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Ação da uleína sobre a produção de óxido nítrico em células RAEC e B16F10

Uleine effect on the production of nitric oxide in RAEC and B16F10 cells

Resumos

Foi investigada a influência da fração rica em alcalóides e da substância majoritária desta fração, uleína, isolada das cascas de Himatanthus lancifolius (Muell. Arg.) Woodson, Apocynaceae, popularmente conhecida como agoniada, sobre a produção de óxido nítrico em células RAEC e B16F10 e a correlação com a atividade antioxidante. Os ensaios de atividade antioxidante foram realizados utilizando os métodos de redução do complexo fosfomolibdênico e o da redução do radical livre DPPH. Os resultados demonstraram uma atividade antioxidante de 59,3 ± 0,8% para a fração alcaloídica, enquanto que, para a uleína, esse efeito foi de 0,5 ± 0,1% no ensaio de redução do complexo fosfomolibdênico. No ensaio do DPPH, a fração alcaloídica apresentou IC50 = 196,3 ± 8,9 µg/mL e para a uleína 6475,0 ± 25,0 µg/mL. A uleína, principal alcalóide da fração, estimulou uma produção máxima de óxido nítrico nas concentrações de 0,1 µg/ml (20,9 ± 1,4 µM) e 1 µg/ml (41,1 ± 0,2 µM) utilizando células RAEC e B16F10, respectivamente, demonstrando que o efeito da uleína nas células ocorre através de estímulos nas vias de produção de óxido nítrico e não por um efeito sequestrante de radical livre.

Himatanthus lancifolius; Apocynaceae; agoniada; antioxidante; óxido nítrico; uleína


The influence of the rich alkaloidal fraction and of the major substance in this fraction, uleine, isolated from the barks of Himatanthus lancifolius (Muell. Arg.) Woodson, Apocynaceae, popularly known as agoniada, on the nitric oxide production in RAEC and B16F10 cells and its correlation with the antioxidant activity, were investigated. For the antioxidant activity the methods of formation of a phosphomolybdenum complex and the reduction of the free radical DPPH were used. The results demonstrated an antioxidant activity of 59.3 ± 0.8% for the alkaloidal fraction, while for uleine the effect was of 0.5 ± 0.1% in the reduction of the phosphomolibdenium method. In the assay of DPPH, the alkaloidal fraction presented IC50 = 196.3 ± 8.9 µg/mL and for uleine, 6475.0 ± 25.0 µg/mL. Uleine also stimulated a maximum nitric oxide production in the concentrations of 0.1 µg/mL (20.9 ± 1.4 µM) and 1 µg/mL (41.1 ± 0.2 µM) using RAEC and B16F10 cells, respectively, demonstrating that the effect of uleine in the cells occurs by promoting the nitric oxide production pathway, but not through a free radical scavenger effect.

Himatanthus lancifolius; Apocynaceae; agoniada; antioxidant; uleine


ARTIGO

Ação da uleína sobre a produção de óxido nítrico em células RAEC e B16F10

Uleine effect on the production of nitric oxide in RAEC and B16F10 cells

Wesley M. SouzaI; Fabrício BrehmerI; Lia S. NakaoII; Andréa E. M. StinghenII; Cid A. M. SantosI, * * E-mail: cid@ufpr.br, Tel./Fax +55-41-33604062

IPrograma de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas, Laboratório de Farmacognosia, Universidade Federal do Paraná, 80210-170, Curitiba, PR, Brasil

IIPós-Graduação em Ciências da Saúde, Pontifícia Universidade Católica do Paraná, 80215-901, Curitiba, PR, Brasil

RESUMO

Foi investigada a influência da fração rica em alcalóides e da substância majoritária desta fração, uleína, isolada das cascas de Himatanthus lancifolius (Muell. Arg.) Woodson, Apocynaceae, popularmente conhecida como agoniada, sobre a produção de óxido nítrico em células RAEC e B16F10 e a correlação com a atividade antioxidante. Os ensaios de atividade antioxidante foram realizados utilizando os métodos de redução do complexo fosfomolibdênico e o da redução do radical livre DPPH. Os resultados demonstraram uma atividade antioxidante de 59,3 ± 0,8% para a fração alcaloídica, enquanto que, para a uleína, esse efeito foi de 0,5 ± 0,1% no ensaio de redução do complexo fosfomolibdênico. No ensaio do DPPH, a fração alcaloídica apresentou IC50 = 196,3 ± 8,9 µg/mL e para a uleína 6475,0 ± 25,0 µg/mL. A uleína, principal alcalóide da fração, estimulou uma produção máxima de óxido nítrico nas concentrações de 0,1 µg/ml (20,9 ± 1,4 µM) e 1 µg/ml (41,1 ± 0,2 µM) utilizando células RAEC e B16F10, respectivamente, demonstrando que o efeito da uleína nas células ocorre através de estímulos nas vias de produção de óxido nítrico e não por um efeito sequestrante de radical livre.

Unitermos:Himatanthus lancifolius, Apocynaceae, agoniada, antioxidante, óxido nítrico, uleína.

ABSTRACT

The influence of the rich alkaloidal fraction and of the major substance in this fraction, uleine, isolated from the barks of Himatanthus lancifolius (Muell. Arg.) Woodson, Apocynaceae, popularly known as agoniada, on the nitric oxide production in RAEC and B16F10 cells and its correlation with the antioxidant activity, were investigated. For the antioxidant activity the methods of formation of a phosphomolybdenum complex and the reduction of the free radical DPPH were used. The results demonstrated an antioxidant activity of 59.3 ± 0.8% for the alkaloidal fraction, while for uleine the effect was of 0.5 ± 0.1% in the reduction of the phosphomolibdenium method. In the assay of DPPH, the alkaloidal fraction presented IC50 = 196.3 ± 8.9 µg/mL and for uleine, 6475.0 ± 25.0 µg/mL. Uleine also stimulated a maximum nitric oxide production in the concentrations of 0.1 µg/mL (20.9 ± 1.4 µM) and 1 µg/mL (41.1 ± 0.2 µM) using RAEC and B16F10 cells, respectively, demonstrating that the effect of uleine in the cells occurs by promoting the nitric oxide production pathway, but not through a free radical scavenger effect.

Keywords:Himatanthus lancifolius, Apocynaceae, agoniada, antioxidant, uleine.

INTRODUÇÃO

A família Apocynaceae possui cerca de 200 gêneros e 2000 espécies, de distribuição tropical e subtropical, podendo chegar até regiões temperadas. O gênero Himatanthus foi descrito por Willdenow (Woodson, 1951) e consiste de árvores, arbustos ou subarbustos. Himatanthus lancifolius (Muell. Arg.) Woodson, Apocynaceae, previamente denominada Plumeria lancifolia Muell. Arg., popularmente conhecida como agoniada, é uma planta nativa que cresce em diferente áreas do Brasil, particularmente nos estados de Minas Gerais, Espírito Santo, Rio Grande do Sul, Goiás e Amazônia, sendo descrita oficialmente na Farmacopéia Brasileira I (Brandão et al., 2006). São indicadas na medicina tradicional para o tratamento de várias doenças de pele, febrífuga, emenagoga, purgativa, anti-úlcera, asma, sífilis e principalmente como estimulante das contrações uterinas, auxiliando na concepção e regularizando a menstruação (Corrêa et al., 1998).

Estudos com os extratos das cascas dessa planta demonstraram preliminarmente a presença de uleína (1) e (+)-demetoxiaspidospermina (França et al., 2000). A fração de alcalóides, rica em uleína, também apresentou atividade gastroprotetora (Baggio et al., 2005) e efeitos sobre a resposta em musculatura lisa vascular e não-vascular (Rattmann et al., 2005). Em outro trabalho Machado Júnior et al. (2006) utilizaram a citometria de fluxo para avaliar a atividade imunomoduladora do extrato etanólico de H. lancifolius sobre células mononucleares humanas.

O óxido nítrico (NO) tem despontado nos últimos anos como sendo uma molécula biossintetizada envolvida na regulação de diversas funções fisiológicas, tais como homeostase dos vasos sanguíneos, transmissão neuronal e resposta do hospedeiro à infecção. Ele é sintetizado pelas enzimas óxido nítrico sintases (NOS), que convertem a L-arginina em L-citrulina e NO, com o auxílio de oxigênio molecular e NADPH (Moncada et al., 1991). É um gás lipossolúvel que possui elétron não pareado que o faz altamente reativo (Cerqueira; Yoshida, 2002) e está envolvido em vários outros processos celulares importantes, além da sua ação em células musculares lisas vasculares. Em altas concentrações é citotóxico, facilmente inativado pelo oxigênio (Archer, 1993) ou superóxido dismutase (Gryglewski et al., 1986), tendo uma meia vida curta e especificidade mínima de reações (Nathan, 1992). Difunde-se livremente entre as membranas celulares e interage com um grande número de alvos ativando vias de sinalização produzidas pelas células endoteliais e musculares lisas. Assim, dependendo do fluxo e da quantidade produzida, o NO nos sistemas biológicos tem dois efeitos primordiais. O primeiro é sua atuação como mensageiro, pelas quais as células se comunicam umas com as outras. O segundo se refere às suas propriedades tóxicas usadas pelo sistema imunológico para diminuir a proliferação de organismos invasores (Marletta, 1994).

Neste trabalho foram avaliadas as capacidades antioxidantes da fração alcaloídica e da uleína separadamente e comparadas com um padrão clássico de ácido ascórbico utilizando dois métodos: redução do complexo fosfomolibdênico e seqüestro do radical DPPH. A ação da uleína sobre a produção de óxido nítrico (NO) também foi avaliada utilizando células endoteliais de aorta de coelho (RAEC) e células melanoma de camundongos (B16F10).

MATERIAL E MÉTODOS

Material botânico

Cascas de Himatanthus lancifolius (15 kg) foram adquiridas no mercado formal de plantas medicinais na região metropolitana de São Paulo, Brasil, e a identificação da espécie foi feita pelos próprios autores através de análise farmacognóstica, segundo a Farmacopéia Brasileira I e por comparação macroscópica e microscópica com amostra autêntica. Uma amostra do material botânico utilizado encontra-se depositada no Laboratório de Farmacognosia da UFPR, onde permanece como material de referência e estudo. As cascas da planta foram moídas, desengorduradas em Soxhlet com éter de petróleo e em seguida submetida à maceração com solução aquosa de ácido clorídrico 1% (v/v) e extraída até reação negativa frente ao reagente de Dragendorff. O extrato obtido foi filtrado e concentrado em rotavapor (40 ºC) até aproximadamente 1/5 do volume inicial e posteriormente alcalinizado com carbonato de sódio (pH 10) e submetido à partição com clorofórmio. O extrato orgânico foi evaporado sob pressão reduzida, obtendo-se 17,29 g da fração rica em alcalóides (FA). Essa fração foi suspensa em solução aquosa de ácido clorídrico 1%, filtrada e concentrada em rotavapor até secura e os ensaios foram realizados com os alcalóides na forma de cloridrato.

Fracionamento e isolamento da uleína

Uma porção da fração de alcalóides (3 g) foi submetida à cromatografia em coluna de sílica gel 70-230 mesh (60 g) e eluída com um gradiente de n-hexano, n-hexano:tolueno, tolueno, tolueno:diclorometano, diclorometano, diclorometano:clorofórmio, clorofórmio, clorofórmio:acetato de etila, acetato de etila, acetato de etila:etanol e etanol. Desse fracionamento foram obtidas 475 frações, que foram submetidas à cromatografia de camada delgada (fase móvel: n-hexano:acetato de etila:metanol:dietilamina - 5:4:0,8:0,2.), revelada com reagente de Dragendorff ou sulfato cérico amoniacal seguida por aquecimento. Após verificação das cromatografias de camada delgada (CCD), frações com mesmo perfil cromatográfico foram combinadas rendendo 33 frações denominadas U1 até U33. As frações U12-U20 foram novamente reunidas e submetidas à cromatografia preparativa em sílica gel (20 x 20 cm) rendendo quatro manchas bem definidas, denominadas R1D1, R1D2, R1D3 e R1D4. A fração R1D1 (Rf = 0,37) foi resubmetida a cromatografia em sílica gel (10 g) usando como solvente clorofórmio:metanol (99,5:0,5), onde foi obtido 0,2051 g (0,0041%) de um composto puro o qual foi submetido a várias recristalizações em clorofórmio:metanol e seco em Abderhauden na presença de pentóxido de fósforo. Investigação química do composto isolado por métodos espectrométricos (UV, IV, EM e RNM) e por comparação com amostra padrão e dados da literatura, indicou tratar-se do composto uleína (1) (Joule; Djerassi, 1964; Ohashi et al., 1964; França et al., 2000).

Testes de atividade antioxidante

Avaliação da atividade pela formação do complexo fosfomolibdênico

Uma alíquota (0,3 mL) da solução estoque da fração de alcalóides (FA) e do composto isolado 1 (200 µg/mL), foram adicionadas em tubos de ensaios com a solução reagente (3 mL, 0,6 M de ácido sulfúrico, 28 mM de fosfato de sódio e 4 mM de molibdato de amônio). Os tubos foram incubados em banho-maria a 95 ºC por 90 minutos. Após resfriamento, a absorvância foi mensurada em aparelho UV a 695 nm contra o branco. A absorvância do padrão de ácido ascórbico nas mesmas concentrações e condições de análise foi determinada. Os resultados foram expressos na forma de atividade antioxidante relativa (AAR%) em relação ao ácido ascórbico, conforme indicado por Prieto et al. (1999).

Ensaio fotométrico com DPPH

A fração de alcalóides (FA) e o composto isolado foram diluídos em etanol de forma a serem obtidas soluções nas concentrações de 10, 25, 50, 125, 250 µg/mL e 75, 250, 500, 750 µg/mL, respectivamente. Na seqüência, as soluções obtidas (2,5 mL) foram incorporadas à solução etanólica de DPPH (1,1-difenil-2-picrilhidrazil - 1 mL, 0,3 mM). A solução controle foi formada apenas pela mistura de etanol (1 mL) com as soluções obtidas (2,5 mL), de modo que para cada concentração exista um branco correspondente. Todas as reações foram feitas em triplicata e nas mesmas condições de análises (30 minutos, 25 ºC). Após o tempo de reação, as absorvâncias das amostras foram determinadas a 518 nm em espectrofotômetro UV 1601 Shimadzu e convertidos em porcentagem de atividade antioxidante (IC%). Os resultados obtidos foram comparados com o padrão de ácido ascórbico. A expressão dos resultados foi dada pela IC50 (em µg/mL), calculada com auxílio da equação da reta interpolada com os dados de concentração (eixo das abcissas) e IC% (eixo das ordenadas). Etanol e a solução estoque foram usados como branco. Solução de DPPH e etanol foram usados como controle negativo (Mensor et al., 2001).

Dosagem do óxido nítrico

Células endoteliais de aorta de coelho (RAEC) gentilmente doadas pela Dra. Helena Nader (UNIFESP) e células B16F10 (células melanoma de camundongos - ATCC CRL-6475) foram cultivadas em meio apropriado até confluência e mantidas em Banco de Células do NIMA (Núcleo de Investigações Moleculares Avançadas), Centro de Ciências Biológicas e da Saúde da Pontifícia Universidade Católica do Paraná. As células foram mantidas em meio de cultura DMEM/F12 (RAEC) e RPMI 1640 (B16F10), suplementado com 10% de soro fetal bovino, 100 U/mL de penicilina e 10 µg/mL de gentamicina. As células foram plaqueadas em placas de 96 poços na densidade de 1x105 células/mL, volume final de 400 µL e incubadas a 37 °C com 5% de CO2 e atmosfera umidificada, sendo o meio trocado a cada 48 horas até confluência das células. Para o teste de viabilidade celular e citotoxicidade foi usado o teste com azul de Trypan (Merchant; Kahn, 1964). A partir do composto isolado 1 (uleína), foram feitas soluções estoques, a 2 mg/mL em meio DMEM/F12 (Dulbecco's Modified Eagle's Medium) e RPMI (RPMI 1640 Medium) em condições estéreis e armazenadas à -8 ºC até o momento do uso. Após os cultivos celulares atingirem confluência desejada, a uleína foi adicionada nas concentrações de 0,01, 0,1, 1, 10 e 100 µg/mL, isoladamente ou em associação com nitro-L-arginina metil éster (L-NAME - 1 µg/mL), um inibidor da NOS. Um estimulador da iNOS também foi utilizado (LPS - 100 ng/mL). Vinte e quatro horas após a ativação, um volume de 100 µL do sobrenadante foi retirado e a ele adicionado igual volume do reagente de Griess (sulfanilamida 1% (p/v) em H3PO4 5% + alfa-naftil-etilenodiamina 0,1% (v/v) em água) (Green et al., 1982). A produção de NO foi estimada pela quantificação do metabólito estável de NO, o nitrito. A absorvância a 540 nm foi medida em leitor de Elisa Spectra Softmax após 10 minutos. A concentração de nitrito no sobrenadante foi quantificada a partir de uma curva padrão com concentrações conhecidas de nitrito de sódio em µM.

Análise estatística

Os resultados foram apresentados como média ± e.p.m, analisados usando pacote estatístico Sigmastat® para Windows (Versão 3.5, USA) e, para a comparação entre os grupos, foi utilizado ANOVA seguido de teste de Tukey ou Kruskal-Wallis, com valores de P < 0,001 considerados estatisticamente significativos.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Os resultados obtidos no sistema de redução do complexo fosfomolibdênico indicam que nem a fração alcaloídica (FA) nem a uleína apresentaram atividade antioxidante relativa (AAR%) considerável e ambas inferiores ao padrão de ácido ascórbico. Para a FA a média da AAR% (ácido ascórbico) foi igual a 59,3 ± 0,8%, enquanto que para a uleína, foi de 0,5 ± 0,1% em relação a 100% do total de atividade antioxidante atribuida ao ácido ascórbico. A FA apresentou uma maior AAR% em relação a uleína, significando possuir uma maior disponibilidade eletrônica capaz de reduzir o complexo fosfomolibdênico. Análise dessa fração (FA) evidenciou, além dos alcalóides, a presença de compostos fenólicos (taninos) o que sugere serem os principais responsáveis pela atividade antioxidante (França et al., 2000).

De maneira similar, os resultados obtidos no teste do sequestro de radical utilizando-se DPPH não demonstraram atividade da fração alcaloídica (IC50 = 196,3 ± 8,9 µg/mL) e da uleína (IC50 = 6475,0 ± 25,0 µg/mL), sendo inferior ao apresentado pelo padrão de ácido ascórbico (IC50 = 32,0 ± 0,3 µg/mL), corroborando com os resultados obtidos no ensaio da redução do complexo fosfomolibdênico. Conforme demonstrado para o ácido ascórbico, um conhecido composto com disponibilidade eletrônica capaz de reduzir o DPPH, quanto menor o valor determinado para a IC50, mais antioxidante é o composto ou fração testada.

A presença de doses crescentes de uleína adicionados ao cultivo resultou em um aumento na produção de NO somente em algumas concentrações. Como pode ser observado na figura 1 e 2, a produção de NO em células endoteliais (RAEC) mostrou uma produção máxima na dose de 0,1 µg/mL (20,9 ± 1,4 µM de nitrito) enquanto para as células B16F10 foi de 41,1 ± 0,2 µM de nitrito na concentração de 1 µg/mL de uleína. A produção de NO dependente de NOS foi testada pela incubação de células RAEC e B16F10 com lipopolissacarideo bacteriano (LPS, 100 ng/mL), o qual estimulou a produção de óxido nítrico em 30,8 ± 1,8 e 47,1 ± 2,0 µM respectivamente, e pela inibição da produção com L-NAME em todas as concentrações de uleína utilizadas. Para se ter certeza de que o aumento na produção de NO não era decorrente de morte celular, teste de viabilidade das células foi realizado após o ensaio e observou-se que em todas as concentrações avaliadas a viabilidade das células sempre foi superior a 94% (dados não demonstrados). As concentrações de 0,01, 10 e 100 µg/mL de uleína não favoreceram produção de NO em células RAEC, e em células B16F10 não houve produção significativa nas concentrações de 0,01, 0,1, 10 e 100 µg/mL, quando comparadas ao controle contendo células não estimuladas (3,7 ± 0,2 µM para RAEC e 2,4 ± 0,1 µM para B16F10). Matheus et al. (2003) demonstraram que células RAW 264.7 estimuladas com lipopolissacarídeo bacteriano (100 ng/mL) e interferon-alfa (10 U/mL) produziram uma grande quantidade de óxido nítrico (35 µM) quando comparadas com células não estimuladas (3 µM). Fushiya et al. (1999) demonstraram a inibição da síntese de NO em macrófagos utilizando extrato metanólico obtido das partes aéreas de C. droserifolia e com substâncias isoladas de outras plantas tal como Lycium chinese (Kim et al., 1997) e Magnolia sieboldii (Park et al., 1996). Cho et al. (2001) demonstraram que a siringina, um glicosideo fenólico isolado de uma variedade de plantas medicinais tais como Magnolia sieboldii e Tinospora cordifolia, não atenuou a produção de óxido nítrico e viabilidade celular em altas concentrações.



O NO pode ser um oxidante ou um redutor, dependendo das condições em que encontra-se, da mesma forma em que pode modular reações inflamatórias e antiinflamatórias dependendo do tipo celular e do estimulo o qual é submetido (Adams, 1996) (Cerqueira; Yoshida, 2002). Algumas plantas que apresentam atividade antiinflamatória têm sido reconhecidas pela sua capacidade de inibir produção de NO (Choi; Hwang, 2005) como também pela sua capacidade de estimular a produção de NO (Heo et al., 2004). Estudos recentes mostraram que a fração rica em alcalóides das cascas de Himatanthus lancifolius, dos quais a uleína é o principal constituinte, é capaz de efetuar mudanças na resposta vascular e não vascular da musculatura lisa de aorta de ratos desprovidos de endotélio produzindo relaxamento, e esse evento pode envolver o bloqueio da entrada de cálcio, alterações na mobilização de cálcio intracelular e também distúrbios na habilidade das células de usar o cálcio para eventos contráteis (Rattmann et al., 2005). Mollace et al. (1991) citam que o NO podem ser produzido diretamente pelas células musculares lisas, podendo regular as atividades dessas células por um mecanismo dependente da GMPc. O aumento do NO observado nesse trabalho, pode ser devido a uma ação estimulante direta nas vias de produção de NO nas células RAEC (células endoteliais de aorta de coelho) e B16F10 (células melanoma de camundongos), e não por uma ação sequestrante do radical livre, confirmado pelos resultados dos ensaios de atividade antioxidante, o qual demonstram a baixa atividade da uleína nos dois métodos utilizados (redução do DPPH e redução do ácido fosfomolibdênico), não sendo a produção de NO, nesse caso, necessariamente dependente da presença do endotélio. Palmer et al. (1988) e Wu e Morris (1998) descreveram que várias outras células podem utilizar a L-arginina para sintetizar NO, não somente células endoteliais, comprovadas pelas células tumorais B16F10 aqui estudadas, com produção de óxido nítrico superior ao apresentado pelas células endoteliais na concentração de 1 µg/mL. Choi e Hwang (2005) demonstraram que o NO representa uma via principal tal como agente neurotransmissor, vasodilatador e regulador imune em uma variedade de tecidos em concentrações fisiológicas. Segundo Salvemini et al. (1996) o NO é um potente vasodilatador e seu envolvimento na resposta inflamatória pode ter relação com sua habilidade em aumentar a permeabilidade vascular e o edema através de mudanças no fluxo sanguíneo local e do aumento na produção de prostaglandinas proinflamatórias.

O aumento da produção de NO pela uleína pode justificar o uso popular da droga agoniada como emenagoga e em distúrbios pós-menopausa devido a atividade relaxante da musculatura lisa pelos alcalóides de H. lancifolius. Diversos alcalóides indólicos são conhecidos pelas suas atividades vasodilatadoras (Ozaki, 1990; Yuzurihara et al., 2002) sugerindo que a uleína possa também estar fazendo parte dos compostos que apresentam essa atividade. Corrêa et al. (1998) citam que o uso contínuo da agoniada podem interferir no processo de coagulação, o que nos leva a sugerir uma provável ação do NO no interior das plaquetas, pois de modo análogo ao discutido para as células musculares lisas endoteliais, o NO promove um aumento de GMPc e consequentemente diminuição de cálcio livre. Como o cálcio livre é essencial para o processo de ativação plaquetária, esse processo será inibido (Wolin, 2000).

Embora o NO seja objeto de muitas pesquisas e de um grande número de publicações, ainda existem muitas questões controversas e numerosas dúvidas que precisam ser esclarecidas, o que também acontece com esse trabalho, como por exemplo, qual a principal enzima que participa da via de produção de NO que são estimuladas pela uleína.

AGRADECIMENTOS

Os autores são gratos ao CNPq pelo suporte financeiro (concessão # 472018/2004-3), Departamento de Bioquímica (UFPR) pela obtenção dos espectros de 1H-NMR e 13C-NMR e a Dra. Helena Nader (UNIFESP) pela doação de células RAEC.

Recebido em 14/09/06. Aceito em 20/03/07

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Jul 2007
    • Data do Fascículo
      Jun 2007

    Histórico

    • Aceito
      20 Mar 2007
    • Recebido
      14 Set 2006
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