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Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea

RESENHAS

Josias Alves da Costa

de Sadi Dal Rosso, Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea (São Paulo: Boitempo Editorial, 2008)

A onda contemporânea de intensificação da jornada de trabalho pelo qual o mundo passa é o objeto de estudo do livro Mais trabalho! de Sadi Dal Rosso. Caminhando pela intensidade do trabalho, passando pela construção histórica da noção de intensidade, desenvolvida como um processo gradual de difusão da intensidade do trabalho, a intensificação do trabalho e os trabalhadores até a diversidade da intensificação da jornada de trabalho, concluída com a teoria da intensidade do trabalho formam o conjunto de abordagens desenvolvidas nas páginas do livro.

Neste texto, Dal Rosso faz uma viajem no tempo buscando o fio da meada do aumento da intensidade da jornada de trabalho. Apresenta o contexto atual de intensidade, onde descobre o conceito que o mercado de trabalho imprime a seus trabalhadores: "Trabalhos, não mais empregos", disse o chefe de uma grande rede de supermercado de abrangência nacional em entrevista concedida. Esse é o ponto de partida do autor, voltando a meados dos séculos XVIII e XIX, com a Revolução Industrial, passando pelos principais modelos de administração - taylorismo, fordismo e toyotismo - no final do século XIX, começo do século XX, numa busca incansável por rastrear o início da intensificação do trabalho e suas principais causas.

O autor afirma que estamos passando por uma mudança de conceito no que diz respeito a emprego e trabalho. Emprego:

refere-se à relação empregatícia, com salário fixado no início do contrato de trabalho, com direitos de jornada semanal, regulada segundo a lei [...], com descansos semanais, com prescrições das atividades a desenvolver [...], com contribuições para seguridade social recolhidas mensalmente, o que permitia ao trabalhador a aposentadoria [...], ao seguro desemprego e aos serviços de saúde. (Dal Rosso, 2008: 13).

O trabalho reveste assim um conceito diferente, mais forte, e é definido como:

No mundo dos "trabalhos", a remuneração dependeria diretamente das tarefas concretas exercidas, não de um salário contratado, mas de um trabalho realizado (idem: 14).

Essas novas definições, tanto de trabalho como de emprego, colocam em xeque as relações empregador-empregado e dão uma nova dimensão ao contexto do trabalho.

Esse novo conceito de trabalho e emprego deve necessariamente passar pela polivalência do trabalho e do trabalhador que substitui os cargos com suas funções específicas e faz o trabalhador se desdobrar em várias funções sucessivas, o que tornaria impossível o descanso. Em outros termos, relata Dal Rosso, é a forma encontrada para que o trabalho ganhe em intensidade.

O autor propõe uma clara distinção entre produtividade e intensidade. O trabalho tem, conceitualmente, sua dimensão mais exata na produtividade, portanto, não cabe pensar em produtividade e intensidade entrelaçadas uma na outra sem conceituar cada uma. São duas as dimensões que fazem as separações entre produtividade e intensidade: os avanços efetuados nos meios materiais, que, nesse caso, pode ser considerado como aumento de produtividade; e a mudança organizacional de atividades que consomem energia, aqui é definida como processo de intensificação. Dal Rosso clareia a ideia da seguinte maneira: "conceitualmente as duas ideias são distintas e como tal devem ficar separadas" e "as duas situações demonstram a necessidade de distinguir produtividade de intensidade do trabalho" (ibidem: 26).

Intensidade não significa mais produtividade, assim, faz-se necessário considerar ambos os conceitos para, só então, definir quais tipos de organização ou mudanças devem ser feitas no ambiente produtivo.

Dal Rosso, chama ainda a atenção para o que define como erro histórico: os estudos sobre jornada de trabalho e intensidade são realizados tão-somente a partir da materialidade dos fatos, ou seja, do trabalho material observado na indústria automobilística, que serve de referencial. O autor alerta para o que considera ser mais um dos causadores do aumento da intensidade: o trabalho imaterial, como o lazer, a cultura, entre outros tipos de tarefas que exigem cada vez mais resultados de quem as exercem como atividade principal. A pergunta é: "O que é intensidade para um pesquisador, se não for considerado o aspecto imaterial do seu trabalho, o apelo à inteligência?" (ibidem: 33). A pergunta resume logicamente sua proposição e coloca em discussão as contradições entre intensidade e produtividade, materialidade e imaterialidade.

Dal Rosso faz um passeio pela história. Seu objetivo é resgatar a noção de intensidade do trabalho através dos tempos. A práxis de intensificação se dá de várias maneiras e a atual é apenas mais uma entre as muitas repertoriadas. O autor convida então o leitor a acompanhá-lo por dois diferentes percursos: o que envolve as transformações tecnológicas, classificada aqui como revolução da informática e comparada à revolução industrial; e o percurso da reorganização do trabalho. Diz:

O grau da intensidade varia combinada ou isoladamente em funções de alterações das condições técnicas e de mudança em sua própria organização (ibidem: 46).

É na Revolução Industrial que Dal Rosso começa a trilhar o caminho da intensidade. Marx será seu referencial, especialmente o Marx do primeiro volume de O capital (1864), quando assiste às transformações da Revolução Industrial em seu contexto social. Os capitalistas são responsáveis de imediato pela intensificação do trabalho, seu interesse em aumentar a produção leva ao aumento do número de horas de trabalho ao máximo possível e são eles mesmos, com a participação dos operários, que, mais tarde, observam o mal ocorrido com a intensificação das horas de trabalho e passam então a investir em tecnologia e a exigir que os trabalhadores se adaptem ao novo ritmo que já nasce acelerado, intensificado.

A análise de Dal Rosso parte do conceito que Marx deu ao tempo do não trabalho, a porosidade após analisar a luta dos operários por um descanso mais justo, o tempo que o trabalhador passa parado e como o trabalho é cansativo e desgastante. O trabalhador procura, então, aumentar esse tempo de não trabalho, evitando, assim o desgaste excessivo. E como o conceito dos empregadores é de uma produção sempre maior, o interesse dos capitalistas é diminuir o tempo de "porosidade", aumentando, assim, a produção e estabelecendo uma luta sem fim, entre intensidade e descanso.

O grito pela redução das horas de trabalho surge diante do quadro de desgaste que cada trabalhador enfrentava dia a dia, a única alternativa era a redução da jornada de trabalho que caminhava em torno das 12 horas diárias. A partir daí se desencadeia uma luta frenética entre as classes de empregados e empregadores com o objetivo de diminuir o cansaço com a redução da jornada de trabalho, tornado a máquina a vilã da história da intensidade. Ela, nas mãos dos capitalistas, vai ser a ferramenta base da intensificação.

Com o amadurecimento da Revolução Industrial fecha-se o primeiro ciclo de intensificação da história do capitalismo, que se caracteriza pela passagem do alongamento da jornada para a intensificação via transformação tecnológica das empresas. Em termos de ideologia política, esse período corresponde à prevalência do capitalismo liberal (ibidem: 2008).

O rastro perseguido pelo autor muda de cenário quando chega à administração científica do trabalho. Aqui ele expõe de maneira intensa o processo de intensidade dos quais os trabalhadores foram submetidos com a reorganização do trabalho nos modelos fordista e taylorista. Ao descrever o ponto central das ideias de Taylor, "o 'subtrabalho' é o maior mal de que o povo trabalhador está afetado". Foi assim que o movimento da reorganização imprimiu nos trabalhadores um grau de intensidade sempre crescente. Para Taylor, o que os operários faziam era um subtrabalho e o trabalhador só alcançaria prosperidade quando atingisse seu maior resultado diário com o uso eficiente da máquina.

O toyotismo somente critica e aperfeiçoa o modelo existente, tornando a vida dos trabalhadores mais intensa. Seu método de organização e controle dos desperdícios fez dos japoneses os campeões de produção e de "redução do trabalho sem valor". Em 1950, tentando superar o sistema fordista, a Toyota passa à produção de tempo certo, isso em face da análise de que em tempo de glória econômica tudo que se produz se vende, porém em tempos de crise financeira a produção se perde. Assim, a produção de tempo certo gera somente o necessário para o momento, nesse caso, além de diminuir os postos de trabalho, a intensidade dos que permanecem trabalhando aumenta.

O tempo livre, o tempo de não trabalho, passa a ser engolido pelo trabalho. A tecnologia que poupa trabalho está falhando em liberar aqueles que trabalham (ibidem: 71).

A tecnologia, nesse aspecto, tem sido o braço direito da intensidade. Desenvolvida com o intuito de melhorar a produção e de facilitar a vida do trabalhador, tem sido usada para diminuir o tempo de não trabalho. Com esse sentimento, o autor partiu para pesquisas no intuito de mostrar a nova forma de intensificação, contribuindo, dessa forma, com as pesquisas no campo conceitual, metodológico e empírico.

A mudança tecnológica viesada pelo esforço, a intensificação a partir dos efeitos sobre o trabalhador, a intensificação e tempo de trabalho, a não negociação da carga de trabalho e eventos recentes permitem delinear uma visão panorâmica dos estudos contemporâneos sobre intensidade. E juntamente com seus principais autores formam o conceito que Dal Rosso imprime a respeito dos estudos recentes sobre o aumento da intensidade e constitui sua principal motivação para o desenvolvimento da pesquisa feita nos principais ramos de atividades, como segue: bancos e financiadoras, telefonia e comunicação, supermercados, ensinos privados, construção civil e serviço público.

Dal Rosso oferece ainda uma síntese dos resultados obtidos em campo. Conceitualmente, seu livro passeia pelos principais caminhos da intensificação do trabalho. Na pesquisa de campo, é constatado, de forma bem clara, o aumento da intensidade. Seu desafio então é o que fazer a partir destas constatações? Quais caminhos os trabalhadores podem percorrer para melhorar seu ambiente de trabalho e torná-lo menos denso? O que fazer com sua saúde, tendo em vista o aumento das doenças relacionadas ao estresse? E conclui:

A desagregação das respostas por ramo de atividade permite uma visão mais particularizada e, portanto, com elementos distintos da análise da amostra como um todo. Talvez o principal traço encontrado pela observação setorial seja a diversidade da aplicação dos meios de produzir mais trabalho nos diversos setores (ibidem: 193).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Nov 2010
  • Data do Fascículo
    Ago 2010
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