Acessibilidade / Reportar erro

Pluralização societária e os desafios à administração pública na América Latina

Resumos

Este artigo objetiva discutir de que forma o atual perfil da Pluralidade Social Latino-Americana tem interferido ou pode interferir no design do Estado, na configuração da cidadania e na consequente consolidação de políticas públicas nesse continente. Para tanto, foi traçada uma tipologia das mais importantes formações de sociabilidade que se manifestam, na atualidade, no continente latino-americano, no intento de caracterizar sua Pluralidade Social, tendo em conta as diferentes formas de associação humana que estão sendo evidenciadas em estudos antropológicos e sociológicos realizados nos últimos anos. A partir dessa tipologia, a cada um desses tipos de formação de sociabilidade classificados - sociabilidade étnica-cultural, de movimentos sociais, comunitárias, de fronteira e existenciais - foram correlacionadas diferentes propostas de modelos de estado, de cidadania e de políticas públicas que lhe fossem adequadas ou que eram por eles demandadas.

Pluralidade do Social; Organização do Estado; Políticas Públicas; Cidadania


This article intends to argue the way of the current Social Plurality in Latin America modify State's Organization, the public polices and the citizenship. For this, it was built a typology of the sociability forms in Latin America to characterize the current Social Plurality in this continent. They were classified five types of sociability - ethnic and cultural sociability, sociability of social movements, communities' sociability, border sociability and existential sociability. We realize that each one of these kinds of sociability did different proposals and demands for the State's Organization, the public polices and the citizenship.

Plurality of the Social; State's Organization; Public Polices; Citizenship


ARTIGOS

Pluralização societária e os desafios à administração pública na América Latina

Renata Ovenhausen AlbernazI; Ariston AzevêdoII

IDoutora em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professora Adjunta da Universidade Estadual de Ponta Grossa, atuando nos cursos de graduação em direito e no Mestrado de Ciências Sociais Aplicadas. E-mail: . Rua Bernardo de Vasconcelos, n. 30. Jardim Carvalho. Ponta Grossa-PR, CEP 84.015-670. renata_albernaz@terra.com.br

IIDoutor em Sociologia Política pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Professor da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (EA/UFRGS). ariston_azevedo@terra.com.br

RESUMO

Este artigo objetiva discutir de que forma o atual perfil da Pluralidade Social Latino-Americana tem interferido ou pode interferir no design do Estado, na configuração da cidadania e na consequente consolidação de políticas públicas nesse continente. Para tanto, foi traçada uma tipologia das mais importantes formações de sociabilidade que se manifestam, na atualidade, no continente latino-americano, no intento de caracterizar sua Pluralidade Social, tendo em conta as diferentes formas de associação humana que estão sendo evidenciadas em estudos antropológicos e sociológicos realizados nos últimos anos. A partir dessa tipologia, a cada um desses tipos de formação de sociabilidade classificados - sociabilidade étnica-cultural, de movimentos sociais, comunitárias, de fronteira e existenciais - foram correlacionadas diferentes propostas de modelos de estado, de cidadania e de políticas públicas que lhe fossem adequadas ou que eram por eles demandadas.

Palavras chave: Pluralidade do Social; Organização do Estado; Políticas Públicas; Cidadania;

ABSTRACT

This article intends to argue the way of the current Social Plurality in Latin America modify State's Organization, the public polices and the citizenship. For this, it was built a typology of the sociability forms in Latin America to characterize the current Social Plurality in this continent. They were classified five types of sociability - ethnic and cultural sociability, sociability of social movements, communities' sociability, border sociability and existential sociability. We realize that each one of these kinds of sociability did different proposals and demands for the State's Organization, the public polices and the citizenship.

Keywords: Plurality of the Social; State's Organization; Public Polices; Citizenship;

Introdução

Este texto se orienta por algumas questões centrais. São elas: Como se pode caracterizar o perfil da pluralidade social latino-americana? Como ela se constitui e se compõe, na atualidade? E que reflexos e exigências essa pluralidade social está lançando ao Estado, às decisões políticas e à gestão pública, em suas expressões individuais e em sua composição conjunta? Como evidenciar pluralidade é sempre perigoso, senão audacioso, dada a complexidade que tal situação evoca, para responder a esses problemas de pesquisa algumas delimitações acerca da abordagem sobre a qual elas serão discutidas precisaram ser fixadas.

A primeira dessas delimitações é que a Pluralidade Social e suas exigências ao Estado serão analisadas segundo um critério eminentemente social, ou seja, com base em um recorte sobre as diferentes formações de sociabilidade que caracterizam as mais diversas expressões de vida humana associada concreta, contemporaneamente coexistentes, na América Latina. Apesar do caráter analítico que tal recorte constitui, ele não deixa de contemplar a totalidade; principalmente, aqui, a que se refere à questão do desequilíbrio entre essas diversas formações de sociabilidade, ou a questão da desigualdade, marco importante, como se verá, até mesmo na constituição e na caracterização dessa Pluralidade Social Latino-Americana, o fazendo, porém, de maneira a abrigar as várias expressões dessa desigualdade - para além da expressão meramente econômica - e suas diversas propostas de solução.

Uma segunda orientação delimitativa deste estudo diz respeito ao fato de que ele deriva de análises sobre realidades empíricas feitas segundo uma abordagem microssociológica. Partindo de estudos e não da realidade concreta, essa pesquisa realizou uma síntese integradora de várias análises feitas em pesquisas empíricas na última década sobre as manifestações da diversidade social na América Latina; e, selecionando aquelas análises aderentes à abordagem da sociologia da vida cotidiana ou microssociologia (e não abordagens macroestruturais) foi possível angariar uma multiplicidade de expressões dessas formações de sociabilidade.

A pesquisa constatou, assim, uma multiplicidade de casos que passaram a ser classificados em alguns tipos gerais de sociabilidade, estes que, mesmo não se pretendendo exaustivos enquanto representação fiel e total da realidade latino-americana, permitiram uma apreensão exemplificativa da complexidade social neste continente e dos desafios que isso apresenta ao Estado e à administração pública de seus países. Essa classificação gerou cinco tipos de formação de sociabilidade mais marcantes no tempo atual latino-americano, quais sejam: (1) a sociabilidade étnica-cultural; (2) a sociabilidade comunitária; (3) a sociabilidade de movimentos sociais; (4) a sociabilidade de fronteira; e (5) a sociabilidade existencial. Esses tipos foram definidos e, a partir deles, iniciou-se uma análise do que eles, reiteradamente, apresentavam como exigências ou propostas ao design do Estado e às políticas públicas. Dessas exigências particulares, induziram-se as críticas ao modelo atual do estado e as propostas para uma nova modelagem estatal adequada a essa Pluralidade Societal.

O texto foi dividido em duas partes, cada uma, também, dividida em dois momentos. Na primeira parte analisa-se a peculiaridade do perfil da pluralidade social latino-americana, tomada em seu todo, destacando o aspecto da desigualdade e da dominação que a diferenciam das demais Pluralidades Sociais de outros continentes ou de outros tempos. Diante desse perfil, coletaram-se as críticas e as propostas teóricas mais adequadas ao Estado e à gestão pública latino-americana, em face da pluralidade social peculiar. Na segunda parte, de cunho analítico, essa pluralidade foi decomposta em suas partes constitutivas e diferenciadas; após isso, em cada uma dessas partes, evidenciou-se o que elas reclamam do estado e/ou as propostas teóricas e práticas já existentes que lhes são ou podem ser adequadas. Há que se destacar que o estudo ainda não é exaustivo na análise da gestão e das políticas públicas, mas é sugestivo no sentido de evidenciar a problematização que a atual sociedade latino-americana pode apresentar e os desafios, em termos teóricos e práticos, que a administração pública está sendo chamada a enfrentar.

A peculiar pluralidade social latino-americana e suas exigências à administração pública

Para caracterizar o perfil da Pluralidade Social Latino-Americana, uma das respostas mais comuns a essa questão revela o fato de que, neste continente, tal pluralidade se manifesta não apenas em sua diversidade, mas também, e de maneira notória, na desigualdade, marginalidade e exclusão da diferença, fato que segrega certos grupos e pessoas do gozo dos bens sociais e da participação nas principais instituições nacionais. As raízes dessa exclusão são explicadas por inúmeras teorias sociológicas latino-americanas, dentre as quais é possível destacar: i) aquelas teorias que advogam que a desigualdade no continente latino-americano é o reflexo de uma modernização1 1 Por modernização e seus processos, entendem-se, aqui, tanto as medidas para a instalação do Estado-Nação e suas respectivas instituições, geralmente a partir da independência dos países coloniais, como também, a consolidação do capitalismo comercial e industrial nesses países. precária e mal sucedida, haja vista ter sido ela dificultada por aspectos pré-modernos próprios da cultura ibérica - como o paternalismo, o familialismo, o personalismo, o patrimonialismo, o Estado centralizador, a corrupção -, aspectos que acabaram por desvirtuar o imanente potencial igualitário e libertário da modernização e, assim, configuraram uma modernização discriminatória e excludente; ii) aquelas que, assumindo uma perspectiva crítica latino-americana2 2 Para a composição desse novo pensamento social latino-americano, importante destacar várias teorias, movimentos e autores. No mapeamento realizado por Wolkmer (2001, p. 269), encontram-se: a Teoria da Dependência (Rui Marini, Theotônio dos Santos, Celso Furtado, Franz Hinkelammert), a Teoria Teológica para a Libertação (Gustavo Gutierrez, Hugo Assmann, Clodovis e Leonardo Boff), as Filosofias da Libertação (Enrique Dussel, Augusto Salazar Bondy, Leopoldo Zea) e Latino-Americana (Alejandro Serrano Caldeira, Raul Fornet-Betancourte), a Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire), a Teoria Social baseada em uma Redução Sociológica (Guerreiro Ramos), a Ética da Alteridade (Enrique Dussel), as proposições de uma filosofia crítica para a política e para o direito (Torre Rangel, David Sanches Rubio, Celso Ludwig). Especificamente na discussão epistemológica, estariam, segundo Lander (2005, p. 24), as propostas de Orlando Fals Borda, de Alejandro Moreno, e, de modo recente, as produções de Michel-Rolph Trouillot, Arturo Escobar, Aníbal Quijano e Fernando Corosil. , acusam que a desigualdade foi agravada, justamente, por uma transplantação cega dos processos e dos princípios de modernização europeus, o que tornou essa modernização artificial e inadequada aos problemas e condições dos povos latino-americanos. Para essa segunda corrente teórica crítica, o projeto de modernização pensado para a América Latina acabou se estabelecendo por sobre condições a ele contraditórias, tais como: (1) um modo de exploração colonial feito pela e para a metrópole; (2) uma relação de trabalho de tipo escravocrata, vigente em muitos dos países latino-americanos por longos séculos.

No que se refere ao modo de exploração colonial em face do projeto de modernização, Dussel (2005, p. 66) acusa que o padrão de modernidade europeu, ao contrário do que arroga em seu "mito de neutralidade", é devedor da violência da "organização de um mundo colonial e do usufruto da vida de suas vítimas, num nível pragmático e econômico": pragmático, pois foi a partir da colonização do novo mundo que a Europa Latina erigiu-se como o centro e a raiz da história ocidental, "impondo" a modernidade europeia enquanto novo paradigma universal de vida cotidiana, de compreensão da história, da ciência e da religião; e econômico, pois a exploração das Américas foi um importante salto na consolidação dos Estados Nacionais Europeus e na propulsão do seu desenvolvimento capitalista posterior. Assim, para aquele autor, desse "mito da modernidade", aos povos colonizados, restaram apenas os destroços: a violação irresponsável das riquezas e dos saberes locais, a dizimação indígena, a degradação da autoestima cultural nacional, a consolidação, na mentalidade, de um eurocentrismo, muitas vezes acrítico, e a inadequação do arcabouço institucional proposto em face dos problemas da população local (DUSSEL, 2005, p. 67).

Já no que diz respeito ao choque entre o tipo de relação escravocrata e projeto de modernização que neste continente se estabeleceu, especificando o caso brasileiro, Souza (2006, p. 120-121) observa que, por aqui, a relação escravocrata envolvia uma díade problemática entre a absoluta dependência do escravo ao senhor e a quase ausência de regras morais, religiosas, jurídicas ou tradicionais, a regular tal relação - ausência que se verificava no fato de que as regras de dignidade humana, já aventadas na modernidade europeia (pré e pós-revolucionária), e na forte moral católica, não chegaram a interferir significativamente nos padrões morais e jurídicos de regulação da relação escravocrata neste país, o que a deixava a cargo do próprio arbítrio dos senhores de escravos.

Nesse sentido, a modernização de países como o Brasil, que Souza chama de "nova periferia"- ou seja, aqueles países tomados "por assalto" por esse processo modernizante, sem que, para tanto, tivessem já consolidado uma base consensual e simbólica própria para esquematizá-lo - começou falha pois, desconsiderando o enraizamento cultural e social de séculos de regime escravocrata, ela não conseguia sustentar, sobre a base social brasileira, suas principais raízes simbólicas, quais sejam, as raízes da dignidade e da igualdade. Como resultado, ao invés de libertária e igualitária, a modernização no Brasil se consolidou formando uma "ralé social", isto é, "seres humanos a rigor dispensáveis, na medida em que não exercem papéis fundamentais para as funções produtivas essenciais e que conseguem sobreviver nos interstícios e nas ocupações marginais da ordem produtiva" (SOUZA, 2006, p. 122), ralé que, não participando ou sendo contemplada nas estruturações e instituições societais modernas, acabava compondo uma "subcidadania" ou cidadania de segunda classe.

Exemplar dessa opção política, cujo processo de modernização acabou por criar e instituir a "subcidadania", foi o rumo dado à estruturação do Estado brasileiro no início da República (a partir de 1889), que desconsiderou, de maneira gritante, as necessidades e a participação do grande contingente de ex-escravos libertos em 1888, lançando-os a condições iniciais de "liberdade", extremamente precárias e indignas. Dentre essas condições iniciais precárias, há que se destacar uma de suas expressões: a exclusão da possibilidade, aos negros libertos, de sobreviverem e de se desenvolverem a partir da posse e do cultivo da terra. Como se sabe, a Lei de Terras, outorgada em 1850, determinava que somente o Registro das Terras, por suas sucessivas transferências por contrato de compra e venda ou por herança, legitimaria a propriedade e não mais a posse produtiva, como o fora até então, sendo as terras restantes consideradas terras devolutas, insuscetíveis de serem adquiridas por posse antiga. Nessa situação, a posse realizada por um desses negros libertos, sem dinheiro para comprar a terra, era sempre precária e sujeita a expulsões. Tal situação foi agravada uma vez que a própria "ciência" da época ratificou essa exclusão do negro. Como bem lembra Schwarz (1996, p. 147-185), por se ter adotado no Brasil abolicionista uma noção de raça e de distinção racial construída pelos homens de ciência das Faculdades de Direito e de Medicina, dos Museus Etnográficos e dos Institutos Históricos Nacionais, noção baseada em teses naturalistas de determinismos e evolucionismos raciais de origem europeia, fortemente negatórias à miscigenação e às raças não brancas, a questão da cidadania e da igualdade dos negros, que poderia ter sido oportunizada naquele momento de estruturação do Estado, foi abortada, no entendimento de que a igualdade jurídica não poderia superar uma "científica desigualdade natural". Isso espelhou efeitos de negação da cidadania aos homens e mulheres de cor em todas as dimensões de sua vida social. Na esfera econômica, por exemplo, as políticas imigratórias surgidas para prover de mão de obra livre, as atividades antes realizadas sob o regime escravocrata sugeriam uma forte conotação racista ao negro, haja vista que se optou por importar mão de obra europeia (branca), ao invés de ocupar, no regime de liberdade, os milhares de negros libertos, inclusive com a adoção de expressos impedimentos administrativos ao ingresso, no país, de mais mão de obra vinda da África e também da Ásia (pelo Decreto n. 528 de 28. 06. 1890). Tal marginalização se estendeu à política, haja vista que as Constituições Brasileiras de 1824, de 1891, de 1934, de 1937 e de 1946 impediam direitos políticos a mendigos e analfabetos, situação na qual se enquadravam a maioria dos escravos libertos e seus descendentes àquele tempo; e, ainda, as Posturas Municipais, entre a abolição e o início do século XX, impunham uma condição de marginalidade cultural e social aos negros, proibindo seus cantos, danças, religiões - a capoeira, por exemplo, foi incluída como crime no art. 402 do Código Penal de 1890, vigente até 1940 - além de pugnarem medidas nitidamente segregatórias em termos de reservas de espaços sociais apenas a brancos. O abandono do negro a si mesmo, portanto, era total e o entregava à beira de uma luta diária e sub-humana pela sobrevivência, denotando que, entre outros grupos, para o Estado brasileiro, o negro era uma "ralé social", restando-lhe apenas o espaço social marginal.

A justificação e a naturalização posterior dessa desigualdade gerada pelo mito da modernidade e pela instituição da relação escravocrata também foi sustentada por alguns dos ideários e teorias modernas mais recentes. Entre os ideários, está aquele que Kreckel chama de "ideologia do desempenho"3 3 Segundo esse autor, a "ideologia do desempenho" envolve a tríade - a qualificação, posição e salário, sendo que o primeiro determina os demais -, e denota o pano de fundo consensual moderno, tido como universal e neutro, a partir de qual se pode atribuir valor diferencial aos seres humanos e ser essa diferenciação tida como legítima ( apud SOUZA, 2006, p. 168). . Essa ideologia, quando aplicada para conjuntos de pessoas com posições iniciais muito díspares, legitimava a desigualdade já estabelecida e o fazia aos olhos de todos (dos beneficiados e também das vítimas desse critério); a culpa do "fracasso pessoal e social" era atribuída à incompetência, ao menor mérito e à desqualificação do próprio agente - e não a qualquer fator de exclusão estrutural -, o que degradava sua autoestima e resistência. Entre as teorias, está a própria teoria social instituída no continente latino-americano, que, em termos de modernização, mas não só nele, adotou um parâmetro "eurocêntrico", supostamente universalista, que acabou por erigir, segundo Guerreiro Ramos (1983, p. 28-29), uma "ideologia do desempenho das nações", e não propriamente uma "teoria da modernização".

As sintéticas considerações acima, somadas a outras críticas que se atentam para as demais dimensões latino-americanas, onde essa modernização foi inadequada e artificial, apontam para o fato de que a questão da desigualdade latino-americana é fruto mais de um cenário moral e político que fundamenta e perpetra a subcidadania existente, do que fruto de atrasos meramente econômicos das nações latino-americanas em relação ao padrão de desenvolvimento das nações cêntricas.

Em sendo assim, "a crença 'fetichista' no poder da economia em resolver todos os problemas" deve ser posta em questão4 4 O questionar do desenvolvimento econômico como a solução para todos os problemas nacionais tem formado, inclusive, uma frente teórica importante nos dias atuais, entre as quais se destaca, pela pertinência, a proposta de Sen (2000). quando se visa tratar a desigualdade latino-americana. Além disso, também não bastam apenas medidas públicas que visem aprimorar a "modernização" estatal, pois seus resultados podem ser apenas aparentes. Exemplo dessas medidas e de suas inaptidões foram os programas e projetos internacionais do The rule of law reform, a partir da década de 90, para a reforma judicial da América Latina. Esses programas e projetos tinham por base a ideia de que o desenvolvimento de países periféricos passaria, necessariamente, pela organização de um sistema de justiça e de direitos que funcionasse de modo racionalmente adequado. Segundo Villegas (2002, p. 30-31), no entanto, esses programas e projetos foram equivocados não só em seus pressupostos acerca do que deveria ser essa reforma do direito na América Latina, como também em sua visão estreita acerca das principais falhas da juridicidade oficial latino-americana - falhas como a eficácia apenas simbólica do direito estatal, sem compromisso com a sua efetividade, e o fato de o Estado deixar intactas as relações de poder social vigentes, manifestando um autoritarismo e um pluralismo na aplicação de suas normas. Também, as debilidades democráticas fazem com que as leis estatais não contemplem, de modo adequado, as principais necessidades de grupos marginalizados, resultando que as questões que deveriam ser discutidas e resolvidas na esfera política desemboquem nos tribunais e estes, com leis manobradas por tais centros de poder, aplicam a legalidade fielmente, atendendo à justiça formal, mas violando a justiça social.

São necessárias, portanto, medidas públicas outras que favoreçam, além da igualdade econômica: (1) o reforço da cidadania plena e da participação popular de base para romper esse cenário moral e político; e (2) a adoção de medidas plurais e complexas, que possibilitem o reconhecimento da diferença e da respectiva desigualdade social, e de medidas de justiça social, que favoreçam uma estruturação e institucionalização da sociedade latino-americana mais adequada, mais plural e mais igualitária. E são medidas necessárias porque suas estratégias vão à raiz do problema da exclusão - o fortalecimento e a pluralização da cidadania como forma de romper com o ciclo reprodutivo da desigualdade. As manifestações dessa estratégia, no entanto, não se concentram mais apenas no estado, tampouco em um movimento uniforme de um ator político ou social exclusivo e macroestrutural, mas em uma diversidade e infinidade de formações sociais e de atores coletivos que operam nas mais diferentes escalas e extensões societais. E é sobre a caracterização e a classificação dessa diversidade de formações sociais que empreendem esforços para superar as diversas formas e a complexidade da desigualdade social latino-americana que se tratará a seguir.

1. Uma classificação da pluralidade social latino-americana

Importante enfatizar, portanto, que a denúncia e as propostas de tratamento dessa complexa questão da desigualdade na América Latina têm advindo, de modo mais expressivo, não de uma intelligentsia nacional ou vanguarda intelectual e, menos ainda, de uma opção política estatal, mas de uma pluralidade de formações sociais que emergiram, ou reemergiram, principalmente, no contexto do combate aos regimes ditatoriais (décadas de 1960 a 1980) ou durante o processo de redemocratização (a partir da década de 1980), em muitos países deste continente. Ao contrário de uma classe totalizante e de um projeto revolucionário global, a pluralidade dessas formas de vida humana associada se manifesta em suas mais diversas formações de sociabilidade, incluindo movimentos sociais populares (de negros, de mulheres, de sem-terras, de sem-moradia), comunidades de favelas e de bairros periféricos, Organizações Não Governamentais, grupos étnicos (com destaque a indígenas e quilombolas) e comunidades tradicionais (pescadores, camponeses, extrativistas, etc.); suas propostas, do mesmo modo, são pluralistas em conteúdo e em escala: em conteúdo, pois envolvem desde soluções pontuais para problemas específicos, até projetos culturais mais totalizantes; e em escala, porque se estendem desde formações locais e cotidianas até proposituras macrossocietais nacionais e globais.

Afirma-se, inclusive, que esse cenário causou uma transformação significativa na abordagem da desigualdade, haja vista que esta deixou de ser abordada como um fato naturalizado - onde a "rebeldia quieta" (BAYAT, 2000), ou a aquiescência dos marginalizados, era pressuposta como o comportamento padrão, o que deixava o tratamento da desigualdade a cargo, exclusivamente, da benevolência estatal e do assistencialismo societal - para passar a ser tratada a partir de "uma perspectiva de luta pela cidadania e de inserção na agenda pública" (SCHERER-WARREN, 2003, p. 78), luta empreendida pela ação coletiva e cotidiana dos próprios grupos marginalizados e de seus mediadores (Organizações Não Governamentais, Movimentos Sociais, Associações Civis, Partidos Políticos, Entidades Religiosas, Intelectuais, etc.). Não é a toa que, nessa transformação, acredita-se, como nunca, que a modernização da vida social esteja sendo movida pela própria ação social, em uma chamada "cidadania de baixo-para-cima" (LAVALLE et al, 2004, p. 41), algo que, segundo Dagnino (1994, p. 107), tem se expressado: 1) no registro de uma sociedade civil emergente, na qual as relações sociais sejam mediadas pelo reconhecimento e pela representação de interesses, de modo a legitimar as medidas de equidade e as regras de justiça; 2) na pluralização da noção de bem público; 3) na extensão da noção de cidadania para além da relação entre Estado e indivíduo, envolvendo o reconhecimento de direitos, também pela sociedade civil, pelos atores sociais e pelos indivíduos.

Dentre essa diversidade de formações sociais, aqui, o destaque será dado sobre algumas destas consideradas as mais proeminentes, na atualidade, no processo de superação das desigualdades históricas latino-americanas. Em não sendo possível descrever as inúmeras formas de suas manifestações concretas, utilizou-se do recurso a uma classificação e generalização destas em uma tipologia de formações de sociabilidade5 5 As discussões sobre as formas de sociabilidade, mesmo recorrentes em quase toda a extensão dos estudos sociológicos, têm sido recuperadas, com vigor, em estudos que envolvem abordagens como o interacionalismo simbólico, a microssociologia, e a abordagem dos novos movimentos sociais, sendo, inclusive, por conta desses estudos que se evidenciaram as diversas manifestações sociais que compõem a contemporânea Pluralidade Social Latino-Americana. Em termos gerais, a questão das formas de sociabilidade está afeta ao próprio fundamento e justificação da manutenção do vínculo social, sendo, portanto, uma categoria indicada para identificar "unidades sociais elementares", as mais diversas que elas sejam. Em termos de desdobramento analítico dessa categoria, aqui, ela foi analisada nos seguintes termos ou quesitos: (1) sua manifestação em fatos como as formas e os conteúdos de comunicação (bens simbólicos) e os meios de trocas de bens sociais (meios de dar-receber-retribuir); (2) a sua delimitação enquanto um fato social, exigindo expressões de um sentido de unidade e coesão - ou sua identidade coletiva; (3) os conteúdos da sociabilidade, ou os fins, impulsos, objetivos, motivos, razões da interação, que interferem na experiência concreta da sociabilidade em unidades sociais; (4) os graus de sustentação das sociabilidades, que se estendem da maior fluidez à maior solidez no bojo de uma unidade social; e, por fim, (5) os modos de articulação das interações sociais, que podem ser espontâneos ou organizados, ou seja, ditados pelo próprio cotidiano ou vida social, ou impostos, coativamente, por uma instituição ou ente externo às interações, criados para constitui-las. , tipos que envolvem categorias já utilizadas na literatura sociológica e antropológica. Apenas em termos elucidativos, foram classificados cinco tipos gerais de sociabilidade bastante diferentes entre si e com exigências sociais e estatais também notoriamente específicas. São eles: (1) sociabilidade étnica-cultural; (2) sociabilidade comunitária; (3) sociabilidade de movimentos sociais; (4) sociabilidade de fronteira e; (5) sociabilidade existencial. Uma ressalva, no entanto, deve ser feita no sentido de que essa tipologia é apenas um instrumento analítico, pois não se pode negar: (1) que tais formações sociais não estão isoladas umas das outras, de forma que suas sociabilidades se comunicam, estão em contato e também em conflito, e isso ocorre com bastante frequência; (2) que muitas delas, em seu estado ativo, convertem-se em movimentos sociais, de tal modo que estes, apesar de desenvolverem uma sociabilidade própria "durante o movimento e em função dele", congregam variadas formas de sociabilidade; (3) que elas, na atualidade, têm se estendido em amplas redes sociais para sustentar suas lutas; (4) que, na América Latina, tais formações de sociabilidade, apesar de algumas pugnarem por autonomia, não chegam a ser separatistas do Estado e da sociedade nacional; e, por fim, (5) que uma das razões originárias da emergência da pluralidade social latino-americana é a situação de desigualdade e exclusão econômica, cultural, social e cidadã que esses grupos, historicamente, têm sofrido, de tal modo que a autoafirmação deles se dá na luta não só pelo reconhecimento da diversidade, mas também que isso se faça em uma condição de igualdade e de dignidade.

Em primeiro lugar, um dos tipos mais evidentes de sociabilidade, e que gera também uma das formas mais diretas de limitação aos parâmetros modernos de estado-nacionalidade, é o da sociabilidade étnica-cultural, que aparece de maneira bastante firme nas análises sociológicas e antropológicas contemporâneas, inclusive com um sentido de reemergência importante no cenário latino-americano6 6 No sentido da emergência e reemergência de grupos étnicos-culturais na América Latina contemporânea ver o estudo de Correas (2007), sobre a importância dos movimentos indígenas no bojo da democratização e pluralização cultural das sociedades latino-americanas, e de Little (2002), sobre os reflexos do reconhecimento da territorialidade indígena e tradicional pelo Estado na recomposição de grupos historicamente dispersos e/ou desintegrados. , no qual ganham destaque os grupos indígenas e quilombolas. Apesar de não mais tão precisamente demarcadas e isoladas em relação aos demais grupos sociais e da sociedade total, como foram outrora, as formas de vida humana associada marcadas por esse tipo de sociabilidade ainda têm a sua orientação identitária fortemente vinculada ao seu passado e voltada, de maneira centrípeta, ao próprio grupo, o que as faz, nos contatos e conflitos com outras formas de associação humana (e mesmo por ocasião desses contatos e conflitos), reforçar suas heranças coletivas compartilhadas, seus traços culturais e suas crenças subjetivas; estes são, ainda, tipos de sociabilidade que tendem a se estruturar como um conjunto geralmente completo de interações sociais, formando uma "unidade social autônoma", que, por esse fator e por conta de sua persistência histórica, tende a ser auto-organizada e dotada instituições próprias.

A voz desses grupos pôs a nu, na América Latina, as verdades do Estado Nação, que, aliás, segundo denuncia Walzer (1999, p. 72-77), nunca significou uma população ou nacionalidade homogênea, mas sim um único grupo dominante que organiza a vida da comunidade, de modo que ela reflita sua própria história e cultura e, portanto, que se aceita, com reservas, os indivíduos dos grupos minoritários, tomados de forma isolada, desde que mantenham suas diferenças no recôncavo calado de suas vidas privadas. Essa negação - também proposta pelas teorias multiculturalistas e pós-colonialistas - reforçou, neste continente, o repúdio, ao "projeto anticultura da modernização" e às suas consequentes "Políticas Estatais Assimilacionistas", muito comuns até o final da década de 1980. Progressivamente e sob a orientação de Constituições mais Pluriculturais - como foram as Constituições Federais da Nicarágua (1987), do Brasil (1988), da Colômbia (1991), do México (1992), do Paraguai (1992), do Peru (1993) e da Bolívia (1995) - tais políticas assimilacionistas foram sendo substituídas por medidas outras, de cunho mais multicultural, que, em maior ou menor extensão, reconheceram a pluralidade étnica existente em seus territórios e afirmaram a autonomia social e, em alguns casos, política e jurídica, de alguns desses grupos7 7 Aliás, o reconhecimento da autonomia sociológica das unidades sociais que realizam este tipo de sociabilidade tem alcançado a esfera internacional, tal como se verifica na Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em setembro de 2007, pela Assembléia Geral da ONU, que trouxe, em matéria específica dos direitos coletivos desses povos, importantes orientações nesse sentido. Primeiro, porque os indígenas foram considerados como "povos" e também como "nações indígenas" (art. 9º) (algo inédito, até então), e não como grupos ou denominação similar que os colocava em posição inferior às nações estatais. Em segundo lugar, porque o direito à autodeterminação foi expresso (art. 3º) e garantido em termos de: (a) autogoverno nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais e nos meios para financiar suas funções autônoma (art. 4º); (b) reforço das instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais específicas desses grupos (art. 5º), sem, no entanto, os manter em isolamento em relação aos direitos e instituições nacionais; e, ainda, (c) o direito à territorialidade tradicional indígena (arts. 7º e 10) e à participação nos processos de demarcação e de soluções de conflitos envolvendo suas terras. . Um desdobramento importante dessa substituição de políticas públicas tem sido a tentativa, em alguns estados latino-americanos (entre eles o Brasil, a Colômbia e a Bolívia), de uma nova abordagem para tratar a territorialidade indígena e quilombola de modo diferenciado da questão territorial e de propriedade geral, constituindo aquilo que Neves (2003) denomina como um novo "ordenamento territorial indígena" que contemple o fato de que os critérios de distribuição e de uso meramente econômico da terra privada não são gerais e, assim, não podem ser utilizados para avaliar áreas de grupos indígenas e quilombolas, sob pena de se ferir uma das bases de suas culturas, que é sua noção específica de terra e de território.

Lidar com sociedades multiculturais, no entanto, é extremamente problemático ao Estado, ao qual são impostas duas tarefas, muitas vezes incompatíveis entre si: (1) o dever de reconhecer as autonomias desses grupos étnico-culturais e de atender as suas mais variadas demandas segundo critérios multiculturais; (2) o dever de agir de modo legítimo, aos olhos de toda a sociedade, quando de suas decisões políticas e alocativas diferenciadas e, às vezes, até antagônicas. O desafio passa a ser o de justificar políticas públicas segundo critérios diferenciados, por razões de diferença cultural e também por isonomia (tratar desigualmente o desigual, em razão de sua desigualdade), mesmo que isso gere políticas pouco coerentes entre si. Apesar desses problemas, não se pode negar a importância de lidar com os desafios necessários à consolidação desse estado mais complexivo e pluralizado, principalmente no cenário latino-americano, no qual importantes grupos étnicos proclamam a necessidade de uma sociedade e de um estado mais inclusivos e tolerantes.

Outras importantes formas de associação humana na América Latina atual são as que compõem sociabilidades de movimentos sociais, com destaque aos movimentos sociais de base popular, que ganharam forte impulso a partir da década de 1970 e foram considerados, inclusive, como sendo a expressão latino-americana dos Novos Movimentos Sociais (NMS)8 8 Paoli (1995. p. 27) esclarece que a noção "novos movimentos sociais", no Brasil, por exemplo, serviu para representar os movimentos sociais surgidos (ou reinventados) nas décadas de 70 e 80 - grupos de operários que fizeram greves de maneira independente de seus sindicatos, movimentos populares urbanos (grupos de moradores de bairros desprivilegiados e desatendidos em políticas e ações públicas), movimento de mulheres, movimento negro, movimentos sociais do campo, movimento dos povos indígenas - e se referia "ao aparecimento político de atores sociais organizados que não se referenciavam diretamente às estruturas institucionais de poder e de representação política - partidos, governos, Estado - e nem aos atores 'clássicos' do sistema social - grupos de interesses e classes sociais". Pugnavam por outra esfera de poder, para além do poder político - um poder civil e cidadão, ligado à conquista e ao gozo da cidadania e à busca e consolidação de novos direitos, tendo surgido no momento do fim da ditadura e da restauração do Estado de Direito no país, com a dicção da necessidade de uma reinvenção radical da democracia. Segundo Scherer-Warren (1993, p. 60), "as lutas pela redefinição da cidadania (num sentido mais pleno: econômico, político e social), a deslegitimação de decisões tomadas autoritariamente pelo Estado, o fortalecimento das relações comunitárias em seu sentido político, a forma de agir pela resistência ativa não violenta, a tentativa de democratização das práticas cotidianas e a busca de autonomias relativas são espaços que os NMS estão abrindo para a construção de uma sociedade mais democrática". . Cansados de esperar pelos direitos e pelas políticas públicas que nunca chegavam, tais movimentos passaram a se compor assumindo como suas estratégias: (1) a luta pela justiça social, na denúncia das diversas expressões da dominação nas sociedades latino-americanas (dominação racial, cultural, de gênero, etária, de populações urbanas sobre rurais, de opções sexuais, de etnias, de classe social, etc.), expressando, em movimentos concretos, uma "ideia complexa de justiça", que envolveria, segundo Young (2000, p. 20-25), antes mesmo de questões distributivas, o necessário desvelamento das várias condições de dominação institucionalizadas, haja vista que essas condições acabam por viciar tais distribuições, reproduzindo a dominação; (2) a luta pela reconstrução do Estado e das instituições sociais em um sentido democrático radical, na busca constante pela ampliação dos mecanismos de participação democrática, de acesso à justiça e de controle dos poderes e das decisões estatais; (3) a defesa do fortalecimento e da autonomia comunitária, que, em termos imediatos, sustenta a lógica da solidariedade e da solução local das necessidades, independentemente da ação estatal e, às vezes, até mesmo contrariamente a ela9 9 Estas estratégias se destacam quando se repara que, na atualidade latino-americana, afirma Gohn (2003, p. 16-17), os movimentos sociais têm perdido um pouco esta conotação de mobilização popular e se apresentado, além de em complexas redes, também no formato de organizações formais (ONGs e Associações Civis, principalmente), e exigido, entre outras coisas: a) a defesa das culturas locais em face do efeito devastatório da globalização; b) as reivindicações por uma ética na política e uma maior responsabilidade governamental; c) a tematização de questões do cotidiano ainda pouco trabalhadas na esfera política, como os aspectos de subjetividade das pessoas, da sexualidade, das relações humanas e dos reclamos por tolerância e responsabilidade; e, por último, d) a visão de autonomia, não mais apenas como oposição, como o fora nos movimentos sociais da década de 80, mas como autodeterminação, existência de projetos sociais alternativos e como propostas de solução de conflitos e de regras de convivialidade. .

Essas estratégias não são estanques entre si, mas, muitas vezes, somam-se nos movimentos sociais concretos e isso se dá porque, ao contrário dos antigos movimentos, articulados segundo a expressão economicista de classe social, esses Novos Movimentos Sociais latino-americanos, situados nos mais diversos "campos de conflito intersistemáticos" (MELUCCI, 2001, p. 31-32), acabam sendo propositores de "formas alternativas de sociabilidades", tanto internamente ao próprio movimento (criando novas comunidades reais ou virtuais), quanto externamente, na luta pela pluralização das estruturas societais. O conteúdo organizado e ativo dessas sociabilidades, bem como a predominância das formas de trocas de bens sociais por meio da solidariedade, também contribui para que esses movimentos exijam do Estado outros critérios de demarcar necessidade e eficiência social de políticas públicas. Para os fins dessa formulação e legitimação de novos e múltiplos critérios estatais, tais atores pugnam não apenas pela inclusão no jogo democrático tal como ele está posto, mas questionam o próprio funcionamento desse jogo, no intuito de rever as fronteiras do que deve ser definido como arena política: seus participantes, suas instituições, seus processos, sua agenda e seu campo de ação.

As formas de associação humanas marcadas por um tipo de sociabilidade comunitária também devem ser destacadas no cenário da Pluralidade Social Latino-Americana. Nesse quesito e tratando-se de comunidades tradicionais, não se pode deixar de mencionar, aqui, que o reforço comunitário, a partir dos idos dos anos de 1970, foi, inclusive, oportunizado por políticas públicas em alguns países da América Latina, estas que tinham como propósito contribuir para a ativa participação das comunidades na solução de seus conflitos e de suas necessidades e facilitar estratégias e mecanismos que fortalecessem sua auto-organização. Reflexos desse reforço foram a criação de várias experiências de "justiça comunitária" e a formação de mecanismos de gestão como o orçamento participativo, os conselhos de bairros, os conselhos municipais, etc. Em termos de cidadania, como grupos geralmente periféricos, as lutas desses grupos têm se dado na busca de efetivação de direitos e de políticas públicas já consolidados na legislação estatal e em participar, ativamente, nas decisões que realizam esses direitos e políticas.

Além dessas comunidades tradicionais, há aquelas que se formam, na contemporaneidade, como "comunidades de sentido", haja vista que, seguindo Gadea (2004, p. 82), apesar de Giddens afirmar que a modernidade reflexiva consiste na formação de um eu que se liberta dos laços comunitários, gerando um crescente processo de individuação em virtude da autorreflexividade do indivíduo protagonista da estrutura social, Lash (1997), afirma que o que tem sido gerado com a estrutura da informação e da comunicação não é uma "modernização reflexiva", mas uma "tradicionalização reflexiva", na medida em que os campos de reflexividade não se constituem com base em uma crescente individualização, mas para a formação de comunidades reflexivas, com base em práticas motivadas e orientadas para um conjunto de bens substantivos, quer dizer, para um conjunto de códigos culturais e estéticos inerentes ao tipo de sociabilidade em questão; são essas comunidades de vida, aliás, que, segundo Berger & Luckmann (2004), têm se apresentado como uma proteção à "crise de sentido" gerada por um pluralismo social infinito pós-moderno, pois, afirmando e localizando identidades e fronteiras nesse mundo ambivalente e fluido à demasia, elas permitem constituir uma base social segura a partir da qual as comunidades e os indivíduos conseguem se reconhecer e firmar sua noção de pertencimento, sustentando suas referências que orientarão sua visão de mundo, seu comportamento para com os outros e a construção de si mesmos (sua individuação e socialização). Na relação com o Estado, essas comunidades de sentido podem adotar as mais diferentes abordagens, dada sua própria diversidade. Uma destas posições, evidenciada, atualmente, por Hakim Bey (2008), é a de que tais comunidades buscam, algumas vezes, formar uma "Zona Autônoma Temporária" (TAZ), diante do estado, ou seja, buscam liberar uma área (de terra, de tempo, de imaginação) da sobreposição e do controle do Estado e de suas normas, área que se mantém alheia a ele, dissolvendo-se para se refazer em outro lugar e em outro momento, antes que o Estado possa esmagá-la ou na eminência disso. Em outros termos, tratar-se-iam de grupos deliberadamente formados e conscientemente voltados para abrir um "parêntese" na autoridade e normalidade imposta pelo Estado, posicionando-se no lado de fora de sua ordem estatal e força social articuladora, mantendo, na invisibilidade, formas alternativas de sociabilidade.

As sociabilidades de fronteira se manifestam em uma contemporaneidade marcada pela intensificação dos fluxos de pessoas, de bens, de moedas e de mensagens pelo mundo. No bojo dessa intensificação dos contatos, porém, há o surgimento de uma nova "produtividade social da diferença" que se constitui não só na diversidade cultural, mas também nas fronteiras dos contatos humanos, podendo essas fronteiras ser, entre outras possíveis: 1) as margens de sociedades cêntricas ou de culturas dominantes; 2) aquelas criadas por um espaço de tradução intercultural, de miscigenação e de hibridismo.

Nas margens das sociedades cêntricas ou dos espaços destinados aos grupos dominantes ocorre, segundo Pierucci (1999, p. 158), a produção de uma diferença mais subalterna do que necessariamente étnica-cultural, diferença que se configura pelo agrupamento de pessoas por conta da similaridade de carências sofridas em virtude da marginalização e da discriminação - "os indivíduos mais diversos tornam-se iguais na medida em que sofrem a mesma carência", são alvos da mesma exclusão, algo que os faz vivenciar novas experiências de sociabilidade, que não aquelas formadas pela identidade dos conteúdos étnicos e culturais dos grupos dos quais provém, mas que decorrem da busca de alternativas de convivialidade e sobrevivência em um lugar que lhes é estranho e/ou adverso. Composta pelos mais diferentes migrantes que se aglutinam em espaços periféricos das grandes cidades latino-americanas, essas formas de associação humana são bastante pluralizadas e precárias: Pluralizadas porque, ao contrário das anteriores, elas não conseguem compor com facilidade uma síntese identitária mais substantiva, perdurando nelas a complexidade das adesões às múltiplas referências culturais originárias dos seus indivíduos, sendo mais uma justaposição dessas várias referências do que uma síntese comunitária delas. E precárias, não só porque em relação às outras formações de sociabilidade, as sociabilidades de fronteira marginais formam conjuntos humanos expostos a uma condição extremamente vulnerável, como também, porque esses próprios grupos têm uma coesão social muito frágil, pois a intenção de cada membro é sair desses grupos e ingressar na sociedade dominante.

E é por esses grupos que, dada sua vulnerabilidade, pugnam mais por inclusão social, do que por autonomia comunitária, que autores como Piovesan (2001, p. 1128) atentam para a imprescindibilidade, ainda, das ações afirmativas - estas que a autora destaca no tocante à inclusão racial, mas que devem ser pensadas no contexto de todas as formas de exclusão e de discriminação existentes nas sociedades latino-americanas. Além disso, as políticas de inclusão, além das convencionais ações afirmativas de acesso institucional, devem também contemplar a própria organização espacial. Isso em razão de que, segundo aponta o Relatório "Panorama Social da América Latina", da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - CEPAL (2007, p. 23-24), a forte segregação residencial urbana neste continente é um dos elementos retroalimentares da marginalização, pois ela tem gerado sérios efeitos discriminatórios aos grupos de localidades periféricas, tais como a maior dificuldade de sua inserção no mercado de trabalho, a maior fragilidade institucional da educação nesses bairros e o maior risco de desfiliação institucional de seus adolescentes e jovens.

Para além da sociabilidade das margens das culturas e das sociedades dominantes, não se pode negar que essas margens também geram contatos capazes de criar um espaço de sociabilidades intermediárias, híbridas, miscigenadas. Aliás, estudiosos da linha pós-colonialista, como Bhabha (2003, p. 19-20), chegam a afirmar que a questão inovadora do presente não é a narrativa das subjetividades originárias colocadas na situação binária entre "identidade e diferença", mas o espaço entre elas, os "entre-lugares culturais", estes como momentos ou processos produzidos na articulação e negociação das diferentes formas culturais que se fendem e que dão início a narrativas novas. Além disso, é nesse contato, que cria um "espaço de sociabilidade intermediário", que as "sociabilidades de fronteira"10 10 O "Topoi da fronteira", como defendido por Santos (2001, p. 346), refere-se àquele onde há um uso muito seletivo das tradições, onde se inventam novas formas de sociabilidade, onde as hierarquias são fracas e vigora uma pluralidade de poderes e de ordens jurídicas; a fronteira é a fluidez nas relações sociais, a promiscuidade entre estranhos e íntimos, a mistura de heranças e invenções; significa estar onde é preciso inventar tudo e, convertendo o mundo numa questão pessoal, assumir responsabilidade por esse tudo; estar na fronteira é viver no mal delimitado, fora da fortaleza, no meio de fluidez, das trocas constantes e da instabilidade. , tal como defendido por Santos (2001), podem emergir; e é também nele que o choque entre sociabilidades permite "um transcender radical" de cada uma delas, pois no contato intenso das diferenças elas são tematizadas e, no vazio e nas contradições que se manifestam nesse contato, um "estado nascente"11 11 Segundo Alberoni (1991, p. 37), "o estado nascente é uma descontinuidade social provocada por uma experiência de morte e renascimento em nível individual. Os indivíduos olham para si mesmos, para as pessoas que o cercam, a sociedade, o mundo, com um olhar pasmado. Como se estivessem vendo essas coisas todas pela primeira vez e se perguntassem por que cargas d'água elas são assim. Por que eles mesmos são o que são? Por que vivem daquela forma, por que aceitaram viver daquele jeito, quando eram possíveis infinitas formas diferentes de vida? Todas as formas de vida experimentadas pelos homens das mais variadas sociedades ao longo dos milênios e mais ainda? No estado nascente o ser humano descobre sua plasticidade, experimenta sua incrível maleabilidade. As sociedades, os grupos, periodicamente passam pela mesma experiência. São esses os momentos da mudança descontínua.(...) O estado nascente, portanto, é uma experiência tanto individual quanto coletiva, que gera uma ação social de tipo novo, uma nova solidariedade, uma onda de choque sobre as estruturas estabelecidas e uma vontade de renovação radical, uma exploração do possível, procurando realizar alguma coisa daquilo que havia sido vislumbrado". 14 No que se refere ao problema da operacionalidade estatal em uma situação de Pluralidade social em termos de Pluralismo Jurídico (situação que esta pluralidade social também pode ocasionar), ver a solução proposta por Albernaz (2008). (ALBERONI, 1991) pode mudá-las substancialmente. Como uma sociabilidade muito dinâmica, fluida, espontânea, essas sociabilidades intermediárias, hibridas ou miscigenadas ocorrem para além do Estado ou de qualquer exigência estatal. O Estado é chamado depois, quando ela já reclama alguma institucionalização. Apesar disso, por estarem sendo proclamadas como um dos mais significativos motores de transformação social, essas sociabilidade não poderiam deixar de ser mencionadas aqui.

Por fim, também devem ser elencadas as sociabilidades existenciais, que estão surgindo como "enclaves de proteção individual e coletiva" contra os efeitos massificadores e despersonalizantes da modernização e da globalização. No contraponto a uma tendência de abertura cultural e de formação de redes sociais, essas sociabilidades são mais centrípetas, fechadas e marcadas pela forte ligação social que ocorre nas pequenas entidades locais, funcionando, para seus membros, como um locus interacional de estilos de vida e de convivialidade alternativos. Envolve, entre outras, as experiências sociais que Maffesoli (2002, p. 16-17) descreve como um "tribalismo", ou seja, uma socialidade sustentada em um paradigma estético e em uma emoção coletiva na qual se suspende o princípio da distinção apregoado pela lógica identitária individual, predominando a indiferenciação, a empatia e o tipo mítico. Em termos da posição em face do estado, elas se assemelham às comunidades de sentido e, do mesmo modo, dado o conteúdo de realização pessoal que tais sociabilidades tentam dar vazão, ensejam mais políticas públicas delimitativas da ação hegemônica do Estado e do mercado (Ramos, 1989), que as mantenham a salvo dessas influências, do que medidas intervencionistas diretas.

Considerações Finais

Em termos da análise do perfil da pluralidade social latino-americana e dos desdobramentos que tal perfil tem proposto ao Estado e à administração pública, pode-se concluir o seguinte. Em primeiro lugar, o destaque às várias formações de sociabilidade é importante no sentido de que essas formações têm engendrado novos tipos de atores políticos e uma diversidade de propostas para definir os perfis de participação democrática e a composição das agendas públicas; essa pluralidade de sentidos da ação política e pública demanda uma correspondente pluralização nos critérios de legitimidade da ação estatal e uma formação de maior capacidade de análise e de reconhecimento da diversidade social pelos analistas e gestores públicos.

Em segundo lugar, tal análise permite uma crítica propositiva ao Estado Nacional Monista, ou seja, ao organizador soberano da sociedade, com base na cultura dominante ou majoritária e detentor do monopólio do poder de edição de normas e de realização de ações públicas, pois ela revela:

1) uma sociedade civil ativa e revigorada, inclusive com potencial de promover uma democratização e uma modernização cidadã "de baixo para cima", como nunca operada, algo que se afirma na exigência que as mais diversas formações de sociabilidade fazem sobre a democratização radical do Estado e sobre justiça social e nas conquistas que elas têm alcançado na maioria dos países latino-americanos;

2) a necessidade de um Estado Plural (também chamado Estado Heterogêneo, Multicultural, Mediador, etc.), ou seja, um Estado que não só reconheça a diversidade social, como também mantenha as condições necessárias de sua reprodução e do seu convívio igualitário e possível. Para essa dupla tarefa, a ação pública e teoria da administração pública devem enveredar esforços para criar mecanismos de operacionalização desse Estado que concilia a exigência de reconhecimento da diversidade social em uma condição de igualdade com a legitimação geral das decisões estatais, necessariamente multirreferenciadas, em sociedades plurais .

Recebido em 25/05/10

Aprovado em 24/07/11

  • ALBERNAZ, Renata Ovenhausen (2008) A delimitação de formas de juridicidade no pluralismo jurídico: a construção de um modelo para a análise dos conflitos entre e o direito afirmado pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a juridicidade estatal no Brasil. (tese). Florianópolis: Universidade Federal de Santa Catarina. 2008. Antônio Carlos Wolkmer.
  • ALBERONI, Francesco (1991) Gênese. Como se criam os mitos e as instituições da civilização ocidental. Tradução de Mário Fondelli. Rio de Janeiro: Rocco.
  • BAYAT, A. (2000) From "dangerous classes" to "quiet rebels": politics of the urban subaltern in the Global South. In: International Sociology, v. 15, n. 3, p. 533-557.
  • BERGER, Peter L.; LUCKMANN, Thomas (2004) Modernidade, Pluralismo e Crise de Sentido. A orientação do homem moderno. Tradução de Edgar Orth. Petrópolis: Vozes.
  • BEY, Hakin. Zona Autônoma Temporária. Disponível em: http://www.rizoma.net/interna.php?id=193&secao=intervencao; acesso em: 26/01/2008.
  • BHABHA, Hommi. K. (2003) O local da cultura. Tradução de Myrian Ávila, Eliana Lorenço de Lima Reis e Gláucia Renate Gonçalves. Belo Horizonte: Editora da UFMG.
  • Comissão Econômica para América Latina e Caribe- CEPAL. Panorama Social da América Latina. Disponível em www.eclac.org/publicaciones/xml/530305/pse2007 Acesso em 23/10/2008.
  • CORREAS, Oscar. Conflictos Sociales, Conflitos Lingüísticos. In: TORRE RANGEL, J. A. de la (org.) (2007) Pluralismo Jurídico. Teoria y Experiências. San Luis Potosi - México: Departamento de Publicaciones de la Faculdad de Derecho, p. 251-262.
  • DAGNINO, Evelina (1994). Os movimentos sociais e a emergência de uma nova noção de cidadania. In. DAGNINO, Evelina. (org.). Os anos 90: política e sociedade no Brasil. São Paulo:Brasiliense, p. 103-115.
  • ALVAREZ, Sônia E.; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo. Introdução: o cultural e o político nos movimentos sociais latino-americanos. In. ALVAREZ, Sônia E.; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo. (orgs.) (2000) Cultura e política nos movimentos sociais latino-americanos. Belo Horizonte: Editora da UFMG.
  • Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas. (2007). disponível em http://www.institutowara.org.br/documentos acesso em 2 de janeiro de 2008.
  • DUSSEL, Enrique. Europa, Modernidade e Eurocentrismo. In. LANDER, Edgardo. (org.) (2005) Colonialidade do saber. Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-Americanas. Tradução Julio César Casrtin Barroso Silva. Buenos Aires; Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales - CLACSO, p. 55-70.
  • GADEA, Carlos A. (2004) Teoria e paisagens da pós-modernidade. Cultura, política e sociabilidade na América Latina. (tese) UFSC. Programa de Pós-Graduação em Sociologia Política, abril.
  • GOHN, Maria da Gloria. (org.) (2003). Movimentos Sociais no início do século XXI. Antigos e novos atores sociais. Petrópolis - RJ: Vozes.
  • LAVALLE, A. G. et. all. (2004) Quando novos atores saem de cena. Continuidades e mudanças na centralidade dos movimentos sociais. Política e Sociedade. n. 5. out. p. 35-53.
  • LANDER, Edgardo. Ciências Sociais: saberes coloniais e eurocêntricos. In.: LANDER, Edgardo (org.) (2005) Colonialidade do saber. Eurocentrismo e ciências sociais. Perspectivas Latino-Americanas. Tradução Julio César Casrtin Barroso Silva. Buenos Aires; Consejo Latinoamericano de Ciências Sociales - CLACSO, p. 21-53
  • LITTLE, Paul E. (2002) Territórios Sociais e Povos Tradicionais no Brasil: Por uma territorialidade antropológica. Série Antropológica. Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Brasília. Brasília.
  • MAFFESOLI, Michel (2002) O Tempo das Tribos. O declínio do individualismo nas sociedades de massa. Apresentação de Luiz Felipe Baeta Neves; Tradução de Maria de Lourdes Menezes Revisão Técnica de Arno Vogel. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária.
  • MELUCCI, Alberto (2001) A invenção do presente. Movimentos sociais nas sociedades complexas. Tradução de Maria do Carmo Alves do Bomfim. Petrópolis: Vozes.
  • NEVES, Lino João de Oliveira. Olhos mágicos do Sul (do Sul): lutas contra-hegemônicas dos povos indígenas no Brasil. In. SANTOS, B. de S. (org.) (2003) Reconhecer para libertar. Os caminhos do cosmopolitismo multicultural. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, p. 113-151.
  • PAOLI, Maria Célia. Movimentos Sociais no Brasil: em busca de um estatuto político. In. HELLMANN, Michaela (1995) Movimentos sociais e democracia no Brasil. "Sem a gente não tem jeito". São Paulo: Marco Zero - ILDESFES LABOR, p. 24-55.
  • PIERUCCI, Flávio (1999) Ciladas da diferença. São Paulo: Editora 34.
  • PIOVESAN, Flávia (2001) Implementação do Direito à Igualdade Racial. In. Revista de Direitos Difusos. Direitos dos Grupos Vulneráveis. v. 9, out, p. 1123-1131.
  • GUERREIRO RAMOS, Alberto (1983). A modernização em nova perspectiva: em busca do modelo de possibilidade. Revista de Administração Pública, Rio de Janeiro, v. 17, n. 1, p. 5-31, jan./mar.
  • SANTOS, Boaventura de Sousa (2001). A crítica da razão indolente. Contra o desperdício da experiência. 3. ed. São Paulo: Cortez.
  • SCHERER-WARREN, Ilse (1993) Redes de Movimentos Sociais. São Paulo: Loyola.
  • SCHERER-WARREN, Ilse (2003) A problemática da pobreza na construção de um movimento cidadão. In: Política e Sociedade. v. 1, n. 3, p. 71-93.
  • SEN, Amartya (2000) Desenvolvimento como liberdade. São Paulo: Companhia das Letras.
  • SOUZA, Jessé (2006) A construção social da subcidadania. Para uma sociologia política da modernidade periférica. Rio de Janeiro: IUPERJ, p. 120-121.
  • SCHWARCZ, Lilia Moritz (1993) O espetáculo das raças. Cientistas, instituições e questão racial no Brasil. São Paulo: Companhia da Letras.
  • VILLEGAS, Maurício G. (2002) Notas preliminares para la caracterización Del derecho em América Latina. El otro derecho. Pluralismo jurídico y alternatividad judicial. n. 26-27, abril, p. 13-48.
  • WALZER, Michael (1999) Da tolerância. Tradução Almiro Piseta. São Paulo: Martins Fontes.
  • WOLKMER, Antonio Carlos. (2001) Pluralismo jurídico. Fundamentos de uma nova cultura no Direito. 3. ed. São Paulo: Editora Alfa Omega.
  • ______. (2002) Introdução ao pensamento jurídico crítico. 4. ed. São Paulo: Saraiva.
  • YOUNG, Iris Marion. (2000) La justicia y la Política de la diferencia. Madrid: Cátedra.
  • 1
    Por modernização e seus processos, entendem-se, aqui, tanto as medidas para a instalação do Estado-Nação e suas respectivas instituições, geralmente a partir da independência dos países coloniais, como também, a consolidação do capitalismo comercial e industrial nesses países.
  • 2
    Para a composição desse novo pensamento social latino-americano, importante destacar várias teorias, movimentos e autores. No mapeamento realizado por Wolkmer (2001, p. 269), encontram-se: a Teoria da Dependência (Rui Marini, Theotônio dos Santos, Celso Furtado, Franz Hinkelammert), a Teoria Teológica para a Libertação (Gustavo Gutierrez, Hugo Assmann, Clodovis e Leonardo Boff), as Filosofias da Libertação (Enrique Dussel, Augusto Salazar Bondy, Leopoldo Zea) e Latino-Americana (Alejandro Serrano Caldeira, Raul Fornet-Betancourte), a Pedagogia do Oprimido (Paulo Freire), a Teoria Social baseada em uma Redução Sociológica (Guerreiro Ramos), a Ética da Alteridade (Enrique Dussel), as proposições de uma filosofia crítica para a política e para o direito (Torre Rangel, David Sanches Rubio, Celso Ludwig). Especificamente na discussão epistemológica, estariam, segundo Lander (2005, p. 24), as propostas de Orlando Fals Borda, de Alejandro Moreno, e, de modo recente, as produções de Michel-Rolph Trouillot, Arturo Escobar, Aníbal Quijano e Fernando Corosil.
  • 3
    Segundo esse autor, a "ideologia do desempenho" envolve a tríade - a qualificação, posição e salário, sendo que o primeiro determina os demais -, e denota o pano de fundo consensual moderno, tido como universal e neutro, a partir de qual se pode atribuir valor diferencial aos seres humanos e ser essa diferenciação tida como legítima (
    apud SOUZA, 2006, p. 168).
  • 4
    O questionar do desenvolvimento econômico como a solução para todos os problemas nacionais tem formado, inclusive, uma frente teórica importante nos dias atuais, entre as quais se destaca, pela pertinência, a proposta de Sen (2000).
  • 5
    As discussões sobre as formas de sociabilidade, mesmo recorrentes em quase toda a extensão dos estudos sociológicos, têm sido recuperadas, com vigor, em estudos que envolvem abordagens como o interacionalismo simbólico, a microssociologia, e a abordagem dos novos movimentos sociais, sendo, inclusive, por conta desses estudos que se evidenciaram as diversas manifestações sociais que compõem a contemporânea Pluralidade Social Latino-Americana. Em termos gerais, a questão das formas de sociabilidade está afeta ao próprio fundamento e justificação da manutenção do vínculo social, sendo, portanto, uma categoria indicada para identificar "unidades sociais elementares", as mais diversas que elas sejam. Em termos de desdobramento analítico dessa categoria, aqui, ela foi analisada nos seguintes termos ou quesitos: (1) sua manifestação em fatos como as
    formas e os conteúdos de comunicação (bens simbólicos) e os
    meios de trocas de bens sociais (meios de dar-receber-retribuir); (2) a sua delimitação enquanto um fato social, exigindo expressões de um
    sentido de unidade e coesão - ou sua identidade coletiva; (3) os
    conteúdos da sociabilidade, ou os fins, impulsos, objetivos, motivos, razões da interação, que interferem na experiência concreta da sociabilidade em unidades sociais; (4) os
    graus de sustentação das sociabilidades, que se estendem da maior fluidez à maior solidez no bojo de uma unidade social; e, por fim, (5) os
    modos de articulação das interações sociais, que podem ser espontâneos ou organizados, ou seja, ditados pelo próprio cotidiano ou vida social, ou impostos, coativamente, por uma instituição ou ente externo às interações, criados para constitui-las.
  • 6
    No sentido da emergência e reemergência de grupos étnicos-culturais na América Latina contemporânea ver o estudo de Correas (2007), sobre a importância dos movimentos indígenas no bojo da democratização e pluralização cultural das sociedades latino-americanas, e de Little (2002), sobre os reflexos do reconhecimento da territorialidade indígena e tradicional pelo Estado na recomposição de grupos historicamente dispersos e/ou desintegrados.
  • 7
    Aliás, o reconhecimento da autonomia sociológica das unidades sociais que realizam este tipo de sociabilidade tem alcançado a esfera internacional, tal como se verifica na
    Declaração das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, aprovada em setembro de 2007, pela Assembléia Geral da ONU, que trouxe, em matéria específica dos direitos coletivos desses povos, importantes orientações nesse sentido. Primeiro, porque os indígenas foram considerados como "povos" e também como "nações indígenas" (art. 9º) (algo inédito, até então), e não como grupos ou denominação similar que os colocava em posição inferior às nações estatais. Em segundo lugar, porque o direito à autodeterminação foi expresso (art. 3º) e garantido em termos de: (a) autogoverno nas questões relacionadas com seus assuntos internos e locais e nos meios para financiar suas funções autônoma (art. 4º); (b) reforço das instituições políticas, jurídicas, econômicas, sociais e culturais específicas desses grupos (art. 5º), sem, no entanto, os manter em isolamento em relação aos direitos e instituições nacionais; e, ainda, (c) o direito à territorialidade tradicional indígena (arts. 7º e 10) e à participação nos processos de demarcação e de soluções de conflitos envolvendo suas terras.
  • 8
    Paoli (1995. p. 27) esclarece que a noção "novos movimentos sociais", no Brasil, por exemplo, serviu para representar os movimentos sociais surgidos (ou reinventados) nas décadas de 70 e 80 - grupos de operários que fizeram greves de maneira independente de seus sindicatos, movimentos populares urbanos (grupos de moradores de bairros desprivilegiados e desatendidos em políticas e ações públicas), movimento de mulheres, movimento negro, movimentos sociais do campo, movimento dos povos indígenas - e se referia "ao aparecimento político de atores sociais organizados que não se referenciavam diretamente às estruturas institucionais de poder e de representação política - partidos, governos, Estado - e nem aos atores 'clássicos' do sistema social - grupos de interesses e classes sociais". Pugnavam por outra esfera de poder, para além do poder político - um poder civil e cidadão, ligado à conquista e ao gozo da cidadania e à busca e consolidação de novos direitos, tendo surgido no momento do fim da ditadura e da restauração do Estado de Direito no país, com a dicção da necessidade de uma reinvenção radical da democracia. Segundo Scherer-Warren (1993, p. 60), "as lutas pela redefinição da cidadania (num sentido mais pleno: econômico, político e social), a deslegitimação de decisões tomadas autoritariamente pelo Estado, o fortalecimento das relações comunitárias em seu sentido político, a forma de agir pela resistência ativa não violenta, a tentativa de democratização das práticas cotidianas e a busca de autonomias relativas são espaços que os NMS estão abrindo para a construção de uma sociedade mais democrática".
  • 9
    Estas estratégias se destacam quando se repara que, na atualidade latino-americana, afirma Gohn (2003, p. 16-17), os movimentos sociais têm perdido um pouco esta conotação de mobilização popular e se apresentado, além de em complexas redes, também no formato de organizações formais (ONGs e Associações Civis, principalmente), e exigido, entre outras coisas: a) a defesa das culturas locais em face do efeito devastatório da globalização; b) as reivindicações por uma ética na política e uma maior responsabilidade governamental; c) a tematização de questões do cotidiano ainda pouco trabalhadas na esfera política, como os aspectos de subjetividade das pessoas, da sexualidade, das relações humanas e dos reclamos por tolerância e responsabilidade; e, por último, d) a visão de autonomia, não mais apenas como oposição, como o fora nos movimentos sociais da década de 80, mas como autodeterminação, existência de projetos sociais alternativos e como propostas de solução de conflitos e de regras de convivialidade.
  • 10
    O "Topoi da fronteira", como defendido por Santos (2001, p. 346), refere-se àquele onde há um uso muito seletivo das tradições, onde se inventam novas formas de sociabilidade, onde as hierarquias são fracas e vigora uma pluralidade de poderes e de ordens jurídicas; a fronteira é a fluidez nas relações sociais, a promiscuidade entre estranhos e íntimos, a mistura de heranças e invenções; significa estar onde é preciso inventar tudo e, convertendo o mundo numa questão pessoal, assumir responsabilidade por esse tudo; estar na fronteira é viver no mal delimitado, fora da fortaleza, no meio de fluidez, das trocas constantes e da instabilidade.
  • 11
    Segundo Alberoni (1991, p. 37), "o
    estado nascente é uma descontinuidade social provocada por uma experiência de morte e renascimento em nível individual. Os indivíduos olham para si mesmos, para as pessoas que o cercam, a sociedade, o mundo, com um olhar pasmado. Como se estivessem vendo essas coisas todas pela primeira vez e se perguntassem por que cargas d'água elas são assim. Por que eles mesmos são o que são? Por que vivem daquela forma, por que aceitaram viver daquele jeito, quando eram possíveis infinitas formas diferentes de vida? Todas as formas de vida experimentadas pelos homens das mais variadas sociedades ao longo dos milênios e mais ainda? No estado nascente o ser humano descobre sua plasticidade, experimenta sua incrível maleabilidade. As sociedades, os grupos, periodicamente passam pela mesma experiência. São esses os momentos da
    mudança descontínua.(...) O estado nascente, portanto, é uma experiência tanto individual quanto coletiva, que gera uma ação social de tipo novo, uma nova solidariedade, uma onda de choque sobre as estruturas estabelecidas e uma vontade de renovação radical, uma exploração do possível, procurando realizar alguma coisa daquilo que havia sido vislumbrado".
    14 No que se refere ao problema da operacionalidade estatal em uma situação de Pluralidade social em termos de Pluralismo Jurídico (situação que esta pluralidade social também pode ocasionar), ver a solução proposta por Albernaz (2008).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2012
    • Data do Fascículo
      Ago 2011

    Histórico

    • Recebido
      25 Maio 2010
    • Aceito
      24 Jul 2011
    Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais - Campus Universitário Darcy Ribeiro, CEP 70910-900 - Brasília - DF - Brasil, Tel. (55 61) 3107 1537 - Brasília - DF - Brazil
    E-mail: revistasol@unb.br