of the Brazilian medicinal plant Davilla rugosa (Dilleniaceae) popularly known as “cipó-caboclo”. The hydromethanolic extract of the stems was partitioned between hexane, CHCl3 and EtOAc. Chromagraphic methods of fractions resulted in isolation of friedelin, sitostenone, betulinic acid, narigenin, quercetin and 4’-O-methyl taxifolin. The compounds were identified by spectrometric data analyses.

Keywords: Davilla rugosa, Dilleniaceae, betulinic acid, flavonoids.

INTRODUÇÃO

A família Dilleniaceae é formada de aproximadamente 300 espécies, exclusivamente tropicais, sendo na sua maioria compreendida de cipós e arbustos. No Brasil, ocorrem espécies dos gêneros Davilla, Curatella, Tetracera e Doliocarpus, distribuídas nos cerrados e em todo o Nordeste (Schultz, 1984). Na Bahia, algumas espécies desta família são nativas e encontram aplicação como plantas medicinais pela população. Entretanto, estudos fitoquímicos na literatura, com espécies brasileiras ainda são raros e realizados de forma parcial.

Davilla rugosa Poir. et St. Hill, espécie de origem brasileira, é conhecida popularmente como cipó-caboclo e uma espécie de origem brasileira, amplamente utilizada pela população brasileira no tratamento de diferentes distúrbios, tais como, elefantíase, inchaço dos membros, diurético, afrodisíaco e úlcera (Coimbra, 1942; Corrêa, 1984). A atividade anti-úlcera de frações do extrato hidroalcoólico desta espécie foi anteriormente avaliada em cobaias (Bacchi, 1986; Guaraldo et al., 2001). Este estudo demonstrou que o extrato apresentou atividade de proteção para desenvolvimento de úlceras gástricas e, que as substâncias ativas estavam nas frações mais polares. Além disso, as mesmas frações testadas também sugeriram aumento na atividade motora (efeito estimulante) quando estudado nos mesmos modelos (Guaraldo et al., 2000). Não obstante as atividades demonstradas e da grande utilização popular da espécie, até o momento a mesma ainda não havia sido estudada do ponto de vista químico. Anteriormente a literatura registra o isolamento de flavonóides de D. flexuosa (David et al., 1996) e o estudo farmacobotânico (Soares et al., 2005) antimicrobiano (Michelin et al., 2005) e farmacológico (Carlos et al., 2005) de Davilla elliptica. Neste trabalho relata-se pela primeira vez o isolamento e identificação de flavonóides e terpenos dos extratos orgânicos dos caules de D. rugosa.

MATERIAL E MÉTODOS

O espécime estudado foi coletado nos arredores da Lagoa do Abaeté do Parque Metropolitano do Abaeté, Salvador, BA, identificado e uma excicata encontra-se depositada no Herbário Alexandre Leal Costa, do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia.

Os espectros no Ultravioleta foram registrados em espectrofotômetro da Varian mod. CARY I enquanto que os espectros de RMN foram registrados em espectrômetro Gemini 300 (Varian). Os espectros foram registrados utilizando-se solventes deuterados e os sinais foram corrigidos com o valor dos solventes em relação ao TMS.

Os caules de D. rugosa coletados foram secos em estufa com ventilação e posteriormente moídos (403 g). Em seguida foram submetidos a maceração com MeOH a temperatura ambiente por 48 horas, procedimento este repetido por duas vezes consecutivas. No extrato obtido foi adicionado água e particionado entre hexano, clorofórmio fornecendo assim as respectivas fases; hexânica (2,16 g) e CHCl3 (1,82 g). O extrato hidrometanólico foi concentrado de modo a eliminar o metanol e este foi submetido novamente a partição seqüencial com acetato de etila e butanol, fornecendo assim as fases AcOEt (1,36 g) e BuOH (8,90 g).

A fração hexânica foi submetida a coluna cromatográfica sob gel de sílica 60 e eluída com misturas de hexano:AcOEt em diferentes proporções. Desta coluna foram obtidas 50 frações de 30 mL cada. Das frações eluídas com hexano:AcOEt (95:5) foram obtidos 50,3 mg de friedelina. As frações eluídas com 10% de acetato de etila foram submetidas a CCDC em gel de sílica 60 e as placas foram eluídas com mistura de benzeno:AcOEt (92:8), sendo desta maneira isolado a sitostenona (16,2 mg). Já das frações eluídas com hexano:AcOEt (4:1) foi obtido um sólido que foi identificado como ácido betulínico (1,19 g).

A fração CHCl3 foi submetida a coluna cromatográfica sob gel de sílica 60 e eluída com misturas de benzeno e AcOEt em diferentes proporções obtendo-se 16 frações de 50 mL cada. As frações eluídas com 40% de AcOEt (1,60 g) foram recristalizadas com metanol obtendo-se desta maneira 1,30 g de ácido betulínico (1) e 25,2 mg de narigenina (2) na água mãe. Paralelamente, a fração AcOEt foi submetido a coluna cromatográfica sob gel de sílica 60 e eluída com mistura de CHCl3:MeOH na proporção de 9:1 e 4:1. Foram obtidas 36 frações de 15 mL cada e, as frações eluídas com CHCl3:MeOH (9:1) foram agrupadas e submetidas a permeção em gel de Sephadex LH-20 (Pharmacia) e eluídas com MeOH:CH2Cl2 (3:2). Desta maneira foram isolados quercetina (3, 5,3 mg) e 4’-O-metil taxifolina (4, 6,3 mg).

Ácido betulínico. Sólido amorfo branco. PF. 210-5 °C. RMN de 13C [75 MHz, piridina-d5, d(ppm)]: Dados de RMN de ¹³C do ácido betulínico (1) e comparação com os descritos na literatura para o derivado metilado [75 MHz, piridina-d5, d(ppm)]: 39,5 (C-1); 28,1 (C-2); 78,6 (C-3); 38,1 (C-4); 56,2 (C-5); 19,0 (C-6); 35,1(C-7); 39,9 (C-8); 51,2 (C-9); 38,0 (C-10); 21,4 (C-11); 26,4 (C-12); 38,9 (C-13); 43,4 (C-14); 30,5 (C-15); 33,1(C-16); 57,2 (C-17); 50,0 (C-18); 48,0 (C-19); 151,8 (C-20); 31,4 (C-21); 37,8 (C-22); 28,9 (C-23); 16,8* (C-24); 16,7* (C-25); 16,6* (C-26); 15,2 (C-27); 179,7 (C-28); 110,3 (C-29); 19,8 (C-30). * Os sinais podem estar trocados. Identificação realizada através da comparação com dados descritos na literatura do derivado metilado (Wenkert et al., 1978).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

As substâncias isoladas tiveram suas estruturas elucidadas através da análise dos dados de RMN. A friedelina e a sitostenona, isolados do extrato hexânico, foram identificados através da comparação direta dos dados espectrométricos registrados com os descritos na literatura (David et al., 2003; Correia et al., 2003). O espectro de RMN de 13C de 1, mostrou sinais de 30 carbonos, característicos de triterpenos. A análise dos dados obtidos nos espectros de DEPT 135 e 90° permitiram atribuir o sinal em d 179,7 à carbonila, característica de grupo ácido. Além disso, a presença de dois carbonos sp² (d 109,3 e 151,8) e um oximetínico (d 78.6) permitiram sugerir que a substância tratava-se de um triterpeno ácido de esqueleto lupano. A comparação dos dados obtidos (Tabela 1) com os descritos na literatura (Wenkert et al., 1978) permitiu concluir que este tratava-se do ácido betulínico.

A flavona narigenina (2) e a quercetina (3) foram identificadas através dos dados obtidos no RMN de 1H e de 13C (Tabela 2) e em comparação com os dados descritos na literatura (Markham; Geiger, 1994). Enquanto que, a estrutura do diidroflavanol 4 foi determinada como sendo a 4’-O-metil taxifolina através dos dados de RMN (Tabela 2) e por espectrofotometria no ultravioleta com adição de reagentes de deslocamento. Pelo espectro de RMN de 1H e de ¹³C foi possível determinar o esqueleto flavanoídico e seu padrão de oxigenação. No entanto, os dados não foram conclusivos sobre a posição do grupo metoxílico (d 3,8 no espectro de RMN de ¹H). A comparação dos espectros no UV da substância (l = 360 nm) e com adição de solução de AlCl3 (l = 374 nm) permitiu concluir que o grupo metoxílico encontrava-se no anel B, devido ao deslocamento batocrômico (Dl = 14 nm) observado, seguido de deslocamento hipsocrômico quando houve destruição do complexo formado após adição de solução de HCl. Entretanto o não aparecimento de deslocamento batocrômico após adição de solução de NaOMe, na cubeta, foi indicativo de grupo metoxílico estava localizado no C-4' do anel B do sistema. A relação trans entre o grupo OH em C-3 e o anel aromático em C-2 pode ser obtida a partir da constante de acoplamento observada no espectro de RMN de ¹H entre H-3/H-2 (J=10 Hz), indicando que os dois prótons encontravam-se em pseudo-axial.

Embora o estudo fitoquímico de D. rugosa tenha sido parcialmente realizado, foram isoladas quatro substâncias todas com atividade biológicas comprovadas. Deve-se destacar que o ácido betulínico foi obtido em quantidade considerável (0,4 % peso seco) demonstrando que a espécie é uma fonte alternativa para esta substância.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem o CNPq e a FAPESB pelas bolsas de Iniciação científica de JCS e de pesquisa dos autores como também pelos auxílios financeiros para desenvolvimento do trabalho.

Recebido em 15/09/05

Aceito em 30/12/05

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  • *
    E-mail:
    jmdavid@ufba.br, Tel. + 55-71-32375784, Fax + 55-71-32355166
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      26 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Mar 2006

    Histórico

    • Aceito
      30 Dez 2005
    • Recebido
      15 Set 2005
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