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Consumo e identidade no meio juvenil: considerações a partir de uma área popular do Distrito Federal

Consumption and identity among youngsters: considerations from a popular area of the Brazilian Federal District

Resumos

Este texto reflete sobre a natureza das relações entre os jovens e a cidade, com um recorte que privilegia a esfera do consumo, dimensão essencial na construção identitária nesta etapa da vida. As reflexões partem de uma pesquisa feita em uma área específica do Distrito Federal, a cidade da Estrutural, uma das que compõem o espaço urbano da capital do País. Em se tratando de uma área pobre para os padrões locais, os jovens que ali moram são marcados por esta condição que, por um lado, deixa-os socialmente vulneráveis e, por outro, produz resistências que se manifestam no estilo de se comportar na vida cotidiana. Tem-se, neste caso, uma dupla determinação da posição social destes jovens: o local de moradia e as suas faixas etárias, ou seja, estigmatizados por um lado e vulneráveis pelo outro, criam uma forma de existência social particular, que nos auxiliam na compreensão dos vínculos sociais na cidade.

cidade; juventude; consumo; modos de vida; socialização


This text reflects on the nature of the relations between youngsters and the city, by privileging the sphere of the consumption; essential dimension in the personal identity construction in this stage of life. The reflections are made from a research conducted in a specific area of the Federal District, Estrutural city, which composes the urban space of the capital of the Country. When compared to local standards, this is considered a poor area; the youths who live there are marked by this condition, which, on one hand, leaves them socially vulnerable, and on the other, produces a resistance that is revealed through their behaviour in daily life. One observes, in this case, a double determination of the social status of these youngsters: the place where they live and their age, i. e., they are stigmatised, on one hand, and vulnerable on the other; they create a way of particular social existence, which assists us in understanding the social bonds in the city.

city; youth; consumption; ways of life; socialization


DOSSIÊ: CIDADE E SOCIEDADE

Brasilmar Ferreira Nunes

Professor titular do Departamento de Sociologia da UnB e pesquisador bolsista do CNPq. E-mail: bnunes@unb.br

RESUMO

Este texto reflete sobre a natureza das relações entre os jovens e a cidade, com um recorte que privilegia a esfera do consumo, dimensão essencial na construção identitária nesta etapa da vida. As reflexões partem de uma pesquisa feita em uma área específica do Distrito Federal, a cidade da Estrutural, uma das que compõem o espaço urbano da capital do País. Em se tratando de uma área pobre para os padrões locais, os jovens que ali moram são marcados por esta condição que, por um lado, deixa-os socialmente vulneráveis e, por outro, produz resistências que se manifestam no estilo de se comportar na vida cotidiana. Tem-se, neste caso, uma dupla determinação da posição social destes jovens: o local de moradia e as suas faixas etárias, ou seja, estigmatizados por um lado e vulneráveis pelo outro, criam uma forma de existência social particular, que nos auxiliam na compreensão dos vínculos sociais na cidade.

Palavras-chave: cidade, juventude, consumo, modos de vida, socialização.

Abastract

This text reflects on the nature of the relations between youngsters and the city, by privileging the sphere of the consumption; essential dimension in the personal identity construction in this stage of life. The reflections are made from a research conducted in a specific area of the Federal District, Estrutural city, which composes the urban space of the capital of the Country. When compared to local standards, this is considered a poor area; the youths who live there are marked by this condition, which, on one hand, leaves them socially vulnerable, and on the other, produces a resistance that is revealed through their behaviour in daily life. One observes, in this case, a double determination of the social status of these youngsters: the place where they live and their age, i. e., they are stigmatised, on one hand, and vulnerable on the other; they create a way of particular social existence, which assists us in understanding the social bonds in the city.

Keywords: city, youth, consumption, ways of life, socialization.

Colocando o problema

As aglomerações urbanas pelas suas próprias características constituem áreas onde as interações sociais se redefinem a partir das diferentes possibilidades que o estar próximo nos coloca. Temos nelas um cotidiano peculiar que, pela natureza dos vínculos sociais que aí ocorrem, cria ambientes de atração e repulsa entre os moradores e usuários de seu território: de fato, seria praticamente impossível estabelecer laços com todos os indivíduos com os quais cruzamos no dia-a-dia de uma cidade. Gera-se a partir daí o hábito, quase que necessidade, de selecionarmos nossas interações entre as mais intensas e as menos intensas, hábito esse que nos parece absolutamente natural, mas que é a condição mesma de equilíbrio psíquico para o indivíduo urbano. Simmel (1979) vai argumentar sobre esta tendência individualista dizendo que o desenvolvimento da cultura moderna é caracterizado pela preponderância do que se poderia chamar de o "espírito objetivo" sobre o "espírito subjetivo" justamente pela generalização da moeda, que nos permite manter a atitude de reserva.

Entretanto, apesar de estarmos envolvidos nessa cultura onde o valor das coisas se mede pelo seu preço, sabemos que há dimensões na vida onde os bens trocados não se fazem via moeda ou mesmo não se fazem via equivalentes. Relações familiares, afetivas, de amizade, de solidariedade, dentre outras se manifestam permanentemente, sendo ações vividas como rejeição do interesse, do cálculo egoísta, por mais que estejamos mergulhados num individualismo crônico e calculista.1 1 Estamos aqui no território da economia dos bens simbólicos que, como Marcel Mauss (1974) explica, trata-se de um conjunto de "expectativas coletivas" com as quais se pode ou deve contar. Assim, analisar as interações em ambientes densos, complexos, como os das cidades, pressupõe considerar suas diferentes possibilidades de ocorrência que, de forma ampla, podem ser classificadas à dominante em utilitaristas (baseadas no interesse) e não-utilitaristas (relações desinteressadas), portanto sujeitas a ordens diversas.2 2 Estamos no cenário ideal para analisar a produção de relações, suas modalidades e possibilidades.

Assim o fazendo, apesar da hegemonia da troca monetária nas interações que ocorrem no meio urbano, temos ainda uma gama de possibilidades para entendermos o ambiente social na cidade. Estas possibilidades podem ser abordadas por variados recortes passando pelos níveis econômico e sociocultural, pela faixa etária, e mesmo pelo lugar de moradia dentro do espaço urbano. O leque de alternativas é amplo e mereceria que nos aprofundássemos para podermos entender como é possível a existência de aglomerados humanos tão expressivos em número e densidade de habitantes, quando sabemos que são compostos por indivíduos tão diferenciados uns dos outros.

Neste texto privilegiaremos a reflexão sobre a natureza das relações entre os jovens em uma específica área do Distrito Federal, a cidade da Estrutural, uma das que compõem o espaço urbano da capital do País. Em se tratando de uma área pobre para os padrões locais, os jovens que ali moram são marcados por esta condição que, por um lado, os deixa socialmente vulneráveis e, por outro, produz resistências que se manifestam no estilo de se comportar na vida cotidiana. Temos neste caso uma dupla determinação da posição social destes jovens: o local de moradia e as suas faixas etárias, ou seja, estigmatizados por um lado e instáveis pelo outro, criam uma forma de existência social particular. Essas determinações guiarão nossas reflexões.3 3 Os subsídios empíricos que sustentarão as assertivas que seguem foram obtidos mediante visitas à área e conversas com grupos de jovens do local. Dois grupos, com uma média de 5 adolescentes em cada um foram objeto da pesquisa mais detalhada. Não entraremos em pormenores, mas cabe destacar que a Estrutural, fisicamente próxima do Plano Piloto, é uma das áreas com menor nível de renda familiar no DF, e a ocupação desse território é resultado de longos embates entre o poder local e a seus ocupantes. Hoje está devidamente regulamentada, porém com mínimas condições de infra-estrutura urbana (pavimentação, transporte, educação, saúde, lazer, etc.). Ver: Nunes (2006).

Breves elementos analíticos sobre "juventude"

De início, consideramos o corte por faixa etária útil na compreensão de processos de formação da uma pretensa "mentalidade urbana; aqui na categoria juventude, será considerado um grupo que, não sendo mais criança, tampouco é adulto. Situando-se naquela fase intermediária entre uma faixa e outra, desenvolve certos hábitos de vida peculiares e a natureza dos vínculos que constrói ilustra as possibilidades de existência social, onde a regulação das relações não é ainda, à dominante, monetarizada. Privilegiaremos, portanto, uma faixa da população que ainda não estaria completamente inserida na lógica do mercado de trabalho, mas que, vivendo em cidades, vai sendo paulatinamente socializada para adquirir esta cultura urbana.4 4 Não iremos entrar no mérito da idade em si para definir esta população jovem. Esta definição de juventude por faixa etária não é consensual nas ciências sociais e optamos por nos valer de uma percepção de senso comum, sobre a qual há uma relativa coerência entre diferentes camadas sociais. Trataremos então de um período da existência onde se procura a proximidade com o semelhante calcado em critérios de exterioridade, daí a aparente homogeneidade observada em grupos jovens como tentaremos argumentar.

Subjacente à opção pelo recorte geracional há questões que nos orientam nas reflexões sobre juventude e ambiente urbano: seria o processo de socialização por que passam estes jovens algo específico a esta condição de precariedade? Existiriam conteúdos especiais nesses mecanismos de socialização que estariam criando indivíduos peculiares?

Responder a estas indagações exigirá que percorramos algumas etapas no sentido de problematizar a categoria juventude neste contexto. Essencialmente evitaríamos o risco de tratarmos "juventude" como uma categoria universal, naturalizada e descolada das condições objetivas de sua existência. As dinâmicas sociais que se rebatem no espaço urbano geram contextos hierarquizados, nos quais se redefinem a natureza e a forma da subordinação e, logo, dos conflitos e da integração. Esta lógica, aparentemente banal, se manifesta entre os jovens segundo mecanismos peculiares a esta faixa etária.

Os agentes sociais são constituídos como tais nas e pelas relações que estabelecem num determinado espaço social;5 5 Assim, "diferenças produzidas pela lógica histórica podem parecer surgidas da natureza das coisas" (Bourdieu, 1997, p. 159). a estrutura do espaço social se manifesta nos contextos mais diversos, sob formas de disposições espaciais onde o espaço habitado funciona como uma espécie de simbolização espontânea do espaço social. Em outras palavras, não há espaço, em uma sociedade hierarquizada, que não seja hierarquizado e que não exprima as hierarquias e as distâncias sociais, dissimuladas pelo efeito de naturalização que a inscrição durável das realidades sociais no mundo social acarreta.6 6 Talvez o vestuário seja a mais evidente demarcação de recortes geracionais pela imediata visibilidade que o caracteriza. E uma das mais eficazes expressões dessa hierarquia é o endereço. Conforme Lahire (2006, p. 425): "...só podemos compreender os comportamentos daqueles que são designados por sua idade... situando-os em uma rede de relações de interdependência que é também uma rede de imposições de influências mais ou menos harmônicas ou contraditórias".

Em se tratando de um período transitório, supomos que esta vivência se diferencia ainda conforme o meio social e cultural de origem, a situação escolar (natureza da formação e nível de desempenho) e o sexo. Assim sendo, o período da juventude torna-se algo palpável e passível de uma reflexão sociológica se considerarmos tanto o processo escolar, ou a sua ausência, a presença dos pais e dos grupos de amigos ou companheiros, cujas propriedades socioculturais são, de certa forma, homogêneas. Especialmente no que se refere aos padrões estéticos e de gosto, que se associam a um padrão do grupo de companheiros, esses padrões são experimentados como aquele que, inicialmente, os diferenciam dos pais ou de gerações mais velhas, inserindo-os num universo próprio. Esse contexto relacional define a vida cotidiana da juventude naquilo que ela tem de identitária e de modelo. Fase transitória que é, a juventude move-se em um cenário fluido onde as influências são diversas e as rotineiras relações inter e intrageracionais têm o papel de trazer os jovens para um mundo codificado, num processo de paulatina incorporação de valores. Trata-se de um fenômeno onde indivíduo e sociedade se movem em ambientes fluidos, tensos, como é a construção identitária.

Os mecanismos de socialização em juventude metropolitana

As teorias da socialização nos ensinam que mesmo se certas dimensões são transmitidas a cada um de nós, e elas nos fazem membros da sociedade, outras vão sendo adquiridas ao longo da existência e guardam estreita relação com nossas condições de vida (Bollet & Schimitt, 2002). Dimensões tais como sexo, gênero, grupo de status, classe social, raça, dentre outras, terminam por constituir um emaranhado de influências que nos estruturam, às quais se somam dimensões ditas universais. Elas nos qualificam enquanto partes de um conjunto maior. Trata-se, portanto, de um processo de produção de seres sociais, lembrando que o ser humano não se torna espontaneamente um ser social, mesmo possuindo as condições cognitivas (cérebro, neurônios) para isso. Tais capacidades inatas necessitam transformar-se em competências sociais efetivas para permitir a inserção no ambiente social próprio. Através do processo de socialização ocorre a interiorização das disposições que o humanizam e o tornam capaz de assegurar seu lugar na sociedade e de escolher os comportamentos apropriados às diferentes situações. A socialização é entendida assim, não como um processo natural, mas relacional que se gesta em contextos socioculturais específicos.

Podemos considerar, portanto, que temos lugares de origem ou de produção de recursos culturais que se transformam em capital cultural e que, para o segmento jovem, desempenham papel legítimo ou de legitimação junto aos agentes do próprio grupo. Há aqui lugares de tensão intergeracional à medida que os padrões juvenis não são valorizados como produtores de prestígio, reputação aos olhos do restante da sociedade.7 7 Podemos precisar melhor este argumento lembrando a multidmensionalidade do espaço social onde o campo econômico por si só não esgota todas as suas dimensões. Como veremos à frente, as estratégias de consumo para jovens ainda não consumidores autônomos guiam-se por critérios próprios a esta condição. As estratégias em direção ao reconhecimento enquanto ser social têm, nesta etapa da existência, autonomia relativa diante dos padrões legítimos que gozam de legitimidade entre os membros do mesmo grupo. Estamos de fato considerando um grupo em pleno processo de incorporação de capital cultural, o que se traduz por uma relação de forças com os adultos, agentes objetivamente definidos pela posição que ocupam no espaço social. Nesta faixa jovem são, sobretudo, as estratégias no campo simbólico que irão esclarecer sobre suas representações do mundo social. Inclusive esta dimensão simbólica funciona como princípio de diferenciação no espaço social demarcando suas posições neste mesmo espaço.8 8 As clássicas dicotomias da Sociologia: formal/informal, incluído/excluído, moderno/tradicional, etc.

O espaço social se reproduz com base em critérios classificatórios e sua incidência não se prende exclusivamente a critérios materiais. Pelo contrário, a materialidade explícita dos fatos é que se baseia em critérios econômicos quantificáveis, porém a ordem social se constitui, como frisamos, baseada em critérios simbólicos, de difícil quantificação, ou mesmo não quantificáveis. Prestígio e status, por exemplo, são de natureza distinta da renda, não guardando relações automáticas e mecânicas entre si.

Por outro lado, quando olhado no conjunto, o ambiente das interações nas áreas pobres das metrópoles brasileiras nos aparece com elevada dose de homogeneidade. As estatísticas, utilizando médias numéricas, nivelam, no entanto, as situações de elevado grau de heterogeneidade e hierarquia. Esta assertiva é importante, pois em se tratando de uma camada ainda não inserida no mercado de trabalho, portanto sem efetiva autonomia monetária, há limites reais à expressão de gostos e estéticas. Sabemos que a sociedade controla a entrada no mercado de trabalho para os menores de 18 anos, mesmo se a disponibilidade de postos não seja exatamente uma realidade. Sabemos ainda da notória dificuldade de acesso ao primeiro emprego, particularmente no setor formal da economia. Ambos os fatores terminam por contribuir para o prolongamento do período da juventude e, em decorrência, consolidando a esfera familiar como lugar do sustento e da segurança material. Essa instabilidade ou este prolongamento da fase de dependência familiar também provoca tensões. O cotidiano nas grandes cidades emite permanentes estímulos de mudança, fragmentando cada vez mais as possibilidades de vida, deslegitimando inclusive os padrões mais tradicionais de existência. Esse ambiente multifacetado, com dinâmicas variadas exige permanentes esforços de adaptação sendo fonte de estresse particularmente para jovens moradores em grandes cidades.

Portanto, a natureza heterogênea de nossas metrópoles implica a coexistência de códigos e lógicas diversas que são geradores de tensões e conflitos entre os diferentes segmentos e onde mundos díspares coexistem em espaços relativamente restritos. Em outras palavras, podemos considerar que nos contextos metropolitanos ao invés da coexistência de dois mundos ou duas lógicas sociais9 9 A idéia de "estranho" para estas áreas é no sentido de nomeá-las como é feito pelo discurso dos grupos hegemônicos que ditam o bom-gosto e o padrão de vida que devem ser considerados como sinônimo de civilização. Nesta classificação há toda a carga ideológica que, definindo o legítimo, o faz descaracterizando o "outro", visto como a negação do bom-gosto. observam-se diferentes domínios e níveis socioculturais. Essa realidade gera um espaço urbano com escalas ampliadas e uma heterogênea mobilidade material e simbólica. Termina, ainda, sendo definidora de mundos com velocidades diferentes que se entrecruzam no território físico e no espaço cultural.

Os impactos dessa realidade são mais evidentes para os jovens de áreas precarizadas de nossas metrópoles, pois além de apresentarem, em média, um nível ainda baixo de escolaridade, a contínua reestruturação das práticas de vida limita o acesso às inovações para aqueles com pouca disponibilidade de capital cultural. Consolida-se, portanto, um mundo que, sendo fragmentado, fragiliza aqueles indivíduos com restrito capital cultural incorporado, sobretudo pela dificuldade de abstração, o que impede a mobilidade entre diferentes projetos que se apresentam num mundo cada vez mais complexo e dificulta, também, a entrada nas oportunidades novas que porventura apareçam.

Em áreas urbanas precarizadas, onde a instabilidade é o elemento que qualifica o cotidiano, os indivíduos e os grupos sociais criam mecanismos próprios de classificação que os orientam nas suas interações diárias. Em condições de precarização da vida material, esse ambiente com regras frouxas, espontâneas, funciona como um porto seguro para colocar em ato inúmeras ações típicas desta faixa etária.

O que estamos argumentando é que aqui a abordagem mais coerente seria talvez olhar Brecht ao inverso: ao invés de procurar o que há de estranho por detrás da normalidade, tentar perceber o que há de normal no ambiente "estranho", como as áreas pobres de nossas metrópoles.10 10 A este respeito ver F. Vandenberghe (2005). Em outras palavras, acostumados que estamos a ver aí uma marginalidade aguda, uma violência crônica que se cola à população residente em tais áreas, tentaremos refletir sobre as formas e os conteúdos que as práticas urbanas aí observadas, particularmente as dos jovens, refletem um consumo peculiar da e na cidade. Lembramos que a idéia de "formas", e "conteúdos" aqui utilizada vem de Simmel: entre as "formas" o autor menciona a concorrência, a divisão do trabalho, a imitação; como exemplos de "conteúdos", que podem ser vistos como "coisas em si", ele menciona os interesses, as pulsões, as inclinações, os desejos e os estados psíquicos.11 11 A idéia de projeto vem de Schutz, para quem se trata da " conduta organizada para atingir finalidades específicas" ( apud Velho, 1994, p. 40).

Classificação na ordem subordinada

Nessas áreas, e especialmente no meio juvenil, os critérios classificatórios subordinam a ordem econômica à ordem social, na medida em que a identidade profissional é incerta ou mesmo prematura. Portanto, e contraditoriamente perante a baixa renda, a esfera do consumo é aquela que se firma como a mais viável para o acesso ao mundo social do meio. Os padrões de consumo são em geral referidos a mecanismos amplos e gerais para o conjunto da sociedade, entretanto, adaptam-se ao baixo poder aquisitivo ali encontrado. De qualquer maneira, e apesar deste limite de renda ali constatado, a dimensão estética da vida é tratada, nessa faixa etária, como determinante para a sua inserção no grupo mais amplo.

Precariedade material, por um lado, e esforço de construir um projeto individual, por outro, terminam por modificar o horizonte espaço-temporal de referência do grupo, manifestado na esfera do consumo. Nesta faixa etária, a questão não é exatamente de não estar integrado a uma ordem econômica, mas de não ter acesso a certos produtos. Poderíamos agregar a este quadro a dificuldade dos jovens para construírem projetos de futuro.12 12 A idéia de campo de possibilidades tem relação com a dimensão sociocultural, espaço para formulação e implementação de projetos, conforme Schutz (apud Velho, 1994, p. 40). Lembremos que as trajetórias dos indivíduos ganham consistência a partir da formulação objetiva e/ou subjetiva de projetos com metas específicas. A viabilidade de suas realizações vai depender do jogo e interação com outros projetos individuais ou coletivos, da natureza e dinâmica do campo de possibilidades.13 13 Apesar do enorme respeito pela figura materna, especialmente entre os jovens da Igreja local.

Os recursos disponíveis para a construção de trajetórias de vida, dentre os quais se combinam família, trabalho e território, são variados, porém, de pouca eficácia nestas condições precarizadas. Tais recursos aparecem em combinações diversas, mas com limitados níveis de integração e organicidade, constituindo-se mais como lugares de fragmentação e dispersão do que, propriamente, de aproximação. Nas entrevistas que fizemos com grupos de jovens há argumentos que nos levam a deduzir que a família é um lugar de tensões que se cruzam contraditoriamente, na medida em que não corresponderiam simbolicamente ao modelo de vida difundido pelos meios de comunicação de massa que penetram nas mentalidades e visões de mundo em consolidação.14 14 Em um dos grupos de jovens entrevistados, alguns tinham a ambição de freqüentar uma universidade e apenas um falou em um curso profissionalizante. Esse era, por sinal, o mais tímido de todos, o que aparentemente gozava de menor prestígio no grupo. Podemos deduzir que o sentimento de insegurança aparece na proporção em que o vínculo familiar não é capaz de responder às expectativas ditadas pelos novos estilos de vida.

Agrega-se a este quadro a inquietação ligada ao estigma do lugar, internalizado como "área perigosa", segundo imagem construída pela mídia. Vêem-se assim entre uma auto-imagem negativa introjetada que induz à resistência, mas não anula a inferioridade vivenciada. Conseqüentemente, quanto maior é a sensação de isolamento de uma sociedade mais ampla, maior é o sentimento de uma ausência de um Estado protetor, e maior, também, o medo de não escapar da degradação social. Evidentemente, os jovens não conseguem formular esse discurso de forma consistente, entretanto, quando se destacam as precárias condições urbanas do lugar, pode-se deduzir a sensação de isolamento.

Neste contexto, e contraditoriamente, os jovens são mergulhados em espaços estéticos gerados pela imagem televisiva e pela visibilidade anônima da vida urbana. A valorização de espaços de consumo de classe média, como os shoppings centers, apontados como áreas de lazer de fim de semana, indicam que, mesmo em desvantagem em relação aos grupos dominantes, há uma permanente tentativa de diferenciação do lugar de origem, do próprio grupo, prevalecendo a individualização. A tentativa de se adaptar à moda vestimentária ditada pelos canais de comunicação é um exemplo desse fenômeno, de resto um comportamento generalizado nos diferentes grupos sociais, especialmente nessa faixa etária.

A incerteza em relação ao futuro não aparece como um problema evidente. A não ser por tímidos lampejos de insegurança, em vista da condição material precária; entre eles, a questão é o consumo de produtos da "onda".15 15 A teoria sociológica mais tradicional considera o trabalho como fonte de criatividade, auto-expressão e identidade; o consumo, por outro lado, é visto como alienação, falta ou perda de autenticidade e um processo individualista e desagregador. Ver, por exemplo, Lívia Barbosa e Colin Campbell (2006). Aqui não há de forma nenhuma uma imagem do consumo como alienação, perda de autenticidade ou algo parecido; há, sim, uma valorização da estética alcançada pelo consumo de produtos de massa.16 16 Importante esclarecer que, aos olhos dos moradores, não é de forma nenhuma algo que possa ser caracterizado como tal, pelo contrário. Portanto, nesta etapa da vida não se trata exatamente de não estar integrado no mercado de trabalho, mas de não poder adquirir os gadgets do mercado, o que de certa forma os alienaria da realidade, expressa pelos canais de comunicação e pelo ambiente urbano dos shoppings centers. Nesse sentido, a incerteza sobre o futuro profissional, real e peculiar a esta faixa, faz com que a esfera do consumo recupere o papel identitário, tradicional atribuição do salário.

As opiniões sobre a família são contraditórias: ao mesmo tempo em que não encontram na figura paterna um modelo de referência, emitem sinais de que pretendem construir família, ter filhos e todas as implicações desta decisão na vida de cada um. Certamente a presença de seitas religiosas na área é uma das razões deste apego a valores tradicionais, aos quais se referem pelo menos como princípio. Ao mesmo tempo, o próprio núcleo familiar é um modelo, embora fragilizado. A figura materna continua sendo vista como "sagrada" e a paterna pode receber críticas mais contundentes, sobretudo porque está de forma recorrente desempregada. A função de chefe da família termina sendo ou dividida com a mulher, ou claramente assumida por ela.

No que se refere às Igrejas na área – aspecto que, dada a sua complexidade, por si só valeria um estudo –, não serão tratadas especialmente aqui. Entretanto, nossas entrevistas captam junto à juventude aí residente algumas características que se ligam a esse fato e que vale ressaltar. Especialmente na área visitada, o catolicismo disputa em condição de minoria com seitas evangélicas as mais variadas. Estas desenvolvem trabalhos de evangelização e integração dos jovens com atividades coletivas, tipo, cultos, corais, trabalhos voluntários, atividades culturais, excursões, etc. Independentemente de outras coisas, é evidente que essas práticas coletivas configuram, antes de tudo, o sentido de um pertencimento a um grupo cultural que se permite reconhecer numa tradição. Fazem, sem dúvida, um elo entre esses jovens e outros grupos adeptos das mesmas práticas, muitos deles vistos em programas televisionados em canais de propriedade das próprias Igrejas. Interessante este recorte, pois se sente nos contatos um retorno à religião, sobretudo pela presença marcante de valores sagrados, tais como Deus, Jesus, a família (mãe), enfim, o retorno a um "mistério" que, na sua existência e comunhão, agrega as pessoas e cria a sensação de pertencer a um "rebanho" (cf. Megatti, 2007). Nesses contextos fragmentados, com estímulos diversos e muitas vezes não decodificados, a religião termina oferecendo explicações sobre "quem somos", organizando parte do cotidiano do bairro.

Consumo na cidade

Nossas considerações aqui desenvolvidas apontam para um fato significativo que estamos perseguindo: os indivíduos e os grupos devem ser estudados segundo duas dimensões analíticas:

  • pelos recursos culturais de que dispõem para se moverem dentro de espaços estéticos e modular os diferentes níveis de suas experiências;

  • pela inserção, posicionamento e mobilidade entre – e no interior de – diferentes mundos sociais que organizam a vida em sociedade.

Esse aspecto não é exclusivo de jovens em determinada posição na hierarquia de classes da sociedade. Trata-se de um fenômeno geral para todo e qualquer jovem e, ao risco de naturalizá-la, temos que estabelecer critérios de diferenciação entre as diferentes camadas de jovens dentro dessa hierarquia. Os estímulos de consumo que advêm, por exemplo, dos meios de comunicação e que, portanto, se inserem nas diferentes camadas sociais, não são processados mentalmente da mesma forma por jovens em condições distintas na sociedade. A teoria Gestalt argumenta que não processamos de forma atomística as impressões que recebemos no nosso cotidiano, pelo contrário, partimos de uma impressão global do objeto como um todo. A infinidade de informações que recebemos no cotidiano nos obriga a simplificações na sua interpretação e é aqui onde as raízes sociais precisam ser levadas em consideração.

No nosso caso empírico, a representação da área – ante as demais que constituem o Distrito Federal – constrói uma imagem que podíamos considerar com alguma precaução de "estigmatizada".17 17 Park denomina região moral da vida citadina quando a população tende a se segregar não apenas de acordo com seus interesses, mas de acordo com seus gostos e seus temperamentos; cada vizinhança pode assumir o caráter de uma "região moral" (Park, 1979). Esta condição alcança as diferentes camadas de moradores em distintas dimensões da vida.

Para os jovens, nota-se certa fluidez nessa questão: sentem-se discriminados quando se apresentam como moradores da "Estrutural", mas ao mesmo tempo, têm maior flexibilidade para, quando em grupo, vivenciarem esta condição de forma peculiar. Apenas quando se encontram com outros em situação similar, nas baladas pelos shoppings centers ou mesmo pelas demais áreas do Plano Piloto, conseguem ultrapassar a condição de fazerem parte de um específico território da cidade.

Está aí uma das dimensões ambivalentes de se sentir parte de uma área estigmatizada: por um lado, nomeia, identifica, mas por outro, força a aproximação com outros jovens em condições similares, em relação aos quais é possível construir níveis identitários ou interesses comuns. As "galeras", a "turma", são referências e lhes permitem conviver com a discriminação com alguns instrumentos morais particulares. O território passa a ser o lugar concreto no interior do qual se tem a experiência pessoal de se viver em sociedade. Transforma-se em região moral, na expressão de Park.18 18 Quando afirmamos a elevada dose de autonomia da linguagem é no sentido de destacar que, apesar dos bancos escolares uniformizarem o seu uso, há influências permanentes originárias de outros veículos, fontes e instituições, sobretudo no meio urbano onde os estímulos cotidianos são inúmeros.

Na multiplicidade de signos culturais e de estímulos a múltiplos padrões de vida e de consumo, a juventude, em grupo, sente-se plena de qualidades. A fase da vida em que tudo ainda está para acontecer, e onde o menos que se pensa é que algo poderia não dar certo, os jovens têm um cotidiano envolto em duas lógicas: por um lado, pobres e com parcos recursos para se colocarem face a face com outros jovens de outras classes ou grupos de status; por outro, na área de moradia, no bairro, constroem referências próprias através de práticas cotidianas diversas, mas visíveis para os demais moradores. Deslocados em certos ambientes da cidade, porém donos do território em outros, são situações que se vive enquanto parte de um grupo, que tanto pode ser da Igreja, da rua, da escola, contanto que não se esteja isolado.

Nesse sentido, a dimensão local, do bairro, é o ambiente onde se estrutura o pertencimento. Neste nível, há condições objetivas e subjetivas para explorarem recursos oriundos das redes de relações que constroem e que os identificam. A visibilidade obtida pela exposição através do consumo de produtos valorizados pelos outros jovens aproxima-os e fornece recursos para a interação. Essa característica de se aproximarem por razões estéticas se observa, inclusive, no ambiente escolar ou, até mesmo, em encontros nos cultos. Portanto, calcada inicialmente em aspectos exteriores ligados a valores estéticos, ela constitui a condição para outras possibilidades de interação.

Aqui, são redes, mesmo se com certa dose de improvisação, que se formam. A ausência de autonomia, sobretudo econômica, não impede que as interações aconteçam com base em códigos peculiares à condição de jovem. A linguagem é um dos lugares de expressão dessa dimensão particular nesse universo. A dimensão mais palpável se manifesta nas expressões lingüísticas (Mannheim, 1982, p. 89), que jamais se apresentam em função de um indivíduo isolado, no qual se manifestam, mas também no grupo social que está por trás dele. Em se tratando de um instrumento simbólico com elevada dose de autonomia para o seu usuário, teríamos de olhar o significado que o objeto ou o termo em questão tem para o grupo social como um todo.19 19 É fato trivial, mas deve ser ressaltada a total ausência de equipamentos coletivos que possam promover a interação entre os jovens nessas áreas, o que poderia explicar, em parte, a influência das Igrejas. De fato, as expressões lingüísticas com gírias, significados próprios e sentidos especiais para expressões faladas, sempre acompanhadas por uma entonação de voz e uma postura corporal peculiar ao grupo, são as que mais identificam o indivíduo e o grupo tanto no interior de sua comunidade de pertencimento quanto na relação com outros espaços da cidade.

Há que se lembrar que estamos refletindo sobre um grupo etário ainda não inserido na lógica do trabalho, portanto sem as devidas referências das implicações desta condição de assalariados. Além do mais, inseridos em contextos de baixa renda, com predominância do mercado de trabalho informal, não há elementos suficientes para a construção de um sentimento de classe que ultrapasse a condição local, inclusive porque os adultos familiares tampouco têm esse sentido classista coletivo. Isso significa que as redes sociais nas quais estão inseridos são curtas, estreitas e limitadas ao próprio ambiente de moradia. O mundo da casa e o mundo da rua são as possíveis dicotomias que poderiam vivenciar e possíveis incompatibilidades entre esses dois mundos ficam restritas a eles. A televisão, mais uma vez, aparece como o veículo que faz a ponte com o restante da sociedade e a imagem de si que se pode extrair não é suficiente para consolidar uma auto-estima positiva. A "turma" e o grupo religioso são praticamente os dois únicos lugares de construção de redes de convivência.20 20 Esta condição de vulnerabilidade vivida por moradores de áreas periféricas de metrópoles brasileiras se repete em nível global. Ver por exemplo, Planeta favela, de Maike Davis (2006), onde há uma detalhada apresentação de fenômeno similar em todos os continentes do planeta. Ela se acirra ainda mais quando o poder público, visto como ameaça, disputa o território com formas outras de poder (tráfego de drogas, crime organizado, milícias, etc.), acentuando ainda mais esta vulnerabilidade.

A vulnerabilidade inerente à condição de ocupantes ilegais de áreas, constantemente repetida e lembrada tanto pelo governo local, pelos políticos profissionais, quanto pelos meios de comunicação, junta-se à condição de isolamento e auto-referência que os caracteriza. O universo é restrito e o mundo exterior é reticente a eles, reforçando a sensação de "territórios vulneráveis", com frágeis condições de resistência a processos externos que não controlam e que os ameaçam, manifestos num difuso sentido de insegurança e medo evidenciado em nossos contatos em campo.21 21 As referências de classe têm o mérito de estabelecer elos tanto no tempo como no espaço, conforme nos lembra Megatti (2007, p. 20).

Instala-se assim um cotidiano peculiar: a ocupação da terra que, se por um lado, garante o lugar da habitação, construída em longos períodos, por outro, os imobiliza no próprio lugar, dada a ausência de alternativas possíveis devido às suas condições materiais. Gera-se assim um território social que se estrutura com base na fragilidade do lugar (área de invasão), envolvendo famílias e grupos cuja única semelhança é a condição de invasores. Ausentes quaisquer referências a classes sociais que compõem a estrutura social22 22 Certas áreas urbanas, apesar de "públicas", não estão acessíveis a qualquer um em qualquer momento. As restrições no uso e consumo de certas áreas é uma regra corriqueira e atinge todos os grupos sociais. e que poderiam estabelecer correspondências com mundos exteriores, envolvidos na contínua defesa do território contra ações do poder público, terminam por se limitarem a redes de convívio bastante restritas.

Consumo da cidade

Há uma relação direta entre poder público e população no sentido de viabilizar o uso da cidade e vamos avançar um pouco mais a dimensão deste uso. Apesar de espaço coletivo, o uso da cidade é seletivo e tem lógicas pertinentes à condição de ocupação do território e à forma como o Estado (poder local) interage com os habitantes, as atividades econômicas e demais interesses.

Ao mesmo tempo, a infra-estrutura urbana, pela sua própria característica de indivisibilidade, não pode ser completamente absorvida pela empresa privada. Essa indivisibilidade determina o consumo dos bens coletivos (ruas, praças, áreas públicas), os quais são acessíveis a todos e fazem de cada cidadão urbano um consumidor da cidade, em estreita relação com aquilo que é oferecido pelo setor público. Paralelamente, o mercado cria critérios próprios de acesso e consumo de espaços urbanos, transformando-os em mais um mecanismo classificatório.23 23 Ver dentre outros, por exemplo, Barbosa (2006). Assim, podemos considerar que, de forma ambivalente, todos, independentemente da posição social, detêm uma parcela de autonomia para uso da cidade, seja pela indivisibilidade da infra-estrutura, seja pelos mecanismos de mercado.

Por outro lado, para os teóricos da "privação", o conceito de "necessidades básicas" implica mais do que a reprodução física da existência; ele pressupõe, também, o mínimo necessário para que um indivíduo tenha condições de ser um membro efetivo e atuante na sociedade em que vive24 24 Diga-se de passagem, que a tão decantada "juventude de 68" está tão distante em tudo que ela se propunha e seus lemas não são sequer mencionados, escapando completamente da memória dos jovens pesquisados. . Nessa ótica, o território da cidade é um espaço de relações cuja acessibilidade é essencial à vida social. Sendo vitrine, onde expomos nossos valores estéticos, o espaço público se coloca como condição para integração a um grupo. Assim, o que consumimos é nossa marca visível e determina inclusive nosso lugar social. O gosto, que tende a se homogeneizar em faixas etárias, é adquirido pelos padrões culturais do meio familiar e do meio social mais amplo. Visto nessa perspectiva, e particularmente entre os jovens, o acesso a bens socialmente valorizados tem peso na decisão de consumo. Aqui, os padrões emitidos pelos meios de comunicação são determinantes, pois espelham valores legitimados em esferas que ditam a moda.

Mas onde estariam as causas desta prioridade pela esfera do consumo por jovens ainda não completamente inseridos no mundo social? Há, de início, a dificuldade notória de se situarem no interior das estruturas que ordenam a sociedade: escola, trabalho, família, etc. A pouca disponibilidade de recursos nestas estruturas fragiliza-os enquanto consumidores e coloca-os numa situação de cidadania incompleta, que necessita de outras estratégias para que eles se posicionem como integrantes de uma realidade. Se a aparência fugaz trazida pelos estereótipos do consumo midiático pode assegurar essa sensação de pertencimento a subgrupos, ela não traz em si a sensação de um processo seguro e perene que vai numa direção previsível. A incerteza quanto ao futuro gera a insegurança e produz, muitas vezes, comportamentos desviantes. A droga, a violência, o menosprezo por valores fundantes, tais como a família e mesmo a religião, aparecem como válvulas de escape a esta tensão.

Mannheim (1982, p. 87), analisando a origem das unidades de geração, nos auxilia na explicação sociológica desse fenômeno: "a primeira coisa que impressiona alguém que considere qualquer unidade de geração particular é a grande semelhança dos dados que constituem a consciência de seus membros". Segundo o autor, haveria uma espécie de comunhão mental entre os jovens que são sociologicamente realidades tangíveis, mas também por aproximar os que partilham tais referências, contribuindo para a formação de um grupo. A participação no grupo tem seu efeito socializante, onde ao lado dos dados mentais, há que se agregar como elementos constitutivos a linguagem apropriada ao grupo, a vestimenta com suas características de moda, como, por exemplo, a marca do tênis, da camiseta, o corte de cabelo, a própria gestualidade corporal, vão moldando os indivíduos que, por esses signos, são reconhecidos e se reconhecem. O consumo aparece como instrumento que vincula socialmente os indivíduos, dando-lhes um conjunto de características que os distinguem e os individualizam. Esse conjunto integrado de elementos visuais distingue de maneira prontamente identificável determinado indivíduo e, em alguns casos, determinados grupos, funcionando inclusive como identificação.

Ressaltar esse aspecto é importante, pois, ao contrário de ser visto como alienação, falta ou perda de autenticidade e um processo individualista e desagregador, o consumo gera identidades nesse faixa etária. Há, assim, a valorização de marcas conhecidas que entram e saem de moda, com o ritmo ditado, sobretudo, pela televisão, e dada a incapacidade da renda em acessar produtos originais, tem-se o consumo generalizado de falsos produtos, num mercado pirata que é diluído no comércio que atende a essas camadas sociais. Ao contrário do que se imagina de que esses jovens apenas copiam os padrões de consumo, há uma dinâmica entre o que é imposto como moda e a forma como tais propostas são absorvidas.

O consumo e a comunicação de massa, particularmente a TV, cujo acesso é amplo e democratizado e sem maiores exigências para sua decodificação, se encarregam de moldar os padrões estéticos segundo normas uniformes. Ao mesmo tempo, a convivência com outros e, em decorrência da própria vida urbana, a possibilidade de ver os efeitos que daí resultam são, também, situações privilegiadas de ampliação de valores estéticos.

Estamos, portanto, por um lado, em pleno processo de legitimação de um padrão cultural, e, por outro, o seu rebatimento em um ambiente de desigualdade social e econômica. Aqui é importante que se fixe o fato de que se trata de bens cuja valoração é definida coletivamente, de forma ampla e considerados altamente desejáveis. Há, no contato com os meios de comunicação, a generalização de gostos e de padrões estéticos que, ao atingirem populações desprovidas de recursos, são reelaborados segundo critérios e meios próprios.

Neste choque entre padrões de consumo internalizados e a dificuldade de acesso aos bens almejados podem estar algumas das razões da tensão que caracteriza grupos de jovens em áreas precárias de nossas cidades. Temos aqui explicitada a lógica do "dentro" e "fora", manifesta através de signos exteriores de moda e estilos que vão se transformando em mecanismos de agregação em grupos com padrões similares. A violência física se reproduz a partir de uma violência simbólica que se instala à medida que se toma ciência do lugar social e dos déficits de status. O consumo, que passa a ser vivenciado como mecanismo de inserção e de status, traz a idéia de acesso a um mundo social existente em nossa volta.

Interessante observar que estamos distantes de um sistema no sentido definido por Dumont (1974) a propósito da sociedade de castas da Índia, a saber, um todo ordenado e hierárquico. Aqui, nesta fase da vida e com os recursos materiais e simbólicos disponíveis, o presente é instável e o futuro incerto. Tenta-se de forma subjetiva, e mesmo insistente, uma alteração no lugar social dentro do próprio contexto grupal. A aparência, alimentada pelo estilo, definido pelo consumo, funciona como fator de distinção e de classificação. Estamos aqui considerando as classificações como sistemas de noções hierarquizadas que têm como objeto não facilitar a ação, mas fazer compreender, tornar inteligíveis as relações existentes entre os seres: as coisas não são dispostas simplesmente sob a forma de grupos isolados uns dos outros, mas tais grupos mantêm entre si relações definidas e seu conjunto forma um só e mesmo todo (Mauss, 2001, p. 450).

Claro que esse consumo, esses signos exteriores, são acessíveis através de mecanismos próprios tais como: a falsificação e o acesso a produtos piratas, a cópia reinterpretada das imagens transmitidas pelos meios de comunicação, o comportamento arredio frente àquilo que transmite lugar de origem, etc. Os bandos de jovens se apresentam assim como lugar de releitura de padrões estéticos segundo capacidades de acesso – material e simbólico – diferenciado. Ao mesmo tempo, considerando o relativamente longo período em que permanecem nessa condição, transformam os padrões de consumo no canal fundamental para confirmar o pertencimento social. Em outras palavras, o "dentro" e o "fora" medem-se entre os jovens pelo padrão de consumo, condição entendida subjetivamente como constitutiva da identidade. Essa dinâmica classificatória não é, de maneira nenhuma, privilégio de um grupo jovem em particular; todos criam padrões classificatórios, a partir de um esquema definido por esferas "legítimas", os canais de comunicação.

Interessante lembrar, como fazem Barbosa e Campbell (2006, p. 35), que os clássicos da Sociologia tinham restrições quanto a considerar a esfera do consumo como identitária: seja porque a ética protestante condenava o dispêndio frugal, o luxo, seja porque poderia gerar anomia social pelo seu caráter individualista. A alternativa estava na divisão do trabalho e na entrada do assalariamento que detinham forte potencial agregador. Ou seja, a esfera da produção propriamente dita – e não a da circulação e do consumo – é que teria capacidade de gerar identidades, e o consumo era duramente criticado pelo potencial desagregador do individualismo. Esta discussão é cada vez mais datada, seja porque a crise da sociedade salarial vem se mostrando inexorável, e, ao mesmo tempo, o aumento da produtividade e da produção banaliza o acesso a produtos de consumo à população. Como os autores supracitados lembram, há um moralismo dentro das ciências sociais no tratamento do consumo, esquecendo-se muitas vezes que as relações sociais existem baseadas também em relações materiais, e a distinção social tem no consumo um de seus instrumentos privilegiados.

É evidente que estamos aqui usando o consumo como um "sistema" no sentido não só da produção e circulação de um bem, mas todo o processo que compreende, inclusive, os diferentes usos que dele se possa fazer. Enquanto tal, o consumo adquire significados distintos em razão desses usos distintos que se possa dar ao bem. Entre jovens, isso é praticamente regra geral: o consumo oferece visibilidade diante do grupo e cria identidades sociais, refletidas, por exemplo, no uso de produtos da moda, grifes, etc. Como se percebe: ficar sem trabalho não é tão grave como ficar sem consumir.

Isso implica que tanto os produtos adquiridos no mercado, como o próprio consumo da cidade, de lugares valorizados como shopping centers, áreas de lazer da moda, e os próprios bens coletivos entram na lógica da distinção e fazem parte da gama de possibilidades de consumo. Talvez olhado assim, se perceba a ampla abrangência da esfera do consumo e a sua importância para a vida social, disputando terreno com a excessiva valorização do trabalho, visto como expressão de criatividade e individualidade de cada um.

A juventude é uma fase da vida onde nos cremos "eternos". Isso é constatado mesmo entre jovens de grupos desfavorecidos. O fato de ter a vida pela frente não deixa de ser um estímulo, nem que seja para sonhar. Não se trata aqui de utopias políticas, que colocam questões de justiça, igualdade ou democracia. As mudanças estruturais ainda não fazem parte da imaginação, todos almejando um curso superior, uma entrada na vida adulta com aspirações de mobilidade social, num claro pragmatismo conservador, uma ausência de algo que possa ser classificado como um "destino histórico" .25 25 Os padrões estéticos, os gostos, os padrões de consumo são altamente reveladores do lugar social de cada um, como pode ser observado, por exemplo, na diferença entre alta cultura e baixa cultura expressa no que é ou não é legítimo em certo circuito social.

Para o grupo em que estamos nos baseando para estas reflexões, essa ausência de um "destino histórico" talvez não seja tão absurda. Sabemos que construir um modelo de vida futura com base em projetos a serem implantados pressupõe recursos tanto econômicos como culturais e mesmo relacionais. Além do mais, a estabilidade de vida oferecida por uma família, trabalho e mesmo laços de companheirismo que ajudam bastante não podem ainda ser considerados adquiridos e estabilizados: ou porque são ainda jovens e detêm ainda escassos capitais culturais exigidos para o aparecimento desses projetos, ou porque a própria instabilidade material funciona como um princípio de realidade diante do futuro.

Com estas condições materiais objetivas, nesta faixa etária não há culpas em se desejar consumir bens ditos supérfluos, em geral associados culturalmente à falta de consciência do lugar social, sendo muitas vezes taxados de imorais; ao contrário, a facilidade com que expõem suas preferências por bens supérfluos chega a surpreender o pesquisador. Não internalizaram a sensação de culpa por aspirarem a produtos e marcas famosas, expostas cotidianamente na mídia, razão suficiente para serem almejadas como objetos de desejo. Sentindo-se sedutores perante os colegas do grupo, uns mais outros menos, porém com doses relativas de vaidade, para esses jovens a sobrevivência não está colocada como questão; o que interessa é a forma que se escolhe para sobreviver. Aqui os bens consumidos dizem mais sobre isso do que qualquer outro mecanismo ou mensagem, em geral de cunho moralista sobre uma possível hierarquia nos gastos com consumo. Ao contrário do que se possa imaginar, não se pode encontrar coerência ou ordem hierárquica entre o que seria um bem básico ou um bem supérfluo na ótica do consumidor (Douglas, 1997, apud Barbosa & Campbell, 2006, p. 37).

A titulo de conclusão

A Psicologia e a Psicanálise já teorizaram sobre a primeira infância e sobre sua importância na formação da personalidade do indivíduo futuro. Sabemos que não se trata aqui tampouco de um processo natural, mas sim relacional: é na relação com o "outro" que a criança vai paulatinamente incorporando valores e normas de comportamento. Berger e Luckmann (2004) vão mesmo afirmar que nossa identidade é aquilo que nos foi repassado como valores no processo de socialização. Quando atingimos a fase da adolescência, uma etapa da socialização já foi cumprida e agora aquela responsabilidade então exclusiva da esfera familiar começa a sofrer a concorrência de outras esferas. Estamos, portanto em plena fase de transitoriedade social onde os papéis estão a se definir. A escola, o bairro e a vizinhança são mundos novos, nos quais a criança vai pouco a pouco se infiltrando e sofrendo suas influências.

Além do mais, os modernos meios de comunicação – especialmente a televisão – absorvem tempo físico e mental das crianças e adolescentes, disputando lugares na sua socialização. Esses contextos de múltiplas lógicas tornam mais fracos os elos de obediência à família: de uma condição de força praticamente única na primeira infância, pouco a pouco ela perde espaço e chega aos tempos atuais com outro perfil.

O pressuposto é que, ao longo da socialização, cada ser se depara com uma série de situações e vivências cotidianas que vão dialeticamente se interiorizando, transformando-se em estruturas cognitivas – mentais, morais, lingüísticas, intelectuais, históricas e sociais –, que refletirão inevitavelmente as condições sociais em que elas foram adquiridas ao longo da vida. Trata-se da maneira como Pierre Bourdieu (1989, 2003) considera a sociedade incorporada no indivíduo, o habitus que vai se materializar no momento do contato do agente com uma determinada conjuntura ou situação, em suas práticas sociais cotidianas. Se o conceito de habitus não pode ser percebido em sua complexidade fora de sua articulação com o campo, em situações específicas, como, por exemplo, na fase da juventude onde as estruturas da sociedade estão ainda se incorporando no agente, o habitus pode parecer fluido, maleável, com menos condição de resistência aos estímulos externos. Nesta fase da vida não foram incorporados ainda aspectos essenciais do habitus nem tampouco inseridos totalmente em algum dos campos possíveis.

Portanto, refletir sobre a condição de juventude numa população cujas características materiais são precárias, inclusive sob disposições físico-territoriais pertinentes a esta condição, implica considerar que se trata de uma camada de pessoas em desvantagem no que se refere à situação profissional e ao acesso a recursos culturais e redes sociais. Esta fase da vida – que seria voltada à aquisição de um capital escolar e à consolidação de redes de apoio alternativas àquela da família –, pressupõe certos suportes para atingir expectativas. A aquisição do capital escolar é condição necessária para trajetórias futuras menos vulneráveis. No entanto, construir uma identidade profissional suficientemente estável vem se tornando um tema problemático, adiado sempre por razões diversas, fazendo com que para parcelas significativas dessa camada populacional a entrada na vida social deixa de ser marcada por uma condição definida no mundo do trabalho.

Especialmente se considerarmos os jovens, talvez a esfera do consumo seja tão ou mais significativa do que a própria esfera do trabalho.27 Entre eles é que os valores mais tradicionais são geralmente colocados em questão e novos valores têm melhores chances de se firmarem. O fato, por exemplo, de se considerar o consumo como uma característica mais feminina, enquanto o trabalho seria mais adequado ao mundo masculino, não encontra muito respaldo nos meios juvenis. Moços e moças expõem com a mesma naturalidade e descontração suas preferências por roupas, músicas, lazer, esportes, etc., onde os critérios e as barreiras sexistas estão cada vez mais em desuso. Nas últimas décadas, as transformações nos códigos morais tiveram no feminismo uma de suas origens e as mulheres hoje se apresentam em domínios até então privilégio de homens; por outro lado, podemos perceber também uma entrada de homens nos padrões morais e estéticos até então dominados por mulheres. A moda, por exemplo, é onde essa interação do feminino/masculino mais se evidencia, porém pode ser percebida também em outros níveis, como no trabalho, no esporte, nos cuidados com afazeres domésticos, etc.

Algo comum a todas as faixas etárias, mas especialmente significativo para a juventude, o ato de comprar bens para o consumo pessoal é inerente ao ser humano em sociedade. Trata-se de um gesto que não necessita mediações específicas: a televisão e a visibilidade das ruas fazem do indivíduo um consumidor competente para si próprio. Particularmente para a juventude, consumir atua na esfera de seu próprio desejo de parecer mais importante nesse período do que em ser. Consumir o que está na moda, o que aparece nos meios de comunicação, o que a turma valoriza, tem efeitos diretos na auto-estima; por mais que seja sempre a intenção de ser diferente em sendo o mesmo – finalmente, usa-se o que o grupo usa ou valoriza – tem-se a impressão de um ato autônomo. Talvez sejam os primeiros momentos em que se aventuram, a partir de uma decisão individual, e as compensações obtidas são substancialmente subjetivas, e não deixam de ser moralmente legítimas.

Há, nesses casos, uma incapacidade de definir uma estratégia de crescimento profissional, o que termina por gerar uma condição fluida no mundo. Os lugares de inserção se retraem e as condições se limitam com a passagem etária para a fase adulta. Está aqui um dos mecanismos de subordinação que se consolidam ao longo da vida.

As áreas precárias em nossas metrópoles concentram famílias com escassos recursos materiais e simbólicos, sobretudo nas relações com outras esferas da vida social e econômica. A ausência do Estado provedor e de políticas públicas, ou mesmo a baixa qualidade dos serviços oferecidos, leva-os à impossibilidade objetiva de obterem a estabilidade que lhes permita alcançar e mesmo formular um projeto de vida. Vive-se o momento, não se planeja o futuro – condição de forma nenhuma ausente de angústias e conflitos.

Notas

3 Estamos considerando "cultura urbana" um modo de vida calcado em práticas próprias de vínculos à dominante monetarizados e onde a esfera do consumo é fator classificatório e elemento identitário, como poderá ser verificado na seqüência do texto.

Artigo recebido em 8 ago. 2007 e aprovado em 25 nov. 2007.

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  • Consumo e identidade no meio juvenil: considerações a partir de uma área popular do Distrito Federal

    Consumption and identity among youngsters: considerations from a popular area of the Brazilian Federal District
  • 1
    Estamos aqui no território da economia dos bens simbólicos que, como Marcel Mauss (1974) explica, trata-se de um conjunto de "expectativas coletivas" com as quais se pode ou deve contar.
  • 2
    Estamos no cenário ideal para analisar a produção de relações, suas modalidades e possibilidades.
  • 3
    Os subsídios empíricos que sustentarão as assertivas que seguem foram obtidos mediante visitas à área e conversas com grupos de jovens do local. Dois grupos, com uma média de 5 adolescentes em cada um foram objeto da pesquisa mais detalhada. Não entraremos em pormenores, mas cabe destacar que a Estrutural, fisicamente próxima do Plano Piloto, é uma das áreas com menor nível de renda familiar no DF, e a ocupação desse território é resultado de longos embates entre o poder local e a seus ocupantes. Hoje está devidamente regulamentada, porém com mínimas condições de infra-estrutura urbana (pavimentação, transporte, educação, saúde, lazer, etc.). Ver: Nunes (2006).
  • 4
    Não iremos entrar no mérito da idade em si para definir esta população jovem. Esta definição de juventude por faixa etária não é consensual nas ciências sociais e optamos por nos valer de uma percepção de senso comum, sobre a qual há uma relativa coerência entre diferentes camadas sociais.
  • 5
    Assim, "diferenças produzidas pela lógica histórica podem parecer surgidas da natureza das coisas" (Bourdieu, 1997, p. 159).
  • 6
    Talvez o vestuário seja a mais evidente demarcação de recortes geracionais pela imediata visibilidade que o caracteriza.
  • 7
    Podemos precisar melhor este argumento lembrando a multidmensionalidade do espaço social onde o campo econômico por si só não esgota todas as suas dimensões. Como veremos à frente, as estratégias de consumo para jovens ainda não consumidores autônomos guiam-se por critérios próprios a esta condição.
  • 8
    As clássicas dicotomias da Sociologia: formal/informal, incluído/excluído, moderno/tradicional, etc.
  • 9
    A idéia de "estranho" para estas áreas é no sentido de nomeá-las como é feito pelo discurso dos grupos hegemônicos que ditam o bom-gosto e o padrão de vida que devem ser considerados como sinônimo de civilização. Nesta classificação há toda a carga ideológica que, definindo o legítimo, o faz descaracterizando o "outro", visto como a negação do bom-gosto.
  • 10
    A este respeito ver F. Vandenberghe (2005).
  • 11
    A idéia de
    projeto vem de Schutz, para quem se trata da "
    conduta organizada para atingir finalidades específicas" (
    apud Velho, 1994, p. 40).
  • 12
    A idéia de
    campo de possibilidades tem relação com a dimensão sociocultural, espaço para formulação e implementação de
    projetos, conforme Schutz (apud Velho, 1994, p. 40).
  • 13
    Apesar do enorme respeito pela figura materna, especialmente entre os jovens da Igreja local.
  • 14
    Em um dos grupos de jovens entrevistados, alguns tinham a ambição de freqüentar uma universidade e apenas um falou em um curso profissionalizante. Esse era, por sinal, o mais tímido de todos, o que aparentemente gozava de menor prestígio no grupo.
  • 15
    A teoria sociológica mais tradicional considera o trabalho como fonte de criatividade, auto-expressão e identidade; o consumo, por outro lado, é visto como alienação, falta ou perda de autenticidade e um processo individualista e desagregador. Ver, por exemplo, Lívia Barbosa e Colin Campbell (2006).
  • 16
    Importante esclarecer que, aos olhos dos moradores, não é de forma nenhuma algo que possa ser caracterizado como tal, pelo contrário.
  • 17
    Park denomina região moral da vida citadina quando a população tende a se segregar não apenas de acordo com seus interesses, mas de acordo com seus gostos e seus temperamentos; cada vizinhança pode assumir o caráter de uma "região moral" (Park, 1979).
  • 18
    Quando afirmamos a elevada dose de autonomia da linguagem é no sentido de destacar que, apesar dos bancos escolares uniformizarem o seu uso, há influências permanentes originárias de outros veículos, fontes e instituições, sobretudo no meio urbano onde os estímulos cotidianos são inúmeros.
  • 19
    É fato trivial, mas deve ser ressaltada a total ausência de equipamentos coletivos que possam promover a interação entre os jovens nessas áreas, o que poderia explicar, em parte, a influência das Igrejas.
  • 20
    Esta condição de vulnerabilidade vivida por moradores de áreas periféricas de metrópoles brasileiras se repete em nível global. Ver por exemplo,
    Planeta favela, de Maike Davis (2006), onde há uma detalhada apresentação de fenômeno similar em todos os continentes do planeta. Ela se acirra ainda mais quando o poder público, visto como ameaça, disputa o território com formas outras de poder (tráfego de drogas, crime organizado, milícias, etc.), acentuando ainda mais esta vulnerabilidade.
  • 21
    As referências de classe têm o mérito de estabelecer elos tanto no tempo como no espaço, conforme nos lembra Megatti (2007, p. 20).
  • 22
    Certas áreas urbanas, apesar de "públicas", não estão acessíveis a qualquer um em qualquer momento. As restrições no uso e consumo de certas áreas é uma regra corriqueira e atinge todos os grupos sociais.
  • 23
    Ver dentre outros, por exemplo, Barbosa (2006).
  • 24
    Diga-se de passagem, que a tão decantada "juventude de 68" está tão distante em tudo que ela se propunha e seus lemas não são sequer mencionados, escapando completamente da memória dos jovens pesquisados.
  • 25
    Os padrões estéticos, os gostos, os padrões de consumo são altamente reveladores do lugar social de cada um, como pode ser observado, por exemplo, na diferença entre
    alta cultura e
    baixa cultura expressa no que é ou não é legítimo em certo circuito social.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      15 Jan 2008
    • Data do Fascículo
      Dez 2007

    Histórico

    • Aceito
      25 Nov 2007
    • Recebido
      08 Ago 2007
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