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Transdisciplinaridade e decolonialidade* * Traduzido do original "Transdisciplinariedad y decolonialidad". Tradução de Joaze Bernardino-Costa.

Resumos

Enquanto espaços acadêmicos interdisciplinares têm lenta e gradualmente se espalhado na academia ocidental, seu estado está longe de ser claro. Eles são muitas vezes situados em estruturas preexistentes que limitam o seu âmbito de aplicação. Isto é particularmente verdadeiro no que se refere a espaços que não só se engajam no trabalho interdisciplinar, mas ainda àqueles que procuram romper com as formas de racismo epistêmico que fazem parte das humanidades e das ciências. Essas áreas são tipicamente conhecidas como "estudos étnicos", incluindo os estudos de povos indígenas, bem como das comunidades racializadas em todos os lugares e em suas diásporas. Neste ensaio, busco identificar a epistemologia adequada para "estudos étnicos", que identifico como forma de transdisciplinaridade decolonial. Isso ajuda a explicar o difícil ajuste entre as áreas de "estudos étnicos" e as artes liberais e ciências ocidentais, bem como o seu potencial para a decolonização do conhecimento e da sociedade.

decolonialidade; estudos étnicos; racismo epistêmico; Frantz Fanon; atitude decolonial


While interdisciplinary academic spaces have slowly but gradually spread through the Western academy, their status is far from clear. They are often located within existing structures that limit their scope. This is particularly true of spaces that not only engage in interdisciplinary work, but that also seek to break with forms of epistemic racism that are part of the humanities and the sciences. These areas are typically known as "ethnic studies," including the studies of indigenous peoples, as well as of racialized communities everywhere and their diasporas. In this essay, I seek to identify the epistemology proper to "ethnic studies" which I identify as a form of decolonial transdisciplinarity. This helps explains the difficult fit between "ethnic studies" areas and the Western liberal arts and sciences, as well as their potential for the decolonization of knowledge and society.

decoloniality; ethnic studies; epistemic racism; Frantz Fanon; decolonial attitude


A formação dos chamados estudos interdisciplinares na academia suscita, há várias décadas, uma observação esquizofrênica. Por um lado, no melhor dos casos, se lhes concede que respondam à necessidade de usar várias disciplinas para entender uma área ou um problema; por outro, são questionados por não apresentarem um método específico. Como o método tem sido a marca definidora da racionalidade científica, a aparente ausência do mesmo faz com que os espaços interdisciplinares sejam concebidos como espaços menos racionais e rigorosos que os fornecidos pelas disciplinas. O dito de que os espaços interdisciplinares necessitam de disciplinas fortes, embora o oposto não seja necessária e igualmente certo, aponta para o caráter secundário das interdisciplinas. Este artigo tentará demonstrar três pontos principais:

  1. que os espaços interdisciplinares com orientação emancipatória ou decolonizadora são mais bem chamados e concebidos como "transdisciplinares";

  2. que os mesmos propõem elementos a considerar que têm primazia epistemológica em relação às ciências europeias, suas disciplinas e seus métodos; e

  3. que nem todas as formas de transdisciplinaridade são necessariamente as mesmas.

Sustento que o conceito de decolonização epistêmica e, mais amplamente, os conceitos de decolonização do ser, do poder e do saber adicionam precisões importantes para entender as formas de conhecimento com um caráter decolonizador. A saber: pretendo identificar e esclarecer as bases de uma prática transdisciplinar decolonial.

As "disciplinas acadêmicas" têm uma raiz muito forte na universidade ocidental moderna. A universidade ocidental, com suas disciplinas e ramos do conhecimento, é uma instituição com transformações relativamente lentas e baseia sua legitimidade em processos históricos de alta envergadura e longa duração, a exemplo do surgimento de uma linha de demarcação entre a revelação ou a fé religiosa e o conhecimento secular. Um dos argumentos mais amplos que se avança neste artigo é o de que a universidade ocidental e as disciplinas acadêmicas não só refletem a formação do mundo dividido pela linha secular entre o chamado religioso e o âmbito público e do Estado-nação, senão que também refletem o que pode ser chamado - seguindo W. E. B. Du Bois - uma "linha de cor", também de larga duração, entre o mundo europeu tipicamente aludido pela categoria de humanitas e pelas humanidades e o mundo de comunidades colonizadas e desumanizadas tipicamente aludidas com o conceito de anthropos. Nesta aproximação somo-me a outros estudiosos e teóricos da Modernidade ocidental e suas formas de conhecimento (Wynter, 1984; 1990; 1991; 2003; Mignolo, 2011MIGNOLO, Walter. The darker side of western modernity: global futures, decolonial options. Durham: Duke University Press, 2011.; Nishitani, 2006NISHITANI, Osamu. Anthropos and humanitas: two Western concepts of "human being". In: Sakai, Naoki; Solomon, Jon (Ed.). Translation, biopolitics, colonial difference, p. 259-274. Hong Kong: Hong Kong University Press, 2006.).

Outro ponto chave é que a consideração própria dos desafios epistemológicos que emergem desde a zona do não ser do anthropos requerem e demandam a superação dos limites das disciplinas. É aqui onde encontramos com maior clareza exemplos de transdisciplinaridade decolonial. Começo, pois, com uma análise do significado de uma das expressões mais relevantes e de maior alcance no século passado: o surgimento dos estudos étnicos a partir dos protestos da Frente de Liberação do Terceiro Mundo (Third World Liberation Front), na Universidade do Estado da Califórnia em São Francisco (California State University at San Francisco) e na Universidade da Califórnia em Berkeley. Para elaborar o significado dos estudos étnicos e da proposta de transdisciplinaridade decolonial que oferecem, recorrerei a um diálogo com várias figuras no campo da filosofia e da teoria, entre elas Frantz Fanon, Sylvia Wynter, Jürgen Habermas e Michel Foucault, os quais trabalham com o tema do conhecimento. Suas abordagens sobre a Modernidade servem de referência para considerar as diferenças entre Modernidade/colonialidade e decolonialidade, e entre disciplina moderna e transdisciplinaridade decolonial.

Que são os "estudos étnicos"?

Os espaços interdisciplinares com caráter emancipatório ou decolonizador aos quais me refiro são aqueles que surgiram na academia dos Estados Unidos na década de 1960 e no começo dos anos 1970 e que levaram o nome de "estudos étnicos" (Butler, 2001BUTLER, Johnella (Ed.) Color-line to bonderlands: the matrix of American ethnic studies. Seatlle: University of Washington Press, 2001.; Yang, 2000YANG, Philip Q. Ethnic studies: issues and approaches. Albany: State University of New York Press, 2000.). Isto inclui os estudos afro-americanos (Black studies, African American studies, African studies), os estudos indígenas (American Indian studies, Native American studies), os estudos ásio-americanos (Asian American studies, Asian diaspora studies), e os estudos focados em comunidades de descendência latino-americana nos Estados Unidos (Latino studies). Étnico não significa simplesmente etnicidade neste contexto. O termo étnico, a bem dizer, expressa o ponto de vista que considera alguns sujeitos como nacionais ou com todo direito de reivindicar cidadania e participação na ordem moderno-ocidental, enquanto relega outros a uma condição na qual sua existência nacional ou sua existência na ordem moderno-ocidental é constantemente questionada. A saber: o étnico aqui não nomeia tanto uma diferenciação entre distintas etnicidades, senão que identifica uma linha divisória entre grupos classificados como étnicos e outros que pareceriam estar acima da categoria de etnicidade. Em outras palavras, os sujeitos normativos de sociedades tipicamente modernas não se veem como étnicos, senão somente como sujeitos ou sujeitos nacionais. Os étnicos são os outros, e estes outros não estão representados de forma equitativa nem na administração das instituições de poder, nem na cultura ou na produção do conhecimento, entre muitas outras áreas. Por isso, os chamados estudos étnicos típicos, nos Estados Unidos, são em geral estudos sobre a condição das chamadas minorias étnicas e não sobre todo tipo de etnicidade, embora obviamente todo tipo de etnicidade e de diferenciação inter-humana lhes diga respeito. Da mesma forma, o conceito de raça, mais do que de etnicidade, também é usado nos mesmos termos.

O conceito de etnicidade foi o ponto de consenso, por assim dizer, entre administrações universitárias que resistiam à ideia de estudos do "Terceiro Mundo" ligados a movimentos de empoderamento de comunidades convertidas em minorias e os movimentos estudantis que lutaram pela criação de espaços dedicados ao estudo do pensamento decolonizador ao final da década de 1960 e princípio dos anos 1970. Mesmo que para as administrações em questão o "étnico" fosse mais fácil de admitir que o racial ou o decolonial em uma universidade de corte liberal, os movimentos da juventude aproveitaram para apresentar um ponto crucial: as desigualdades hierárquicas no Estado-nação moderno baseadas nas hierarquias de raça continuavam sob o manto do discurso sobre etnicidade. Já na segunda metade do século XX, mais importante do que um nome específico para se referir a formas de desumanização que constituem o Estado moderno é o tema de que as diferenciações se ocultem em expressões aparentemente neutras e descritivas como etnicidade. Neste sentido há uma teoria, enquanto intervenção política e epistêmica, implícita nos "estudos étnicos": estes versam sobre hierarquias implícitas ou explícitas naturalizadas na Modernidade e no Estado moderno. Dessa perspectiva, seguindo Fanon, falar "Olha, um negro!" de uma perspectiva científica positivista ou de curiosidade étnica é, ao final das contas, o mesmo que dizer "negro sujo" de uma perspectiva abertamente racista (Fanon, 2009FANON, Frantz. Piel negra, máscaras blancas. Madrid, Editorial Akal, 2009.: 111). Os estudos pretendem revelar essas continuidades.

Em resumo, proponho considerar os estudos étnicos como espaços na academia que:

a. investigam de forma central as dinâmicas de exclusão das formas hegemônicas de poder, ser, e conhecer para o qual

b. usam conceitos de raça, gênero, classe, e outros marcadores da diferença humana hierárquica e naturalizada, e que além disso

c. tomam como fonte de articulação de problemas que se plasmam em variadas expressões de conhecimento e de expressão criativa, incluindo o trabalho intelectual, o trabalho artístico, a mobilização social e a vida "ordinária" de comunidades de cor e que

d. denota uma orientação emancipatória ou decolonizadora no sentido de que estão enraizados não na atitude liberal das artes liberais cuja tendência principal é a oposição ao dogmatismo e ao cultivo da tolerância frente à diversidade, senão uma atitude decolonial que busca o desmantelamento das formas de poder, ser e conhecer desumanizadoras e a criação do que Frantz Fanon nomeou como o mundo do Tu (Fanon, 2009: 190). Este tipo de atitude, de objetivo ou propósito conduz a

e. se apropriar criticamente do uso de múltiplas disciplinas e métodos, sobretudo nas ciências humanas e nas ciências sociais, e a construir novas categorias metodológicas, formas discursivas, práticas pedagógicas e políticas e espaços institucionais que procurem expandir os espaços de emancipação, liberação e decolonização do poder, do ser e do saber.

É essa combinação de elementos que faculta a esta forma de estudos a consolidação de espaços transdisciplinares decoloniais.

Desafios dos estudos étnicos

Vistos de fora e com as lentes das ciências europeias, estes espaços disciplinares decoloniais aparecem de forma limitada e desvirtuada. São considerados usualmente como áreas parcializadas e derivativas fundadas em assuntos de identidades (identity-based fields) com relevância limitada e parcial, cujos compromissos desafiam a objetividade necessária das ciências. Tanto por suas áreas de enfoque como pelos problemas que estuda e pela composição atual de seus investigadores e estudantes, os estudos étnicos não só se apresentam ante esta mirada como um campo sem método, mas também como área com cor. Cor, para a consciência moderna, representa não só a ausência de disciplina, senão a falta de capacidade racional e a presença de emoção, particularmente na forma de paixão, de entusiasmo, de ressentimento e de ira que não se pode superar. Assim, sob esta perspectiva, resulta que o método e a disciplina estão ausentes onde seriam precisamente mais necessários: nos espaços que não só se identificam com a cor, senão que surgiram pela atividade de comunidades de cor, o que os faz mais suspeitos pois não parecem remeter a imperativos racionais internos ao mundo acadêmico ou moderno ocidental.

A ausência de um método e de uma disciplina específicos nos variados estudos étnicos tem levado alguns a pensarem que a existência dos mesmos é provisória. Segundo este ponto de vista, estes só satisfazem a necessidade de oferecer um espaço para que estudantes de cor, sobretudo, aprendam sobre sua comunidade, embora as disciplinas pouco a pouco se vão encarregando de estender suas áreas de cobertura de forma mais democrática do que anteriormente. Uma vez que as disciplinas logrem um mínimo de incorporação de temas associados a comunidades de cor, a ideia é que os espaços interdisciplinares de cor se tornem desnecessários e desapareçam.

Outra postura menos radical é que os estudos étnicos se mantenham na academia, notadamente como pequenos programas de pós-graduação alimentados por professores que já tenham sua filiação às unidades disciplinares e sirvam às unidades interdisciplinares de forma secundária, ou que, mesmo que tenham sua nomeação nos espaços interdisciplinares, ao fim e ao cabo prefiram ser membros principalmente das unidades disciplinares, embora conscientes da possibilidade de serem localizados nas áreas interdisciplinares. A esquizofrenia sobre a qual aludi anteriormente encontra seu lugar dentro dos próprios estudos étnicos entre professores e investigadores que, nos melhores dos casos, consideram válida a incorporação de vários métodos em um campo interdisciplinar, porém, em regra, só concebem este espaço como derivativo e secundário. São estas posições que, desde dentro, justificam a restrição desta área de estudos ao nível da graduação apenas, e que ajudam a recolonizar as mesmas.

Quando se compara a pressão e o efeito do olhar desde fora dos estudos étnicos, ocasião em que são considerados como menos racionais, como dependentes, e/ou dispensáveis e passageiros, com a atitude de alguns desde dentro, que ressentem a possibilidade de neles serem nomeados, ou consideram o espaço como secundário (talvez não política, mas epistemologicamente) em relação às suas outras disciplinas, é de surpreender que estes continuem existindo ainda hoje. O fato de não somente continuarem existindo, mas terem mesmo estendido o seu alcance e deixado suas marcas em múltiplos campos e áreas do saber indica também o quão forte tem sido o nível de compromisso de várias gerações de estudantes, professores, investigadores e outros membros da sociedade com os mesmos. Argumento, neste artigo, que este impacto dos variados estudos étnicos e sua subsistência e crescimento contínuo também se remete a seus complexos e variados fundamentos epistemológicos. Frente à posição que argumenta que os espaços interdisciplinares necessitam de disciplinas fortes, apresento a premissa de que a transdisciplinaridade decolonial tem primazia epistemológica, ética e política sobre a disciplina e o método.

Ciências europeias, disciplina e método: a formação da linha secular e a linha de cor

As ciências europeias modernas - entendidas como todo o conjunto das humanidades, das ciências sociais e das ciências naturais que foram gradualmente alojadas e, em alguns casos, inventadas na universidade de investigação europeia moderna - ocuparam um lugar central no surgimento da consciência ocidental moderna. Esta consciência respondeu, em parte, ou ao menos tomou como ponto de apoio e ajudou a gerar a crise da visão escolástica do mundo. Esta era uma visão de mundo que estava relacionada a uma ordem social, também em crise, e à qual conferiu legitimação.

O processo de questionamento e a crise da visão de mundo escolástica deu-se gradualmente e de forma cada vez mais profunda entre os séculos XII e XVII. O humanismo incipiente destes momentos começava a traçar uma linha entre o religioso e o secular, dando cada vez mais autonomia e valor ao segundo, que podemos denominar como linha secular. Esta linha divide o secular do religioso ou o divino do mundano e do humano; esta irrompe num contexto em que a linha dominante é teológica e sua dicotomia principal baseia-se na distinção entre religião verdadeira e falsa. Enquanto o mundo definido pela linha teológica é regido pela revelação e tradição cristã acima das demais religiões e costumes, no mundo definido pela linha secular domina a razão secular e os critérios de razoabilidade imanentes à razão nas distintas esferas culturais ou atividades humanas que existem, acima da teologia e da religião. O lado religioso da linha secular frequentemente também faz uso da razão, porém, o lado secular distingue entre usos ou expressões da razão baseados na fé e outros baseados somente em evidências dos sentidos e da razão. Desta forma, a razão, no lado secular da divisão, deve ser concebida como razão secular e como razão pública e universal, enquanto a razão religiosa, ou qualquer outra pretensão de conhecimento baseado nesta divisão, deve ser restringida ao âmbito privado e específico.

A linha secular que é parte da Modernidade ocidental vai se conformando a partir da criação do humanismo. O humanismo surge da ideia do humano como humanitas, quer dizer, como sujeito com importante autonomia em relação à ordem divina ou divinitas e com valor próprio (Nishitani, 2006; Mignolo, 2011). Humanitas ocupa um lugar central e fundamental no que logo foi chamado de Humanidades, de forma parecida ao papel que divinitas cumpria e cumpre na esfera da teologia. A ideia das humanidades logo se generaliza, incluindo também as ciências, na noção de artes liberais, que também se definem em oposição ao dogmatismo. As artes liberais nomeiam talvez a atitude principal a ser tomada frente à diversidade de crenças ou o que também se denomina na teoria política como o "fato do pluralismo" (the fact of pluralism), um fato que se faz claro frente à divisão do cristianismo que acarreta o surgimento do protestantismo no Ocidente. A consciência moderna ocidental define-se, desta forma, como consciência liberal que evita o dogmatismo e que respeita o pluralismo religioso. A linha do secular vai assim criando, concebendo-se a si mesma, isso a partir de processos de intervenção que vão injetando força ao humanismo, às humanidades e a um tipo de atitude liberal, que é distinta da atitude escolástica cristã, com base na oposição ao dogmatismo e na tolerância à diversidade, sobretudo religiosa. As "artes liberais" são vistas como instrumento civilizatório, pois criam consciência sobre e avançam no projeto e na atitude da Modernidade. Veremos isto com mais detalhes adiante.

Essa forma de ver a consciência da Modernidade ocidental - a saber, sua forma particular de entender e de aproxima-se do mundo - é, em grande medida, a forma como a Modernidade se enxerga. A consciência moderna ocidental apresenta-se como eminentemente secular, racional e tolerante frente à diversidade religiosa. Concebe um mundo aquém da linha secular, no qual impera a subjugação e a ignorância. Este é um mundo tipicamente denominado como medieval ou antigo, em oposição ao mundo moderno. O mundo moderno também se concebe como espaço civilizatório onde não apenas a razão, mas a liberdade reina. A liberdade é vista em primeiro lugar como liberdade de pensamento e de opinião frente ao que concebe como o jugo do dogmatismo religioso e a autoridade da tradição. Essas são algumas das bases e pressupostos da Modernidade ocidental e de sua consciência a partir da guinada secular moderna que estabeleceu a linha secular.

A guinada secular da Modernidade ocidental responde ao que se concebe como excessos e limites da guinada monoteísta cristã, que tomou a civilização europeia a partir da cristianização do Império Romano no século IV de nossa era. Estes excessos e limites manifestaram-se de forma mais aguda na escolástica cristã entre os séculos XII e XV, o que em parte explica o surgimento do humanismo. Se a guinada monoteísta cristã introduz a divisão entre verdade e salvação ultraterrena, por um lado, e falsidade e perdição, por outro, o humanismo propôs a divisão entre religião como opinião privada, por um lado, e razão pública, por outro. Desta forma, a guinada monoteísta cristã foi localizada como simples opinião e o espaço ficou aberto para o desenvolvimento da razão secular, agora concebida como moderna frente aos parâmetros da Antiguidade e da agora nomeada Era Medieval.

O que tipicamente não se adverte ou o que se considera muito menos relevante é que durante este mesmo período entre os séculos XII e XV, começaram a surgir opiniões no cristianismo de que a linha divisória fundamental entre cristãos e não cristão não era só da religião verdadeira em oposição à religião falsa, mas da comunidade com religião em oposição aos sujeitos não religiosos. Como ter religião é a marca mais clara da existência de alma, a ideia de sujeitos sem religião despertava a ideia de sujeitos sem alma. Esta oposição entre sujeitos plenamente humanos e outros, cuja humanidade estava posta em questão, foi parte de uma nova divisão, não mais epistemológica, como no caso da diferença entre religião verdadeira ou religião falsa, mas ontológica (Maldonado-Torres, 2014MALDONADO-TORRES, Nelson. Rousseau and Fanon on inequality and the human sciences. In: Gordon, Jane; Roberts, Neil (Eds.). Creolizing Rousseau, p. 121-142. London: Rowman & Littlefield, 2015.a; 2014b). Esta divisão também estava começando a criar a oposição entre sujeitos que viviam em zonas habitáveis e sujeitos que viviam em zonas consideradas como não habitáveis (Wynter, 1995). Desta maneira, começava a se dar um imaginário civilizatório baseado em diferenças de tipo ontológico de acordo com as quais certas comunidades eram mais representativas do ideal humano do que outras. No entanto, o monoteísmo tornava difícil o imaginário que aflorava, pois só admite um tipo de ser, o que estava vinculado à divindade. Entretanto, este bloqueio de uma impossibilidade a priori da existência de distintos graus e formas de ser humano, devido à centralidade de uma só divindade e da relação da criação com ela, começaria a ser eliminado com o questionamento da centralidade do divino por parte da guinada secular humanista.

A guinada secular humanista que estabelece a linha entre o secular e o religioso responde criticamente aos limites e excessos do imaginário escolástico e de sua divisão binária entre religião verdadeira e religião falsa, e não se opõe, até mesmo se nutre do novo tipo de diferença de caráter ontológico que surge à margem deste imaginário. A linha secular que desloca a linha teológica escolástica fica assim marcada por uma linha ontológica que estava começando a surgir à margem da escolástica. O encontro mais dramático e o momento crucial de fusão entre estas linhas se dará no chamado "descobrimento" das Américas.

Cristóvão Colombo representa, em grande medida, as contradições e fusões que estão ocorrendo naquele momento. Ferrenhamente comprometido com a expansão do cristianismo, Colombo contribui para sua propagação ao conceber os indígenas que encontra nos territórios que "descobre" em suas viagens como sujeitos sem religião. Embora Colombo quisesse ressaltar a facilidade com que se podia cristianizar (e dominar) os indígenas, pois pareciam não ter religião alguma, também oferecia bases à divisão ontológica que apontava a existência de distintas formas de humano no mundo. Esta divisão era difícil de elaborar no mundo conhecido até então, porém se convertia em uma forma de conhecimento viável ante a emergência de territórios descobertos e de um "Novo Mundo". Daquele momento até a metade do século XVI ocorre uma das discussões mais relevantes para a Modernidade, aquela que pretende decidir se os indígenas descobertos são providos ou não de alma (Hanke, 1974HANKE, Lewis. All mankind is one: a study of the disputation between Bartolomé de Las Casas and Juan Ginés de Sepúlveda in 1550 on the intellectual and religious capacity of the American Indian. Illinois: Northern Illinois University Press, 1974.; Pagden, 1982PAGDEN, Anthony. The fall of natural man: the American Indian and the origins of comparative ethnology. Cambridge: Cambridge University Press, 1982.; Dussel, 1994DUSSEL, Enrique. 1492: El encubrimiento del otro: hacia el origen del "mito de la modernidad". La Paz: Plural Editores; Facultad de Humanidades y Ciencias de la Educación, Universidad Mayor de San Andrés, 1994.). Como nos últimos 200 anos a Modernidade é geograficamente identificada com o norte e o centro da Europa, e esta discussão tomou lugar no sul da Europa e em suas colônias, a relevância da mesma se mantém em grande medida invisibilizada nas discussões sobre Modernidade. Em síntese, esta problemática é considerada parte dos estudos coloniais, mas não parte da teorização da Modernidade ou da Europa. Contudo, se o consideramos - como se deve considerá-lo - como parte fundamental da episteme europeia, as consequências são profundas e muito esclarecedoras, pois isto nos permite ver como a Modernidade tem tomado como tarefa tão central a civilização, entendidas como expansão e fortalecimento da linha secular, e o colonialismo, a escravidão racial, a naturalização e hierarquização das diferenças humanas, entendida como expressão da linha de diferenças ontológicas. Isto aponta para o fato de que a atitude liberal moderna é muito restritiva ao enfocar somente o "fato do pluralismo", quando a Modernidade mesma produz o "fato da colonialidade" ou desumanização moderno-colonial como veremos mais à frente.

A convivência entre a linha secular e a linha ontológica na Modernidade faz com que a consciência e a atitude do sujeito moderno não só sejam em grande medida liberal, tolerante e hiper-racionalista, mas também, para dizer de uma maneira direta, racista. O problema fundamental do humanismo, das artes liberais e das ciências europeias é que esses se constroem sobre e procuram fortalecer o desfecho secular e a linha divisória entre o secular e o religioso, porém não assumem sua participação na produção da linha ontológica entre moderno-colonial ou na forma em que se enriqueceram ou se enriquecem com ela. Por isso mesmo, as disciplinas da universidade europeia moderna podiam e podem conviver com e ajudar a produzir a invisibilidade, a marginalização e a patologia de comunidades racializadas e colonizadas, de suas obras e produtos. Isto faz também com que os métodos e as pressuposições dessas disciplinas não só operem dentro dos limites e das fronteiras da linha secular, mas que desempenhem um papel crucial na redução dos problemas criados pela linha ontológica a problemas de outro tipo, particularmente em relação à oposição entre religião e secularismo, ou tradição e razão, que servem para evadir a confrontação com o "fato da colonialidade". O que se nota é que a linha ontológica moderno-colonial cria diferenças ontológicas moderno/coloniais ou, ao mesmo tempo, diferenças subontológicas e não meramente diferenças epistemológicas dentro da ordem do humano. Quer dizer: a linha ontológica moderno-colonial cria zonas de ser e zonas de não ser que redefinem a divisão entre as zonas do religioso e do secular e os problemas introduzidos por essa bifurcação.

Para além das ciências europeias modernas e liberais: os estudos étnicos frente ao "fato da desumanização" ou "fato da colonialidade"

Vistas desde a abertura epistêmica dos estudos étnicos, as ciências modernas ocidentais aparecem como forjadas por uma linha divisória epistemológica, a qual é também uma linha que ajuda a estruturar a esfera do poder e a produção de sentido entre o que se considera como secular e o que se entende como religião. Da mesma forma, e simultaneamente, essas ciências jogam um papel crucial na criação e manutenção de uma linha de diferenciação ontológica entre a zona do ser e a zona do não ser. Enquanto a linha secular responde ao "fato do pluralismo", a linha ontológica responde ao que poderia ser chamado de "fato da desigualdade humana" tal e qual foi tematizado no contexto da expansão imperial moderna europeia. O "fato da desigualdade humana" é uma forma de expressar o convencimento de europeus acerca de seu pertencimento a um modelo superior de humanidade do qual outros sujeitos e comunidades inferiores não participam. Este aparente "fato" faz com que a colonização do não europeu suponha não somente a exploração, senão também a desumanização dos colonizados, o que cria um novo fato que começa a se cristalizar sobre todo colonizado: "o fato da desumanização". Os estudos étnicos surgem como resposta crítica ao "fato da desumanização" e para isso o identificam com o conceito da linha de cor, a qual se pode entender como a linha ontológica moderno-colonial.

A linha ontológica moderno-colonial não distingue entre o Ser e os seres - como colocava Heidegger com sua noção de diferença ontológica -, senão uma divisão entre o Ser e os seres tal e qual são concebidos pela Modernidade, e aqueles que se concebem como fora dessa esfera (Heidegger, 1996HEIDEGGER, Martin. Being and time: a translation of Sein und zeit. Albany: State University of New York Press, 1996.; Maldonado-Torres, 2007a). Trata-se de uma diferença ontológica moderno-colonial, ao que também já me referi como diferença subontológica. Visto desta perspectiva, o problema principal criado pela Modernidade não é o desafio que a tecnologia coloca às formas em que se desvela o Ser, senão as formas em que tanto o Ser no mundo moderno como a tecnologia suscitam a indiferença diante da produção da zona do não ser, ou a participação ativa e efetiva em sua criação ou reprodução.

A linha secular se faz muito presente aos europeus, pois é a linha proeminente e mais visível no contexto de sociedades de maioria branca que se confrontam com o "fato do pluralismo". A linha ontológica moderno-colonial servia principalmente, embora não unicamente, ao estabelecimento da diferença entre o europeu e o não europeu, o que quer dizer que a mesma se fazia mais visível nos territórios colonizados, embora também fosse utilizada e se deixasse notar na diferença entre sujeitos nacionais e grupos de pertencimento das minorias étnicas e religiosas na Europa. Estas linhas e seus significados se cruzam e criam múltiplas possibilidades para a continuação do "fato da desumanização", tanto nos centros metropolitanos europeus como nas denominadas periferias.

A análise das artes liberais e das ciências europeias que apresento explica, em parte, porque algumas das primeiras intervenções sobre a necessidade dos chamados estudos étnicos colocavam a necessidade de criar não departamentos ou programas de estudos étnicos em faculdades de arte liberais ou de humanidades e ciências (school of liberal arts, college of arts and sciences), senão faculdades do Terceiro Mundo (Third World colleges). Foi justamente isto que o grupo de estudantes, em sua maioria não nacionais e de cor da Universidade do Estado da Califórnia em São Francisco (California State University at San Francisco) e da Universidade da Califórnia em Berkeley exigiram para finalizar o que foram os protestos estudantis mais longos na história da universidade nos Estados Unidos (Rojas, 2007ROJAS, Fabio. From Black Power to black studies: how a radical social movement became an academic discipline, p. 45-92. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2007.; Summers Sandoval, 2013SUMMERS SANDOVAL, Tomás Jr. Latinos at the Golden Gate: creating community and identity in San Francisco. Chapel Hill: University of North Carolina Press, 2013.). A maioria dos estudantes estava aliada a diversos grupos de estudantes de cor e se autodefiniram como Frente para a Liberação do Terceiro Mundo (Third World Liberation Front).

O conceito de "Terceiro Mundo" é sem dúvida um resquício da Era da Guerra Fria, porém o mesmo pode ser entendido para além de um contexto geopolítico particular. O mesmo se baseia na ideia de que a única relação dialética importante é a do Primeiro Mundo com o Segundo Mundo. O Terceiro Mundo está fora desta dialética relevante e somente conta enquanto o Primeiro e o Segundo Mundos exercem influência sobre ele. Neste sentido, a noção de Terceiro Mundo segue o padrão de perceber os territórios colonizados ou empobrecidos da Europa como territórios ou povos fora da história. O Terceiro Mundo tem uma existência fantasmagórica e é pior ainda para as comunidades que estão excluídas do Estado ou da ideia de nação no âmbito do Terceiro Mundo. Na década de 1960, existia a ideia de que a insurgência política no Terceiro Mundo incluía ou abria a possibilidade de incluir forças insurgentes de comunidades colonizadas dentro do próprio Terceiro Mundo e, por isso, a juventude de cor os Estados Unidos se identificava com estes processos.

A noção de Terceiro Mundo pressupõe e reflete a linha ontológica e a diferenciação entre humanitas e anthropos que é constitutiva da Modernidade ocidental (Nishitani, 2006). Apresentar a ideia de uma Faculdade do Terceiro Mundo implica não só o reconhecimento de outras faculdades como espaços do e para o Primeiro Mundo, como também a necessidade de um espaço dedicado a identificar e procurar superar a linha ontológica moderno-colonial e seus efeitos. Isso pressupõe um entendimento da fusão entre a linha secular e a linha ontológica na Modernidade e o papel colonial das ciências que não registram a existência nem a influência da linha ontológica moderno-colonial. A Faculdade do Terceiro Mundo teria de ser uma faculdade que contribuísse para a concepção de uma atitude e de métodos adequados para a superação da linha ontológica, ou - o que é o mesmo - que ajudasse a fazer avançar o projeto ainda incompleto da decolonização. Essa atitude e estes métodos teriam de ser decolonizadores ou decoloniais, distintos da atitude liberal que surge frente a linha teológica e o "fato do pluralismo", o qual oculta o estabelecimento da linha ontológica moderno-colonial como problema.

A atitude decolonial

A atitude é uma dimensão fundamental na tarefa de produzir conhecimento e está relacionada ao surgimento da filosofia. Edmund Husserl, por exemplo, argumentou que a emergência de uma filosofia acarreta uma mudança na atitude ordinária e natural de perceber o mundo e conduz a uma atitude propriamente filosófica que se pergunta sobre a verdade e já não mais somente sobre a função das coisas (Husserl, 2008HUSSERL, Edmund. La crisis de las ciencias europeas y la fenomenología transcendental. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2008.). Ele via os polos opostos do positivismo e do ceticismo como expressões de atitudes que a fenomenologia podia superar ao permitir ao sujeito entrar em uma atitude distinta através da epoché fenomenológica. A epoché indica uma mudança de atitude e representa uma guinada na forma como o sujeito se localiza e se relaciona com o mundo não muito distinta da mudança que ocorre na conversão religiosa (Husserl, 2008: 185-194).

O tema da atitude é retomado por Heidegger em sua concepção de autenticidade e inautenticidade. Também aparece em Habermas quando teoriza acerca da ética comunicativa, que dá expressão ao projeto incompleto da Modernidade: a Modernidade depende e convida a uma atitude pós-convencional de onde os sujeitos se perguntam sobre a verdade das coisas e, portanto, buscam dar razões diante dos outros sujeitos (Habermas, 1990HABERMAS, Jürgen. Modernity: an unfinished project. In: d'Entrèves, Maurizio Passerin; Benhabib, Seyla (Eds.). Habermas and the unfinished project of modernity: critical essays on the philosophical discourse of modernity, p. 38-58. Cambridge: MIT Press, 1997.: 124). Foucault também fala da Modernidade, não tanto como um período, senão como uma atitude. Foucault comenta em seu texto clássico sobre "O que é a ilustração?":

Ao fazer referência ao texto de Kant, pergunto-me se não se pode considerar a Modernidade muito mais como uma atitude do que como um período histórico. Como uma "atitude" quero dizer um modo de relação com e frente à atualidade; uma escolha voluntária que alguns fazem, em suma, uma maneira de pensar e de sentir, uma maneira, também de atuar e conduzir-se que marca uma relação de pertencimento e, simultaneamente, se apresenta a si mesma como uma tarefa (Foucault, 1994: 8).

A atitude moderna toma várias configurações, porém estão relacionadas a uma forma de localizar-se no tempo e, portanto, na história. É, por um lado, "uma atitude que permite apreender o que há de heroico no momento presente", assim como uma atitude histórico-crítica, que leva ao que Foucault chama de uma "ontologia crítica de nós mesmos" (Foucault, 1994: 9).

Não sei se algum dia alcançaremos o estado de maturidade. Muitas coisas em nossas experiências nos convencem que o evento histórico da Aufklärung não nos levou a esse estado e que ainda não o alcançamos. Todavia, parece-me que se pode assinalar um sentido à interrogação crítica sobre o presente e sobre nós mesmos que Kant formulou ao refletir sobre a Aufklärung. Parece-me que essa mesma interrogação é uma maneira de filosofar que não tem deixado de aparecer, com sua importância e sua efetividade, durante os dois últimos séculos (Foucault, 1994: 18).

Foucault continua estabelecendo uma conexão direta entre a atitude moderna e seu próprio trabalho intelectual:

Há de se considerar a ontologia crítica de nós mesmos, não certamente como uma teoria, como uma doutrina, nem sequer como um corpo permanente de um saber que se acumula; deve-se concebê-la como uma atitude, como um ethos, como uma vida filosófica em que a crítica do que somos é, simultaneamente, uma análise histórica dos limites que nos são impostos e um experimento da possibilidade de superar esses limites.

Essa atitude filosófica deve se traduzir em um trabalho realizado em indagações diversas. Elas têm sua coerência metodológica no estudo, tanto arqueológico quanto genealógico, das práticas enfocadas, simultaneamente, como um tipo tecnológico de racionalidade e como um jogo estratégico das liberdades...Elas têm sua coerência prática no cuidado essencial em submeter a reflexão histórico-crítica à prova de práticas concretas. Não sei se é necessário dizer, hoje em dia, que o trabalho crítico implica uma fé na ilustração; de minha parte, penso que se necessita sempre do trabalho sobre nossos limites, quer dizer, um trabalho paciente que dê forma à impaciência pela liberdade (Foucault, 1994: 18).

A ontologia crítica de nós mesmos continua a atitude própria da Modernidade para além de uma fé na ilustração. Esta acarreta métodos e práticas que têm como objetivo "um trabalho paciente que dê forma à impaciência pela liberdade".

Foucault publicou seu ensaio sobre a ilustração em 1984, no aniversário de 200 anos do ensaio publicado por Kant com o mesmo nome. Quatro anos antes, Habermas também havia escrito um ensaio no qual abordava o significado da Modernidade e da ilustração europeia de forma similar (Habermas, 1997: 38-58). Para Habermas, a Modernidade é um estado de consciência sobre como o presente supera o mundo antigo, o qual persiste na Europa desde o século V (Habermas, 1997: 39). Esta ideia, contudo, só se converte em projeto com o trabalho dos filósofos da ilustração. Tanto para Foucault como para Habermas, a Modernidade está intimamente associada à ilustração europeia. A diferença principal entre ambos é que enquanto Habermas interpreta a Modernidade como projeto, Foucault a qualifica como atitude (Sc hmidt, 1997SCHMIDT, James. Habermas and Foucault. In: d'Entrèves, Maurizio Passerin; Benhabib, Seyla (Eds.). Habermas and the unfinished project of modernity: critical essays on the philosophical discourse of modernity, p. 147-171. Cambridge: MIT Press, 1997.; Tully, 1999TULLY, James. To think and act differently: Foucault's four reciprocal objections to Habermas' theory. In: Ashenden, Samantha; Owen, David (Eds.). Foucault contra Habermas, p. 90-142. London: Sage Publications, 1999.). Esta diferença não é tão considerável como se pode pensar, pois, para Habermas, a Modernidade também acarreta um tipo de atitude pós-convencional. Diferentemente de Foucault, entretanto, esta atitude é inteiramente racionalista, enquanto a atitude que Foucault defende, em diálogo com Nietzsche, é histórico-crítica.

O que chamo aqui de atitude decolonial encontra suas raízes nos projetos insurgentes que resistem, questionam e buscam mudar padrões coloniais do ser, do saber e do poder (Maldonado-Torres, 2007a, 2007b). Durante a chamada época da ilustração europeia, esta atitude era parte de uma guinada mais ampla, quando a ideia e a tarefa da decolonialidade do ser, do poder e do saber adquiriu um estatuto de projeto político internacional. Isto se deu talvez de forma mais clara e contundente com a Revolução Haitiana. A Revolução Haitiana pode ser vista como ponto chave da "guinada decolonial" que impactaria em toda a região do Caribe e que inspiraria projetos de emancipação radicais até os nossos dias (Maldonado-Torres, 2011). Frente a um contexto onde sujeitos negros deparavam-se com uma alienação perfeita das dimensões do ser e do significado (imagens e caracterizações do negro como bestial), do saber (tipologias sobre o lugar do negro no "sistema da natureza") e do poder (a escravidão naturalizada), há o levante de uma revolução de "negros" em uma colônia que não somente teve a audácia de se rebelar, como também seus sujeitos se tornam autoconscientes do significado revolucionário amplo de seu próprio levante. Isto contrasta com a impossibilidade que os europeus teriam em conceber a Revolução Haitiana como uma revolução político-epistêmica em sentido estrito, tal e como viam a Revolução Francesa, pois o paradigma imperante não admitia que os negros tivessem desejos de emancipação (ver Trouillot, 2015TROUILLOT, Michel-Ralph. Silencing the past: power and the production of history. Boston: Beacon Press, 2015.). Assim, para eles, a Modernidade como projeto aparece como produtora de racismo e colonialismo e a Revolução Haitiana obtém o significado de uma forma distinta de ilustração: uma ilustração primeiramente preocupada como tema da igualdade da espécie humana e com a tarefa política, epistêmica e criativa da decolonização (Firmin, 2002FIRMIN, Anténor. The equality of the human races. Urbana: University of Illinois Press, 2002.: 221). Quer dizer: trata-se de uma ilustração que tem por objetivo a superação da colonialidade do poder, do conhecer e do ser.

A Revolução Haitiana clama não só por um novo tipo de projeto, senão também por um novo tipo de atitude, pois o "negro" haitiano sente, em primeiro lugar, que tem de se desfazer de um presente que o exclui da zona do ser humano e não, como os modernos, de um passado que não o deixa avançar ou mudar. Enquanto o moderno reivindica o presente "moderno" frente ao passado "antigo", o negro escravizado opõe-se ao presente colonizado por um futuro distinto, decolonizado. A memória tem um lugar em oposição a esse presente e à concepção do futuro. A Modernidade, enquanto período e atitude, converte-se parcialmente em reivindicação do presente ou, ao menos, em ofuscação que impede observar o presente em sua plenitude. Nem o racionalismo nem a atitude histórico-crítica chegam a advertir ou a responder adequadamente à experiência vivida do negro.

Esta insuficiência do projeto e da atitude da Modernidade ficam desvelados claramente num texto como Pele negra, máscaras brancas de Frantz Fanon. Fanon, desde a periferia caribenha, procura esclarecer nesse texto a forma como os "negros" e as "negras" encontram o mundo e se veem a si mesmos nele. Fanon procura ilustrar as "atitudes mentais que o homem de cor adota frente à civilização branca", bem como as atitudes do branco frente ao negro. Assim, a Modernidade aparece associada a uma fobia antinegra e à colonialidade. Da mesma forma, a atitude moderna aparece como uma atitude moderno-colonial ou uma atitude colonial antinegra que cria e sustenta a colonialidade e que encobre a discussão da Modernidade como problema.

Fanon conclama que se leve a sério o papel que o colonialismo e o racismo antinegro têm desempenhado na formação da subjetividade moderna.

Consideramos que - diz Fanon - diante da convivência das raças branca e negra, pensamos que existe uma assunção em massa de um complexo psicoexistencial. Ao analisá-lo, visamos sua destruição [...]. As atitudes que pretendo descrever são verdadeiras. Eu as encontrei um número incalculável de vezes (Fanon, 2009: 45).

Sua tarefa é identificar essas atitudes, analisá-las e ajudar a destruí-las.

Quando Fanon fala dos efeitos da "presença das raças negra e branca", o que faz é reconhecer a presença da linha ontológica colonial na Modernidade. Esta linha é a linha de cor, tal qual W. E. B. Du Bois havia identificado no princípio do século XX (Du Bois, 2007: 15). A Modernidade é vista a partir das dicotomias antigo/moderno, tradição/razão ou religião/ilustração que surge a partir da linha secular. Foucault questiona a aplicabilidade destes termos para falar de períodos históricos bem definidos e das teleologias que os contém, porém que se mantém dentro de seus limites. Fanon muda os termos da análise ao propor a dicotomia branco/negro como eixo de análise, colocando assim a dicotomia antigo/moderno e suas expressões estabelecidas pela linha secular moderna como forma de evasão. Isto é, Fanon, tal como Foucault, utiliza o termo atitude como chave para explicar o sentir e o saber moderno, porém onde Foucault identifica a crítica, Fanon encontra o encobrimento do problema de cor.

Por que escrever esta obra? Ninguém a solicitou.

E muito menos aqueles a quem ela se destina.

E então? Então, calmamente, respondo que há imbecis demais neste mundo. E já que o digo, vou tentar prová-lo.

Em direção a um novo humanismo...

À compreensão dos homens...

Nossos irmãos de cor...

Creio em ti, Homem...

O preconceito de raça...

Compreender e amar...

De todos os lados, sou assediado por dezenas e centenas de páginas que tentam impor-se a mim. Entretanto, uma só linha seria suficiente. Uma única resposta a dar e o problema do negro seria destituído de sua importância (Fanon, 2009: 41).

Fanon lança a pergunta sobre o "problema do negro" e o que encontra são "dezenas e centenas de páginas" que desviam o olhar para todas as direções, menos para aquelas que dão atenção ao próprio problema. Na tradição de Aimé Césaire e Lewis Gordon, poderíamos chamar as formas de conhecimento presentes nestas "dezenas e centenas de páginas" como decadentes (Césaire, 2006; Gordon, 2007). Fanon tem em conta o texto de Césaire, onde este chama da civilização europeia de decadente. A decadência em Césaire está relacionada a esse mesmo poder sobre o qual comenta Fanon: "uma civilização que se mostra incapaz de resolver os problemas que seu funcionamento suscita é uma civilização decadente" (Césaire, 2006: 13). Césaire aprimora sua contribuição ao escrever:

A maldição mais comum neste assunto é ser a vítima de boa-fé de uma hipocrisia coletiva, hábil em colocar mal os problemas para legitimar melhor as odiosas soluções que lhes são oferecidas (Césaire, 2006: 14).

Fanon começa Pele negra, máscaras brancas chamando a atenção para um fenômeno relacionado: a evasão do problema de cor. Porém, onde Césaire vê decadência, Fanon se aventura a diagnosticar imbecilidade. Obviamente, decadência e imbecilidade são distintas formas de falar de fenômenos iguais, similares ou complementares.

Fanon não mede suas palavras frente ao que considera um comportamento que legitima a desumanização. Vale a pena recordar aqui o ângulo de análise fanoniano quando equipara a afirmação "Olhe, um negro!" com o insulto "Negro sujo!" (Fanon, 2009: 111). O Fanon de Pele negra, máscaras brancas confronta-se assim ao que, seguindo a lógica consubstanciada no texto, se pode denominar a imbecilidade disciplinadora moderno-ocidental; e a imbecilidade como atitude moderna e liberal nas "artes liberais". Que as páginas que o oprimem sejam de caráter conservador liberal ou de esquerda não muda muito o efeito no que tem a ver com confrontar seriamente o "problema negro" e a relação intrínseca da Modernidade com este. Nem o positivismo nem a crítica (critique) chegam a tocar o tema porque o negro não é visto como suficientemente significativo para que desperte interesse pelo conhecimento ou pela pergunta crítica, e quando o faz, o conhecimento e a crítica tendem a proceder como se o negro não tivesse nada a dizer ou contribuir acerca das estruturas, culturas, atitudes, disciplinas e métodos de estudo que o afetam. Nem a observação conservadora ou liberal nem a crítica parecem chegar a captar os problemas que se encontram na e desde a zona do não ser que Fanon tenta apreender em seu texto.

Essa aversão sistemática do pensamento europeu à pergunta sobre o significado do negro não parece inofensiva a Fanon, como se fora um pequeno descuido de um liberal decente ou de um sujeito chamado crítico, senão o contrário: isto pode ser tomado como o calcanhar de Aquiles do pensamento moderno. Aquilo que as ciências europeias resistem a tematizar com tanta ousadia e consistência, porém também com tanta naturalidade, incluindo discursos conservadores, liberais e de esquerda, apelos à lealdade nacional, à liberdade, e à crítica radical pode ser justamente aquilo que revela seus limites insuperáveis e as ansiedades constitutivas. Fanon encontra em Pele negra um mecanismo através do qual a civilização moderna revela suas ansiedades constitutivas e seus limites. A pele negra deixa de significar um problema e se converte numa pergunta. Esta é a transição epistêmica decolonial principal em Pele negra, máscaras brancas: o que começa como problema - a presença do negro -, termina como pergunta: "Oh, meu corpo, faça de mim um homem que interrogue" (Fanon, 2009: 190). O texto propõe-se a perguntar-se sobre a construção do problema e revela que o mesmo é tão profundo que o negro e a negra se concebem como problemas eles mesmos. Por isso buscam as máscaras brancas e ao fazê-lo encontram uma civilização ocidental moderna não só disposta a prestar-se a tal ato trágico performativo, senão também que aparece como fonte do fenômeno estudado já que "a alma negra" surge ela mesma elaborada pelo homem branco. Isto define uma nova agenda de trabalho. Fanon escreve:

O negro é um homem negro; isto quer dizer que, devido a uma série de aberrações afetivas, ele se estabeleceu no seio de um universo de onde será preciso retirá-lo.

O problema é muito importante. Pretendemos, nada mais nada menos, liberar o homem de cor de si próprio. Avançaremos lentamente, pois existem dois campos: o branco e o negro (Fanon, 2009: 42).

A Modernidade começa a aparecer não somente como moderna frente a uma Antiguidade ou a uma Idade Média, mas como branca frente a uma zona que se identifica como não branca e parcialmente negra. A pele negra permite que a linha ontológica colonial seja visível e apareça na forma de uma dicotomia hierárquica entre negro e branco. Da mesma forma, as atitudes frente à pele negra denunciam as obsessões e os desejos dos sujeitos modernos, tanto em sua versão negra, como branca. Essa é uma das dimensões principais de Pele negra, máscaras brancas. O texto pode ser lido como crítica à Modernidade no sentido da identificação de dimensões constitutivas da Modernidade e de seus limites junto a uma consideração das atitudes que permitem sua continuação. Isto se faz com o propósito de facilitar a autoemancipação, o que ao final se trata, como Fanon mesmo assinala, "[do] fim do mundo, poxa" (Fanon, 2009: 179).

Vemos, pois, que a Modernidade - para Fanon - aparece tanto como projeto que envolve a criação e a reprodução da linha ontológica moderno-colonial, diferença subontológica, ou linha de cor, como também enquanto geradora de uma atitude - decadente, mesmo mais do que decadente, para Fanon, atitude imbecil - de escape frente ao sério problema dos efeitos da linha ontológica moderno-colonial. Também se trata de um sem número de reações afetivo-patológicas frente ao negro, que vão desde o ódio até o desejo erótico. Essas são as atitudes principais que sustentam e são elas mesmas produzidas pela linha ontológica moderno-colonial e pela zona do ser e do não ser que criam. A colonialidade do ser se refere não tanto à forma em que os sujeitos modernos se transformam em consumidores ou ficam presos à lógica do capital. Este conceito pretende identificar com mais precisão as formas em que a linha subontológica moderna se produz e reproduz as atitudes humanas que jogam um papel crucial. É na esfera do desejo, da percepção e da atitude principalmente que a colonialidade do ser se situa no sujeito e isto o leva a situar-se não tanto como sujeito do consumo, senão como amo (senhor) natural e cidadão legítimo da zona do ser ou escravo natural, um sujeito inferior que habita a zona do não ser. A zona do ser colonial é posta como a zona da vida que requer ou implica a morte ou a indiferença diante da morte na zona do não ser. No mundo moderno antinegro, a cor da pele se converte na marca que servirá para localizar sujeitos e povos em diferentes zonas. Assim, a naturalização da morte, o conflito, a desumanização e a guerra são expressões primárias da colonialidade do ser. O mesmo se impõe sobre as formas da subjetividade moderna (seja o sujeito enquanto cidadão, enquanto paciente, enquanto sujeito sexuado etc.) já que o sujeito moderno aparecerá sempre localizado em relação à cor, mesmo quando se perceba ou se pretenda se posicionar acima dela.

A atitude decolonial no projeto incompleto da decolonização

A partir de Fanon pode-se chegar à conclusão de que a decolonização é tanto um projeto incompleto e em processo como uma atitude. Com base no exercício da decolonização como projeto e atitude é que qualquer uso de disciplinas e métodos tem sentido. Do contrário, as disciplinas e os métodos tendem a ser orientados pelo projeto e pela atitude moderno-coloniais. Transdisciplinaridade, neste contexto, significa, em primeiro lugar, a necessidade de reconhecer imperativos e lógicas mais amplas do que as disciplinas que encontram sua orientação própria e em relação às quais elas mesmas e seus métodos podem se destruir e se reconstruir de forma distinta. Por isso, nos deparamos com Fanon a enfatizar que

[...] é de bom tom preceder uma obra de psicologia por uma tomada de posição metodológica. Fugiremos à regra. Deixaremos os métodos para os botânicos e os matemáticos. Existe um ponto em que os métodos se dissolvem (Fanon, 2009: 11).

Desta posição é que podemos falar de uma atitude decolonial que suspende os métodos e propõe um manejo de um método sem métodos.

Pele negra, máscaras brancas é um exercício de decolonização das ciências humanas a partir da discussão da decolonização como atitude e projeto. O mesmo toma a forma de um tratado sobre a desigualdade, a desumanização e a colonização na Modernidade (Maldonado-Torres, 2015). Fanon avalia as ciências e os seus métodos a partir da zona do não ser, da mesma forma propõe um projeto e uma atitude que pretendem superar a linha ontológica moderno-colonial. As disciplinas e suas metodologias provam seu rigor diante da efetividade com a qual têm entendido e participado na criação desta linha em combinação com várias outras linhas.

Estou definindo transdisciplinaridade decolonial como orientação e suspensão de métodos e disciplinas a partir da decolonização como projeto e como atitude. Esta atitude e este projeto são parte do que podemos chamar de consciência decolonial (decolonial consciousness), em contraposição à consciência moderna (modern consciousness). Enquanto a consciência moderna encarrega-se de afiançar as bases das linhas seculares e ontológicas moderno-coloniais, a consciência decolonial busca decolonizar, des-segregar e des-generar1 1 . No original des-generar. Trata-se de um trocadilho pelo qual se supõe desmantelar o poder, o ser e o saber, ao mesmo tempo em que se pretende superar as marcações de gênero presentes no poder, no ser e no saber. (n. do t.) o poder, o ser e o saber (Maldonado-Torres, 2007a). Isto é feito ao criar laços e novas formas entre esferas que a Modernidade ajudou a separar: a esfera da política ou do ativismo social, a esfera da criação artística e a esfera da produção de conhecimento. A consciência decolonial acarreta formas de atuar, de ser e de conhecer que se alimentam dos encontros entre estas áreas. Neste sentido a consciência decolonial é uma consciência limítrofe e seu pensamento também é um pensamento de fronteira que se nutrem da experiência de estarem marcados pela linha ontológica moderno-colonial (Anzaldúa, 2012). O caráter fronteiriço do pensamento decolonial também aponta para seu caráter transdisciplinar: o projeto e a atitude decolonizadora leva o sujeito cognoscente que emerge da zona do não ser a alimentar-se do ativismo social, da criação artística e do conhecimento (em algum caso também da espiritualidade) em vias de revelar, desmantelar e superar a linha ontológica moderno-colonial. O encontro de fronteiras entre o conhecimento que se impõe a partir da zona do ser com a experiência e o conhecimento que se dão na zona do não ser e simultaneamente o encontro entre as distintas esferas do pensamento, da ação e da criação, onde se encontra o sujeito em processo de decolonização, desafiam a rigidez das disciplinas e seus métodos. O que esta atividade de transgressão de fronteiras exige é uma consciência diferencial (diferential consciousness), como um manejo versátil e criativo de tecnologias de emancipação em vias de decolonização, da forma que Chela Sandoval tematiza este conceito (Sandoval, 2000).

Pele negra, máscaras brancas propõe e é um produto de uma concepção de pensador ou investigador como ponte entre várias áreas, guiado pelo imperativo da decolonização como projeto e pela atitude decolonial. Esta é uma visão do sujeito cognoscente e da atividade cognitiva que se encontra na base dos chamados estudos étnicos. É, por exemplo, a partir da atitude decolonial que o étnico como conceito é tomado como instrumento para desafiar a boa consciência do sujeito moderno em seu uso asséptico do conceito. É também a partir de uma consciência decolonial, comprometida com a decolonização como projeto e orientada pela atitude decolonial, que as disciplinas e seus métodos aparecem como tecnologias a serem desmanteladas, criticadas e usadas em um projeto de maior envergadura do que a simples acumulação do conhecimento e a consolidação da linha secular moderna. Isto tem prioridade epistêmica, ética e política sobre as artes liberais, sua atitude e seu projeto.

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  • *
    Traduzido do original "Transdisciplinariedad y decolonialidad". Tradução de Joaze Bernardino-Costa.
  • 1
    . No original des-generar. Trata-se de um trocadilho pelo qual se supõe desmantelar o poder, o ser e o saber, ao mesmo tempo em que se pretende superar as marcações de gênero presentes no poder, no ser e no saber. (n. do t.)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    18 Maio 2015
  • Aceito
    03 Out 2015
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