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Entre sociólogos: versões conflitivas da "condição de sociólogo" na USP dos anos 1950-1960

RESENHAS

Entre sociólogos: Versões conflitivas da "condição de sociólogo" na USP dos anos 1950-1960, livro de autoria da socióloga Carolina Pulici, trata, fundamentalmente, dos embates, das disputas e da dinâmica entre as cadeiras de sociologia I e sociologia II do curso de ciências sociais da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL) da Universidade de São Paulo, confronta-as no que tange à concepção de trabalho intelectual em sociologia e às práticas acadêmicas adotadas por seus integrantes durante as décadas de 1950 e 1960, período do apogeu do processo de consolidação institucional da sociologia na USP.

Fundada em 1934, a criação da FFCL/USP, como se sabe, relaciona-se com as transformações sociais pelas quais a cidade de São Paulo passava desde a década de 1920, bem como em relação a atuação dos educadores que integravam o movimento de renovação educacional da Escola Nova, os quais, em conjunto com os dirigentes do jornal O Estado de São Paulo, lançaram as bases do projeto de criação da Universidade de São Paulo, na expectativa de recuperar, no plano educacional, a hegemonia política perdida. Para o curso de ciências sociais, foram contratados professores estrangeiros - sobretudo de origem francesa -, em início de carreira, mas já acumulando certos trunfos que confeririam a alguns deles o renome intelectual alcançado mais tarde, incumbidos de renovar os padrões e critérios intelectuais de docência e pesquisa universitária, rompendo com o modelo praticado nos demais centros tradicionais de ensino superior pelo país, no qual imperava a mentalidade jurídica encarnada na figura do bacharel.

Criadas em 1934 e 1935, as cadeira de sociologia I e sociologia II foram dirigidas, em seus primeiros anos de existência, por, respectivamente, Paul Arbousse-Bastide (1934-1941) e Roger Bastide (1942-1954); e Claude Lévi-Strauss (1935-1938), Roger Bastide (1938-1942) e Fernando Azevedo (1943-1963). Para os cargos de professores-assistentes, neste primeiro período, foram contratados, entre as primeiras levas de formandos, aqueles que mais se destacaram: Florestan Fernandes, Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza, Maria Isaura Pereira de Queirós, grupo de jovens pesquisadores cujas trajetórias intelectuais e acadêmicas posteriores somente confirmariam as promissoras expectativas iniciais, tornando-se nomes de referência nas ciências sociais brasileira.

Com o retorno dos professores estrangeiros para os seus países de origem, as cadeiras de sociologia I e II passaram a ter, a partir de meados dos anos 1950, seu corpo docente formado fundamentalmente por brasileiros. É neste contexto que a autora empreende sua análise, delimitando como baliza temporal o ano 1954, marcado pela transferência de Florestan Fernandes da cadeira de sociologia II, em cujo âmbito ele exercera desde 1943 a docência e pesquisa, para a cadeira de sociologia I, substituindo o regente Roger Bastide, após o retorno deste para o país de origem, até 1969, data em que ocorre a substituição do antigo regime de cátedras pela estrutura departamental e as aposentadorias compulsórias de parte dos principais membros da cadeira de sociologia I.

Após passar em revista, na "Introdução", os principais estudos acerca do processo de institucionalização das ciências sociais no país e, no capítulo seguinte - "Algumas tendências intelectuais anteriores a 1954" -, descrever em linhas gerais o processo de diferenciação entre as cadeiras de sociologia antes do recorte temporal adotado pela análise, dedicando-se à verificação de indícios prenunciadores da divisão do trabalho intelectual que começa a se esboçar já na primeira metade da década de 1940 e que perdurará até meados da década de 1950, quando ainda fazia "pouco sentido falar em 'cadeira de sociologia I' e 'cadeira de sociologia II', [mas] a partir de 1954 a divergência de projetos intelectual-acadêmicos começa a configurar-se com nitidez" (Pulici: 28). É quando a labilidade entre produção de conhecimento científico e cultural passa a ser estimulada e admitida, e a autora, nos capítulos seguintes, faz dela o objeto central de sua análise, vale dizer, o confronto comparado entre as duas cadeiras.

De acordo com Pulici, com a ascensão de Florestan Fernandes a situação começa a se modificar radicalmente. Ao valorizar o empenho em lugar do brilho, a aplicação em lugar da erudição, o sociólogo paulista redefiniu os critérios de excelência intelectual, imprimindo um novo ethos profissional que rapidamente passou a imperar dentro dos quadros da FFCL/USP. Encetada inicialmente por meio da produção científica e pelo exercício acadêmico assumido por Florestan Fernandes, tais princípios de avaliação tornaram-se hegemônicos no âmbito da cadeira de sociologia I, imprimindo sua marca na trajetória universitária e intelectual de um grupo coeso de discípulos propensos a perpetuar, em suas linhas gerais, o projeto acadêmico de seu mentor, com os quais se formou a chamada Escola Paulista de Sociologia. No tocante à produção de conhecimento sociológico, os critérios de excelência intelectual que passaram a vigorar assentaram-se na obrigatoriedade da pesquisa empírica e na conexão entre o conhecimento sociológico produzido e os processos contemporâneos de transformação social.

Segundo a autora, a atuação de Florestan não implicou apenas na reorientação das frentes de estudo e pesquisa, mas também se refletiu na composição do perfil sociocultural do corpo docente. Se, de um lado, os docentes agregados em torno cadeira de sociologia II, cujos trunfos repousavam na origem social proeminente e/ou abastada, no domínio apurado de um cabedal de referências sobre manifestações culturais eruditas e numa visão desinteressada de ciência como erudição, o quadro docente recrutado pela cadeira de sociologia I formava um grupo de sociólogos aguerridos, destituídos de grande capital social mas movidos pela tenaz capacidade de trabalho, encarando a sociologia como um domínio técnico e científico, expurgando quaisquer resquícios de ensaísmo ou virtualidades literárias. Enquanto que os integrantes da cadeira I provinham, nas primeiras gerações, de antigos círculos oligárquicos aristocráticos, ou, a partir de meados dos anos 1950, das camadas sociais médias, os membros da cadeira II pertenciam, em sua grande maioria, aos extratos menos abastados, alguns deles "já 'arrimo de família' anteriormente ao ingresso na graduação (e depois no corpo docente) do curso de ciências sociais" (idem: 132). Para a autora, tal composição social responde pelos modelos de excelência intelectual, padrões de apreciação e avaliação legítimos e uma ética de trabalho valorizados na refrega entre os grupos: de um lado, o ideal do saber desinteressado, uma concepção de sociologia menos formal e técnica, a ênfase na transmissão oral do conhecimento; de outro, a sociologia encarada como técnica social científica, num regime de intenso de produção científica, interessada nos processos de modernização e industrialização pelos quais o país passava no período.

Se, com efeito, o rígido contraste instaurado - e amplificado pela linguagem desataviada por vezes empregada pela autora - permite contrapor com nitidez as diferenças em jogo, talvez seja nesta mesma dicotomia que resida o ponto mais vulnerável da análise. Até que ponto os contornos traçados pela autora se sustentam num exame mais circunstanciado das modalidades de produção intelectual assumidas pelos pesquisadores avaliados? Há indícios que tal clivagem não tenha sido tão radical quanto o estudo sugere, e que entre as cadeiras havia tantos pontos divergentes quanto princípios comuns, posição que permite, quem sabe, obter uma visão geral mais nuançada e complexa desse momento decisivo para a consolidação da tradição sociológica uspiana. Embora a autora ressalve que sua perspectiva analítica volta-se para os "investimentos coletivos desses vários autores e não inclinações que se manifestam individualmente" (ibidem: 43) e reconheça que os termos cadeira de sociologia I e cadeira de sociologia II foram usados no singular pois são constructos "artificialmente homogêneos para fins tipológicos" dado o fato que "nos deparamos com individualidades intelectuais as mais diversas" (ibidem: 197), a questão que se coloca é como evitar que a explicação do conjunto não obscureça a singularidade de cada projeto intelectual isolado e, reversivamente, a trajetória de cada um dos pesquisadores enfocados não acabe por inviabilizar a aferição de um padrão geral de conduta.

Nesse sentido, se lembrarmos que Antonio Candido - contratado como professor-assistente da cadeira de sociologia II em 1942 - apresentou, em 1945, como um dos requisitos para participar do concurso para provimento da cadeira de literatura brasileira do curso de letras da FFCL/USP, o estudo "O método crítico de Sílvio Romero", uma minuciosa análise monográfica, redigido de acordo com o

espírito de especialização do trabalho intelectual [aprendido] com os nossos mestres da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo, orientados segundo os critérios mais fecundos da ciência moderna (Antonio Candido),

ao mesmo tempo em que publicava seu primeiro livro, Brigada ligeira (1945), reunião dos principais rodapés literários assinados em seu período de militância como crítico literário no jornal Folha da Manhã, poderemos, com efeito, matizar o contraste entre "ciência pura" e "cultura livre e desinteressada", revelando a existência de alternativas e possibilidades de trânsito não excludentes entre os dois polos.

Do mesmo modo, observa-se Ruy Coelho, professor da cadeira de sociologia II, a partir de 1953, que, após doutorar-se na Universidade de Northewestern (cf. Ruy Coelho, Os caraíbas negros de Honduras, São Paulo, Perspectiva/Sociedade Científica de Estudos da Arte, 2002), sob a orientação de Melville Herskovits (1948), passa a trabalhar na França como principal assistente do Setor de Relações Raciais da Unesco (1950-1953). Ruy Coelho foi um dos maiores responsáveis pela elaboração do escopo geral do conjunto de pesquisas sobre as relações raciais no país, patrocinado pela agência internacional,1 1 . Sobre o papel destacado de Ruy Coelho no âmbito das deliberações e execução da pesquisa promovida pela Unesco, cf. Marco Chor Maio "Abrindo a 'caixa-preta': O Projeto Unesco de relações raciais", in Fernanda Peixoto, Heloisa Pontes e Lilia Moritz Schwarcz (orgs), Antropologias, história e experiências, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004. e as conclusões de sua tese de doutorado procuram, numa perspectiva comparada, identificar um repertório de traços culturais entre a "cultura caraíba negra e de outros grupos negros do Novo Mundo", em consonância com o projeto intelectual de seu mentor, voltado para a diáspora de africanismos, dialogando, no capítulo final, com parte dos principais estudos sobre as relações raciais no Brasil. A imagem de pesquisador aferrado a um projeto de conhecimento puro e desinteressado seja talvez passível de reparos.

Mesmo entre os pesquisadores que encarnariam de maneira mais precisa o perfil delineado pela autora, pode-se vislumbrar nuances e arroubos autorais que os fazem destoar do padrão geral auferido. É o caso, por exemplo, do sociólogo Sedi Hirano, oriundo de uma família de imigrantes japoneses do interior de São Paulo e contratado como pesquisador na cadeira de sociologia I, em 1964, cuja trajetória intelectual, ao contrário do esperado, guiou-se em direção aos domínios da elucubração teórico-metodológica pura. Em lugar de uma produção científica voltada para o levantamento exaustivo de dados e em sintonia com os dilemas do processo de modernização do país - tal como se poderia deduzir a partir da proposta assumida por Pulici -, Hirano lançou-se na vida intelectual com dissertação em que examina os sistemas conceituais que amparam a noção de castas, estamentos e classe social em Marx e em Weber,2 2 . "O presente estudo emergiu da necessidade que o autor sentiu de rever as concepções de Karl Marx e Max Weber, dois clássicos da sociologia alemã, quanto às noções e conceitos de castas, estamentos e classes sociais, para que a investigação sobre a estrutura de classes da sociedade brasileira pudesse ser empreendida de forma satisfatória" (Hirano, 1974: 13). e tese de doutorado que examina, teoricamente, a questão do pré-capitalismo e do capitalismo na formação do Brasil colonial (cf. Sedi Hirano, Castas, estamentos e classes sociais: Introdução ao pensamento de Marx e Weber, São Paulo, Alfa-Omega, 1974; idem, Pré-capitalismo e capitalismo, São Paulo, Hucitec, 1988).

De igual maneira, as preocupações intelectuais de Gabriel Cohn, contratado como professor-assistente da cadeira de sociologia I a partir de 1964, não se enquadram de maneira exata na tipologia proposta por Pulici. Se a origem social e trajetória biográfica de Cohn condizem com o padrão auferido pela autora, bem como sua dissertação de mestrado sobre "o processo que conduziu à entrada e subsequente ação do estado brasileiro numa área específica da economia nacional: a exploração do petróleo" (Gabriel Cohn, Petróleo e nacionalismo, São Paulo, Difusão Europeia do Livro, 1968, p. vii)3 3 . Realizada no âmbito programa de estudos sobre a ação do Estado no desenvolvimento brasileiro, o qual, por sua vez, se integrava ao projeto "Estado e sociedade no Brasil: Análise sociológica do subdesenvolvimento", formulado por Florestan Fernandes, a dissertação foi publicada em 1968 com o título de Petróleo e nacionalismo. tenha realizado o ideal de pesquisa baseado em amplo levantamento empírico e temática, trabalho engajado com problemas sociais de seu tempo, por outro lado, as teses de doutorado e livre-docência tratam, respectivamente, de uma análise bibliográfica com vistas a avaliar criticamente o quadro teórico-conceitual em que se baseiam os fundamentos da análise sociológica da comunicação de massa e uma reconstrução crítica do esquema conceitual da sociologia de Max Weber, o que revela uma marcada propensão em direção à reflexão teórica.

Se deixarmos momentaneamente de lado as diferenças que opõem as cadeiras de sociologia I e II e compararmos as trajetórias acadêmicas de dois dos principais nomes da tradição acadêmica uspiana - a saber, Antonio Candido, enfocando o momento em que ele assume o curso de teoria literária e literatura comparada, em dezembro de 1960; e Florestan Fernandes, no tocante ao modelo de atuação profissional adotado por ambos na condução das respectivas áreas de estudo que os consagraram -, a clivagem estabelecida pela autora torna-se menos irredutível do que aparenta ser. Pois se o contraste entre as origens sociais de ambos (procedência humilde em contraste com descendência de família abastada), das influências formativas (Roger Bastide e Herbert Baldus versus Jean Maugué e Roger Bastide), dos interesses intelectuais (questões sociológicas restritas em oposição ao interesse permanente pelos estudos literários) e modelos de investigação científica (sociologia científica ao invés de "sociologia como ponto de vista") assinala oposições significativas; por outro lado, pode-se observar uma semelhança notável entre eles no que concerne às estratégias profissionais e perfil dos investimentos acadêmicos realizados a partir do momento em que Candido assume a direção do curso de teoria literária e literatura comparada.

Examinados em conjunto, os projetos intelectuais de Candido e Florestan, no tocante à condução da rotina institucional das áreas que lideravam, trazem à tona vários pontos convergentes: ambos renovaram o repertório de referências bibliográficas e autores estudados, formularam amplos projetos investigativos desenvolvidos pelos alunos, redefiniram a hierarquia de objetos legítimos de estudo e pesquisa entre os pares profissionais, lançando as bases para a consolidação do exercício profissional acadêmico das disciplinas científicas a que dedicaram seus esforços.

Dessa perspectiva, torna-se possível espreitar, em algumas iniciativas e programas de trabalho, certos princípios e práticas semelhantes compartilhados, sobretudo no que se refere à promoção de trabalho em grupo, requisito "fundamental para o trabalho científico". Em prefácio de A condição de sociólogo (1978),4 4 . Segundo Arruda, "a ideia da formação do grupo seleto de sociólogos, meticulosamente selecionados por ele para compor o corpo de seus assistentes, ele retirou, como sugerimos, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo" (Maria Arminda do Nascimento Arruda, "A sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a 'Escola Paulista'", in S. Miceli (org), História das ciências sociais no Brasil, Vol. 2, São Paulo, Sumaré, 1995, p. 192). Em artigos recentes, Luis Carlos Jackson enuncia a comparação que estou esboçando ("A sociologia paulista nas revistas especializadas (1940-1965)", Tempo Social, Vol. 16, n. 1, junho 2004; "Tensões e disputas na sociologia paulistas (1940-1970)", Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 22, n. 65, outubro 2007). Candido avalia que o sociólogo paulista

mostrou pelo exemplo que o trabalho do cientista se desdobra pelo trabalho de outros cientistas; e que para tanto é preciso haver plano, sistematização, esforço organizado de grupo, senso dos problemas, culminando, em seu caso, pelo senso imperioso do dever social e político ("Prefácio", in Florestan Fernandes, A condição de sociólogo, São Paulo, Hucitec, 1978, p. XI).

Da mesma forma, Candido procurou conectar o conteúdo temático discutido nos cursos às pesquisas científicas realizadas sob sua direção, tendência observável, conforme vimos, nos estudos sobre o movimento modernista e a crítica literária brasileira, promovendo um conjunto de estudos correlacionados cujos resultados acumulados permitiam subsidiar a reflexão coletiva dos principais membros desse grupo. E, reforçando o paralelo entre eles, Candido - a exemplo de Florestan - incumbiu-se de orientar na pós-graduação uma quantidade expressiva de trabalhos, estimulando a publicação da quase totalidade das pesquisas no catálogo das principais editoras comerciais do período.5 5 . Tal como Florestan, Candido se incumbiu de prefaciar quase todos os estudos por ele orientados. Nessas intervenções, podem-se encontrar, de um lado, sutis indicações das divergências e/ou contestações de Candido em relação sobretudo à influência acentuada do paradigma de análise estruturalista que se encontrava no apogeu de sua afirmação internacional, e, de outro, registros de pequenos fragmentos reveladores da dinâmica intelectual interna da área de teoria literária e literatura comparada. Já os prefácios assinados por Florestan salientam, de modo geral, o esforço dos autores em consolidar um padrão de trabalho científico de pesquisa sociológica, ressaltando a pujança do arcabouço teórico-metodológico empregado por eles na interpretação de problemas sociológicos candentes, bem como exortando a capacidade da ciência em indicar caminhos para a transformação social.

Ao considerar a relação pessoal estreita entre Candido e Florestan, forjada sobretudo nas várias situações de interação e auxílios mútuos quando ambos exerciam o cargo de professor-assistente na cadeira de sociologia II, é pouco provável que tenham passadas despercebidas aos olhos de Candido as diversas estratégias mobilizadas por Florestan no processo de implementação de seu projeto de atuação institucional à testa da cadeira de sociologia I. E a plausibilidade dessa sugestão se reforça quando nos deparamos com a seguinte declaração de Candido, coligida por Peirano:

É na literatura, contudo, que identifica seus alunos: Roberto Schwarcz, Walnice Nogueira Galvão, Davi Arrigucci Jr., João Lafetá, José Miguel Wisnik, por exemplo: "Esses são os meus Fernando Henriques, os meus Octávio Iannis" (Mariza Peirano, "O pluralismo de Antonio Candido", in idem, Uma antropologia no plural, Brasília, EdUnB, 1991, p. 36, grifos meus).

Se o estudo de Pulici tem o mérito de chamar a atenção e trazer material - com destaque para a "Cronologia de entrada, saída e ascensão acadêmica dos docentes que fizeram parte das cadeiras de sociologia I e II entre 1954-1969", para que se reconheçam as marcantes diferenças e visões conflitivas da prática e concepção de atuação intelectual que vigoraram nessas duas cadeiras no período coberto pela pesquisa, sua proposta, ao meu ver, padece de certo esquematismo, que, se não chega a empobrecer a análise, impede, no entanto, a possibilidade discernir de modo mais fecundo a pluralidade de vocações, interesses, influências, investimentos e alternativas disponíveis entre os diversos projetos intelectuais em andamento no período de apogeu da sociologia científica praticada na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da USP.

  • de Carolina Pulici Entre sociólogos: versões conflitivas da "condição de sociólogo" na USP dos anos 1950-1960 (São Paulo, Edusp/Fapesp, 2008)

    Rodrigo Martins Ramassote
  • 1
    . Sobre o papel destacado de Ruy Coelho no âmbito das deliberações e execução da pesquisa promovida pela Unesco, cf. Marco Chor Maio "Abrindo a 'caixa-preta': O Projeto Unesco de relações raciais", in Fernanda Peixoto, Heloisa Pontes e Lilia Moritz Schwarcz (orgs),
    Antropologias, história e experiências, Belo Horizonte: Editora da UFMG, 2004.
  • 2
    . "O presente estudo emergiu da necessidade que o autor sentiu de rever as concepções de Karl Marx e Max Weber, dois clássicos da sociologia alemã, quanto às noções e conceitos de castas, estamentos e classes sociais, para que a investigação sobre a estrutura de classes da sociedade brasileira pudesse ser empreendida de forma satisfatória" (Hirano, 1974: 13).
  • 3
    . Realizada no âmbito programa de estudos sobre a ação do Estado no desenvolvimento brasileiro, o qual, por sua vez, se integrava ao projeto "Estado e sociedade no Brasil: Análise sociológica do subdesenvolvimento", formulado por Florestan Fernandes, a dissertação foi publicada em 1968 com o título de
    Petróleo e nacionalismo.
  • 4
    . Segundo Arruda, "a ideia da formação do grupo seleto de sociólogos, meticulosamente selecionados por ele para compor o corpo de seus assistentes, ele retirou, como sugerimos, da Escola de Sociologia e Política de São Paulo" (Maria Arminda do Nascimento Arruda, "A sociologia no Brasil: Florestan Fernandes e a 'Escola Paulista'", in S. Miceli (org),
    História das ciências sociais no Brasil, Vol. 2, São Paulo, Sumaré, 1995, p. 192). Em artigos recentes, Luis Carlos Jackson enuncia a comparação que estou esboçando ("A sociologia paulista nas revistas especializadas (1940-1965)",
    Tempo Social, Vol. 16, n. 1, junho 2004; "Tensões e disputas na sociologia paulistas (1940-1970)",
    Revista Brasileira de Ciências Sociais, Vol. 22, n. 65, outubro 2007).
  • 5
    . Tal como Florestan, Candido se incumbiu de prefaciar quase todos os estudos por ele orientados. Nessas intervenções, podem-se encontrar, de um lado, sutis indicações das divergências e/ou contestações de Candido em relação sobretudo à influência acentuada do paradigma de análise estruturalista que se encontrava no apogeu de sua afirmação internacional, e, de outro, registros de pequenos fragmentos reveladores da dinâmica intelectual interna da área de teoria literária e literatura comparada. Já os prefácios assinados por Florestan salientam, de modo geral, o esforço dos autores em consolidar um padrão de trabalho científico de pesquisa sociológica, ressaltando a pujança do arcabouço teórico-metodológico empregado por eles na interpretação de problemas sociológicos candentes, bem como exortando a capacidade da ciência em indicar caminhos para a transformação social.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      25 Mar 2011
    • Data do Fascículo
      Abr 2010
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