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Editorial

Neste número 03 do vol. 26, a revista Sociedade e Estado aborda, mediante 12 artigos, questões candentes dos mundos sociais contemporâneos e cujas repercussões nos modos de pensar e fazer sociológicos são dignos de debate.

No artigo Em busca de um ponto cego: notas sobre a sociologia da cultura no Brasil e a diluição da mídia como objeto sociológico, Maria Eduarda da Mota Rocha discute as possíveis causas e consequências do fraco estatuto da mídia como objeto na área acadêmica da sociologia. Para tanto, analisa certas tendências recentes do campo cultural brasileiro que apontam um desgaste do cânone modernista diante da emergência de gerações de artistas, intelectuais e públicos que sofrem influência decisiva da indústria cultural.

Medos urbanos e mídia: o imaginário sobre juventude e violência no Brasil atual, de Mauro Guilherme Pinheiro Koury, objetiva discutir a cultura e a indústria do medo no Brasil atual, através da relação entre juventude e violência, e avaliar as consequências dessa correlação por meio das proposições levantadas pela mídia brasileira no imaginário nacional. Este problemática é compreendida tendo em vista a questão da formação dos jovens no país, nesta primeira década do século XXI, e em um momento de mudanças significativas nos padrões de comportamento nacional. Mudanças que pulverizam os valores sociais e caminham a passos largos para o individualismo crescente nas relações societárias e uma ampliação do medo do outro, no interior das formas interativas a que está sujeita não apenas a juventude, mas a população em geral.

Arte e geopolítica: a lógica das interpretações, de Glaucia Villas Boas, o objetivo é rever as categorias geopolíticas de classificação das obras de arte no Brasil, em um contexto no qual não somente o debate sobre o universalismo e a diferença está sendo revisitado como também o debate sobre quem detém a autoridade para o reconhecimento e a consagração da obra de arte.

Gustavo Villela Lima da Costa, em A Construção da autoridade entre os donos de barco no Aventureiro, Ilha Grande-RJ: uma etnografia dasrelações de poder, propõe analisar a articulação entre as esferas de poder local e o poder público, a partir de uma descrição etnográfica da organização social e de como nesta se estrutura a autoridade política local. Nesse processo de construção da autoridade local, na praia do Aventureiro, Ilha Grande-RJ, o poder político e a autoridade legitimada pelos moradores estão diretamente ligados à posse dos barcos e dos campings mais prósperos. Os donos de barco no Aventureiro assumem, nesse contexto, o papel de representantes legítimos do povoado na negociação com órgãos da Prefeitura e do Estado, na defesa dos direitos dos moradores, assumindo um papel de representação da organização doméstica (em famílias e grupos vicinais) nas relações políticas com o Estado.

Nemuel da Silva Oliveira e Marcos Chor Maio, em Estudos de comunidade e ciências sociais no Brasil (1940-1960), examinam os Estudos de Comunidade (EC) no Brasil, a partir do contexto intelectual em que foram produzidos, especialmente entre as décadas de 1940 e 1960. Recurso investigativo de comunidades em processo de mudança social, deslocando métodos de pesquisa afins à Antropologia, centrada inicialmente em sociedades "primitivas", para pesquisas em sociedades complexas, os Estudos de Comunidade estiveram em voga nos Estados Unidos desde a década de 1920, tendo papel fundamental na institucionalização das ciências sociais no Brasil. Destacam-se três aspectos na produção desses estudos no país, iniciando com uma abordagem conceitual: definições, origem e sua relação com temáticas marcantes nos anos 1950, especialmente a mudança social. Em seguida, são privilegiados os aspectos relacionados ao papel dos EC na história das ciências sociais no Brasil, com destaque para o processo de institucionalização das ciências sociais. Por fim, revisitam-se os debates que tais estudos geraram entre os cientistas sociais quanto ao padrão de trabalho sociológico a ser desenvolvido naquele momento.

Hermano Roberto Thiry-Cherques, no artigo John Rawls: a economia moral da justiça, descreve como o filósofo norte-americano John Rawls reformulou o pensamento moral contemporâneo ao propor a subordinação da ética à justiça. Resume a defesa que apresentou para uma moral fundada em um pacto que compensasse, sem tentar anulá-las, as assimetrias econômico-sociais do mundo em que vivemos e conclui com uma discussão sobre as dificuldades teóricas que encontrou para absorver o pluralismo cultural, filosófico, político e religioso do Ocidente.

Razões técnicas e efeitos simbólicos da incorporação do "progressotecnocientífico": reprodução assistida e adoção de crianças, de Martha Ramírez-Gálvez, parte da perspectiva de que as opções tecnológicas são também políticas, mas as implicações políticas das opções tecnológicas são obscurecidas por discursos, práticas e decisões que se apresentam como razões estritamente técnicas. Ao considerar o caso da reprodução assistida (RA), observa que a busca pelo desenvolvimento técnico responderia, em principio, a razões meramente técnicas que buscariam a satisfação de um desejo "natural e atávico" de vivenciar a experiência corporal da gravidez, parto e amamentação, ancorado na naturalização do desejo de reprodução. No entanto, tais questões são reconsideradas neste artigo em função da especificidade e singularidade do campo. Para a realização de tal análise se coloca em perspectiva o campo da RA e de adoção de crianças. Resultados preliminares indicam que uso de procedimentos de RA teve outros desdobramentos, para além da consecução de um filho, ganhando um novo nicho de mercado: a função simbólica de elaboração de luto pelo filho biológico, considerada necessária para o amadurecimento do projeto de adoção de crianças.

Já em A "reforma agrária assistida pelo mercado" do Banco Mundial no Brasil: dimensões políticas, implantação e resultados, João Márcio Mendes Pereira e Sérgio Sauer analisam a implementação e os resultados do projeto-piloto Cédula da Terra (1997-2002) e a sua continuidade, a partir de 2003, por meio do Programa Nacional de Crédito Fundiário. Tais iniciativas foram inspiradas na proposta de "reforma agrária assistida pelo mercado", impulsionada pelo Banco Mundial em diversos países, em particular na América Latina, a partir de 1994, como alternativa à reforma agrária, a qual está em curso nos dias atuais apenas no Brasil. Com base em pesquisas empíricas, argumenta-se que o Cédula da Terra, ao contrário do que afirma o Banco Mundial, não foi bem sucedido em prover um modelo de acesso à terra a ser reproduzido em maior escala. O artigo faz ainda um balanço dos desdobramentos desse modelo na política fundiária do governo Luis Inácio Lula da Silva (2003-2010).

Agricultura em zonas ripárias do sul do Brasil: conflitos de uso da terra e impactos nos recursos hídricos, de Luiz Carlos Pittol Martini e Élen Cristin Trentini, apresenta e discute a questão da proteção de zonas ripárias em áreas agrícolas do Sul do Brasil, em especial no Estado de Santa Catarina, onde predomina a agricultura familiar praticada em pequenas propriedades. As exigências legais determinadas pelo Código Florestal brasileiro de 1965 são apresentadas frente às limitações para atendimento da lei impostas por fatores culturais, do meio físico e do tamanho daspropriedades agrícolas. Para ilustração do problema, são confrontadas as duas correntes preponderantes no debate a respeito da utilização de áreas ripárias em Santa Catarina: aplicação dos dispositivos legais existentes versus flexibilização da lei para atender usos atuais em áreas de preservação permanente.

No artigo Velhice e analfabetismo, uma relação paradoxal: a exclusão educacional em contextos rurais da região Nordeste, Marcos Augusto de Castro Peres procura analisar a relação entre velhice e analfabetismo na região Nordeste do Brasil, especialmente em duas áreas: o semiárido do Rio Grande do Norte e a zona cacaueira do Sul da Bahia. De acordo com o Censo 2010 do IBGE, é na região Nordeste onde se verificam os maiores índices de analfabetismo do país. O problema atinge principalmente as populações mais idosas, de cor negra e parda, do sexo feminino, e os residentes nas áreas rurais. A relação existente entre latifúndio e analfabetismo explica, em parte, a maior incidência desse problema na região Nordeste, onde há maior concentração de renda e também da propriedade rural. A inexistência, no Brasil, de políticas educacionais direcionadas à velhice e ao analfabetismo pode ser observada na ausência dessas questões das leis específicas, como a LDB (da educação) e o Estatuto do Idoso (da velhice). Por fim, a compreensão dessa problemática sob a ótica da Sociologia representa contribuição teórica relevante para os estudos educacionais.

Entre tensões e escolhas, um olhar sociológico sobre jovens na vida religiosa, de Sílvia Regina Alves Fernandes, analisa a juventude contemporânea a partir do eixo religiosidade e adesão religiosa a institutos católicos. A primeira parte do texto apresenta dados secundários sobre o perfil dos jovens e demonstra que o trabalho e o estudo são demandas importantes para esse segmento. Os jovens brasileiros manifestam ainda crença na mudança social. Com base em dados de pesquisa quantitativa com jovens religiosos na Baixada Fluminense e dados primários sobre jovens que aderem ao Instituto Toca de Assis, no catolicismo, argumenta-se, na segunda parte do artigo, que estes últimos, a partir de seus ideários de pobreza e recusa ao conhecimento, podem representar contestação à situação do jovem na sociedade brasileira. Comparam-se as diferentes formas de adesão a institutos religiosos e sugere-se que a Toca de Assis, a despeito do processo de institucionalização que atravessa, tem contestado a Vida Religiosa de institutos tradicionais e seus mecanismos de poder e se apresenta como um objeto empírico relevante para a análise das novas sensibilidades religiosas juvenis.O artigo Estratégia de articulação e estratégia de aliança: possibilidades para a luta política, de Frederico Alves Costa e Marco Aurélio Máximo Prado, tem por objetivo discutir estratégias de luta política desenvolvidas por movimentos sociais que atuam na sociedade brasileira, tendo como problema: quais as possibilidades de democratização social frente ao descentramento do espaço político e a pluralidade de sujeitos políticos que caracterizam as últimas décadas das sociedades ocidentais contemporâneas? A partir da leitura das entrevistas, dos documentos coletados junto aos grupos e das considerações da Teoria Democrática Radical e Plural foram construídas categorias analíticas referentes ao problema proposto na pesquisa. São discutidas duas estratégias de luta política, denominadas estratégia de articulação e estratégia de aliança. A estratégia de articulação é concebida como a construção de uma relação de equivalência ("nós") entre diferentes sujeitos políticos, de modo a se construir um projeto contra-hegemônico. Já estratégia de aliança é definida como a construção de vínculo, em torno de demandas específicas, entre sujeitos políticos na construção de ações conjuntas, sem que isso implique, necessariamente, na promoção de uma relação de equivalência entre os grupos. Essas duas formas de estratégia política são entendidas não como opostas, a priori, mas como modos complementares de se construir a mudança social. As estratégias debatidas podem ser úteis para pesquisas no campo dos movimentos sociais, sobretudo, na análise dos modos de construção da luta política.

Sendo este o último número sob responsabilidade desta editoria, gostaria de agradecer a todos aqueles que contribuíram para a nossa revista - autores, pareceristas, revisores, diagramadores, ilustradores, entre outros. Em especial, agradeço a Rose Bertelli pela sempre presente atitude de viabilizar esta publicação.

Ao mesmo tempo, saúdo as professores Maria de Lourdes Bandeira e Tânia Mara Almeida, novas editoras da Sociedade e Estado. Certamente, elas darão continuidade à tradição deste periódico, na medida mesma em que o aperfeiçoarem.

  • Editorial

    Edson Farias
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      Dez 2011
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