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Contribuições da Sociologia Econômica à teoria das organizações

Resumos

Este artigo tem como objetivo demonstrar, de forma sintética, a contribuição que a Sociologia Econômica vem dando à teoria das organizações. Para tanto, o autor trata de cinco temas abordados pela Sociologia Econômica que têm forte relação com demandas e lacunas da teoria das organizações: a análise institucional dos mercados, a competição empresarial, os grupos econômicos, o empreendedorismo, a economia solidária. Em cada tema, são identificados os principais estudos e as possibilidades de enriquecimento que a aproximação com Sociologia Econômica pode trazer à teoria das organizações.

Sociologia Econômica; teoria das organizações


This article aims to demonstrate, in summary, the contribution of the Economic Sociology to the organizational theory. Therefore, the author presents five themes approached by the Economic Sociology that have connections with demands and lacunas of the organizational theory: institutional analysis of the markets, competition, business groups, entrepreneurship, solidary economy. In each theme, the author indicates the main studies and the improvement possibilities that the approach with Economic Sociology can bring to the organizational theory.

Economic Sociology; organizational theory


Cet article vise à démontrer, de façon synthétique, la contribution de la Sociologie Économique à la théorie des organisations. L'auteur présente donc cinq thèmes approchés par la Sociologie Économique qui ont de forts rapports avec des demandes et lacunes de la théorie des organisations : l'analyse institutionnelle des marchés, la compétition, les groupes économiques, l'entrepreneurship, l'économie solidaire. Dans chaque thème, l'auteur indique les études principales et les possibilités d'amélioration que le rapprochement avec la Sociologie Économique peut apporter à la théorie des organisations.

Sociologie Économique; théorie des organizations


ARTIGOS

Contribuições da Sociologia Econômica à teoria das organizações

Maurício Serva

Doutor em Administração (EAESP/FGV), professor da UFPR, presidente no Brasil do CIRIEC - Centre International de Recherche et d'Information sur l'Économie Publique, Sociale et Coopérative, coordenador do Grupo de Pesquisa em Gestão e Desenvolvimento Social (UFPR). E-mail: mserva@terra.com.br

RESUMO

Este artigo tem como objetivo demonstrar, de forma sintética, a contribuição que a Sociologia Econômica vem dando à teoria das organizações. Para tanto, o autor trata de cinco temas abordados pela Sociologia Econômica que têm forte relação com demandas e lacunas da teoria das organizações: a análise institucional dos mercados, a competição empresarial, os grupos econômicos, o empreendedorismo, a economia solidária. Em cada tema, são identificados os principais estudos e as possibilidades de enriquecimento que a aproximação com Sociologia Econômica pode trazer à teoria das organizações.

Palavras-chave: Sociologia Econômica, teoria das organizações.

ABSTRACT

This article aims to demonstrate, in summary, the contribution of the Economic Sociology to the organizational theory. Therefore, the author presents five themes approached by the Economic Sociology that have connections with demands and lacunas of the organizational theory: institutional analysis of the markets, competition, business groups, entrepreneurship, solidary economy. In each theme, the author indicates the main studies and the improvement possibilities that the approach with Economic Sociology can bring to the organizational theory.

Key-words: Economic Sociology, organizational theory.

RÉSUMÉ

Cet article vise à démontrer, de façon synthétique, la contribution de la Sociologie Économique à la théorie des organisations. L'auteur présente donc cinq thèmes approchés par la Sociologie Économique qui ont de forts rapports avec des demandes et lacunes de la théorie des organisations : l'analyse institutionnelle des marchés, la compétition, les groupes économiques, l'entrepreneurship, l'économie solidaire. Dans chaque thème, l'auteur indique les études principales et les possibilités d'amélioration que le rapprochement avec la Sociologie Économique peut apporter à la théorie des organisations.

Mots-clés: Sociologie Économique, théorie des organizations.

Introdução

A intensificação dos estudos pertencentes ao campo da Sociologia Econômica enseja uma grande expectativa nas Ciências Sociais. Numa época em que tanto se fala e pouco se pratica a interdisciplinaridade, a Sociologia Econômica vem dando o exemplo do que um real esforço interdisciplinar pode proporcionar para o desenvolvimento do conhecimento científico.

A complexidade crescente da sociedade contemporânea parece demandar dos cientistas sociais uma nova postura para a sua compreensão. Ao reunir cientistas de diversos campos disciplinares em torno de suas propostas e temas, a Sociologia Econômica dá provas de maturidade na produção do conhecimento: primeiramente, pela autocrítica de cada pesquisador ao reconhecer as limitações inerentes ao seu próprio campo e, em seguida, pela criação de quadros de análise ao mesmo tempo amplos e rigorosos. Essas características têm permitido o diálogo mais profícuo entre pesquisadores oriundos da Sociologia, da Economia, da Antropologia, da Geografia, da Ciência Política, da Administração, dentre outros campos, promovendo a coexistência enriquecedora dos produtores do conhecimento, o debate racional sobre os temas comuns e a conseqüente contribuição mútua para o aperfeiçoamento de suas disciplinas de origem.

No espectro dessas constatações é que objetivamos neste estudo demonstrar, de forma sintética, um tipo específico de contribuição que a Sociologia Econômica vem dando a um campo disciplinar: a teoria das organizações, mais conhecido como Administração. Para tanto, focalizaremos separadamente, dentre as diversas contribuições em curso, cinco temas abordados pela Sociologia Econômica que guardam estreita relação com demandas e lacunas da teoria das organizações, a saber: a análise institucional dos mercados, a competição empresarial, os grupos econômicos, o empreendedorismo e a Economia Solidária.1 1 . Neste estudo trataremos sempre da Economia Solidária tomando como base o seu conceito original, ou seja, conforme estabelecido por Laville (1995). No Brasil, alguns autores operaram uma distorção no conceito original de Economia Solidária (ver Singer e Souza, 2000), substituindo-o por um outro, ao qual não faremos qualquer menção neste estudo.

Mercados como instituições

Primeiramente, gostaríamos de abordar a contribuição que decorre da consideração e análise dos mercados como instituições. A inscrição social do mercado, uma das temáticas mais trabalhadas pela Sociologia Econômica, abre novos e amplos horizontes para várias correntes da teoria das organizações, como também para algumas áreas aplicadas da Administração.

Empreendendo um balanço histórico dos estudos realizados sobre o mercado ao longo do tempo, Swedberg (1994) reconhece que tanto a Economia - com as obras de Smith, de Marx e de outros autores - como a Sociologia, representada principalmente pela obra de Weber, produziram sólidos fundamentos para a análise social do mercado. Todavia, segundo Swedberg, foi preciso esperar até os anos 50 para que a idéia de uma Sociologia do Mercado fosse, de fato, concretizada: tal passo foi dado por autores como Talcott Parsons, Neil Smelser e Karl Polanyi. Parsons e Smelser (1956) esforçaram-se para demonstrar como a Economia e a Sociologia poderiam ser integradas e, também, para estabelecer os pontos de partida para um desenvolvimento sistemático de uma Sociologia do Mercado. Polanyi (1957) empreende uma análise histórica da concretização do princípio econômico que funda a economia do mercado.

Malgrado os esforços realizados por aqueles autores em meados do século passado, Swedberg constata que somente a partir dos anos 70 nota-se uma intensificação dos estudos sobre o mercado especificamente na Sociologia, embora a obra de Polanyi tenha animado um grande debate na Antropologia e na História quando de sua publicação. No último quarto de século, diversos trabalhos foram realizados na Sociologia tendo como objeto o mercado, confirmando o interesse de sociólogos por esse tema. Várias abordagens se sucederam, enfocando uma gama de aspectos tais como: a análise da importância das relações sociais no mercado de trabalho (Granovetter, 1974), a abordagem da estrutura social do mercado (White, 1981; Baker, 1984), a abordagem histórico-comparativa (Hamilton e Biggart, 1988; Lie, 1992), a abordagem das normas sociais (Burns e Flam, 1987), dentre outras. Vale lembrar que é nesse período que a corrente chamada Nova Economia Institucional adquire grande visibilidade, ensejando a aproximação definitiva entre a Economia e a Sociologia. O próprio Swedberg (1994) propõe uma integração entre as duas disciplinas, inspirando-se em Weber e na Nova Economia Institucional para elaborar tipos ideais de estruturas de mercado no capitalismo moderno, visando ampliar a compreensão sobre a sua complexidade.

Assim, a inscrição social do mercado continua a ser um dos principais temas de interesse da Sociologia Econômica. O tema em questão desdobra-se em duas vertentes mais pesquisadas: o estudo das transações comerciais, do ponto de vista institucional, e a regulação social da competição entre agentes econômicos. Para Swedberg,

a tarefa primordial é desenvolver modelos analíticos interessantes, que possam ser utilizados na pesquisa empírica. (...) o problema da compreensão dos mercados como estruturas sociais distintas ainda não está solucionado e, sem dúvida, continuará a ser um dos mais urgentes itens nas agendas da teoria econômica e da Sociologia Econômica. (Swedberg, 1994, p. 273, trad. livre).

Uma tal perspectiva de análise amplia significativamente o alcance da compreensão possível do ambiente no qual as empresas operam. Desde o seu início, a teoria das organizações carece de uma sustentação teórica mais sólida para a abordagem social do mercado. Não obstante a Sociologia das Organizações ter sido constituída desde os anos 50, o seu foco de análise foi direcionado para os fenômenos internos, tais como: conflitos grupais, estruturas departamentais, objetivos, disfunções da burocracia, papéis dos atores organizacionais ou, então, para determinadas relações interorganizacionais, tais como empresa-sindicato e empresa-governo. O mercado, enquanto instituição distinta, carece, até então, de um aparato analítico que proporcione estabelecer uma conexão entre os modelos de análise organizacional e o ambiente institucional. Ao passar da dimensão organizacional para a dimensão ambiental, o pesquisador na teoria das organizações freqüentemente recorre aos modelos fornecidos pela corrente do planejamento estratégico (Ansoff, 1979; Porter, 1980) para trabalhar as macrovariáveis ambientais. Tais modelos, elaborados numa perspectiva sistêmica e fortemente influenciados pela microeconomia, desembocam numa visão estritamente técnica e normativa da ação empresarial em seus ambientes competitivos. Não há uma correspondência epistemológica adequada entre abordagens teóricas enfocando a análise social das organizações empresariais e a análise social do mercado. Eis aqui uma grave lacuna da teoria das organizações, para a qual o intercâmbio com a Sociologia Econômica enseja oferecer uma via de preenchimento.

Competição empresarial

A consideração do mercado como instituição conduz a Sociologia Econômica ao estudo da competição entre empresas. Tal tema de estudo tem ganho uma importância crescente no quadro atual da intensificação da internacionalização dos mercados ou ainda da globalização - como preferem denominá-la alguns autores. Fala-se muito, atualmente, em "competição global", "competição acirrada", "competitividade", dentre outras expressões para representar seja a situação concorrencial que caracteriza o ambiente das empresas contemporâneas, seja a condição que estas últimas necessitam atingir para continuar existindo nesse ambiente.

Os instrumentos teóricos disponíveis na teoria administrativa não dão conta da influência das variáveis de natureza social na competição empresarial. No campo da administração, a competição é uma realidade a enfrentar e a superar através da sagacidade dos administradores, expressada pela sua capacidade de perceber as mudanças ambientais e de agir rápida e estrategicamente. O problema é que os instrumentos utilizados para a percepção dessas mudanças têm como pressupostos fundamentais os aspectos técnicos e econômicos concernentes à competição, tais como: dimensão tecnológica, soluções de logística, índices econômicos, disponibilidade de capital, economias de escala, sistema de preços, quantidade de competidores, dentre outros, com exceção feita a poucos aspectos de natureza subjetiva, como, por exemplo, a preferência dos consumidores. Entretanto, a flutuação da preferência dos consumidores e suas variáveis simbólicas correlatas representam apenas uma espécie de ponta do iceberg em face dos demais fatores sociais envolvendo a competição.

Neste sentido, Etzioni (1988) chega a afirmar que a competição empresarial é um processo "socialmente encapsulado". Para o autor, a competição é uma forma de conflito organizado e enquadrado socialmente, o que permite a sua limitação e também a sua sustentação. Ele aponta três mecanismos de sustentação da competição: fatores normativos (confiança, custos de transação), limites sociais estabelecendo um meio termo entre os sistemas impessoais/calculistas e a densidade comunal, e, por último, a regulação exercida pelo Estado. Nessa interpretação, o Estado é necessário para a manutenção da "cápsula", sendo em última instância o árbitro dos conflitos. Etzioni acredita que quão mais fortes forem os fatores normativos e os limites sociais, menor será a necessidade de regulação exercida pelo governo, tal é a dinâmica de interação entre os três mecanismos. A "cápsula da competição" estaria fortemente sujeita ao jogo de poder presente na sociedade, portanto as relações de poder constituem um aspecto essencial para Etzioni na análise da competição.

Semelhante posição é adotada por Abofalia e Biggart (1991). Esses autores propõem uma conceptualização da competição sobretudo como uma forma de espaço coletivo institucionalmente encastrado e socialmente mantido. Três aspectos constituem sua perspectiva analítica: a competição como uma forma de ação social orientada pela interação com os outros atores, o surgimento de padrões e normas decorrentes da ação competitiva em mercados relativamente estáveis e o estabelecimento de suportes para regulação e sustentação da competição. Baseados nessa tríade, Abofalia e Biggart (1991) empreendem uma análise da competição em segmentos de mercados bastante diferentes entre si: a Bolsa de Mercadorias de Chicago, o segmento das vendas a domicílio onde operam empresas como Tupperware e Herbalife, e o mercado composto pelos grupos empresariais japoneses em seu país de origem. Dessa forma, seu estudo acrescenta a vantagem da investigação empírica, produzindo conclusões como a que se segue:

estruturas de mercado, tal como todas as formas de ordem social, são fundamentalmente estruturas de dominação. Elas prevêem incluídos e excluídos, membros mais e menos poderosos. Eles têm ideologias de participação e de exclusão, e significações institucionalizadas para sustentar a ação em conformidade com as normas. Normas particulares emergem em mercados particulares devido a escolhas e ações de atores histórica e culturalmente encastrados, e o poder de alguns autores que impõem sua vontade sobre outros não pode ser ignorado nesse processo. (Abofalia e Biggart, 1991, p. 229).

Ao delinear outras dimensões da competição empresarial que não somente a tecnológica e a econômica, a Sociologia Econômica acrescenta um importante elemento para a percepção mais acurada do funcionamento do mercado, fornecendo uma contribuição indispensável à teoria das organizações.

Grupos empresariais

Ainda na esfera empresarial, chamamos a atenção para uma outra contribuição da Sociologia Econômica: o estudo dos grupos empresariais. Hoje vivemos num período histórico em que determinados grupos empresariais aumentaram consideravelmente o seu poder, provocando inclusive o enfraquecimento do Estado frente a questões econômicas. Uma boa parte dos produtos e serviços dos quais necessitamos na vida urbana cotidiana provêm dos grandes grupos empresariais, principalmente dos multinacionais.

Apesar dos grupos empresariais se constituirem num dos aspectos de grande interesse nas Escolas de Administração, a teoria das organizações conta com parcos estudos enfocando os grupos empresariais como objeto. Em geral, os trabalhos realizados sobre os grandes grupos empresariais abordam aspectos específicos da sua gestão, como a ação estratégica adotada e seus resultados num determinado período, as relações de trabalho em algumas unidades do grupo, a entrada em um novo mercado, mas dificilmente buscam esclarecer a origem e as formas de manutenção do grupo em si.

Granovetter (1994) dá um passo decisivo para a consideração dos grupos empresariais como objeto de estudo numa perspectiva de análise comparativa. Para tanto, o autor estabelece seis dimensões de variação desses grupos: as relações de propriedade, os princípios de solidariedade, a estrutura de autoridade, a dimensão moral, finanças, e relações com o Estado.

As relações de propriedade provocam variações essenciais de um grupo a outro conforme eles sejam controlados direta ou indiretamente por uma pessoa, uma família ou um conjunto de famílias correlacionadas. Há ainda que se considerar as formas específicas de estrutura societária que se configuram às vezes por meio de uma holding company, ou, ainda, por um tipo de federação entre empresas.

Dentre os princípios de solidariedade encontram-se: região, partido político, etnia, parentesco, religião. Em países como o Brasil, por exemplo, o mix de princípios das relações com grupos estrangeiros, relações especiais com o Estado e com as elites financeiras locais são determinantes para o crescimento e a manutenção dos grupos empresariais de grande porte. De forma geral, a multiplicidade de bases de solidariedade deve ser identificada para alcançar uma melhor compreensão do fenômeno.

A estrutura de autoridade pode ter uma direção dominantemente vertical ou horizontal, dando os contornos da concentração ou da distribuição do poder no seio do grupo. A configuração dessa estrutura guarda uma relação estreita com a origem e a história do grupo, por exemplo, ela tende a ser muito diferente no caso da sua origem ter sido uma empresa apenas ou uma coalizão de empresas.

O exame da existência e força dos valores morais e sua compatibilidade ou não com os principais valores presentes na cultura da região de origem do grupo pode ajudar a explicar muitas vezes o crescimento, o desaparecimento ou simplesmente o modo de funcionamento de alguns grupos empresariais.

As formas de mobilização de capital e as relações com o Estado correspondem mais proximamente com a ação ambiental dos grupos empresariais. Em particular, a dinâmica das interações dos grupos com os bancos é um dos aspectos cruciais para a sua manutenção, representando também um fator de variabilidade intergrupos digno de destaque.

As relações com Estado, por sua vez, são tão complexas e diferenciadas que merecem uma abordagem especial para a sua apreensão. A aproximação entre os grupos empresariais e o Estado pode assumir várias formas. O conteúdo das políticas públicas de desenvolvimento pode ser essencial para a estrutura organizacional e as ações de determinados grupos num período de tempo. Atores partindo de instâncias do Estado acabam por ocupar postos de comando em grupos empresariais e vice-versa, caracterizando o fenômeno da tecnoburocracia. Não é novo lembrar que diversos grupos empresariais estiveram na base de golpes de Estado em várias partes do mundo durante o século passado; a transposição do poder econômico em poder político é um fenômeno sempre necessário de ser estudado, tendo em vista a interferência de alguns grupos empresariais no destino de uma comunidade.

Granovetter ressalta que as seis dimensões de variação acima listadas devem ser alvo de uma elaboração teórica levando em conta o contexto histórico institucional e desprezando correlações empíricas fixas entre elas.

O foco centrado nos grupos empresariais como objeto de análise é uma contribuição de peso da Sociologia Econômica para a teoria das organizações. Enquanto a teoria administrativa tem abordado aspectos específicos, ensejando uma frágil e esparsa compreensão de como funcionam esses grupos, a análise global destes evidentemente promoveria uma visão não-fragmentada da realidade organizacional. Adotando essa opção, a teoria das organizações se concentraria prioritariamente no exame do grupo empresarial em si como um ator coletivo, buscando identificar as diversas variáveis - e suas relações - que caracterizam suas dimensões socioeconômicas. Após ter investido no delineamento do objeto, o passo seguinte seria o exame de aspectos específicos, incluindo aí aqueles de cunho mais técnico, pois ligados à gestão. Operando dessa forma, a teoria das organizações poderia consolidar programas de pesquisa numa base mais substantiva, uma vez que tais programas estariam referenciados às condições reais de ação dos grupos empresariais, isto é, ancorados na análise dos processos sociais e políticos que permeiam suas atividades econômicas e administrativas.

Empreendedorismo

Nos últimos anos, o tema do empreendedorismo vem ganhando espaço crescente nas Escolas de Administração e na mídia em geral. O agravamento da crise econômica iniciada nos anos 70 teve como uma das conseqüências principais o desemprego, o qual, por sua vez, aprofunda a crise social em todos os países. A forte diminuição do ritmo de crescimento econômico muda radicalmente o regime dominante de acumulação do capital, desprezando durante quase trinta anos consecutivos o ideal do pleno emprego, outrora considerado como um dos pilares do desenvolvimento do sistema e do equilíbrio social.

Nesse contexto, observa-se a proliferação de incentivos a uma certa "capacidade de iniciativa" dos indivíduos, no sentido destes lançarem-se como empresários, criando negócios e deixando de lado a busca do emprego com as sonhadas boa remuneração e estabilidade. Ao passo que é alardeado o "fim dos empregos" (Rifkin, 1995), são implementados diversos programas governamentais de incentivo ao empreendedorismo, acompanhados de intensa cobertura de comunicação na mídia. Curiosamente, o empreendedorismo sempre foi um tema marginal nas Escolas de Administração, uma vez que a formação de administradores se dirigia para os setores das grandes empresas privadas e para o aparato burocrático do Estado. O perfil do administrador era o de um técnico especializado para gerir as grandes organizações desses setores. Todavia, a crise econômica, reduzindo drasticamente as oportunidades de trabalho em tais setores, acabou por fazer ressurgir o interesse pela atividade empreendedora, criando em universidades e associações de classe iniciativas do tipo "incubadoras de empresas", cursos específicos de empreendedorismo e apoio à organizações de fomento, como o SEBRAE, no caso do Brasil.

O impacto desses movimentos no ambiente acadêmico tem sido significativo: na Administração, o empreendedorismo passou a ser tema central de vários cursos de extensão, como também disciplina obrigatória em cursos de graduação, enquanto na Economia ganham novo interesse determinados estudos, como o de Schumpeter, que apontam as características do empreendedor como um ator social. Novamente, a teoria das organizações necessita dar uma resposta imediata às demandas originadas por mudanças sociais abruptas e, assim, ela se vê numa situação de carência de massa crítica.

Os estudos realizados por autores ligados à Sociologia Econômica têm revelado dimensões do empreendedorismo que contribuem para não somente delinear o ambiente institucional onde o empreendedor age, como também para deslindar aspectos constitutivos das relações sociais no seio das quais a ação empreendedora torna-se possível.

Stevenson e Jarillo (1991) revisam grande parte dos estudos realizados sobre empreendedorismo e constatam que estes falham, em geral, por confundir inteiramente o campo do empreendedorismo com o de pequenos negócios, ou, ainda, por não examinar os complexos dilemas que o empreendedor regularmente enfrenta. Os autores adotam como ponto de partida a visão do empreendedorismo como um processo, e propõem um quadro de análise com o objetivo de auxiliar o aperfeiçoamento das práticas de gestão no âmbito do empreendedorismo. As variáveis principais desse quadro de análise são a orientação estratégica, o comprometimento com a oportunidade, o controle de recursos, a estrutura de gestão e as políticas de recompensa. Nesta última variável, gostaríamos de ressaltar a inclusão de indicadores como: normas sociais, demandas de públicos externos à organização e soluções para questões relativas à eqüidade na distribuição das recompensas.

Para Martinelli (1994), o empreendedor é um ator social que exerce papéis fundamentais em instituições-chave da economia de mercado e que, por isso, ele acaba por ocupar posições importantes nas sociedade capitalista. O autor desenvolve um estudo sobre empreendedorismo discutindo criticamente as abordagens contemporâneas do fenômeno: origens sociais e traços psicológicos do empreendedor, contexto de surgimento do empreendedorismo, relações entre empreendedorismo e cultura, abordagem situacional (como agem os empreendedores). Martinelli conclui que essas abordagens concentram seus esforços na formação do empreendedor, deixando de lado alguns temas importantes, os quais devem guiar a pesquisa futura: sucessão em empresas familiares, papel do empreendedor em organizações sem fins lucrativos, análise de insucessos na atividade empreendedora.

Starr e MacMillan (1991) analisam as ações do empreendedor no meio institucional para a mobilização de recursos geralmente escassos. Os autores empreendem um estudo empírico com diversos casos que ilustram como "os empreendedores adquirem recursos para seus negócios utilizando estratégias socioeconômicas" (Starr e MacMillan, 1991, p. 169). As estratégias são divididas em quatro conjuntos: cooptação de recursos estratégicos (influência, amizade, favores), cooptação de "bens públicos" (legitimidade, acesso à mídia, endossos, informação, confiança), cooptação de bens subutilizados (empréstimos e obtenção definitiva de materiais, equipamentos, instalações). Os autores denominam esse processo como um todo de "construção de ativos sociais", demonstrando a dimensão social da ação econômica do empreendedor na busca dos recursos necessários ao seu negócio.

Mesmo pelo breve inventário acima, pode-se perceber a contribuição que a Sociologia Econômica vem dando à teoria das organizações ao tratar o tema do empreendedorismo. Mais importante, cremos, é a constatação do potencial dos estudos baseados na orientação da Sociologia Econômica para o enriquecimento da interpretação de quem é o empreendedor e de como ele atua, em face das condições sociais e econômicas que caracterizam seu contexto. A partir dessas contribuições, a teoria administrativa poderá melhor delinear formas de gestão adequadas à atividade empreendedora.

Economia Solidária

Uma das singularidades da Sociologia Econômica produzida em países de língua francesa é a abordagem das dimensões não-monetárias e não-mercantis da Economia contemporânea (Laville, 1997). Nessa abordagem, destacamos os trabalhos que têm como objeto as organizações produtivas que compõem a chamada Economia Solidária. Segundo Lévesque, Bourque e Forgues (1997), esses estudos têm sido produzidos no âmbito do Grupo de Trabalho de Sociologia Econômica da Associação Internacional de Sociólogos de Língua Francesa, da revista Économie et Solidarités, editada pela seção canadense do CIRIEC - Centre International de Recherche e d'Information sur l'Économie Publique, Sociale et Coopérative -, e da coleção Sociologie Économique, mantida pela editora francesa Desclée de Brouwer.

A abordagem da Economia Solidária baseia-se nos trabalhos de Karl Polanyi, enfatizando o princípio da reciprocidade ao examinar a ação de diversas organizações produtivas oriundas da sociedade civil. Podemos conceber os trabalhos desse campo sob duas vertentes principais: uma mais conceptual, discutindo o encastramento social da atividade econômica e a mobilização política da sociedade civil (Roustang et al., 1996) e a outra, mais empírica, mapeando as organizações produtivas existentes e analisando sua lógica de ação (Laville e Sainsaulieu, 1997).

Os trabalhos empíricos da Economia Solidária privilegiam a análise de organizações que prestam serviços "relacionais" ou de "proximidade", isto é, de educação, saúde, lazer, serviços sociais, os quais supõem uma interação direta entre um prestador e um beneficiário. Essas organizações brotam no seio da sociedade civil, exercendo atividades econômicas, embora sem fins lucrativos, pois gerem recursos diversificados e proporcionam empregos. Uma das especificidades de tais organizações é o seu caráter político, não se constituindo assim numa mera extensão do Estado:

(...) as estruturas da Economia Solidária podem ser apreendidas como instituições intermediárias dos dois campos que elas articulam, o campo político e o campo econômico. A instituição da Economia Solidária se inscreve no campo político, como criação de entidade coletiva num espaço público conflitual. (Laville, 1995, p. 168).

A dimensão política da ação das organizações da Economia Solidária é ressaltada com grande ênfase pelos autores dessa corrente. Essa dimensão constitui um projeto de mudança institucional, ao renovar as formas de representação política de atores que, oriundos da sociedade civil, organizam-se para defender seus interesses e solucionar problemas que os afetam. Assim procedendo, esses atores criam espaços públicos autônomos (Habermas, 1990), revigoram a cidadania e participam ativamente da interação democrática entre as esferas da sociedade civil, do mercado e do Estado (Serva, 1999). A complexidade que se instala numa organização da Economia Solidária é notável: além de exercer um papel político inovador, elas captam e utilizam recursos provenientes tanto do Estado (recursos públicos, financiamentos), do mercado (venda de produtos, parcerias com empresas privadas), como da sociedade civil (voluntariado, dons, etc.).

No seio da Economia Solidária, podemos encontrar uma grande variedade de associações comunitárias, sociedade civis, determinadas organizações não-governamentais, dentre outras. A expansão da quantidade dessas organizações é um fenômeno de significativa proporção e a sua gestão é um desafio, tendo em vista as necessidades de profissionalização dos seus membros e de construção de uma gestão apropriada à natureza das organizações. A teoria das organizações ainda não oferece estudos suficientes para empreender a análise das organizações da Economia Solidária, nem tampouco enfocar o tema da gestão. As tentativas de transferência de modelos de gestão de empresas privadas diretamente para a Economia Solidária é condenável, em razão das grandes diferenças entre esses tipos de organização. Os esforços de análise e também de elaboração de formas de gestão apropriadas estão apenas começando e os de maior qualidade nesse campo estão baseados na abordagem francesa da Economia Solidária (Andion, 1998, 2001). Tanto a vertente conceptual como a vertente empírica, citadas acima, fornecem o devido suporte teórico sobre o qual a teoria das organizações poderá realizar os estudos necessários para dar conta do desafio que a Economia Solidária coloca atualmente e no futuro.

Conclusão

O levantamento aqui realizado está muito longe de esgotar o inventário das contribuições da Sociologia Econômica à teoria das organizações. Nossa intenção foi apenas ilustrar a natureza dessas contribuições e assinalar a sua importância para o desenvolvimento da Administração.

Menos do que registrar a contribuição em questão, pensamos ser mais frutuoso proporcionar a percepção do potencial de colaboração da Sociologia Econômica para o enriquecimento da teoria das organizações. A consideração dos cinco temas acima tratados já nos deixa antever o avanço que a teoria e a prática da Administração podem experimentar a partir da aproximação mais intensa entre as duas disciplinas.

Fazer avançar a compreensão da realidade organizacional parece ser uma das vias para tornar as organizações produtivas espaços onde a democracia, os direitos humanos e os ideais ligados à emancipação humana tenham lugar. Hoje vivemos num tipo genérico de sociedade em que a densidade organizacional é a mais elevada da história. Dependemos como nunca das organizações para satisfazer a maior parte de nossas necessidades, elas se tornaram assim o palco privilegiado da cena social, onde nós, atores em busca da auto-realização, interagimos sem cessar, encenando peças das mais importantes de nossas vidas.

A Sociologia Econômica vem aperfeiçoando suas possibilidades de levantar questões e propor vias de diálogo para a compreensão mais ampla das questões que afetam a vida social. A prática da interdisciplinaridade é um recurso essencial para que essas possibilidades concretizem-se cada vez mais. Compreender é fundamental para agir com consciência. Na sociedade organizacional atual, muito há que ser feito para torná-la mais justa e apropriada à auto-realização dos seus membros. A contribuição dada ao conhecimento sobre a ação coletiva nas organizações produtivas adquire uma importância capital para que essa ação seja empreendida a favor do homem.

Notas

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    . Neste estudo trataremos sempre da Economia Solidária tomando como base o seu conceito original, ou seja, conforme estabelecido por Laville (1995). No Brasil, alguns autores operaram uma distorção no conceito original de Economia Solidária (ver Singer e Souza, 2000), substituindo-o por um outro, ao qual não faremos qualquer menção neste estudo.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      19 Set 2011
    • Data do Fascículo
      Jun 2002
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