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Ideologia, visões de mundo e práticas socioambientais no paisagismo

Resumos

O artigo apresenta o paisagismo como prática socioambiental que expressa valores culturais e subordina-se a condicionantes ecológicos. Essa combinação revela relações entre sociedade e natureza e reflete visões de mundo predominantes. Interpretações sobre a realidade existem desde o início da história humana. Conceitos de ordem, racionalidade e controle impregnam o mundo ocidental, enquanto se manifestam no processo de urbanização e no paisagismo. A discussão estabelece um pano de fundo para a explorar o papel das visões de mundo na busca da cidade ideal e no paisagismo. Argumenta que diferentes modelos de paisagismo valorizam dimensões diferenciadas da realidade. Recentemente, o paisagismo evoluiu ao adotar princípios da ecologia e a compreensão ambiental. Ainda em construção, o paisagismo ambiental expressa muito das contradições da sociedade atual.

ideologia; visões de mundo; paisagismo; paisagismo ambiental


This article introduces landscaping as a social and environmental practice. This practice expresses cultural values and ecological conditionings. This combination reveals forms of relationship between society and nature and reflects prevalent world views. Interpretations of reality exist along human history. Concepts of order, rationality and control pervade the western world, while present in the urban process and in landscaping. The discussion establishes a background to explore the role of worldviews both in the search for the ideal city and in landscaping. It argues that different landscaping models privilege different dimensions of reality. Recently, landscaping evolved by the adoption of ecological principles and a wide environmental understanding. Although a concept in building, environmental landscaping reveals contradictions of contemporary society.

ideology; world views; landscaping; environmental landscaping


L'article présente le paysagisme comme une pratique sociale et environmentale. Il exprime des valeurs culturelles et des déterminantes écologiques. Cette combination révele des différentes formes de rélations entre la societé et la nature et elle montre des visions de monde predominantes. Les interpretations sur la réalité existent depuis le debut de l'histoire humaine. Les concepts d'ordre, de racionalité et de contrôle ont impregné le monde occidental, et également se manifestent dans le processus d'urbanisation et dans celui du paysagisme. La discussion permet la constuction d'un cadre de référance du role des visions de monde dans la recherche de la ville idéale et dans le paysagisme. Elle montre que des différents modèles de paysagisme valorisent des différentes dimensions de la réalité. Actuellement, le paysagisme a dévelopé ses principes avec une compréhension écologique et environmentale. Même en proccessus de construction, le paysagisme environmental révele beaucoup des contradictions de la societé d'aujourd'hui.

idéologie; visions de monde; paysagisme; paysagisme environmental


ARTIGOS

Ideologia, visões de mundo e práticas socioambientais no paisagismo

Luiz Pedro de Melo CesarI; Lúcia Cony Faria CidadeII

IProfessor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de Brasília. A versão original deste artigo está incluída na tese de doutorado Visões de mundo e modelos de paisagismo: ecossistemas urbanos e utilização de espaços livres em Brasília.

IIProfessora do Departamento de Geografia e do Centro de Desenvolvimento Sustentável da Universidade de Brasília (CDS-UnB).

RESUMO

O artigo apresenta o paisagismo como prática socioambiental que expressa valores culturais e subordina-se a condicionantes ecológicos. Essa combinação revela relações entre sociedade e natureza e reflete visões de mundo predominantes. Interpretações sobre a realidade existem desde o início da história humana. Conceitos de ordem, racionalidade e controle impregnam o mundo ocidental, enquanto se manifestam no processo de urbanização e no paisagismo. A discussão estabelece um pano de fundo para a explorar o papel das visões de mundo na busca da cidade ideal e no paisagismo. Argumenta que diferentes modelos de paisagismo valorizam dimensões diferenciadas da realidade. Recentemente, o paisagismo evoluiu ao adotar princípios da ecologia e a compreensão ambiental. Ainda em construção, o paisagismo ambiental expressa muito das contradições da sociedade atual.

Palavras-chave: ideologia, visões de mundo, paisagismo, paisagismo ambiental.

ABSTRACT

This article introduces landscaping as a social and environmental practice. This practice expresses cultural values and ecological conditionings. This combination reveals forms of relationship between society and nature and reflects prevalent world views. Interpretations of reality exist along human history. Concepts of order, rationality and control pervade the western world, while present in the urban process and in landscaping. The discussion establishes a background to explore the role of worldviews both in the search for the ideal city and in landscaping. It argues that different landscaping models privilege different dimensions of reality. Recently, landscaping evolved by the adoption of ecological principles and a wide environmental understanding. Although a concept in building, environmental landscaping reveals contradictions of contemporary society.

Key-words: ideology, world views, landscaping, environmental landscaping.

RÉSUMÉ

L'article présente le paysagisme comme une pratique sociale et environmentale. Il exprime des valeurs culturelles et des déterminantes écologiques. Cette combination révele des différentes formes de rélations entre la societé et la nature et elle montre des visions de monde predominantes. Les interpretations sur la réalité existent depuis le debut de l'histoire humaine. Les concepts d'ordre, de racionalité et de contrôle ont impregné le monde occidental, et également se manifestent dans le processus d'urbanisation et dans celui du paysagisme. La discussion permet la constuction d'un cadre de référance du role des visions de monde dans la recherche de la ville idéale et dans le paysagisme. Elle montre que des différents modèles de paysagisme valorisent des différentes dimensions de la réalité. Actuellement, le paysagisme a dévelopé ses principes avec une compréhension écologique et environmentale. Même en proccessus de construction, le paysagisme environmental révele beaucoup des contradictions de la societé d'aujourd'hui.

Mots-clés: idéologie, visions de monde, paysagisme, paysagisme environmental.

O paisagismo, como prática socioambiental, reveste-se de caráter cultural e histórico. Enquanto linguagem, expressa símbolos e valores da sociedade. Na medida em que adota elementos naturais como matéria-prima, o paisagismo submete-se também a ditames ecológicos. A combinação dessas características faz com que diferentes formas de interpretação, apropriação e recriação da paisagem expressem, em variados graus, relações entre sociedade e natureza. As formas da sociedade se relacionar com a natureza, por sua vez, além de depender do sistema produtivo e do aparato tecnológico disponível, tendem a refletir visões de mundo prevalecentes. Quando se incluem aspectos de dominação, as relações sociedade-natureza adquirem cunho ideológico.

O tema ideologia tem sido objeto de debates entre diferentes correntes teóricas e mesmo entre diferentes linhas de uma mesma corrente, como é o caso dos marxistas. Em revisão do tema, John B. Thompson além de sumarizar os principais debates, destaca as relações entre ideologia e cultura na sociedade moderna. Reconhece a disseminação generalizada de valores do capitalismo avançado pela comunicação de massa. Assim, considera a ideologia "em termos das maneiras como o sentido, mobilizado pelas formas simbólicas, serve para estabelecer e sustentar relações de dominação" (Thompson, 1995, p. 79).

De diferentes formas, a ideologia tende a condicionar um conjunto de características culturais partilhadas por segmentos da sociedade, as visões de mundo. Embora o termo visões de mundo seja comumente utilizado sem conceituação explícita, pode-se tomar, como referência geral, o que Kuhn denominou de sentido sociológico do conceito de paradigma, embora sem as aplicações ao mundo da ciência, privilegiadas pelo autor (Kuhn, 1970, p. 175). Dessa forma, pode-se considerar visões de mundo como um conjunto de crenças e valores partilhados por determinados grupos sociais.

As visões de mundo tendem a articular-se com visões de natureza e com práticas socioambientais. Em estudos que buscam compreender essas relações, Lúcia Cony Cidade argumenta que a ideologia, sob a forma de visões de mundo, tem sido considerada um condicionante de diferentes visões da natureza e de linhas de interpretação do espaço (Cidade, 2001a; Cidade, 2001b). Relações semelhantes também se aplicam aos modelos e à prática histórica do paisagismo (César, 2003).

Pode-se considerar que, ao longo do tempo, a própria produção social do espaço, além de expressar processos econômicos dominantes, tende a refletir práticas e valores da esfera ideológica. A discussão leva a algumas questões: qual o papel das construções culturais na produção do espaço de assentamento? Em que medida a esfera ideológica atua no paisagismo em suas diferentes formas? Qual o papel do paisagismo na construção de um modelo de cidade sustentável? A discussão que segue procura identificar relações entre processos materiais e processos ideológicos no contexto de práticas socioambientais. A partir daí, estabelece um pano de fundo para explorar o papel das visões de mundo na busca da cidade ideal e no paisagismo. Argumenta que diferentes modelos de paisagismo valorizam dimensões diferenciadas da realidade.

Caos, cosmos, natureza e a busca da cidade ideal

As tendências a leituras particulares da realidade podem ser observadas desde o início da história humana. Desde as origens dos agrupamentos, explicações transcendentais, são utilizadas na elaboração de mitos da criação do mundo. Nos mitos de origem é recorrente a idéia de uma lógica cósmica para justificar e dar parâmetros para a existência. Diferentes composições de crenças, signos e imagens constituiriam visões de mundo individuais e coletivas.

Com base no pressuposto de que as visões de mundo condicionam o modus vivendi humano, Mircea Eliade acredita na existência de sentimentos atávicos, que tentam resgatar explicações da criação do mundo (Eliade, 1992, p. 39). Nesse processo, o autor identifica uma relação bilateral entre o homem e a natureza, que consiste na negação de uma ordem caótica em contraposição a um ideal de ordem absoluta. Nesta evolução, o mundo natural corresponderia ao caos.

Na busca de entender e explicar a realidade, Gordon Childe avalia que a evolução cultural da sociedade é baseada em valores éticos e estéticos, cujas explicações estão na esfera divina, que sustentaria uma ordem sobrenatural (Childe, 1978, p. 63-67). Essa construção corresponde à explicação do cosmos como sujeito a leis que obedecem a uma ordem universal. Tais explicações estavam particularmente presentes nas etapas de organização do espaço dos grupos primitivos. Posteriormente, a ordem universal apareceria também como referência na criação das cidades, no desenvolvimento de atividades produtivas e nas relações entre populações de diferentes regiões.

Na questão urbanística em particular, é possível traçar um desenvolvimento de visões de mundo dentro de parâmetros cosmológicos. Nesse contexto, o conjunto de valores da sociedade direcionava a forma da cidade. Essa expressava uma razão mítica que consistia em sacralizar o mundo por meio da tentativa de organizá-lo (Eliade 1992, p. 135). Não é por acaso que isto ocorre: a questão da ordem se confunde freqüentemente com a questão do ideal e esse era o alvo maior das inquietações humanas.

A busca do ideal e da razão na constituição das cidades remonta à Antigüidade. Filósofos como Platão já mostravam suas insatisfações a respeito das cidades, que cresciam de maneira espontânea. Na busca de um mundo ideal, os pensadores dedicavam-se também à procura de modelos de cidades. Essas seriam erguidas sobre o mito do ideal, pela defesa do intelecto e pelo exercício da razão. No mesmo sentido, Michel Ragon (1968), ao estudar o urbanismo e o discurso da ordem, concluiu que construímos nossas cidades em "oferenda à deusa Razão".

Os conceitos de ordem, racionalidade e controle impregnaram a cultura ocidental. Essas referências têm servido de base para atividades ligadas ao processo de urbanização e também para o urbanismo, como disciplina interventora do espaço. Assim, pode-se considerar o urbanismo, em essência, como instrumento da ordem que busca a cidade ideal. A busca de explicações sobre a realidade, com atenção ao papel do ideal e do material, apresenta-se de forma diferenciada na filosofia.

Visões de mundo, idealismo e materialismo

Duas correntes filosóficas estruturam maneiras diferentes de explicar e analisar a realidade: o idealismo e o materialismo. Em termos sintéticos, a compreensão idealista considera que as idéias preponderam como fatores de conformação de fenômenos sociais. Esta visão se baseia na filosofia clássica grega que utiliza conceitos de Demócrito, Sócrates, Platão e Aristóteles. A visão estética das proposições do idealismo, referência para o urbanismo e para o paisagismo, foi resgatada e desenvolvida por Baumgarten, em obra intitulada Aesthetica, publicada originalmente em 1750 (Baumgarten, 1953). Segundo Frank Svensson, o tema da estética clássica foi abordado pela escola filosófica alemã, com Berkeley (1685-1753), e posteriormente com Kant (1724-1804) e March (1838-1916). Para o autor, "as teorias a isso ligadas relacionaram o objeto real aos interesses do sujeito que o considera, dando preferência cognitiva à experiência subjetiva do objeto considerado" (Svensson, 1995, p. 10).

A compreensão materialista considera que as relações materiais são determinantes da dinâmica social e da sua apreensão. Essa corrente suscitou a questão da "realidade" e consolidou-se na dialética materialista de Marx e Engels. Segundo Gunnarson, a atividade científica desses autores "consistiu em desmascarar o ilusionismo ideológico e chegar à essência, ao real, enfim, às verdadeiras leis da evolução da sociedade" (Gunnarson, 1991, p. 13). A estética, em uma visão materialista, "oferece uma relação sistemática entre os ideais artísticos e a realidade exterior, sob forma de coisas, homens e atos" (Svensson, 1995, p. 10). Tais visões são em si complexas e profundas e tentam explicar a realidade humana sob perspectivas opostas.

No entanto, podemos pressupor que, embora os processos materiais estejam na base das grandes definições da estrutura e da dinâmica da sociedade, a esfera ideológica representa um vetor importante na reprodução dessas relações. Em análise histórica, Luiz Pedro de Melo Cesar mostra o papel do contexto material e também o das visões de mundo na definição de modelos de paisagismo em diferentes países (Cesar, 2003). Assim, os modelos de urbanismo e de paisagismo revelam-se como resultante de um dado contexto social, político e econômico. No entanto, como práticas socioambientais, o paisagismo e o urbanismo expressam também visões de mundo os valores sociais e culturais vigentes.

Vertentes do paisagismo contemporâneo

O crescimento da indústria e os ciclos de acumulação de capital, que caracterizaram os países centrais após as primeiras décadas do século XX, realimentaram a crença moderna no progresso. A continuada criação de riquezas e as demandas sociais urbanas refletiram-se na busca de qualificação dos espaços das cidades naqueles países. Esse contexto propiciou uma evolução do paisagismo, em sintonia com as visões de mundo emergentes. Entre os resultados dessa mudança está uma nítida preocupação com a oferta de qualidade espacial. A transição está clara nas vertentes do paisagismo predominantes até a década de setenta. Ao lado de tendências ao resgate de signos e valores ligados aos grandes jardins do passado e à nostalgia da vida bucólica, coexistem claros movimentos no sentido de valorizar o novo, o progresso e o conforto propiciado pelas conquistas da tecnologia.

A partir da década de setenta, diante do agravamento da crise do modelo de acumulação intensiva e da emergência da questão ambiental, surgiram novas vertentes no paisagismo. Assim, o desenvolvimento do paisagismo, como campo disciplinar e como profissão, expressa mudanças no cenário social e político internacional. Seus desdobramentos teóricos e práticos revelam, embora dentro da matriz ideológica da acumulação capitalista contemporânea, visões de mundo distintas. A primeira dessas vertentes é o paisagismo com ênfase na arquitetura da paisagem; a segunda é o paisagismo com ênfase na percepção; a terceira é o paisagismo ambiental.

Paisagismo com ênfase na arquitetura da paisagem

O paisagismo de ênfase na arquitetura da paisagem baseia-se em visões de mundo que valorizam a organização do espaço. Embora a vegetação constitua elemento fundamental de composição, essa linha tende a ver todos os espaços como arquitetura, adotando várias escalas de intervenção, desde a rural até a urbana. Distancia-se da tradicional visão do paisagismo como jardinagem ou como campo complementar do desenho urbano. Essa vertente apresenta o paisagismo como campo disciplinar, que trabalha com elementos construídos e com elementos vegetais. Busca dotar o espaço do jardim de arquétipos típicos da arquitetura, tais como paredes, pisos e tetos que, no entanto, podem ser configurados pela própria vegetação.

O paisagismo de ênfase na arquitetura da paisagem privilegia a questão espacial, por meio da busca do belo e da estética ligada à arquitetura. Adota elementos simbólicos que exprimem aspectos tradicionais. Utiliza parâmetros de composição como a simetria, o ritmo, a harmonia e o equilíbrio, que salientam a "representação do objeto". Esta prática suscita valores ligados principalmente à estética dos espaços. Por outro lado, também salienta a questão da funcionalidade, que trabalha com aspectos mais pragmáticos.

Muito do desenvolvimento do paisagismo se deve à influência da arquitetura da paisagem, cujos representantes históricos aparecem após o século XVIII. Apesar das influências, como a arquitetura, a agronomia, a botânica e as artes plásticas, esse quadro configurou uma área própria do paisagismo, que se tornou independente. O maior desenvolvimento do paisagismo como campo disciplinar ocorreu na Inglaterra e, posteriormente, nos Estados Unidos.

A arquitetura da paisagem serviu também de base para o desenvolvimento de muitos dos conceitos e da teoria existentes no paisagismo. Entre os autores que contribuíram para a configuração do paisagismo contemporâneo, podemos salientar Hubbard e Kimball (1917), que definiram um conceito inicial de paisagismo como: "Primeiramente uma bela arte, cuja mais importante função era criar e preservar beleza (...) promovendo conforto, conveniência e saúde para as populações urbanas (...)". Outros autores dessa linha são Eckbo (1950, 1964), Benoist-Méchin (1976), Cadena (1982), Lyall (1991), Laurie (1993), e Beveridge e Rocheleau (1995).

Ao procurar ir além da busca da estética natural, o paisagismo com ênfase na arquitetura da paisagem passou a prever a utilização dos espaços livres, adequando-os à conveniência dos grupos de usuários. Além desses fatores, Garret Eckbo (1950) ressaltou a importância e influência do tempo e do clima na configuração e percepção da paisagem. Eckbo (1964) inclui ainda as dimensões social e afetiva. Michael Laurie sintetiza essas preocupações ao definir o paisagismo como:

a porção da paisagem que é desenvolvida ou conformada pelo homem, entre os edifícios, estradas, ou utilitários acima da vida selvagem natural, desenhada primariamente como espaço para a vivência humana (não incluindo agricultura, florestamento). É o estabelecimento de relações entre os edifícios, superfícies e outras construções a céu aberto, terra, formas rochosas, corpos d'água, plantas e espaço aberto, além de outras formas gerais características da paisagem; mas com ênfase primeira na satisfação humana, a relação entre as pessoas e a paisagem, entre os seres humanos e o espaço externo tridimensional quantitativa e qualitativamente. (Laurie, 1985, p. 28).

A expressão moderna da vertente salienta a herança da escola inglesa e americana. Isso ocorre, principalmente, na versão consolidada do paisagismo presente nas cidades-jardim inglesas e em subúrbios de cidades americanas ao longo do século XX. Esta versão enfatiza a arborização, como elemento bucólico disposto de maneira naturalística, e gramados, que integram edificações sem barreiras visuais.

Em linhas gerais, o paisagismo de ênfase na arquitetura da paisagem valoriza a dimensão da organização do espaço. Caracteriza-se pela exploração de elementos diversos, com a clara intenção de organizar os espaços livres de edificação. Esses são pensados de maneira a conter qualidades ou atributos voltados para atender determinadas expectativas funcionais e estéticas. Esta vertente engloba duas tendências distintas que repercutem na organização do espaço: o paisagismo ligado ao desenho urbano e o paisagismo ligado à expressão artística.

A primeira tendência, o paisagismo ligado ao desenho urbano, baseia-se em visões de mundo que valorizam a esfera material: o progresso, a industrialização e os aspectos construtivos. Esta abordagem desenvolveu-se, principalmente, a partir da década de 1960 e teve como um de seus precursores Camillo Sitte (1993). Entre seus expoentes estão Gordon Cullen (1971) e John L. Motloch (1991). A segunda tendência, o paisagismo ligado à expressão artística, baseia-se em visões de mundo que privilegiam a esfera das idéias, por meio da criação cultural. São exemplos, as propostas de Thomas Church, Sylvia Crowne, Ernst Cramer, Garret Eckbo e seu discípulo Laurence Halprin e, ainda, Burle Marx (1987), que obteve reconhecimento não apenas nacional, mas também mundial.

A discussão mostra que há uma pluralidade de intervenções na vertente do paisagismo com ênfase na arquitetura da paisagem. As visões de mundo compartilhadas se refletem, principalmente, nas preocupações com a ordem e a racionalidade e com seu rebatimento na organização do espaço. A ênfase prática desta vertente permite pontes com outras de cunho mais teórico, como o paisagismo com ênfase na percepção ou mesmo o paisagismo ambiental.

Paisagismo com ênfase na percepção

A segunda vertente contemporânea é o paisagismo com ênfase na percepção. Apóia-se em visões de mundo que valorizam as relações do espaço com o atendimento de expectativas sociais. Tal como no caso do paisagismo com ênfase na arquitetura da paisagem, a vertente do paisagismo com ênfase na percepção sofre a influência de várias disciplinas. Esta vertente valoriza aspectos sensoriais e psicológicos; ela foi influenciada por linhas das ciências sociais e humanas, que colaboraram para entender o espaço urbano como fonte de expectativas sociais.

Ainda nos anos sessenta, estudiosos tentavam uma aproximação da análise da paisagem tradicional com aspectos psicossociais, considerando o meio ambiente, como o contexto físico em que o observador está inserido. Outras análises se aproximaram de estudos geográficos, com base na percepção e suas relações com o comportamento. Algumas propostas especulavam sobre expectativas psicossociais universais e possíveis conseqüências comportamentais ligadas à configuração espacial. Essa postura consiste, segundo Maria Elaine Kohlsdorf (1993), na concepção das relações entre a forma e sua percepção. Para a autora, a vertente perceptiva se consolidou ligada à psicologia ambiental.

O campo da psicologia ambiental teve especial participação no entendimento das expectativas sociais, consideradas inicialmente como necessidades dos usuários. Esta disciplina, que avançou muito nos últimos cinqüenta anos, estuda as relações entre os mecanismos da percepção e os comportamentos humanos diante das variáveis espaciais; observa a busca de padrões e fenômenos comuns à espécie, que podem influenciar a ocupação e o desenvolvimento dos aglomerados humanos. Nesse contexto, busca compreender as expectativas sociais e sugerir uma grande diversidade de aspectos que, por sua vez, convergem para a tipificação de padrões comportamentais, ligados à configuração do espaço. Esse amplo universo de expectativas e relações, promove desdobramentos que vão além dos aspectos de configuração e da própria percepção. Parece existir uma grande interação de elementos que confirmam significados e expectativas sociais complexas.

O tema das expectativas sociais, em uma perspectiva ampla, foi abordado por vários autores, entre eles Piaget (1971; 1972). Ele coloca que a realidade revela vários níveis de expectativas, algumas conscientes, outras inconscientes. As expectativas podem ser ideológicas ou não, uma vez que a percepção da realidade revela aspectos universais e individuais. Sob o ponto de vista dos aspectos universais, a percepção é ligada à ideologia que, por seu turno, serve de contexto cultural. Em um sentido mais restrito, a apreensão da realidade que envolve o ser humano é entendida, na psicologia ambiental, como apreensão do meio ambiente. Essa apreensão torna-se uma expectativa social básica para a avaliação dos lugares e adaptação ao próprio ambiente.

Na perspectiva do urbanismo, os avanços mais específicos na compreensão das relações entre ambiente e comportamento foram reflexos de pesquisas desenvolvidas no campo da percepção urbana. M. Trieb (1974) tratou da análise da forma das cidades, enquanto Kevin Lynch (1960) descreveu a experiência perceptiva e emocional da paisagem no estudo de percursos. Donald Appleyard (1962) escreveu sobre a experiência de perceber e sentir prazer por meio da visão da paisagem. Gordon Cullen (1971), que desenvolveu um método para trabalhar com seqüências de percursos, descreveu arquétipos urbanos, fazendo uma interface direta com o desenho urbano.

O paisagismo de ênfase na percepção busca identificar o papel do espaço em processos psicossociais. Recentemente esta vertente agregou elementos lúdicos e transcendentais como parte de um contexto sinestésico. Segundo Lyall (1991, p. 12) o novo paisagismo da vertente perceptiva, traz uma concepção de paisagem baseada na filosofia zen. Essa postura tende a refletir uma influência oriental e mística no tratamento da paisagem.

É evidente o alinhamento dessa vertente na corrente idealista, pois enfatiza a forma urbana sem considerar aspectos das contradições sociais que a produziram. Para alguns autores da filosofia estética com abordagem dialética, como Svensson (1991), a vertente perceptiva é fenomenológica.

Uma vertente que busca ir além do formalismo do paisagismo com ênfase na arquitetura da paisagem e, também, da supervalorização do cotidiano da vertente perceptiva é o paisagismo ambiental. A proposta, ao reconhecer os aspectos contraditórios do modelo hegemônico e seus impactos, procura caminhos de integração dos processos sociais com os naturais.

Paisagismo ambiental

A terceira vertente abordada é o paisagismo de cunho ambiental, que guarda relações com visões de mundo que valorizam a relação sociedade-natureza e aspectos ecossistêmicos. Essa linha engloba práticas voltadas para a preservação da natureza, como pré-requisito à construção da sustentabilidade ambiental no meio urbano. A evolução da temática ambiental nas práticas de paisagismo constitui uma espécie de rebatimento do desenvolvimento da abordagem ambiental no urbanismo.

A temática ambiental no urbanismo moderno

A origem das mudanças no urbanismo, em direção a uma temática ambiental explícita, remonta às preocupações sanitaristas que caracterizaram o urbanismo até o final do século XIX. A organização do espaço das cidades industriais, ao contribuir para controlar as ameaças ambientais nos bairros populares, protegia também as classes dominantes. A partir daí, o processo de evolução do urbanismo passou a englobar também conceitos e práticas voltadas para o atendimento de expectativas de grupos sociais emergentes. Entre as novas demandas, estava a inclusão da temática da qualidade de vida e do lazer nos planos urbanísticos.

Ainda nas primeiras décadas do século XX, o urbanismo moderno manteve a preocupação higienista, sob uma perspectiva que tangenciava a idéia de um maior contato com a natureza. Choay (1979, p. 20) identifica, como principais modelos, o progressista, o culturalista e o naturalista. Embora com visões de mundo diferenciadas e com soluções diversificadas, essas propostas incorporavam a relação entre o ambiente natural e o ambiente construído. Na realidade, o contexto modernista agregava a idéia de um sistema de parques e áreas verdes como complemento do tecido urbano. Em certa medida, pode-se considerar que os desdobramentos dessas propostas foram influenciados pelo bucolismo das cidades-jardim, ao mesmo tempo em que buscavam a eficiência do conceito de cidade-máquina.

Na metade do século XX, surgiram debates sobre uma relação sociedade/natureza que respeitaria o meio ambiente. Mas é somente a partir da década de setenta que estudiosos, principalmente nos Estados Unidos, começaram a testar modelagens de espaços urbanos para esse fim. Esses modelos serviram de base para novas tendências de planejamento urbano e regional e, posteriormente, para o desenho urbano e para o paisagismo.

Nas últimas décadas, definições de desenvolvimento sustentável, embora tenham sido objeto de inúmeros debates, contribuíram para o avanço da abordagem ambiental no urbanismo. Sachs (1993, p. 30) define desenvolvimento sustentável como "a atitude de promover um desenvolvimento socioeconômico eqüitativo, através de estratégias ambientalmente adequadas e suportáveis no âmbito ecológico." Sachs adota a premissa de que a promoção de um meio de vida sustentável deve tornar-se parte da linha mestra de desenvolvimento; considera que este não pode ter sucesso sem a participação dos grupos e das comunidades locais.

Os debates atuais sobre a temática ambiental urbana têm procurado construir um consenso em torno do termo "cidades sustentáveis". Para alguns, como Heloísa Costa, a concepção envolve contradições de fundo, embora aponte caminhos para uma reflexão (Costa, 2000). Para outros, a proposta seria compatível com os ideais de um desenvolvimento humano que respeite os limites da natureza. Embora não haja uma definição exata, em países periféricos, o tema da sustentabilidade urbana implica considerar prioritário o tema da pobreza. Buscar-se-ia um desenvolvimento mais eqüitativo, com vistas a equilibrar a dimensão econômica, as demandas sociais e as ambientais. Segundo Otto Ribas,

a associação da noção de sustentabilidade ao debate sobre desenvolvimento das cidades tem origem nas rearticulações políticas, pelas quais um certo número de atores envolvidos na produção do espaço urbano procura dar legitimidade a suas perspectivas, evidenciando a compatibilidade das mesmas com os propósitos de dar durabilidade ao desenvolvimento. (Ribas, 2003, p. 23).

Tais intenções, para Ribas, tentam coadunar-se com os princípios da Agenda 21, que parece conter a versão predominante do conceito de cidades sustentáveis. A discussão é mais especifica em seus desdobramentos, como a Agenda Habitat, particularmente nos temas que se referem à promoção do desenvolvimento sustentável dos assentamentos humanos. Os temas da sustentabilidade em meios urbanos ficaram conhecidos como Agenda Marrom. A proposta ressalta a relação direta entre a infra-estrutura de uma cidade, a saúde de sua população, e o contexto regional no qual ela se insere.

O desenvolvimento da vertente ambiental e das visões de mundo que a acompanham modificou as formas pelas quais o urbanismo e o planejamento urbano e regional tratavam o tema. De um dentre vários quadros referenciais, a temática ambiental passou a ocupar lugar central na construção de modelos de cidade ideal, como se revela claramente no caso das propostas de cidades sustentáveis. Esse mesmo desenvolvimento tem se refletido no paisagismo, cuja tradição metodológica tem acompanhado a evolução histórica das práticas de gestão urbana.

A temática ambiental no paisagismo moderno

Desde o século XIX, aparecem, no paisagismo, práticas reveladoras de visões de mundo voltadas para uma compreensão do ambiente. Sem que o discurso as identificasse como tal, algumas práticas consideravam aspectos indicativos de uma visão primária da temática ambiental, como no caso da apreensão do sítio de intervenção. Esta preocupação não era exclusiva do paisagismo ambiental. Estava também presente nas demais vertentes do paisagismo, embora sempre relacionada à compreensão da realidade e como condicionante de projeto. Não era, portanto, considerada prioridade na argumentação ou na definição de uma dada prática ambiental. Logo, essa visão era superficial e encerrava seus conhecimentos sem aprofundar as relações entre as expectativas sociais de uso e a necessidade de conservação da natureza.

O surgimento de uma prática de paisagismo entendida como ambiental aprofunda o entendimento das dinâmicas naturais. No entanto, podemos considerar o paisagismo ambiental como comprometido com práticas do urbanismo e do planejamento que buscam a qualidade do espaço urbano. Incluem-se aí práticas que amenizam os efeitos do clima e criam um cenário aprazível e uma observância da paisagem.

Alguns autores apontam a vertente ambiental no paisagismo como resultado da evolução do pensamento conservacionista. Seguindo a linha da evolução do conservacionismo, Laurie (1985) observa que essa vertente se iniciou a partir da valorização da estética natural, ainda no final do século XIX. Essa tendência era baseada em autores ingleses, como William Gilpin, que já compreendia a questão ambiental como algo importante. Essa compreensão, no entanto, era mais pictórica do que sistêmica. A preocupação da época era preservar a natureza para manter cenários dignos para contemplação e inspiração artística. O fomento do pensamento conservacionista influenciou posteriormente práticas ecológicas no paisagismo dos Estados Unidos, principalmente da Califórnia.

Uma abordagem específica da temática ambiental é a que guarda relações estreitas com o desenvolvimento da ecologia. No século XX, essas idéias foram difundidas principalmente com a escola filosófica da "ecologia profunda," fundada pelo filósofo norueguês Arne Naess no início dos anos 70. A ecologia profunda não separa seres humanos ou qualquer outra coisa do meio ambiente natural. Ela vê o mundo como uma rede de fenômenos que estão fundamentalmente interconectados e são interdependentes. A ecologia profunda reconhece o valor inerente de seres vivos e concebe os seres humanos apenas como um fio particular na teia da vida.

Os dois termos, "ambiental" e "ecológico" são muito difundidos e diferem em seus significados. No paisagismo, no entanto, as duas linhas tendem para uma compreensão única, a da consolidação de práticas comprometidas não apenas com seu significado social, mas também com a natureza, identificadas como o paisagismo ambiental. O desenvolvimento da vertente ambiental no paisagismo foi influenciado por estudos de ecologia urbana, disseminados em países centrais na segunda metade do século XX.

A participação de autores de diversas áreas, cujas obras incorporavam a temática ambiental, contribuiu na inserção de visões de mundo da ecologia urbana na construção do paisagismo ambiental. Ian McHarg (1969) influenciou toda uma geração de arquitetos, urbanistas e arquitetos paisagistas nos Estados Unidos. Entre outros autores que enfocaram a ecologia urbana, estão Holling e Oriens (1971), Cooper e Vlasen (1973), Brady et al (1979) e Anne W. Spirn (1995).

Por outro lado, outras ciências que tratam das dinâmicas naturais ajudaram a sedimentar e consolidar o paisagismo ambiental, pois trouxeram subsídios para o desenvolvimento do planejamento ambiental. Maria A. R. Franco (1997) salienta a importância desse tipo de conhecimento como referência para o planejamento. Teresa C. Silva (1992) cita a Lei Orgânica da Venezuela, que implementou o uso de parâmetros ecológicos na gestão ambiental. No mesmo sentido, Maria Augusta Bursztyn (1994) aponta a relevância da "ambientalização", ou incorporação dos temas ambientais nas práticas e processos cotidianos.

Dentro desse contexto amplo, surgiram autores que trouxeram a noção de ecossistemas e de complexidade integrada, que têm um rebatimento direto com o paisagismo. Anne Spirn é precursora de uma compreensão da cidade como ecossistema e não como antítese da natureza (Spirn, 1995, p. 9-26). Seu enfoque vê a natureza como um continuum e a cidade como parte deste. O conceito de ecossistema urbano adotado por Spirn exprime a idéia de que o conjunto da cidade, concebido pela sociedade, concentra possibilidades, refúgios e relações complexas. Neste sistema, salienta-se a identidade da flora e da fauna urbana e, também, as relações de equilíbrio e desequilíbrio estabelecidas. Esse pensamento destaca o fato de que a cidade altera a sucessão ecológica natural, indo muito além dos seus limites urbanos.

Outra contribuição importante, para a compreensão das práticas ecológicas que influenciaram o paisagismo, foi dada pelo biólogo Eugene Odum (1988). Segundo Odum, o desenvolvimento dos ecossistemas baseia-se na sucessão ecológica e envolve mudanças na estrutura das espécies e dos processos da comunidade, ao longo do tempo. O desenvolvimento resulta da modificação do ambiente físico pela comunidade e, ainda, das interações de competição e coexistência no contexto das populações. Esses processos são importantes na compreensão da atividade paisagística pois, a partir das definições de composição, pode-se ajudar ou bloquear processos naturais em curso, além de alterar a sanidade do sistema como um todo.

A adoção de princípios oriundos da ecologia, que recebeu contribuições diversas, influenciou o paisagismo e permitiu uma compreensão mais ampla da questão ambiental. Esse novo paisagismo enfatiza a valorização dos ecossistemas nativos e locais. Enquanto possibilidade prática, o paisagismo ambiental procura, por meio do uso racional da vegetação e dos sistemas de espaços livres, integrar fisionomias naturais à ocupação urbana. Suas propostas valorizam os grandes e pequenos ecossistemas ameaçados pela urbanização. Essa prática busca preservar a diversidade das espécies nos biomas, com vistas a constituir corredores ecológicos que possam integrar a área urbana ao ambiente regional. Em um aspecto mais restrito, ela busca adaptar a estética e a funcionalidade, expectativas tradicionais do paisagismo, à inserção de arranjos e associações nativas.

Por se tratar de uma proposta que visa integrar o espaço urbano sob uma perspectiva social com práticas ecológicas, a vertente ambiental do paisagismo revela visões de mundo que valorizam a ética da sustentabilidade, em suas diferentes dimensões. Embora o conceito de ética da sustentabilidade esteja ainda em construção, é possível distinguir, como referência básica, o reconhecimento do papel essencial das relações entre práticas materiais e práticas ideológicas. Ao mesmo tempo em que o futuro da sociedade depende das relações materiais, depende também de um ideário que supere o conteúdo de dominação presente na ideologia capitalista. Essa superação refere-se não apenas às relações sociais, mas também às relações sociedade natureza.

Conclusões

Embora as relações materiais estabeleçam as linhas mestras do desenvolvimento social, o relacionamento entre a sociedade e a natureza parece revelar muito mais das relações sociais do que das relações de necessidade. Um pressuposto básico é que, à medida que a sociedade evolui, modificam-se as ideologias hegemônicas de acordo com transformações sociais, políticas e econômicas. Por sua vez, as ideologias condicionam visões de mundo e essas informam práticas relativas à natureza, em particular o paisagismo. Diferentes visões de mundo propiciaram, ao longo dos séculos, posturas que se refletem em distintas maneiras de intervir na natureza. A discussão, em particular a abordagem das diferentes vertentes do paisagismo contemporâneo, mostrou que visões de mundo também condicionam práticas socioambientais, entre elas o próprio paisagismo.

Mais recentemente, valores apoiados no desenvolvimentismo e avanços ligados à tecnologia alteraram as visões de mundo na fase contemporânea, ainda influenciada pelo modernismo. O paisagismo não escaparia dessa realidade, manifestada de forma diferenciada em suas proposições. A vertente do paisagismo com ênfase na arquitetura da paisagem, assim como as vertentes com ênfase na percepção e o paisagismo ambiental expressam diferentes visões de mundo e valorizam dimensões distintas da prática do paisagismo. Uma das diferenças práticas seriam valores de culturas locais, que expressam signos e arquétipos espaciais específicos; outra, seria o peso relativo entre as prioridades sociais e as ecológicas. Essas prioridades expressam-se principalmente por meio das três dimensões privilegiadas em cada uma das vertentes mencionadas: a organização do espaço, as expectativas sociais de uso e a integração ecossistêmica.

A vertente do paisagismo de ênfase na arquitetura da paisagem valoriza aspectos estéticos e funcionais, em uma abordagem ainda tradicional, na qual se misturou e consolidou uma versão arquitetônica do paisagismo. A vertente do paisagismo de ênfase na percepção, embora tenha avançado ao incluir os grupos de usuários como sujeitos das definições do paisagismo, desconsidera condicionantes econômicos e tem uma visão limitada de processos ambientais. A vertente do paisagismo ambiental pretende superar as limitações das outras, ao incluir preocupações de sustentabilidade em uma perspectiva ampla. Inova, ao enfatizar a ótica ecológica e a buscar sua integração ao planejamento de espaços dentro do meio urbano.

Apesar dos avanços, o paisagismo ambiental, ainda não se qualifica, tanto em sua proposta conceitual como na prática efetiva, como parte da construção de uma sustentabilidade urbana que incorpore de fato as contradições sociais. Se, por um lado, o paisagismo ambiental que hoje floresce expressa uma ruptura parcial com visões de mundo de controle da natureza, levadas a extremos na fase contemporânea do capitalismo, por outro lado, o quadro ainda está em aberto.

Artigo recebido em 12 ago. 2003; aprovado em 12 set. 2003.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Abr 2011
  • Data do Fascículo
    Dez 2003

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2003
  • Aceito
    12 Set 2003
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