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Processos de racionalização e novos desenhos identitários: a reestruturação da indústria da reparação automotiva e do ofício do mecânico

Resumos

O objetivo deste artigo é compreender a elaboração de novos desenhos identitários em uma categoria de ofício que experimenta um momento de intensificação dos processos de racionalização do trabalho e da empresa. Trata-se de analisar as transformações do ofício do mecânico em face da reestruturação da indústria da reparação automotiva, que se intensificou a partir dos anos 1990. Neste texto, pretende-se examinar o "campo da oficina" em um contexto no qual o mercado demanda novas competências profissionais e novas posturas empreendedoras. Busca-se verificar, a partir de um estudo de caso na cidade de Porto Alegre (RS), de que maneira os sujeitos que atuam no segmento têm resistido e/ou negociado com tais exigências, "reparando" as suas identidades.

identidade; racionalização; ofício; mecânico; indústria da reparação automotiva


The central issue of the article is to understand the making of new identities designs in a trading category that has experienced an escalation moment of the rationalization processes of companies and of labor. The study analyzes the change that mechanic's trade faces since the restructuring of the automotive repair industry that begins from the 90s. The article examines the "auto repair shop field" in a context that market demand professional competence and entrepreneurship attitude new. The study, based in Porto Alegre (RS) city case, discusses the way that the individual that works in this sector has resisted and/or negotiated with such demands "repairing" your identity.

Identity; rationalization; trade; mechanic; automotive repair industry


Introdução

A nova configuração da indústria da reparação automotiva tem trazido diferentes oportunidades para os sujeitos que atuam no setor, assim como uma série de dramas. A reestruturação do segmento, que ocorreu a partir dos anos 1990, favoreceu a constituição de um novo perfil de trabalhador e de empresário no "campo da oficina".

Nos últimos anos, muitos profissionais do setor têm sofrido com os processos de desclassificação de suas qualificações, o que envolve tanto dimensões técnicas como sociais. Em um momento de demanda por saberes abstratos, capazes de lidar com as novas tecnologias, os mais escolarizados utilizam seus títulos como garantia de autoridade e sinais de competência, buscando impor sua superioridade em relação aos "práticos".

O momento também é de tensão e resistência com relação à intensificação da separação entre o técnico e o empresário. Em decorrência da expansão da frota veicular que se seguiu à reestruturação produtiva da indústria automotiva, os serviços de pós-venda tornaram-se economicamente mais relevantes. Como resultado, foram atraídos para o ramo atores que não dominam o ofício de reparador, mas que têm interesse em investir no segmento. Tal divisão trouxe uma série de conflitos para um campo no qual boa parte dos sujeitos atuantes entende que oficina é uma atividade para mecânicos.

Ao mesmo tempo, o processo de reestruturação da indústria da reparação tem entrado em contradição com o(s) "estilo(s) do ofício"1 1 . Para maiores detalhes sobre essa categoria, cf. Ferreira (2013). , que diz respeito a um modo de ser e fazer nascido no "chão da oficina" e que particulariza a categoria. Observa-se que os mecânicos não se identificam como trabalhadores genéricos, mas se reconhecem como membros de um ofício, o que envolve tanto uma cultura técnica como formas de sociabilidade, relações de amizade, memórias, história de vida e trabalho em comum. No entanto, com os processos de racionalização que marcam a passagem da era dos carros carburados para a dos carros com injeção eletrônica, e sua correlata demanda por saberes associados à eletrônica e às novas posturas de gestão, a ocupação passa por um momento de intensa transformação e de reconstrução/"reparação" de suas configurações identitárias.

Diante de tal discussão, o presente artigo versa sobre um estudo realizado em Porto Alegre (RS) entre os anos de 2010 e 2013 e tem como interesse fundamental entender as novas dinâmicas presentes no trabalho e na atividade empresarial daqueles que atuam no ramo de prestação de serviços de manutenção e reparação automotiva.

Devido à natureza da problemática, a pesquisa foi, fundamentalmente, de ordem qualitativa (Martins, 2007MARTINS, Heloísa Helena. O ensino de métodos e técnicas de pesquisa nos cursos de ciências sociais. Cronos, V. 8, n. 2, Natal, Jul.-Dez. 2007.). Para tanto, lançou-se mão de entrevistas direcionadas a empresários, trabalhadores e membros de instituições influentes, de etnografia junto às oficinas independentes e de investigação documental em fontes relevantes.

O artigo está dividido em três momentos. Em um primeiro instante, apresenta-se o debate teórico a respeito das formações identitárias, no que tange à sua relação com o trabalho. A seguir, procede-se a uma análise dos processos de reestruturação da indústria da reparação automotiva e do ofício de mecânico. Por fim, consideram-se as diferentes maneiras que os trabalhadores e proprietários de oficina têm construído para negociar e/ou resistir aos movimentos de racionalização do segmento e as formas como têm reformulado/"reparado" as suas identidades.

Argumentação teórica

Em uma perspectiva relativista, a noção de "identidade" não diz respeito a algo fixo e imutável, mas é relacional e posicional. A adesão dos sujeitos a uma forma identitária nunca é completa e sem conflito, pois se trata de um processo em constante reconstrução, com relação ao qual não existe um significado último.

As identidades envolvem um processo de reconhecimento contingente, estando sempre expostas a mudanças e a novos questionamentos (Dubar, 2009DUBAR, Claude. A crise das identidades: a interpretação de uma mutação. São Paulo: Edusp, 2009.). Os momentos críticos são fundamentais para as transformações identitárias, uma vez que os episódios de grande impacto representam "marcos" nas trajetórias individuais e coletivas e demandam novas posturas e direções daqueles que têm sua "identidade contestada" (Strauss, 1999STRAUSS, Anselm. Espelhos e máscaras: a busca de identidade. São Paulo: Edusp, 1999.).

Nessas circunstâncias, o self (Giddens, 2002GIDDENS, Anthony. A constituição da sociedade. São Paulo: Martin Fontes, 2009.; 2009)2 2 . Para Giddens (2002, 2009), na modernidade, o self (o "eu" do indivíduo) está associado à consciência de si mesmo e à autoidentidade. O self ativo consiste na monitoração reflexiva do "eu", sendo construído em meio a uma pluralização de contextos e a uma série de possibilidades reflexivamente interpretadas pelos agentes, os quais são considerados responsáveis pelas próprias escolhas e destinados a ser aquilo que fizerem de si mesmos. precisa lidar com crescentes incertezas, e as biografias tornaram-se mais abertas e sujeitas a oscilações, dando origem a um "indivíduo em processo".

[Na] modernidade "alta" ou "tardia" - nosso mundo de hoje -, o eu, como os contextos institucionais mais amplos em que existe, tem que ser construído reflexivamente [...] em meio a uma enigmática diversidade de opções e possibilidades (Giddens, 2002: 11).

Para Giddens (2002), isso não significa um colapso ou a anomia do social, mas o resultado da crescente interconexão entre as influências globalizantes e as disposições individuais, que modificam o cotidiano e alteram os aspectos mais pessoais do "eu". O desenvolvimento dos laços mundiais, que a globalização ajudou a construir, significa que "ninguém pode 'eximir-se' das transformações provocadas pela modernidade" (Giddens, 2002: 27). Assim, nenhum indivíduo está livre de responder a questões como:

O que fazer? Como agir? Quem ser? São perguntas centrais para quem vive nas circunstâncias da modernidade tardia - e perguntas que, num ou noutro nível, todos respondemos, seja discursivamente, seja no comportamento no dia a dia (Giddens, 2002: 70).

O novo contexto tem características tanto unificadoras como desagregadoras. A "crise" das identidades pode ser, ao mesmo tempo, um momento de drama e de reposicionamento e criatividade, no qual se constroem novos sentidos. Tal discussão é especialmente relevante quando se tem em questão um cenário de intensificação dos processos de racionalização e de reformulação das identidades associadas ao trabalho.

O acesso a uma determinada formação e o domínio de um ofício constituem um fator identitário para boa parte da classe trabalhadora (Castro, 1993CASTRO, Nadya Araújo. Qualificação, qualidades e classificações. Educação & Sociedade, n. 45, Ago. 1993.). As identidades decorrentes de uma posição ocupacional não são absolutas, mas estão entre as formas identitárias fundamentais para a organização da vida, dando sentido às trajetórias profissionais e sociais (Dubar, 2003).

As "crises" desestabilizam sistemas simbólicos de classificação constituídos no período precedente e, no caso das identidades relacionadas ao trabalho, estão associadas a aspectos tais como a entrada massiva das mulheres no mercado de trabalho, a terceirização, a flexibilização, o desemprego e a mundialização da economia (Dubar, 2009).

Nesta esfera, com a ascensão do "modelo da competência" (Zarifian, 2003ZARIFIAN, Philippe. O modelo da competência. Trajetórias históricas, desafios atuais e propostas. São Paulo: Editora Senac, 2003.), tem-se uma intensa batalha identitária, que consiste em destacar características genéricas dos indivíduos e desvalorizar suas identidades coletivas, de ofício e/ou de classe.

Contudo, em diferentes contextos, os trabalhadores têm reafirmado a relevância das qualificações singulares, revelando dessa maneira um reconhecimento do valor identitário e político dos saberes particulares e de uma posição ocupacional específica.

Racionalização e o ofício do mecânico: dilemas da desclassificação técnica e social

As narrativas dos mecânicos entrevistados sobre o passado e o presente das oficinas lançam mão de um "marco" para construir as fronteiras entre um velho e um novo tempo na indústria da reparação. O "marco" refere-se aos automóveis de antes e depois da injeção eletrônica, que representou mudanças tecnológicas nos veículos e nos instrumentos de trabalho.

No "campo da oficina", chamado assim devido a suas especificidades - que não se reduzem a nenhum outro "campo" -, ninguém está imune às influências das "modernidades" na cadeia automotiva. Assim, os trabalhadores do setor empenham-se em provar sua capacidade de ingressar na anunciada "oficina do futuro" e escapar das desvalorizações que classificam especialmente os "práticos", como "ultrapassados", como se o seu "capital qualificacional acumulado" (Cardoso, 2000CARDOSO, Adalberto Moreira. Trabalhar, verbo transitivo: destinos profissionais dos deserdados da indústria automobilística. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.) ao longo dos anos não tivesse mais valor. Dessa maneira, todos procuram afirmar-se como "modernos", contornando o temor da obsolescência, que gera um processo dramático e desestabilizador das identidades associadas às qualificações (Cardoso, 2000).

Trata-se de uma conjunção de discursos e ações que surge com a necessidade de justificar as opções e/ou posições ocupadas (Giddens, 2002), em um contexto no qual as possibilidades de atuação são variadas e exigem mais argumentação do que anteriormente.

Entre as metamorfoses dos novos tempos, verifica-se que a regra passa a ser deixar de consertar peças para trocá-las, abandonar a fabricação de ferramentas para comprá-las, aprender nas escolas, na internet e nas apostilas em vez de recorrer aos "veteranos". Ou, ainda, dominar os conhecimentos de eletrônica em oposição aos de mecânica, lidar com os equipamentos de diagnóstico em contraste com a sensibilidade dos sentidos, utilizar equipamentos eletrônicos em vez de ferramentas manuais.

Não obstante, nem todos têm os recursos e/ou as motivações para implementar as exigências recentes em termos de tecnologia e gestão. Mais do que quaisquer outros, esses são os que têm sua "identidade" profissional questionada pela "emergência de uma nova configuração produtiva" (Dubar, 2005: 280) e são obrigados a encontrar outras respostas para suas velhas posições.

Os discursos "modernizantes" por parte dos agentes atuantes no setor fixam-se na capacidade que as tecnologias supostamente teriam de excluir os "retrógrados". Para aqueles que veem a si mesmos como porta-vozes do "progresso", a mudança tecnológica (injeção eletrônica, freio ABS, suspensão eletrônica etc.), que tem tornado o automóvel menos mecânico e mais eletrônico, é o divisor de águas que justifica a entrada no setor de profissionais com maior formação técnica. Conforme o relato de um engenheiro mecânico,

Nos anos 1990, quando entrou a injeção com a abertura do mercado, eu já tinha um conhecimento técnico... hoje muito mecânico não entende... Tem veículos que têm trinta centrais eletrônicas pra gerenciar o carro. Isso foi evoluindo. Então, o mecânico que tem quinta série, que hoje muitos ainda têm, ele não vai ter conhecimento... Essa mudança de tecnologia deu uma sacudida (A. E., 2011)3.

A maioria dos interlocutores destaca que a área de reparação está mais complexa e "delicada", pois "não dá mais para usar martelo, marreta e talhadeira" (O. B., 2011). Hoje, ao abrir o capô, em vez de enxergar as peças mecânicas, "é cheio de fio para tudo que é lado" (D. P., 2010). Conforme um dos "veteranos", "se um mecânico na minha época que trabalhava, que parou há dez anos, se ele abre o capô de um carro hoje, ele não encontra mais carburador, distribuidor, as velas, ele não encontra mais nada" (G. S., 2011). Agora, os automóveis "são sensores, unidades de comando e atuador" (P. V., 2011).

No segmento, supõe-se que o mercado por si mesmo excluirá os que não se adaptam ao hodierno, quer dizer, os "jurássicos... aqueles que a gente chama de dinossauros" (gerente executivo, Sindirepa-RS, 2011)4 4 . Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios, que representa oficinas mecânica, chapeamento, pintura e eletricidade. . E é considerado "jurássico", basicamente, tudo o que antecede ao presente:

Antes era bem mais fácil, era mais elementar, o conceito era mais primitivo, era uma coisa mais visível. Hoje não, hoje tá bem mais sofisticado... Tu te obriga a ler muito, a fazer curso, a trocar ideias, a entrar na internet (G. G., 2011).

A ideia presente em relatos como esses é que a tecnologia põe fim ao "primitivismo" do setor: "Antigamente, ah, pelo barulho, é aqui, é ali. Hoje tu não consegue mais fazer isso, hoje tá ficando muito refinado. O curioso tá perdendo a vez" (G. G., 2011). Alega-se que a mudança resultou em uma transformação no perfil do mecânico, relacionado, agora, a um tipo "de qualificação mental, intelectual, para assimilar esse tipo de tecnologia. A exigência para um mecânico se manter no mercado está sendo muito grande" (gerente executivo, Sindirepa-RS, 2011).

O antagonismo ao passado, associado ao "primitivo" e ao "elementar", é uma forma extrema de desvinculação com as referências anteriores, que serve para purificar a "nova identidade" ao anular um tempo remoto, que se supõe "menor", estabelecendo fronteiras entre os "aptos" e os "inaptos" para o mercado de hoje.

Tal perspectiva passou a ser frequente nos relatos empresariais e institucionais e assume que é responsabilidade do profissional no setor manter-se atualizado. Ele deve ser capaz de reter um acervo de competências que possam ser mobilizadas de acordo com as preferências do mercado. É importante, portanto, qualificar-se e requalificar-se constantemente. Quer dizer, manter-se em estado de "empregabilidade" (Gomes, 2002GOMES, Maria Soledad. Empregabilidade nos tempos da reestruturação e flexibilização: trajetórias de trabalho e narrativas de ex-empregados do setor elétrico brasileiro. Tese (Doutorado em Sociologia) - Instituto de Filosofia e Ciências Sociais, Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2002.), no caso dos assalariados, e em estado de "empreendedorismo" (Lima, 2010LIMA, Jacob Carlos. Participação, empreendedorismo e autogestão: uma nova cultura do trabalho? Sociologias, Ano 12, n. 25, Porto Alegre, Set.-Dez. 2010.), no caso dos proprietários.

No setor, impõe-se o veredito da substituição do "mecânico tradicional" pelo "mecânico moderno", apontando para o problema da "obsolescência das habilidades adquiridas" (Sorj, 2000SORJ, Bila. Sociologia e trabalho. Mutações, encontros e desencontros. RBCS, v. 15, n. 43, Jun. 2000.) e da incapacidade de alguns para se tornarem competitivos. Por esse meio, desclassificam-se os que se supõe terem ficado para trás, incapazes de corresponder às novas exigências e colocados na condição de "sistematicamente inúteis" (Dubar, 2005: 257) e "incapazes de operar com base em referências globais" (Garcia, 2009GARCIA, Sandro. Global e local: o polo automobilístico de Gravataí. São Paulo: Annablume, 2009.: 286).

As identidades de ofício, construídas com base em determinadas práticas de trabalho, em qualificações, em formas de aprendizagem e de sociabilidade, são então alteradas e desvalorizadas pelas novas dinâmicas, que exigem conhecimentos do âmbito da informática e da eletrônica e outros recursos mobilizados, essencialmente por atores oriundos do ensino profissionalizante, técnico e/ou superior. Ao fim e ao cabo, a referida tensão vai além de uma disputa técnica - o que está em jogo é todo o modelo de ofício que caracterizou a atividade até então e os modos de vida e trabalho a ele associados.

De tudo isso decorre que nenhum dos sujeitos pode ser simplesmente caracterizado como "tradicional", posto que todos reconstroem suas identidades em resposta às perguntas colocadas pelas transformações contemporâneas (Giddens, 2002). As mudanças trazem mais diversidade e incertezas, e fazem com que as referências identitárias sejam "passíveis de revisão" (Dubar & Demazière, 2000). A "crise", que vem a ser um corolário dessa inflexão, não significa, necessariamente, estar fragmentado e à deriva (Strauss, 1999), mas sim que a desestabilização dos modelos anteriores oferece maiores possibilidades com as quais as biografias podem interagir (Dubar, 2003). As identidades, enquanto composições relativamente estáveis e relacionais, são permanentemente construídas e reconstruídas a partir das vivências sociais (Mendes, 2001MENDES, José Manuel Oliveira. O desafio das identidades. In: SANTOS, Boaventura de Sousa (Org.). Globalização: fatalidade ou utopia? Porto: Afrontamentos, 2001.). Estão, portanto, submetidas às contingências relacionadas ao cotidiano e às experiências concretas dos sujeitos.

O uso da tecnologia na construção de hierarquias sociais

Conforme mencionado no tópico anterior, os relatos sobre a percepção dos mecânicos acerca das mudanças tecnológicas dividem a história da indústria da reparação em, basicamente, dois momentos: o dos "carros carburados" e o dos "carros injetados". Cada um corresponde, idealmente, a uma estrutura ocupacional e de aprendizagem diferenciada. A divisão refere-se ao fato de que a eletrônica e os sistemas computadorizados trouxeram novas epistemologias no que diz respeito à maneira de aprender, diagnosticar e realizar os serviços de reparação.

Assegura-se que, antes dos "injetados", que chegam ao mercado nacional no início dos anos 1990, "o Brasil só tinha sucata" (A. A., 2011) e que, com a eletrônica embarcada5 5 . A eletrônica embarcada se refere ao sistema eletrônico desenvolvido para aplicação móvel em carros, aviões, navios etc. (que inclui injeção eletrônica, freio ABS, airbag, câmbio automático, controle de estabilidade etc.), a frota modernizou-se.

Ademais, os relatos indicam que, com as novas tecnologias dos automóveis e dos instrumentos de trabalho, as expertises tornaram-se mais relacionadas à capacidade de diagnosticar do que à habilidade para executar tarefas. E no processo de diagnose, agora, é preciso confiar no que não se pode ver:

Hoje se tem muita insegurança com relação a essa parte eletrônica. Porque, no carburador, uma coisa que é mecânica, o cara vai ali e enxerga... Em eletrônica tu não enxerga nada... Uma coisa que tu tem que acreditar e fazer sem enxergar (M. A., 2011).

Na "era da injeção eletrônica", o feeling, importante para reparar os "carburados", já não ocupa o mesmo lugar. Os "sentidos", em parte, aparecem substituídos pelos exóticos equipamentos eletrônicos: "Os carros antigos eram mais no ouvido, no andar com o carro. Era tudo mecânico mesmo... Hoje tu regula o carro no aparelho" (A. L., 2011).

Nas narrativas, a aparelhagem eletrônica retira parte do conhecimento que estava no "corpo" dos sujeitos e o transfere para as máquinas. A percepção que conduzia ao diagnóstico de uma falha e da solução, e que era sob vários aspectos similar à do artesão que confeccionava um artefato, é em grande parte absorvida pelos equipamentos eficientes.

Atualmente, afirma-se que é a capacidade para diagnosticar um problema que irá determinar a superioridade de um mecânico em relação a outro. Mesmo quando a execução da tarefa exige maestria e perícia, por estar associada ao "fazer manual", tem recebido cada vez menos status nos "discursos reformadores" das instituições, das empresas e de alguns "mecânicos empresários"6 6 . As posturas empresariais são mais comuns no caso dos proprietários de centros automotivos, que são as oficinas que prestam um grande número de serviços automotivos. . Enfatiza-se a importância do diagnóstico, como se esse fosse o único momento do pensar, porque se considera que os saberes abstratos (associados ao "trabalho limpo") e os "saberes modernos" (eletrônicos) são os que têm prestígio, em oposição aos "saberes tradicionais" (mecânicos), julgados como hierarquicamente inferiores e tratados com desdém por se relacionarem a operações práticas e "saberes tácitos".

Desde que fazer peças e ferramentas tornou-se dispensável, dado o seu acesso e barateamento, o diagnóstico tem sido o espaço para afirmação da expertise. A ideia de perícia está cada vez mais ligada à identificação das avarias, ao uso da tecnologia (scanner, osciloscópio, ultrassom, pistola de laser etc.), ao domínio do idioma dos computadores e à imagem de organização, limpeza e disciplina vinculada a tais habilidades.

Na "linguagem da oficina", quem não sabe diagnosticar um problema é apenas "trocador de peças", o que é uma das denominações mais ofensivas na categoria:

A gente tem que ter certeza do que está fazendo. Se não a gente não é mecânico, é trocador de peça... Se tem um defeito, tu tens que ir atrás. Fica dois, três dias com o carro, mas acha (A. M., 2011).

Com o foco no diagnóstico, ficou mais fácil para as instituições de ensino afirmarem sua supremacia sobre as formas "espontâneas" de produção e circulação dos conhecimentos:

Antes o mecânico ia na tentativa, ele tinha muita experiência... hoje é um processo de análise abstrata. "O que estas cobrinha aí representam?", tudo é uma questão de interpretação. São coisas abstratas, uma pessoa de baixa escolaridade fica difícil (diretor, Senai Automotivo, 2011).

O argumento vinculado a tal declaração é de que, atualmente, quem não domina ferramentas conceituais e informações está excluído:

Nós temos aí, por exemplo, o Estilo da Fiat que tem 32 centrais eletrônicas. O que cada uma delas gerencia? Se tu não tiver informação disso, é um tiro na lua (coordenador pedagógico, Senai Automotivo, 2010).

É preciso entender de eletrônica e informática, "porque veículo hoje é um computador com quatro rodas" (diretor, Senai Automotivo, 2011).

A premissa, portanto, é a de que é necessário desenvolver uma maior capacidade de raciocínio: "Não é fazer, é pensar. Trocar é fácil" (mecânico instrutor, proprietário de escola de treinamento, 2011).

Os relatos sobre essas questões vão muito além do tema da reparação de automóveis. Trata-se de construir fronteiras e hierarquias sociais entre os sujeitos, a partir de supostas diferenças entre competências técnicas. Com tal propósito, enfatiza-se que as transformações têm demandado um maior envolvimento analítico. Fala-se em chips, sensores, leituras digitais, computadores e outras referências não mais mecânicas. As mudanças alteram o conhecimento sociotécnico que definia um mecânico, representando frustração, oportunidade, desafio e/ou exclusão (Franzoi, 2009FRANZOI, Naira Lisboa. O conhecimento informal dos trabalhadores no chão de fábrica. Educação Unisinos, v. 13, n. 3, Set.-Dez. 2009.), conforme as "motivações" e os "recursos" (Garcia, 2009) dos sujeitos.

Nas narrativas dos interlocutores da pesquisa, os instrumentos de trabalho não têm apenas funções técnicas, pois são dispositivos que servem para estabelecer hierarquias e estão relacionados às disputas sociais mais amplas.

Se, por um lado, destaca-se a complexidade (de diagnose) que decorre das tecnologias, por outro argumenta-se que a codificação do conhecimento "intuitivo" resulta em desqualificação do trabalhador. Na perspectiva do presidente da Federação dos Metalúrgicos do Rio Grande do Sul7 7 . Os metalúrgicos representam três setores: máquinas agrícolas, reparação e metalurgia. , por exemplo, houve uma completa desqualificação da força de trabalho ao longo dos processos de reestruturação da indústria da reparação:

Hoje, a indústria de reparação de veículos é toda uma parafernália eletrônica. Hoje, tem um conjunto de equipamentos que fazem a detecção do problema... Então o mecânico que ligava o carro e pelo barulho do carro ele sabia qual dispositivo tava com defeito, né, pela experiência, pela habilidade ele sabia. Hoje é a máquina que determina qual é a peça que tá desgastada... (presidente, Federação dos Metalúrgicos-RS, 2011).

Desse ponto de vista, a tecnologia teria, finalmente, liberado a classe patronal da necessidade de profissionais com habilidades particulares. Porém, apesar dessa interpretação, não se trata aqui de afirmar a qualificação ou desqualificação pura e simplesmente, uma vez que os movimentos são complexos e combinados (Hirata, 1994HIRATA, Helena. Da polarização das qualificações ao modelo da competência. In: FERRETTI, Celso João et alii (Org.). Novas tecnologias, trabalho e educação: um debate multidisciplinar. Petrópolis: Vozes, 1994.). Não há um único resultado possível a partir da incorporação da tecnologia (Hughes, 1994HUGHES, Thomas. Technological momentum. In: SMITH, Merritt Roe; MARX, Leo (Ed.). Does technology drive history? The dilemma of technological determinism. Cambridge: Massachusetts Institute of Technology, 1994.), o que contraria o determinismo tecnológico que hipostasia a técnica e a considera o "motor da história". De fato, ao mesmo tempo que alguns saberes se tornaram obsoletos, outros surgem, em um movimento dialético de "qualificação-requalificação".

Do ponto de vista heurístico, não se pode concluir por uma generalização da "desprofissionalização ou desqualificação" (Dubar, 2005), mas os conflitos no "chão da oficina" precisam ser levados em conta, de modo a considerar a historicidade dos processos.

Todavia, têm se intensificado no setor as investidas que visam a um esvaziamento do conteúdo da atividade. O aprofundamento da divisão de trabalho, retirando de alguns a capacidade de diagnóstico, tem significado um esforço para romper com a articulação entre percepção e habilidade manual, própria do conhecimento corporificado, que caracteriza o ofício e suas redes horizontais de trocas de informações, baseadas em experiências passadas que circulam em forma de "conselhos" (Nelsen, 1998NELSEN, Bonalyn. The nature and implications of technological change and rise of a service economy: observations from the field of automotive repair. Ithaca: Cornell University, 1998.) referentes ao diagnóstico.

A ênfase nas abstrações conceituais e na graduação escolar reforça a exclusão dos trabalhadores com experiência anterior, mas "precariamente escolarizados" (Kuenzer, 2003KUENZER, Acácia. As relações entre conhecimento tácito e conhecimento científico a partir da base microeletrônica: primeiras aproximações. Educar em Revista, Curitiba, número especial, p. 43-69, 2003.). A referência à "falta de" escolaridade tem sido usada para desqualificar e menosprezar esses homens. Enquadrados na categoria de intelectualmente "incapazes", são obrigados a restringir-se à função de "fazer". Logo, a atividade de diagnóstico, que é um importante momento de raciocínio e planejamento, deve ser assumida pelos "estudados", reforçando as diferenciações entre "'os que fazem' e 'os que não fazem'" (Franzoi, 2009).

De fato, apesar das intenções dicotômicas, as aparelhagens "exóticas" substituem, disputam e/ou mesclam-se com a sensibilidade dos sentidos; os conhecimentos sobre eletrônica sobrepõem-se aos "saberes mecânicos", combinam-se com eles e/ou os tensionam; as redes de aprendizagem e troca de conhecimento extinguem os treinamentos e as formações escolares e/ou misturam-se a eles; as funções de diagnose e execução separam-se e/ou imbricam-se. Tem-se, assim, uma diversidade de combinações e uma nova base para a constituição das identidades de ofício (Dubar, 2003), que em vez de desaparecerem, apresentam novos desenhos em um cenário de "crise" que envolve dramas, perdas e possibilidades.

As identidades, a partir das quais os coletivos se definem como parte de uma ocupação (Castro, 1993), estão cada vez mais em disputa no âmbito do ofício do mecânico, como se reforça a seguir.

Centralização/descentralização da aprendizagem e das práticas de trabalho

Os argumentos presentes nos depoimentos dos interlocutores da pesquisa indicam que a atividade de manutenção e reparação automotiva se tornou mais complexa, fazendo com que seja central um raciocínio mais processual, assim como a capacidade para interpretar símbolos, diagramas e códigos. Agora, afirma-se, é preciso aprender a pesquisar, consultar internet, jornais e revistas especializadas. Faz-se necessário ler, escrever, interpretar, calcular, lidar com computadores, sensores, chips, softwares e fios, fazer treinamento à distância, ter capacidade comunicativa e, ao mesmo tempo, saber manusear ferramentas.

Como já ocorre em outros setores, diplomas e certificados, assegurados pelas instituições formais de ensino, começam a ser cada vez mais utilizados enquanto símbolo de status, prova de competência e garantia de um mecânico ideal.

O mecânico idealizado é aquele que rompe com o(s) "estilo(s) do ofício". A ruptura origina o "mecânico sem vício". Nos relatos dos "reformadores", o "sem vício" é uma versão adaptada do operário fabril eficiente - enquanto a variante oficina da fábrica racionalizada é apresentada conforme as seguintes noções: um leiaute eficiente elimina as porosidades no espaço de trabalho; a comissão incentiva a produtividade; as metas individuais e coletivas aumentam o rendimento; a tecnologia de diagnóstico de base microeletrônica melhora a eficiência; o emprego de mecânico polivalente gera mais lucros, entre outros.

Para a construção do novo perfil de mecânico e de oficina, o setor tem contado com algumas instituições, em especial o Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). Apesar da diversidade de agências de ensino-aprendizagem, desde a criação do Senai Automotivo na cidade de Porto Alegre, em 1999, a entidade busca perfilar o profissional requerido e monopolizar os espaços de formação.

A criação de uma agência especializada em serviços de reparação foi incentivada pelas montadoras. Relata-se que, na ocasião de criação da escola do Senai,

o diretor-presidente da Volkswagen disse o seguinte: "podem contar com tudo, instrutores, material, ferramenta, tudo". E montou uma oficina Volkswagen dentro da escola. Aí veio a Ford, a Chevrolet e a Fiat. E devagarzinho vieram as outras (vice-presidente, Sindirepa-RS, 2011).

Desde então, o Senai Automotivo vem sendo escolhido pelas fabricantes de automóveis, em convênios de cooperação técnica, como a instituição parceira para o treinamento de mecânicos. Contudo, a entidade não trabalha apenas com esses convênios, oferece ainda cursos para mecânicos concessionários e independentes em diferentes modalidades (iniciação profissional, aperfeiçoamento profissional e técnico). Em 2002, implementou o "técnico em automobilística"8 8 . O aluno do curso técnico em automobilística deve ter terminado ou estar, no mínimo, cursando o ensino médio. O curso técnico tem duração de dois anos e o estágio, seis meses. Fonte: Senai Automotivo. Plano de curso de Técnico em Automobilística. Informativo 2011. Porto Alegre, Escola de Educação Profissional Senai Automotivo, 2011. , o que representou um novo momento para os profissionais da área.

Do ponto de vista "reformador", as transformações tecnológicas justificam o encerramento da aprendizagem nas instituições formais de ensino. E explicam mesmo a fragmentação da função de diagnóstico e execução, cujo melhor exemplo é a própria criação do referido curso técnico em automobilística do Senai.

O curso foi pensado para produzir profissionais que não irão "fazer", propriamente, mas "pensar" o que deverá ser feito por outros:

O técnico tem um conhecimento mais aprofundado em questões de gestão, de qualidade, de diagnóstico, de reparação, mas não muito do fazer... O técnico trabalha mais com a questão do diagnóstico, do pensar maior (coordenador pedagógico, Senai Automotivo, 2010).

Mais do que isso, o curso foi projetado mirando a aprovação de uma lei, em tramitação no Congresso Nacional, que prevê que toda oficina deverá ter um técnico responsável.

Apesar da posição privilegiada do Senai, há diversas outras escolas que descentralizam a aprendizagem. Esse é o caso do Instituto Profissionalizante Automotivo (Itec)9 9. O Instituto Profissionalizante Automotivo (Itec), fundado em 1987, é uma das mais importantes escolas de cursos profissionalizantes da cidade de Porto Alegre. , das pequenas escolas geridas por mecânicos, das equipes que produzem materiais didáticos e treinamento, entre outros.

A descentralização da formação tem sido cada vez mais tensionada pela pressão do Senai, que tenta impor o diploma da escola como o mais legítimo, reduzindo a relevância de outros grupos "ligados à existência de espaços sociais dotados de seus próprios princípios de hierarquização" (Bourdieu, 1998BOURDIEU, Pierre. Classificação, desclassificação, reclassificação. In: NOGUEIRA, Maria Alice; CATANI, Afrânio (Orgs.). Escritos de educação. Petrópolis: Vozes, 1998.: 151).

O convênio das montadoras com a agência representa uma das maiores ofensivas de concentração da aprendizagem e, por seu intermédio, de padronização das metodologias e procedimentos de reparação. Contudo, nem o Senai nem qualquer outra escola tem conseguido impor-se como o único locus do qual deriva o conhecimento. A ideia de centralização colide com as dinâmicas descentralizadas de aprendizagem, o que contribui, enquanto força contrária, à completa racionalização da atividade.

Também, em um movimento contrário aos processos de homogeneização racionalizadora, localiza-se boa parte das práticas de trabalho e de negócios que constituem o cotidiano da atividade no ramo.

Na cadeia automobilística, o segmento da reparação automotiva, desde meados dos anos 1990, vem apresentando os impactos da reestruturação produtiva da indústria de autopeças (Garcia, 2009), deparando-se com o ditame da troca em detrimento do conserto dos componentes dos automóveis.

A necessidade de descartar, em vez de "consertar as coisas", está entre as razões que fazem com que muitas oficinas evitem contratar mecânicos independentes:

Tu sabe por que a concessionária não quer os mecânicos autônomos? Porque ele tem vícios de origem. Ele tenta consertar as coisas. Não é interesse. O interesse é outro. É comercial a coisa (vice-presidente, Sindirepa-RS, 2011)10.

Para tanto, as concessionárias têm adotado o sistema de comissões, que remunera os mecânicos pela venda de peças, e, assim, incentiva as trocas e, sobretudo, onera os clientes.

No entanto, a despeito da tendência de crescimento da lógica comercial, as oficinas independentes são mais flexíveis e, ainda, recuperam algumas peças não blindadas, atendendo às demandas dos clientes com poucos recursos ao baratear o valor do serviço.

Por muito tempo o conserto e a fabricação de peças e ferramentas representaram um dos principais momentos de expressão da expertise do mecânico. Quando o conserto não é possível, vê-se constrangido um importante elemento que compunha a identidade do ofício. Tal restrição é parte dos aspectos que constituem um momento de "crise" (Giddens, 2002), que efetivamente se relaciona às dinâmicas mais globais da cadeia automotiva (Garcia, 2009).

A associação das oficinas a tais dinâmicas dá-se mediante as terceirizações. Trata-se de um mecanismo de descentralização que, se, por um lado, é conveniente ao capital maior, por outro, traz para o centro da indústria da reparação automotiva dinâmicas de negócios e de trabalho diferentes daquelas dos modelos racionalizados idealizados para o setor. Elas recolocam no cerne dessa indústria a convivência entre as consideradas "oficinas tradicionais" e as "oficinas modernas", com suas práticas diferenciadas em relação às formas de contratação, de organização, condições de trabalho etc. Tais sistemas de rede permitem que, por meio desses circuitos, mesmo as pequenas oficinas operem no mercado dos "carros injetados".

Apesar da interdependência entre oficina concessionária e oficina independente, que ocorre por intermédio das terceirizações, há uma forte disputa entre ambas, intensificada a partir do momento em que as autorizadas começaram a entender o pós-venda como um grande espaço de negócios (Salerno, 1997SALERNO, Mario. A indústria automobilística na virada do século. In: ARBIX, Glauco; ZILBOVICIUS, Mauro (Orgs.). De JK a FHC, a reinvenção dos carros. São Paulo: Scritta, 1997.):

Não é só vender carro. Tem que vender e dar uma boa assistência, senão o cara não volta. Isso chama-se fidelizar o cliente (gerente executivo, Sincodiv-RS, 2010)11.

Não obstante, ambas as formas de empreendimento, com suas lógicas diferenciadas quanto aos processos de racionalização, mais intensos no caso das concessionárias, continuam operando no setor - fazendo com que ocorra uma coexistência entre empreendimentos com metodologias e lógicas de negócios distintas.

A divisão entre o técnico e o empresário: a oficina como empresa

A projeção de uma oficina completamente racionalizada tem feito com que parte dos proprietários - "mecânicos proprietários" ou "empresários puros" - procurem levar adiante posturas mais empreendedoras, de modo a adaptar seus estabelecimentos a um padrão de concessionária na qual se assegure que "a oficina funciona como uma empresa, não tem perfumaria" (diretor, Senai Automotivo, 2011).

Alguns se esforçam para estar em sintonia com as expectativas referentes aos mecânicos e às oficinas da "nova era", o que inclui neutralizar os sinais negativos do passado, a saber:

Há um tempo atrás a gente tinha a imagem do mecânico, imaginava um mecânico aquele cara todo cheio de graxa, sujo e tal, um cara fumando, bêbado muitas vezes, assim, foto de mulher pelada na oficina (A. S., 2011).

Uma vez que o mercado da reparação se tornou mais promissor como ramo de negócios, a premissa passou a ser a de que a "oficina" deve dar lugar à "empresa", encerrando as representações pejorativas associadas ao empreendedorismo para o setor:

Esse mercado sempre foi vulgar, ser mecânico dono de oficina nunca foi nobre. Hoje é um empresário, hoje um dono de oficina tem que fazer um curso de administração de empresas, hoje eu vejo filhos de donos de oficinas, é o caso do meu, que faz administração em cima pra tentar continuar levando o negócio; mas antes era vulgar (J. O., 2011).

Na indústria da reparação, dado que o dono de oficina é, geralmente, mecânico, as representações negativas que recaem sobre a ocupação refletem-se também na atividade empresarial. A própria função de investir no ramo está sujeita à desclassificação, que resulta do baixo status da ocupação, associada a trabalho grosseiro, fazendo com que os proprietários (mecânicos ou não) tenham um prestígio precário por serem "manchados" pelos estigmas do "trabalho sujo" que circundam a atividade.

De modo a superar esse desprestígio, alguns encenam rituais e adotam medidas de organização e estética: recepção com televisão, cafezinho, balinhas, ar condicionado, jornais, revistas, música ambiente, vaso de flores, álcool gel, trabalhadores uniformizados, banheiros femininos, caixinha de sugestões, entre outras referências associadas a uma gestão moderna e eficiente. Algumas oficinas têm piso e paredes brancas. A aparelhagem mais sofisticada e os computadores operam como sinais de "modernidade" e são posicionados de um modo visível para os que chegam aos estabelecimentos. Nas paredes, propagandas de marcas de autopeças, fotos da família, atestados de participação em programas sociais, certificados de cursos e, em uma das oficinas visitadas, até mesmo um quadro de arte na parede.

Alguns dos "mecânicos proprietários", que continuam exercendo a atividade, esforçam-se para esconder os sinais que traem a imagem do empreendedor. Isolam os vestígios que contradizem a representação de homem de negócio, tais como cabelo longo, brinco, tatuagem, entre outros. Dedicam-se à construção de uma "fachada" (Goffman, 1985GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. Petrópolis: Vozes, 1985.), o que envolve atos verbais e não verbais, acionando

as artes da manipulação da impressão, as artes, básicas na vida social, através das quais o indivíduo exerce controle estratégico sobre a imagem de si mesmo (Goffman, 1982: 140).

A atuação como gestor de negócio requer, ainda, participação em eventos; preocupação com o meio ambiente; utilização de peças originais; prática da manutenção preventiva; informatização das atividades administrativas; estipular padrão de preço pelo serviço; cumprir prazos de entrega; telefonar e mandar e-mail para os clientes; focar na inspeção veicular; adaptar-se para atender a cliente mulher, entre outras medidas.

A fim de promover os ideais de uma "oficina moderna", o Sebrae propõe vários cursos. Alguns dos interlocutores relataram ter procurado a entidade para viabilizar o sistema 5S12 12 . Os 5S significam Seiri (utilização), Seiton (ordenação), Seiso (limpeza), Seiketsu (saúde), Shitsuke (autodisciplina). É uma metodologia de administração que teve início no Japão, depois da Segunda Guerra Mundial, e propõe-se a desenvolver um planejamento sistemático, visando à melhoria da produtividade da empresa. , outros para obter consultoria e/ou realizar o curso de gestão de oficina.

Assim como o Senai-RS tem como propósito ser a entidade centralizadora das formas de ensino e aprendizagem, o Sebrae-RS pretende o mesmo com respeito às atividades empresariais. Há um esforço, por parte da entidade, de "reformadores" e de alguns donos de oficina, no sentido de desassociar a figura do mecânico à figura do empresário. Porém, no segmento, a grande maioria dos proprietários exerce o ofício. Esses, de modo geral, apesar da importância da posição de "dono", identificam-se sobretudo como técnicos:

Se perguntar para mim qual é a minha profissão, eu não sou empresário, eu sou mecânico. Ponto final. O empresário vem a ser uma consequência do que tá feito. Qual é a tua profissão? Qualquer lugar eu vou botar "eu sou mecânico". Porque eu continuo trabalhando na área. Além de ter a empresa, eu executo o serviço... tenho orgulho, não tenho problema nenhum com isso (O. O., 2011).

Entre os "mecânicos proprietários", de modo geral, a identificação com o ofício sobrepõe-se à identificação de si mesmos como business men. Contudo, como proprietários de oficina, de forma mais ou menos intensa, esses homens têm sentido os condicionantes para que se percebam, antes de tudo, como empresários. Eles se veem frente à necessidade de corresponder às expectativas do que significa ser um "empreendedor", de modo que muitos adotam medidas "modernizantes", mesmo quando não estão efetivamente engajados nesses projetos.

Esse é o caso de um dos "mecânicos proprietários", que afirma que sua oficina tem até um website e, no momento seguinte, considera: "Eu tenho o site, mas honestamente, nunca acessei meu site" (M. A., 2011). Em sentido semelhante, um dos interlocutores defende que é preciso informatizar a oficina e, adiante, afirma que o único computador do estabelecimento não está funcionando. Outro veste jaleco branco para outorgar um caráter científico à atividade, mas porta-o completamente manchado de graxa. Com o propósito de corresponder à valorização das certificações, alguns exibem na fachada a logomarca da certificadora Automotive Service Excellence (ASE), que nem tem mais validade no Brasil. Outro proprietário, ainda, afirma que tem feito marketing na rádio, mais com a finalidade de ajudar o amigo que tem um programa na emissora do que a propaganda em si mesma.

Performances como essas, que simulam uma sintonia com práticas empreendedoras sem haver, efetivamente, um comprometimento com elas, indicam que há uma incorporação desses sujeitos a esse momento de reestruturação do setor. Estão envolvidos de tal modo que precisam reestruturar e justificar suas ações (Giddens, 2002), mesmo que suas respostas se transfigurem em "encenações".

As "falhas" em adotar medidas efetivas em direção ao que se considera uma "empresa racionalizada" dizem respeito não apenas à falta de capacidade ou escassez de recursos, mas a formas de recusa daqueles que, muitas vezes, consideram as medidas empreendedoras excessivamente burocráticas e pouco relevantes para aquilo que realmente importa, ou seja, a qualidade técnica do trabalho (McIntyre, 1995McINTYRE, Stephen L. The repair man will gyp you: mechanics, managers, and customers in the automobile repair industry, 1986-1940. Columbia: University of Missouri - Columbia, 1995.).

Desse modo, apesar dos esforços dos "reformadores", grande parte dos proprietários de oficina continua pensando que a dedicação à qualidade técnica do trabalho é mais importante do que as aparências e as questões burocráticas e que dizem respeito à gestão. Para muitos, ao contrário do que afirmam os que pensam ser a oficina um ramo como qualquer outro, essa atividade é um espaço para mecânicos. E aqueles que apenas a empresariam, se não entendem nada do serviço, são completamente desprestigiados.

A tensão entre a obrigação de portar-se como empresário e o fato de valorizar, antes de tudo, sua condição e qualidade de técnico coloca, para esses sujeitos, novas demandas em termos identitários. Entre eles, os ajustamentos são muitas vezes apenas formais, para que correspondam aos ideais conhecidos, mas nem sempre reconhecidos, das posturas empresariais. Se as oficinas concessionárias estão em maior conformidade com o ideal de "oficina-empresa", as independentes, apesar das mudanças, estão ainda muito distantes do modelo esperado e operam conforme o(s) usual(is) "estilo(s) do ofício".

Não se trata aqui de estabelecer um enquadramento dos sujeitos na "identidade x", mas indicar que as experiências identitárias são relacionais e que as antigas lógicas entram em combinação e/ou conflito com as novas tentativas de racionalização econômica e social, resultando em um misto de permanências e mudanças que marcam a dinâmica das identidades a partir da lógica da "estruturação/desestruturação" (Dubar, 2005).

A despeito das mudanças, há entre "veteranos" e "novatos" um senso de semelhança que faz com que tenha sentido falar em identidade, algo que permanece enquanto outras relações estão mudando (Brubaker & Cooper, 2000BRUBAKER, Rogers; COOPER, Frederick. Beyond "identity". Theory and Society, n. 29, p. 1-47, 2000.). Entre os mecânicos, as identidades tanto assumem formas defensivas, numa resistência à dissolução de suas velhas bases, como apontam para o desenho de novos caminhos para o futuro. O ofício não se "converte" em algo completamente novo, mas, certamente, trata-se de uma identidade "ressignificada" (Strauss, 1999), uma "identidade em reparação". As velhas referências passam a ser "contestadas" (Strauss, 1999), exigindo que se estabeleçam novas bases de correspondência. No segmento, como ser mecânico já não é mais suficiente - pois é preciso ser empreendedor de si mesmo - e ser proprietário já nem sempre significa ser mecânico, faz-se necessário revalidar as identidades associadas ao ofício.

No turbilhão de demandas impostas pelo mercado e no contexto de racionalização e de práticas de resistência a um modelo único de trabalho e de empresa, os mecânicos, com esses "choques" (Strauss, 1999), preservam - ao mesmo tempo que transformam - as suas formas de identificação com o ofício.

Considerações finais

Buscou-se aqui analisar a maneira pela qual a reestruturação da indústria da reparação automotiva alterou, no "campo da oficina", a natureza dos saberes e dos empreendimentos, construindo uma nova representação acerca da ideia de "qualificação", bem como do que significa ser "empreendedor".

Nesse contexto, as velhas referências identitárias são contestadas, permitindo aos sujeitos reelaborarem suas identidades sobre bases muito mais cambiantes do que anteriormente, em um cenário que tensiona as referências tradicionalmente associadas à ocupação e que oferece elementos para o surgimento de uma nova cultura do ofício.

Os saberes do ofício, construídos como domínios "tácitos" e associados aos "saberes mecânicos", têm sofrido impacto da incorporação da eletrônica embarcada nos veículos e da microeletrônica associada aos instrumentos de diagnósticos. Em muitos casos tornam-se obsoletos. Dessa maneira alteram-se as expertises dos sujeitos que, embora tenham sempre despendido algum grau de desempenho cognitivo no exercício da atividade, veem-se agora diante das demandas que utilizam referências mais associadas aos saberes formais.

Frente a isso, se os homens do ofício, por um lado, resistem à secundarização de seus "saberes tácitos" (como indicam as práticas associadas aos "mecânicos com vício") porque sabem que desses depende seu controle sobre o próprio trabalho, por outro, aspiram ao domínio dos saberes conceituais, reconhecidos como mais valorizados socialmente.

No novo contexto, em que o espaço do "conserto das coisas" (peças e componentes) se vê restrito e até mesmo proibido - como no caso das concessionárias -, a diagnose passa a ser o locus ao qual os homens atribuem sua expertise e, mais que isso, associam um novo status que decorre de uma maior familiaridade com os conhecimentos abstratos, tidos como de natureza superior.

A "cultura técnica" do ofício, ligada sobretudo aos "saberes práticos", construída em sintonia com os objetos que compõem a materialidade da vida na oficina - a partir da qual até mesmo se negaram muitas vezes as teorias e as referências abstratas, temendo a autoridade daqueles que a dominavam - necessita agora incorporar referências que passam pela linguagem dos softwares e dos computadores.

Com a reestruturação do setor, o diagnóstico, mais do que vinculado às "técnicas sensitivas", apesar de não prescindir das experiências incorporadas, fica sujeito à manipulação de tecnologias, que exigem capacidades associadas sobretudo às leituras de códigos e de símbolos, em equipamentos digitais. Quer dizer, vinculado às abstrações que os homens do ofício já não podem "ver com as pontas dos dedos".

O domínio do ofício, que em um primeiro momento decorre da exclusão dos trabalhadores das instituições do conhecimento legítimo, vem a constituir-se, pouco a pouco, em uma área que, apesar da posição de inferioridade na hierarquia dos trabalhos sociais, representa uma "cultura técnica" que, nos dias atuais, obstaculiza as "reformas" de cunho racional programadas para a indústria da reparação.

O constrangimento provado por essas "reformas" produz um cenário de "crise" que, se, por um lado, desorienta e exclui, por outro, correlato aos recursos (econômicos e motivacionais) controlados por esses homens, representa novas oportunidades e novas saídas.

O programa de reestruturação do segmento passa pela construção ideológica de estereótipos que advogam a existência de uma "oficina moderna" ("oficina-empresa") e um "mecânico profissional", em oposição a uma "oficina tradicional" ("oficina-casa") e um "mecânico amador". A construção de tais polaridades tem como finalidade desclassificar, em termos técnicos e sociais, alguns dos sujeitos (os supostamente diletantes e arcaicos) que atuam no ramo, minando, com isso, sua reputação e a posição que ocupam no mercado da reparação.

A ideia de "moderno" é muito frequentemente associada à figura do "empresário puro", ou seja, aquele que representa a fragmentação entre o homem de negócio e o técnico. O "empresário puro" - imagem idealizada do "empreendedor" - não é mais um "colega de ofício" e já não compartilha a mesma "cultura técnica" que vinculava trabalhadores e patrões, e muitas vezes não tem sequer a mesma origem de classe. Diferentemente dos homens do ofício, mais preocupados com o seu desempenho técnico do que com questões administrativas, o "puro" é um homem de negócios.

Indicou-se ainda que, diante das demandas em torno da ideia de "oficina moderna", alguns oferecessem respostas formais, como se teatralizassem uma adaptação sem, de fato, assumir os programas de "reformas", o que representa uma maneira de denegar os prospectos acerca da forma como devem operar trabalhadores e proprietários.

A partir de estudo realizado, essencialmente em Porto Alegre (RS), argumentou-se que, na atualidade, com maior ou menor intensidade, todos os trabalhadores da indústria da reparação automotiva são levados a responder ao novo momento, quando então suas identidades de ofício são reelaboradas/"reparadas" frente a um contexto de maior competitividade no setor.

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  • 1
    . Para maiores detalhes sobre essa categoria, cf. Ferreira (2013).
  • 2
    . Para Giddens (2002, 2009), na modernidade, o self (o "eu" do indivíduo) está associado à consciência de si mesmo e à autoidentidade. O self ativo consiste na monitoração reflexiva do "eu", sendo construído em meio a uma pluralização de contextos e a uma série de possibilidades reflexivamente interpretadas pelos agentes, os quais são considerados responsáveis pelas próprias escolhas e destinados a ser aquilo que fizerem de si mesmos.
  • 3
    . Ao longo do artigo, no caso de citações, serão indicadas entre parênteses as iniciais dos nomes dos mecânicos e das oficinas.
  • 4
    . Sindicato da Indústria de Reparação de Veículos e Acessórios, que representa oficinas mecânica, chapeamento, pintura e eletricidade.
  • 5
    . A eletrônica embarcada se refere ao sistema eletrônico desenvolvido para aplicação móvel em carros, aviões, navios etc.
  • 6
    . As posturas empresariais são mais comuns no caso dos proprietários de centros automotivos, que são as oficinas que prestam um grande número de serviços automotivos.
  • 7
    . Os metalúrgicos representam três setores: máquinas agrícolas, reparação e metalurgia.
  • 8
    . O aluno do curso técnico em automobilística deve ter terminado ou estar, no mínimo, cursando o ensino médio. O curso técnico tem duração de dois anos e o estágio, seis meses. Fonte: Senai Automotivo. Plano de curso de Técnico em Automobilística. Informativo 2011. Porto Alegre, Escola de Educação Profissional Senai Automotivo, 2011.
  • 9. O Instituto Profissionalizante Automotivo (Itec), fundado em 1987, é uma das mais importantes escolas de cursos profissionalizantes da cidade de Porto Alegre.
  • 10
    . É relevante lembrar que a luta das montadoras contra os mecânicos remonta aos primórdios dessa indústria. Conforme Gounet (1999: 18), para implementar o fordismo, a "Ford choca-se com o antigo regime de trabalho. Nele, eram operários extremamente especializados, grandes mecânicos, que fabricavam artesanalmente os veículos quase de A a Z".
  • 11
    . Sindicato dos Concessionários e Distribuidores de Veículos, que é a entidade de classe patronal da rede de concessionárias.
  • 12
    . Os 5S significam Seiri (utilização), Seiton (ordenação), Seiso (limpeza), Seiketsu (saúde), Shitsuke (autodisciplina). É uma metodologia de administração que teve início no Japão, depois da Segunda Guerra Mundial, e propõe-se a desenvolver um planejamento sistemático, visando à melhoria da produtividade da empresa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    13 Mar 2014
  • Aceito
    29 Out 2015
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