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Estudo toxicológico agudo do extrato etanólico de partes aéreas de Jatropha gossypiifolia L. em ratos

Acute toxicological studies of the ethanol extract of the aerial parts of Jatropha gossypiifolia L. in rats

Resumos

Este trabalho teve como objetivo a avaliação da toxicidade aguda do extrato etanólico (EE) de partes aéreas de Jatropha gossypiifolia L., espécie vegetal muito usada na medicina popular, apesar de ser catalogada como planta tóxica. Ratos Wistar foram tratados por via oral com doses únicas do extrato (1,2 g/kg; 1,8 g/kg; 2,7 g/kg; 4,0 g/kg e 5,0 g/kg) e observados por 14 dias. Os principais sinais de toxicidade encontrados, em alguns animais, foram: ptose palpebral, perda de peso e paralisia do trem posterior. Outras alterações significativas ocorreram apenas em machos tratados com a dose de 5 g/kg: aumento dos níveis sangüíneos de creatinina, AST, sódio e potássio; diminuição dos níveis de uréia e albumina; leucopenia, além de discretas alterações na coloração e consistência de vísceras. A dose letal mediana (DL50) foi superior a 4,0 g/kg para machos e maior do que 5,0 g/kg para fêmeas. Estes resultados indicam uma toxicidade aguda oral relativamente baixa; contudo, ressaltam a necessidade da realização de estudos toxicológicos de longa duração com o EE de J. gossypiifolia L.

Jatropha gossypiifolia; Euphorbiaceae; toxicidade aguda


The aim of this work was the assessment of acute oral toxicity of the ethanol extract (EE) of the aerial parts of Jatropha gossypiifolia L. This plant is used in folk medicine despite its classification as a toxic plant. Wistar rats were treated per oralis with single doses of EE [1.2 g/kg; 1.8 g/kg; 2.7 g/kg; 4.0 g/kg and 5.0 g/kg (w.b.)] and observed for 14 days. The most important signs of toxicity were: ptosis; reduction of body weight and hindlimb paralysis. Other sgnificant alterations occurred only in males treated with 5.0 g/kg (w.b.): increase of creatinine, AST, sodium and potassium seric levels; reduction of urea and albumin; leukopenia and small alterations in color and consistence of viscera. The LD50 value was higher than 4.0 g/kg (w.b.) for males and higher than 5.0 g/kg (w.b) for females. These results indicate a low oral acute toxicity, in relative terms, however it shows the importance of long-term toxicological studies of the EE from J. gossypiifolia.

Jatropha gossypiifolia; Euphorbiaceae; acute toxicity


ARTIGO

Estudo toxicológico agudo do extrato etanólico de partes aéreas de Jatropha gossypiifolia L. em ratos

Acute toxicological studies of the ethanol extract of the aerial parts of Jatropha gossypiifolia L. in rats

Saulo R. MarizI,* * E-mail: sjmariz22@hotmail.com, Tel. + 55-98-32323812 ; Gilberto S. CerqueiraII; Washington C. AraújoIII; José C. DuarteIII; Arquimedes F.M. MeloIV; Hosana B. SantosV; Kardilândia OliveiraV; Margareth F.F. Melo DinizIII; Isac A. MedeirosIII

IDepartamento de Farmácia, Universidade Federal do Maranhão, Rua 13 de Maio 506, Centro, 65010-600, São Luís, MA, Brasil

IIDepartamento de Fisiologia e Patologia, Universidade Federal da Paraíba, 58051-970, João Pessoa, PB, Brasil

IIILaboratório de Tecnologia Farmacêutica "Prof. Delby Fernandes de Medeiros", Universidade Federal da Paraíba, 58051-970, João Pessoa, PB, Brasil

IVLaboratório de Pesquisas Toxicológicas, Departamento de Ciências Farmacêuticas, Universidade Federal de Pernambuco, 50670-901, Recife, PE, Brasil

VHospital Universitário "Lauro Wanderley", Universidade Federal da Paraíba, 58051-970, João Pessoa, PB, Brasil

RESUMO

Este trabalho teve como objetivo a avaliação da toxicidade aguda do extrato etanólico (EE) de partes aéreas de Jatropha gossypiifolia L., espécie vegetal muito usada na medicina popular, apesar de ser catalogada como planta tóxica. Ratos Wistar foram tratados por via oral com doses únicas do extrato (1,2 g/kg; 1,8 g/kg; 2,7 g/kg; 4,0 g/kg e 5,0 g/kg) e observados por 14 dias. Os principais sinais de toxicidade encontrados, em alguns animais, foram: ptose palpebral, perda de peso e paralisia do trem posterior. Outras alterações significativas ocorreram apenas em machos tratados com a dose de 5 g/kg: aumento dos níveis sangüíneos de creatinina, AST, sódio e potássio; diminuição dos níveis de uréia e albumina; leucopenia, além de discretas alterações na coloração e consistência de vísceras. A dose letal mediana (DL50) foi superior a 4,0 g/kg para machos e maior do que 5,0 g/kg para fêmeas. Estes resultados indicam uma toxicidade aguda oral relativamente baixa; contudo, ressaltam a necessidade da realização de estudos toxicológicos de longa duração com o EE de J. gossypiifolia L.

Unitermos:Jatropha gossypiifolia, Euphorbiaceae, toxicidade aguda.

ABSTRACT

The aim of this work was the assessment of acute oral toxicity of the ethanol extract (EE) of the aerial parts of Jatropha gossypiifolia L. This plant is used in folk medicine despite its classification as a toxic plant. Wistar rats were treated per oralis with single doses of EE [1.2 g/kg; 1.8 g/kg; 2.7 g/kg; 4.0 g/kg and 5.0 g/kg (w.b.)] and observed for 14 days. The most important signs of toxicity were: ptosis; reduction of body weight and hindlimb paralysis. Other sgnificant alterations occurred only in males treated with 5.0 g/kg (w.b.): increase of creatinine, AST, sodium and potassium seric levels; reduction of urea and albumin; leukopenia and small alterations in color and consistence of viscera. The LD50 value was higher than 4.0 g/kg (w.b.) for males and higher than 5.0 g/kg (w.b) for females. These results indicate a low oral acute toxicity, in relative terms, however it shows the importance of long-term toxicological studies of the EE from J. gossypiifolia.

Keywords: Jatropha gossypiifolia, Euphorbiaceae, acute toxicity.

INTRODUÇÃO

Nos últimos vinte anos no Brasil, país com a maior diversidade vegetal do mundo, o número de informações sobre plantas medicinais tem crescido apenas 8% anualmente. Isso mostra que em um país biologicamente tão rico, mas com ecossistemas tão ameaçados, pesquisas com plantas medicinais, e, mesmo tóxicas, deveriam ser mais incentivadas. Afinal, elas poderiam levar à reorganização das estruturas de uso dos recursos naturais (em vista da necessidade de sua extração estar associada aos planos de manejo) e à elevação do PIB, visto que há grande tendência mundial de aumento na utilização de fitoterápicos (Brasil 1998, Falcão et al., 2005; Barbosa-Filho et al., 2005).

A Jatropha gossypiifolia L. é popularmente conhecida no Brasil por vários nomes, tais como, pião-roxo ou pinhão-roxo. Pertence à família Euphorbiaceae; gênero Jatropha; subgênero Jatropha; secção Jatropha e subsecção Adenophorae. Apresenta-se como uma árvore de folhas alternas grandes, flores roxas, frutos pequenos e capsulares. Várias partes da planta têm sido usadas na medicina popular para o tratamento de diversas doenças, como: úlceras pépticas, diabetes, neoplasias, diarréias e ainda como cicatrizante e diurético (Pio-Corrêa, 1984; Schvartsman, 1992; Silva, 1998; Mariz et al., 2004).

Alguns usos populares podem ser, em parte, compreendidos pela constituição química, um dos aspectos melhor estudados desta espécie. Substâncias de diversos grupos já foram identificadas como, por exemplo: ácidos orgânicos, alcalóides, diterpenos, esteróides, flavonóides, lignanas e taninos, entre diversos outros constituintes (Subramanian; Nagarajan; Sulochana, 1971; Adesina, 1982; Ogbobe; Akano, 1993; Coe; Anderson, 1996; Das; Anjani, 1999; Mariz et al., 2004).

Tais compostos conferem à J. gossypiifolia diversas atividades biológicas úteis na terapêutica, algumas destas já demonstradas experimentalmente: antidiarréico (Silva et al., 2002); antimalárico (Gbeassor et al., 1989); antimicrobiano (Awachie; Ugwu,1997); antiviral (Taylor et al., 1996); moluscicida (Sukumaran; Parashar; Rao, 1995) e sedativo (Adesina, 1982), entre outros (Mariz et al., 2004). Ainda convém destacar que estudos recentes com o extrato etanólico (EE) de partes aéreas de J. gossypiifolia indicam que esta espécie, à semelhança de outras do mesmo gênero, possui um significativo potencial hipotensor e vasorelaxante (Abreu et al., 2003).

Entretanto, esta espécie figura entre as principais plantas tóxicas conhecidas em nosso país. Sabe-se que o látex é extremamente cáustico para pele e mucosas. Quando ingerida a planta pode causar distúrbios digestivos e depressores do sistema respiratório e cardiovascular, além de insuficiência renal (Adolf; Opferkuch; Hecker, 1984; Guirola et al., 1992; Schvartsman, 1992; Mengue et al., 2001).

Estudos sobre avaliação de toxicidade de partes de J. gossypiifolia usadas na terapêutica têm evidenciado resultados diversos e ainda inconclusivos, tais como: fraca inibição da produção de reticulócitos em coelho (Gasperi-Campani et al., 1980) e suspeita de correlação positiva com incidência de câncer de esôfago (Hecker, 1984). Por outro lado, tem sido demonstrado que esta planta possui uma CL50 para Artermia salina superior a 1000 µg/mL (Awachie; Ugwu., 1997) e que o tratamento de ratos com o extrato etanólico de partes aéreas de J. gossypiifolia por 30 dias, na dose de 500 mg/kg, não produziu alterações bioquímicas e/ou hematológicas nesses animais (Rocha et al., 1995).

Assim, este trabalho se propõe a realizar uma avaliação da toxicidade aguda do EE do pião-roxo com o objetivo de gerar dados que permitam uma análise da relação risco/benefício de um eventual uso terapêutico desta espécie vegetal.

MATERIAL E MÉTODOS

Coleta do material

As partes aéreas (folhas e caules) de J. gossypiifolia L. foram coletadas no município de Santa Rita (PB) entre os meses de junho e agosto de 2004. O material vegetal foi identificado pelo Herbário "Lauro Pires Xavier" da Universidade Federal da Paraíba (UFPB).

Preparação do extrato etanólico

As folhas e caules foram desidratados, separadamente, em estufa com ar circulante, a 38 ºC por 72 horas e triturados em moinho tipo Harley. Depois de triturados, os farmacógenos foram misturados e macerados em etanol 95% à temperatura ambiente, por 72 horas. Em seguida o material foi filtrado e concentrado a vácuo em rotaevaporador, obtendo-se o Extrato Etanólico (EE). A determinação do peso seco desse extrato foi feita pelo método gravimétrico (Farmacopéia Brasileira, 1988). Antes dos experimentos e a partir do peso seco, o EE era diluído com água de modo a se obter soluções em concentrações adequadas para a administração correta das doses. Procedeu-se ainda uma triagem fitoquímica no EE (Matos, 1997).

Animais

Foram utilizados ratos Wistar albinos (Rattus norvergicus) e adultos. Os machos pesavam entre 250 a 350 g e as fêmeas eram nulíparas e não grávidas, pesando entre 150 a 250 g. Os animais foram fornecidos pelo Biotério "Prof. Dr. Thomas George" do Laboratório de Tecnologia Farmacêutica (LTF-UFPB). Estes animais foram mantidos em grupos de seis por gaiola sob condições ambientais padronizadas e alimentados com ração e água potável à vontade. A utilização dos animais obedeceu a princípios técnicos e éticos (Andersen et al., 2004; Colégio Brasileiro de Experimentação Animal, 2004).

Ensaios toxicológicos

Os protocolos experimentais foram orientados pelas normas vigentes em nosso país, por obras de referência e ainda por padronização prévia realizada no Biotério do LTF-UFPB (Larini, 1997; Melo-Diniz, 2000; Barros; Davino, 2003; Brasil, 2004; Jacobson-Kram; Keller, 2001).

Os animais foram tratados por gavagem inicialmente com a dose de 5 g/kg do EE de J. gossypiifolia (n = 12 por dose e sexo) e posteriormente com 4 doses inferiores a 5 g/kg, a saber: 1,2 g/kg; 1,8 g/kg; 2,7 g/kg e 4,0 g/kg (n = 6 animais por dose e por sexo).

Durante 14 dias após o tratamento observou-se o surgimento de sinais tóxicos gerais usando-se a metodologia proposta por Almeida et al. (1999). Nesse período de observação ainda foram mensurados os seguintes parâmetros: evolução ponderal, consumo de água e alimentos e registro da letalidade. Os consumos de água e ração foram avaliados diariamente e contabilizados por grupo (sexo/dose), registrando-se os valores médios de cada grupo. Os animais sobreviventes foram sacrificados, procedendo-se à coleta de sangue para realização de exames hematológicos e bioquímicos, bem como a ressecção, pesagem e análise macroscópica das vísceras (fígado, rins, coração e pulmões). Também foi feita a análise macroscópica das vísceras dos animais que morreram ao longo do período de observação.

Um grupo controle com 12 animais (6 machos e 6 fêmeas) foi tratado com água, veículo de ressuspensão do extrato.

Análise estatística

Os resultados numéricos foram expressos em média aritmética (± erro padrão). As diferenças entre os grupos foram determinadas através da Análise de Variância (ANOVA) seguida, quando detectada diferença, pelo teste de múltiplas comparações de Tukey. As análises foram feitas com auxílio do programa GraphPad Prism 3.0. Os resultados foram considerados estatisticamente significativos quando p < 0,05 (Gad;Weil, 1989; Graphpad Prism, 1999).

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Obtenção do extrato etanólico (EE)

O EE obtido apresentou-se como um resíduo escuro, viscoso e higroscópico (rendimento: 7,9%). A triagem fitoquímica confirmou a presença de taninos, esteróides e flavonóides.

Ensaios toxicológicos

Entre os animais do grupo controle, tanto não foram observadas alterações orgânicas significativas, quanto seus valores de parâmetros avaliados numericamente encontraram-se de acordo com os valores de referência para os animais do Biotério, obtidos por Melo-Diniz (2000) em padronização prévia.

O surgimento de efeitos tóxicos significativos nos animais tratados com a dose de 5 g/kg, considerada como dose limite para avaliação toxicológica aguda (Brasil, 2004; Barros; Davino, 2003), nos levou a utilizar outras 4 doses inferiores, na seqüência dos estudos, conforme relatado anteriormente.

Não foram observadas alterações orgânicas dignas de nota, entre os animais que receberam a menor dose (1,2 g/kg) do extrato. Essa dose corresponde a 4,8 vezes a maior dose experimental utilizada por Abreu et al. (2003) na demonstração do efeito hipotensor da planta. Este dado informa sobre um limite de segurança do produto em termos de toxicidade aguda, embora de modo não exato.

Em relação aos animais tratados com dose igual ou superior a 1,8 g/kg, logo nas primeiras 4 horas após o tratamento, foram observados os seguintes sinais gerais de toxicidade: discreta piloereção, prostração, contorções abdominais e aumento da evacuação. A partir do 3º dia, além da manutenção de piloereção e prostração, surgiram: comportamento estereotipado de autolimpeza ("grooming"); agrupamentos discretos; dispnéia e ptose palpebral. Estes efeitos ocorreram em ambos os sexos. As alterações neurológicas podem ser consideradas como inespecíficas, apesar da predominância de sinais indicativos de ação depressora no Sistema Nervoso Central (SNC), principalmente: prostração e ptose palpebral. Os distúrbios gastrintestinais são coerentes com a clínica de intoxicação já relatada para outra espécie do mesmo gênero, a Jatropha curcas (Schvarstman, 1992).

Entre os animais que morreram, a perda gradativa de peso e a paralisia do trem posterior (figura 1) foram sinais anteriores ao óbito. Esta informação pode ser importante em estudos de causa mortis ou de mecanismos de toxicidade. Parece que a contração da musculatura lisa abdominal, observada em altas doses, provocaria não somente cólicas e diarréias, o que prejudica a ingesta alimentar (figura 2), como também resultaria em danos neuro-musculares graves causando paralisia em toda a região posterior do animal (figura 1).



Apenas entre machos sobreviventes à maior dose, o extrato administrado reduziu o consumo de alimentos de modo significativo (figura 2). Esta dose de 5 g/kg ainda reduziu a evolução ponderal de fêmeas, do 6º ao 11º dia após o tratamento (figura 3), sem alterar a ingestão de alimentos destes animais (figura 2), o que poderia sugerir uma linha de investigação interessante se não fosse a alta dose empregada (5 g/kg).


Alterações bioquímicas e hematológicas estatisticamente significativas foram observadas apenas entre os machos tratados com a maior dose (5 g/kg), conforme agrupado na Tabela I, o que retrata a maior sensibilidade dos machos ao extrato.

Inicialmente tem-se uma hipoalbuminemia, constatada tanto pela diferença estatisticamente significativa entre tratados e controles quanto pela significância clínica dessa alteração considerando-se que o valor de albumina dos animais tratados foi 12,9% menor que o limite inferior de referência desse parâmetro (3,1 g/dL). Esse quadro pode ser compreendido pela redução na ingestão de alimentos (figura 2). Todavia, tal condição clínica também pode decorrer de dano hepático grave, considerando-se que a síntese dessa proteína ocorre exclusivamente nas células hepáticas. Essa hipótese de agravo hepático é reforçada pelo aumento da aspartato aminotransferase (AST) em 21,6% do valor máximo de referência (89 U/L), fato que também pode significar distrofia muscular (inclusive no músculo cardíaco) e embolia pulmonar, além de outras condições clínicas (Kaneko, 1996; Ravel, 1997; Melo-Diniz, 2000).

A hipouremia observada, valores 35,3% menores que a referência mínima (51 mg/dL), também corrobora o indício de dano hepático grave; entretanto, esse parâmetro é mais usado em associação com a dosagem de creatinina, como prova de função renal. Nos animais tratados com o extrato (5 g/kg), ocorreu elevação da creatinina em 10% da referência máxima (0,6 mg/dL), o que pode significar dano renal grave considerando-se a maior velocidade de depuração da creatinina em relação à uréia (Kaneko, 1996; Ravel, 1997; Melo-Diniz, 2000).

O aumento do sódio (Na+), apesar de estatisticamente significativo, foi clinicamente discreto, pois ultrapassou apenas em 1,6% o valor de referência limítrofe (140 mEq/L) para os animais do biotério. Discretas elevações de Na+ podem refletir desequilíbrio hidro-eletrolítico, como o gerado por diarréias. No entanto, para o potássio (K+) a elevação em relação ao limite superior dos valores de referência (5,4 mEq/L) foi de 31,4%. Essa hiperpotassemia pode significar, além de desequilíbrio hidro-eletrolítico, também alto grau de dano neuro-muscular (Kaneko, 1996; Ravel, 1997; Melo-Diniz, 2000).

A única alteração hematológica observada foi uma forte redução na contagem global de leucócitos (49,1% em relação à referência mínima que é de 6,8 103/mm3) sem modificações na contagem diferencial, o que caracteriza uma leucopenia inespecífica (Jain, 1993; Melo-Diniz, 2000).

O exame macroscópico das vísceras (coração, pulmão, fígado e rins) dos animais sobreviventes não detectou alterações dignas de nota. Apenas em alguns dos animais tratados com a dose de 5 g/kg e que morreram ao longo do experimento (machos), foram encontradas alterações de coloração e consistência em coração, pulmão, fígado e intestino, o que ressalta a importância da realização de exames histopatológicos nessas vísceras para uma melhor avaliação de possíveis efeitos inflamatórios e necrosantes.

Observou-se que o extrato apenas produziu mortes em machos e nas duas maiores doses empregadas: 4,0 g/kg (16,6%) e 5 g/kg (66,6%). As mortes ocorreram do terceiro ao décimo dia após o tratamento o que aponta para uma absorção bastante lenta do extrato no trato gastrintestinal, fato compreensível pela ocorrência de intensas diarréias, principalmente nas doses mais altas, o que, por certo, funcionou como um mecanismo de defesa do organismo, aumentando a excreção do produto e retardando o efeito letal do extrato.

A análise da letalidade em cada grupo experimental indica que a dose letal mediana (DL50) está entre 4,0 e 5 g/kg para machos e é superior a 5 g/kg em fêmeas, valores bem acima da dose limite para avaliação desse parâmetro que é de 2 g/kg, segundo alguns autores (Larini, 1997; Barros; Davino, 2003). Sendo assim, a determinação de um valor de DL50 mais exato, através de novos experimentos, não seria mero preciosismo, mas sim, um erro em termos de bioética animal (Andersen et al. 2004).

A indicação de relativa segurança de exposição, aguda e em dose única, ao produto estudado é reforçada pelo alto valor da dose máxima não letal (DMNL) estimado nesse estudo (machos = 2,8 g/kg e fêmeas = 5 g/kg). Esse indicador tem sido proposto como sendo mais útil que a DL50 para a avaliação da relação risco/segurança de um produto pelo fato de usar a não ocorrência de mortes (mais grave dos efeitos tóxicos) como critério analítico (Larini, 1997).

Os resultados indicam uma toxicidade aguda oral relativamente baixa para o EE de J. gossypiifolia, considerando-se que: uma dose relativamente alta (1,2 g/kg) não causou alterações orgânicas significativas; os efeitos tóxicos mais graves só foram observados em machos tratados com a maior dose experimental (5 g/kg), dose essa 20 vezes maior que a provável dose terapêutica do produto e ainda que indicadores clássicos de avaliação de toxicidade, como DL50 e DMNL, foram estimados em valores elevados.

Apesar disso, não devemos ignorar que os indícios de toxicidade neurológica, hepática e renal, foram obtidos com doses que, apesar de elevadas, eram únicas, como convinha aos objetivos deste estudo. Isso suscita o questionamento sobre uma eventual permanência desses efeitos e/ou o surgimento de outros quando de um tratamento prolongado com o produto em questão.

CONCLUSÕES

O extrato etanólico de J. gossypiifolia L. apresentou toxicidade aguda oral relativamente baixa em ratos Wistar. Apesar disso, em função das alterações orgânicas observadas, sugere-se a continuidade dos estudos mediante a avaliação da toxicidade crônica do produto.

AGRADECIMENTOS

Os autores agradecem à Comissão de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (CAPES) que, através do Programa de Qualificação Interinstitucional (PQI), tem financiado esta pesquisa. Ainda agradecem à Profª Drª Maria de Fátima Agra pela identificação da espécie e à Profª Drª Temilce Simões de Assis pela revisão do abstract.

Recebido em 11/11/05

Aceito em 09/03/06

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      11 Fev 2008
    • Data do Fascículo
      Set 2006

    Histórico

    • Aceito
      09 Mar 2006
    • Recebido
      11 Nov 2005
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