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Editorial

Este número de Sociedade & Estado apresenta nove artigos de fluxo contínuo e uma nota de pesquisa, além de duas resenhas e dos usuais resumos de teses e dissertações defendidas no Programa de Pós-Graduação em Sociologia da UnB. O que se notabiliza neste número é a amplitude e variedade de temas tratados. O/A leitor(a) se deparará com discussões sobre o pacto federativo brasileiro, a teoria social, o pensamento social brasileiro, o modelo de conservação do meio ambiente, a política assistencialista neoliberal, a violência, a memória etc. Não bastasse a diversidade temática, a edição também traz contribuições de autores e autoras de diferentes universidades brasileiras do Sul, Centro-Oeste, Sudeste e Nordeste, bem como contribuições inéditas de pesquisadores chilenos e portugueses, confirmando a contínua internacionalização da revista. Esta diversidade de autores e autoras que contribuíram com este número pode ser tomada como um indício do caráter democrático, plural e aberto do processo de seleção dos artigos adotado por nossa equipe editorial.

Além disso, vem se tornando uma tradição em nossa revista publicarmos traduções de artigos relevantes divulgados originalmente em periódicos de destaque internacional, a fim de promover sua maior circulação entre os estudantes de ciências sociais no Brasil. Apresentamos, assim, neste número, a tradução do artigo “La force des dispositifs”, de Nicolas Dodier e Janine Barbot, publicado originariamente no tradicional periódico francês Annales: Histoire, Sciences Sociales e gentilmente cedido à nossa Revista. Ao retomarem algumas pesquisas desenvolvidas sobre dispositivos de reparação de erros médicos, os autores destacam os processos judiciários, o sistema de indenização financeira etc., promovendo um esclarecimento conceitual e metodológico dos dispositivos e sua força na vida social.

O primeiro artigo do fluxo contínuo, de autoria de Luciléia Aparecida Colombo, professora da Universidade Federal de São Carlos, dedica-se a um tema caro à política contemporânea brasileira, “a guerra fiscal”. À luz da sociologia econômica, a autora descreve este fenômeno da política brasileira tendo como pano de fundo o pacto federalista brasileiro, destacando condicionantes da referida guerra que vão além de uma análise centrada na ideia de um agente econômico racional. Entre outras conclusões do artigo, a autora chama a atenção para a ausência de instituições adequadas para o desenvolvimento regional, o que gera uma guerra entre as unidades da federação, esgarçando possibilidades de cooperação entre os estados brasileiros.

Em seguida, José Irivaldo Alves Oliveira Silva, professor da Universidade Federal de Campina Grande (PB), apresenta resultados da pesquisa de campo sobre as Reservas Particulares do Patrimônio Natural (RPPNs), regulamentadas em 2000 pela lei que dispõe sobre o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). Fundamentado em entrevistas e questionários aplicados junto a proprietários de RPPNs no semiárido nordestino, especificamente na Caatinga paraibana, o autor identifica diversas motivações para esta prática conservacionista entre os proprietários particulares: desde aqueles conservacionistas que não abrem mão da intocabilidade de suas reservas, passando por aqueles que veem em suas reservas uma oportunidade para estabelecer diálogos com o setor empresarial e incrementar sua atividade lucrativa até aqueles que utilizam as reservas como meio de acesso a recursos públicos.

O terceiro artigo, de autoria de Pedro Célio Alves Borges, professor da Universidade Federal de Goiás, debruça-se sobre a tentativa de “supressão da memória na cidade de Goiânia”, a partir da destruição do Monumento ao Trabalhador, monumento-símbolo com explícitos valores socialistas, construído naquela cidade em 1959. O autor chama a atenção para sucessivos ataques entre 1969 e 1986 sofridos por este monumento, desde ações predatórias do Comando de Caça aos Comunistas (CCC) até a insensibilidade tecnocrática. A destruição do Monumento ao Trabalhador é um ensejo para discutir a produção da memória e dos esquecimentos.

O quarto artigo analisa a percepção e valoração de beneficiários de políticas públicas de combate à pobreza e à vulnerabilidade social na região de Los Lagos, no Chile. Fernando Codoceo e Jorge Muñoz Sougarret, pesquisadores e professores da Universidad de Los Lagos, no Chile, analisam o paradoxo em torno de tais políticas neoliberais: ao tempo que são percebidas positivamente pelos beneficiários, uma vez que mitigam uma situação de carência vivida individualmente, são também políticas desagregadoras, indo de encontro a políticas com capacidade de fortalecer o sentimento de pertencimento coletivo.

Wendell Ficher Teixeira Assis e Anabelle Santos Lages, professor e pesquisadora da Universidade Federal de Alagoas, baseados em pesquisa de campo desenvolvida com lideranças indígenas no Oeste do Pará e da Reserva Indígena Raposa do Sol, em Roraima, propõem um diálogo entre o modelo moderno-capitalista de desenvolvimento e outras formas de conhecimento e percepção da realidade, encontradas entre as lideranças indígenas entrevistadas. A partir de outros significados atribuídos ao território, identidades étnicas e culturais, os autores dialogam com as enunciações subalternas e seus embates frente ao modelo hegemônico de desenvolvimento, propondo uma provincialização deste último.

O artigo seguinte, de autoria de Sérgio B. F. Tavolaro, professor da Universidade de Brasília, revisita o programa intelectual de Gilberto Freyre, no qual a formação social brasileira representava uma modalidade diversa e bem-sucedida da modernidade. Para tanto, o autor mobiliza as categorias tempo e espaço na obra de Freyre, as quais possuem predicados vinculados a situações particulares do trópico. Este é o ensejo para o autor engajar-se não somente no debate sobre a sociedade brasileira como um arranjo moderno dentre outros, como ainda no debate atual sobre teorias sociológicas da modernidade (modernidade global, modernidades múltiplas, pós-colonialismo, modernidade/colonialidade).

Inês Barbosa e Fernando Ilídio Ferreira, pesquisadores da Universidade do Minho, em Portugal, baseados em uma investigação participativa no contexto português contra a política de austeridade imposta pelo governo nacional, a União Europeia e o FMI, discutem as mutações, as fragilidades e os combates do Teatro do Oprimido na atualidade. Ao revisitarem as origens do Teatro do Oprimido nas décadas de 1960 e 1970 e mencionando a expansão do Teatro do Oprimido por mais de cem países, os autores reivindicam uma reinvenção da metodologia do Teatro a fim de que seu projeto emancipatório não se perca diante de outros usos que têm surgido mundo afora.

Emerson Oliveira do Nascimento, professor da Universidade Federal de Alagoas, desenvolve reflexão sobre o fenômeno da violência naquele estado. O artigo contextualiza historicamente o problema da violência em Alagoas, destacando os limites da tese tradicional que associa a violência na região ao passado agrário do estado e reforçando a representação de uma sociedade desde sempre violenta. Em seu lugar, o autor, baseado em matérias jornalísticas, documentos e entrevistas com agentes do sistema de justiça criminal no período entre 1950 e 2000, busca analisar as transformações das práticas de violência no estado, discutindo a construção social do crime em Alagoas, as transformações operadas nas subculturas dos crimes de mando e pistolagem até a formação de grupos de extermínio, contribuindo com uma visão mais dinâmica e não reificada deste fenômeno social.

Na seção “Notas de pesquisa”, Sociedade & Estado traz as contribuições de Davide Carbonai & Paulo Ricardo Zilio Abdala, professores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, em torno de pesquisa em desenvolvimento sobre engajamento cívico e internet. A partir de questionários aplicados na região do Pampa, os autores buscam analisar a relação entre tipos de usuário da internet e as formas mais tradicionais de civismo. Embora a internet possa levar muitas pessoas às ruas, os resultados preliminares da pesquisa não permitem dizer que o ativismo cibernético resulte em engajamentos cotidianos na vida política.

Na seção “Resenhas”, Kamila Lima do Nascimento, doutoranda em ciência política na Universidade Federal de Pelotas/RS, discute o clássico de Laclau e Mouffe, Hegemonia e estratégia socialista; enquanto Rodolfo Rodrigo Santos Feitosa, professor do Instituto Federal do Sertão Pernambucano, apresenta resenha do livro Estado de crise, de Zygmunt Bauman & Carlo Bordoni.

Esperamos que os/as leitores/as se deliciem com a variedade de temas e contribuições apresentadas neste número.

Desejamos a todos, uma boa leitura!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2017
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