Accessibility / Report Error

Auxílio Emergencial em tempos de pandemia* * Gostaríamos de registrar nosso agradecimento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) que nos possibilitaram a aquisição de Bolsas de Iniciação Científica para um grande projeto de pesquisa que culminou na publicação deste artigo. Gostaríamos de agradecer a todos os integrantes do Diretório de Pesquisa Desigualdade, Interseccionalidade e Política Pública do CNPq, em especial a Kayná Bitencourt (Pibic/Faperj), a Mariana Ramos (Graduada em Ciências Sociais - UFRRJ) e a Thayla de Oliveira (Pibic/CNPq) que nos auxiliaram na sistematização dos dados sobre os impactos da pandemia no Brasil e no mundo.

Emergency Income in times of pandemic

Resumo

Este artigo investiga o panorama internacional da implementação do Auxílio Emergencial no contexto da pandemia do Coronavírus. Para tanto, utilizamos: i. a base de dados do Social Protection and Jobs Responses to Covid-19 (Banco Mundial), produzida a partir do levantamento em cinco continentes; ii. os dados provenientes de matérias de jornais ao redor do mundo; e iii. dados dos sites oficiais dos governos locais em diferentes regiões do globo. Em particular no Brasil, encontramos várias adversidades dessa política emergencial: i. as longas filas para cadastramento do benefício, gerando aglomeração; ii. as dificuldades iniciais quanto ao CPF não regularizado; iii. a demora na tomada de decisão para o pagamento do auxílio; iv. a precariedade dos recursos humanos; v. o limitado conhecimento com as tecnologias digitais entre a população mais vulnerável; e vi. os problemas de ineficiências horizontal e vertical. Por fim, este estudo pretende trazer contribuições à relação conflituosa entre Estado e sociedade em tempo de crise sanitária.

Palavras-chave:
Renda Básica Emergencial; Covid-19; Comparação internacional; Problemas da implementação no Brasil; Sistema de Proteção Social

Abstract

This article investigates the international panorama of the implementation of Emergency Income in context of the Coronavirus pandemic. To this, we use: i. the database of Social Protection and Jobs Responses to Covid-19 (World Bank) produced from the survey on five continents; ii. data from newspaper articles around the world; and iii. data from the official websites of local governments in different regions of the globe. Particularly in Brazil, we found several adversities of this emergency policy: i. the long lines for registration of the benefit generating agglomeration; ii. initial difficulties regarding non-regularized CPF; iii. the delay in making the decision to pay the aid; iv. the precariousness of human resources; v. little familiarity with digital technologies among the poorest population; and vi. the problems of horizontal and vertical inefficiency. Lastly, this study aims to bring contributions to the conflictual relation between State and Society in times of health crisis.

Keywords:
Emergency Basic Income; Covid-19; International comparison; Problems of implementation in Brazil; Social Protection System

Introdução

O agravamento da pandemia do novo Coronavírus ao redor do mundo afetou severamente a vida da população em decorrência das medidas de precaução adotadas no combate à doença. O rápido poder de contágio e a possibilidade de evolução da Covid-19 para quadros graves, especialmente em pessoas mais idosas e doentes crônicos, fizeram a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretar, em 30 de janeiro de 2020, emergência de saúde pública de interesse internacional1 1 Disponível em: <https://amb.org.br/noticias/oms-declara-emergencia-global-coronavirus/>. Acesso em: Abr. 2020. . Alguns meses depois, em 11 de março de 2020, a OMS declara que o surto global do Coronavírus havia evoluído para uma pandemia e que os países precisariam adotar medidas mais severas, a fim de melhor administrar a situação. Autoridades mundiais passaram então a recomendar que a população se mantivesse em casa e cumprisse medidas de isolamento social para frear o contágio, de modo que, no final de março de 2020, um terço da população mundial já se encontrava em quarentena ou com algum tipo de restrição de movimentação2 2 Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/coronavirus-13-da-populacao-mundial-esta-sob-quarentena-veja-4-tipos-de-restricao-25032020>. Acesso em: Abril 2020. .

Diante desse cenário, as estratégias de quarentena, o isolamento/lockdown provocaram consequências graves para a economia mundial e, certamente, para as populações mais vulneráveis. Apesar de ser ainda cedo para mensurar qual será o real impacto econômico, social e geopolítico de todas essas transformações, organismos internacionais fazem projeções bastante desanimadoras para o futuro. Segundo o Fundo Monetário Internacional (FMI)3 3 Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/30/recessao-profunda-na-europa-e-conclusao-ja-dada-aponta-fmi.ghtml>. Acesso em: Abr. 2020. , uma profunda recessão para países europeus já é um dado confirmado. De acordo com um levantamento do Fundo, cada mês inativo para os setores não essenciais equivale a uma queda de 3% no PIB anual. O cenário se agrava ainda mais quando nos debruçamos sobre os dados do Relatório da Organização Internacional do Trabalho de 2019, que apontam 61% da força de trabalho mundial em empregos informais ou mal remunerados, com baixa proteção social e pouca garantia de direitos trabalhistas4 4 Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/01/20/numero-de-desempregados-no-mundo-deve-alcancar-1905-milhoes-neste-ano-diz-oit.ghtml>. Acesso em: Abr. 2020. . Soma-se a isso o alerta da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a possibilidade de que a pandemia leve mais de 265 milhões de pessoas para uma situação de miséria e fome5 5 Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/04/21/pandemia-pode-levar-265-milhoes-a-fome.htm>. Acesso em: Abr. 2020. .

Dado o contexto e as previsões apresentadas, cerca de 151 países criaram ou reforçaram políticas de mercado de trabalho, seguridade e assistência social (Gentilini et al, 2020GENTILINI, Ugo et al. Social protection and jobs responses to Covid-19: a real-time review of country measures. Washington, DC: World Bank, 2020.). Dentre as medidas adotadas, as que receberam maior destaque foram aquelas referentes à assistência social, através da criação ou ampliação de programas de transferência de renda. No caso do Brasil, pressões advindas de grupos variados da sociedade civil tiveram papel crucial diante dessa tomada de decisão, apontando para a responsabilidade e a necessidade de articulação das diferentes esferas governamentais (municipais, estaduais e federal). Essa indicação de articulação entre entes diversos visava dirimir as consequências socioeconômicas nefastas da Covid-19 para grupos vulneráveis, em especial para trabalhadores informais, autônomos, pequenos comerciantes e/ou trabalhadoras domésticas.

De acordo com o levantamento realizado por intermédio da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua 2019)6 6 Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25066-pesquisa-revela-retrato-inedito-do-mercado-de-trabalho-do-interior-do-pais>. Acesso em: Abr. 2020. , a informalidade afeta a população de modo geral, mas se apresenta de maneira mais nociva entre as populações preta ou parda, entre as mulheres, entre os menos escolarizados e entre a população dos estratos de renda mais baixos. É nesse ponto que a ideia, muitas vezes divulgada pela mídia, de que a doença e a crise provocadas pelo Coronavírus seriam “democráticas”, pode ser refutada. A partir dos dados divulgados recentemente pelos Boletins Epidemiológicos do Ministério da Saúde, até 14 de junho de 2020, 55% das mortes causada pela doença são de pretos e pardos, enquanto o percentual de morte de brancos é de 37%7 7 Disponível em: <https://coronavirus.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos>. Acesso em: Jun. 2020. . Além disso, a Baixada Fluminense é o território que mais sofre com a doença, sendo as cidades de Caxias e Nova Iguaçu aquelas que apresentam os números mais elevados de óbitos por Covid-198 8 Disponível em: <http://painel.saude.rj.gov.br/monitoramento/covid19.html>. Acesso em: Jun. 2020. . De acordo com Ugo Gentilini e equipe (2020GENTILINI, Ugo et al. Social protection and jobs responses to Covid-19: a real-time review of country measures. Washington, DC: World Bank, 2020.), aqueles que enfrentavam maiores obstáculos em termos de acesso a serviços de saúde, emprego formal, estabilidade financeira, condições mais dignas de alimentação e moradia estavam mais expostos às consequências da crise sanitária9 9 Disponível em: <https://oxfam.org.br/blog/desigualdades-e-coronavirus/>. Acesso em: Abr. 2020. .

No Brasil, após pressão e mobilização social, o governo brasileiro sanciona, em 2 de abril de 2020, o Projeto de Lei 13.982, que estabelece medidas de proteção social durante o período de enfrentamento da pandemia de Covid-19. O decreto regulamenta o Auxílio Emergencial10 10 “Auxílio Emergencial” é a nomenclatura adotada pelo governo federal para designar a política pública de transferência de renda, em caráter temporário e emergencial, em decorrência dos efeitos da pandemia de Covid-19, conforme estabelece a Lei 13.983/2020. Para designar políticas similares implementadas nos demais países listados neste artigo, utilizamos a nomenclatura adotada por cada país. no valor de R$ 600,00, inicialmente destinado aos cidadãos com mais de 18 anos, aos beneficiários do Programa Bolsa Família11 11 Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/Paginas/default.aspx>. Acesso em: Jun. 2020. , às famílias cadastradas no Cadastro Único12 12 Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/cadastros/cadastro-unico/Paginas/default.aspx>. Acesso em: Jun. 2020. para Programas Sociais, aos trabalhadores informais, aos microempreendedores individuais (MEI) ou contribuintes individuais da Previdência Social; mas a proposta inicial era destinar R$ 300,00 mensais para cada membro das famílias mais pobres do país, por um período de seis meses. A determinação exigia renda familiar mensal inferior a meio salário-mínimo per capita ou três salários mínimos no total, além de não ser beneficiário de outros programas sociais (com exceção do Programa Bolsa Família) ou do seguro-desemprego13 13 Disponível em: <https://oxfam.org.br/blog/desigualdades-e-coronavirus/>. Acesso em: Abr. 2020. . As mães que morassem sozinhas e que atendessem ao critério de elegibilidade de renda tinham direito a receber o valor do auxílio em dobro. Além disso, no dia 16 de abril, a Câmara dos Deputados aprovou a expansão da medida para mães menores de idade e para toda família monoparental14 14 Disponível em: <https://radios.ebc.com.br/reporter-nacional/2020/04/projeto-aprovado-pela-camara-deputados-amplia-lista-trabalhadores-que>. Acesso em: Abr. 2020. .

Com relação à implementação dessa política, o processo foi pensado para ser realizado por intermédio de meios digitais, através da criação de um aplicativo e um site para que os beneficiários realizassem o cadastro, sendo aplicado o cruzamento dos dados das famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais, daquelas recebedoras - ou não - do Bolsa Família, com a finalidade de avaliar as condições de elegibilidade. No caso de aprovação das famílias já cadastradas no CadÚnico, a liberação do Auxílio Emergencial deveria ser automática. No entanto, o que deveria ser uma medida protetiva para evitar contato social acabou produzindo dificuldades de cadastramento (seja pela falta de informação, pelo sistema on-line instável, seja pela dificuldade de acesso à internet), ocasionando filas e aglomerações nas sedes da Receita Federal, Agências da Caixa Econômica, unidades do Centro de Referência de Assistência Social15 15 O Centro de Referência de Assistência Social é uma unidade pública da assistência social que funciona como equipamento de proteção social básica e oferece atendimentos individualizados (ou em grupos) a indivíduos e famílias. e lotéricas por todo o país16 16 Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/04/15/angustia-e-falta-de-informacoes-sobre-renda-emergencial-leva-aglomeracoes-aos-bancos>. Acesso em: Abr. 2020. .

Diante do panorama apresentado, este trabalho propõe-se a discutir o processo de decisão que resultou na promulgação dessa política pública, levando em consideração que o debate sobre renda mínima universal atravessa várias décadas. Todavia, essa discussão vem sendo retomada em todo o mundo, em decorrência da crise de saúde pública mundial devido à Covid-19. Após a contextualização global da pandemia, buscaremos refletir sobre o processo de implementação da política de Auxílio Emergencial/Renda Emergencial17 17 Em alguns países, o termo utilizado é Renda Emergencial, então, ao longo do texto, utilizaremos a categoria local da política implementada. , colocando em evidência seus acertos e suas fragilidades. Neste paper, apontaremos alguns desafios enfrentados no desenho da política de Auxílio Emergencial/Renda Emergencial: sua cobertura, os problemas envolvendo o cadastramento, o valor do auxílio e seu tempo de duração, assim como a eficiência de sua focalização. Esse último desafio pode incorrer tanto em ineficiências horizontais (não atingindo todos aqueles que necessitam) quanto em ineficiências verticais (destinando os recursos para pessoas que não se encontram em situação de pobreza).

Políticas públicas e a relação entre Estado e sociedade

Na década de 1960, as pesquisas sobre políticas públicas se iniciam sobretudo no âmbito da administração pública e das ciências sociais, tendo como foco prioritário a questão das agendas e da formulação dessas políticas (Lotta, 2019LOTTA, Gabriela. Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, p.3-324. Brasília: Enap, 2019.). Nessa época, muitos teóricos passam a sistematizar as agendas prioritárias de vários Estados nacionais, buscando compreender que elementos (ideológicos, identitários, de convicção religiosa ou de barganha política) levam um governo a priorizar determinada pauta política em relação a outras. Cientistas políticos e também pesquisadores da área de relações internacionais passam a estudar, nesse mesmo período, a formulação das políticas públicas, sobretudo seus princípios e os objetivos a serem atingidos por elas.

Ainda na década de 1960, com o alto investimento das agências multilaterais, o Estado de bem-estar social passa a usar a avaliação como forma de medir os resultados, a eficácia e a eficiência das políticas públicas em relação à população atendida. Em regimes democráticos, a avaliação também passa a servir como forma de controle social dos gastos investidos, mesmo que, no âmbito acadêmico, o debate acerca das políticas públicas girava em torno da questão da agenda, da formulação e da avaliação e apresentava ainda uma lacuna no que se refere à sua implementação: poucos estudos se propunham a analisar a defasagem entre normas institucionais da formulação e tomadas de decisão local (decisões muitas vezes arbitrárias e estigmatizantes). Além dessa brecha nos estudos acadêmicos, existiam poucas pesquisas que analisavam as questões de gênero, raça, classe e território, de forma interseccional, no âmbito da implementação local dessas políticas. Estudar implementação significa abrir a “caixa preta” dos processos de tomada de decisão dos agentes públicos e de suas consequências, às vezes não premeditadas e perversas para a população beneficiária (Arretche, 2001ARRETCHE, Marta Teresa da Silva. Uma contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brandt; BARREIRA, Maria Cecília (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais, p. 44-55. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2001.).

De acordo com Søren Winter (2013WINTER, Søren. Perspectivas de implementação: status e reconsideração. In: PETERS, Gui; PIERRE, Jon. Administração Pública Contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2013.) e Gabriela Lotta (2019LOTTA, Gabriela. Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, p.3-324. Brasília: Enap, 2019.), existem três abordagens teóricas e empíricas dos estudos sobre implementação. Conforme aponta Winter (2013), a primeira se inicia nos anos 1970, e é marcada pelos estudos de casos exploratórios e indutivos com o objetivo de gerar teoria. Os estudos eram voltados para os problemas, as barreiras e os fracassos relacionados à implementação. Lotta (2019) acrescenta que as pesquisas eram prioritariamente norte-americanas, identificando o processo de implementação vindo de cima para baixo (modelo intitulado: Top Down), ou seja, partindo dos objetivos da política em direção a seus resultados. Assim, a lógica da política se apresentava como prescritiva e normativa (no sentido de fazer funcionar corretamente a política pública e de definir que caminho ela deveria seguir). A grande constatação desses estudos apontava para a falha neste tipo de orientação Top Down, uma vez que a implementação não segue necessariamente o que foi previamente formulado. Além disso, seus objetivos são abrangentes e ambíguos e, às vezes, o gestor dispõe de valores diferentes daqueles que implementa. A solução, como aponta Lotta (2019), seria definir com clareza os objetivos e aumentar o controle sobre quem os executa.

A segunda geração, de acordo com Winter (2013WINTER, Søren. Perspectivas de implementação: status e reconsideração. In: PETERS, Gui; PIERRE, Jon. Administração Pública Contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2013.), foi desenvolvida na década de 1980, e é a das estratégias de pesquisa de cima para baixo, de baixo para cima e modelos de síntese. Lotta (2019LOTTA, Gabriela. Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, p.3-324. Brasília: Enap, 2019.) afirma que esses estudos privilegiam os papéis desempenhados pelos agentes públicos locais, suas ações, moralidades, comportamentos e formas de interação com os usurários dos serviços públicos (Hill, Hupe & Nangia, 2014HILL, Michael; HUPE, Peter; NANGIA, Monika. Studying implementation beyond deficit analysis: the top-down view reconsidered. Public Policy and Administration, v. 29, n. 2, p. 145-163, 2014.). Este modelo observa de perto o processo de implementação local da política (analisando, por exemplo, centros de referência de assistência social, salas de aula, postos de saúde etc.). O modelo Bottom Up foi utilizado por vários pesquisadores nesse período (Pressman & Wildavsky, 1973PRESSMAN, Jeffrey; WILDAVSKY, Aaron. Implementation: how great expectations in Washington are dashed in Oakland; or, why it’s amazing that federal programs work at all, this being a saga of the economic development administration as told by two sympathetic observers who seek to build morals on a foundation. Berkeley, CA: University of California Press, 1973.; Gunn & Hogwood 1982GUNN, Lewis; HOGWOOD, Brian. Models of policy-making centre for the study of public policy. Strathclyde, UK: University of Strathclyde, 1982.; Sabatier & Mazmanian, 1979SABATIER, Paul.; MAZMANIAN, Daniel. The conditions of effective implementation. Policy Analysis, v. 5, 1979.).

Ainda no que se refere aos estudos de implementação, a terceira abordagem se estabeleceu sobretudo a partir dos anos 1990, surgindo como alternativa ao binarismo Top Down versus Bottom Up. No mesmo trabalho, Lotta (2019LOTTA, Gabriela. Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, p.3-324. Brasília: Enap, 2019.) sugere que, para essa geração não há separação clara entre quem formula e quem executa a política, ou seja, formulação e implementação não são fases distintas, e sim processos decisórios contínuos. Aqui podemos citar autores como: Vincent Dubois (1999DUBOIS, Vincent. La vie au guichet. Relation administrative et traitement de la misère. Paris: Économica Études Politiques, 1999.); Susan Barrett (2004BARRETT, Susan S. Implementation studies: time for a revival? Personal reflections on 20 years of implementation studies. Public Administration, v. 82, n. 2, p. 249-262, 2004.); Richard Matland (1995MATLAND, Richard. Synthesizing the implementation literature: the ambiguity-conflict model of policy implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 5, n. 2, p.145-174, 1995.); Musheno Maynard-Moody (2003); Pierre Lascoumès e Patrick Le Galès (2012).

Por fim, a quarta geração que, segundo Lotta (2019LOTTA, Gabriela. Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, p.3-324. Brasília: Enap, 2019.), apresenta uma contribuição especial da sociologia, que vem ofertando múltiplos modelos e formas distintas de análise sobre o objeto da implementação ao redor do mundo. As investigações se voltam prioritariamente para a relação entre Estado e sociedade - ou ainda entre beneficiários e agentes públicos - e para as consequências sociais, políticas, simbólicas e morais dessa relação. Essa nova abordagem sobre o processo de implementação ganha força no Brasil apenas a partir de 2010, quando alguns pesquisadores passam a aderir a essa perspectiva. Com esse novo paradigma advindo da sociologia, inicia-se a desconstrução dos binarismos: formulação e implementação; desigualdade de oportunidades e desigualdade de resultados; burocratas de alto escalão e burocratas de nível de rua (Lipsky, 1980LIPSKY, Michael. Street level burocracy: dilemas of the individual in public services. New York: Russeell Sage Foundation, 1980.); perspectiva unilateral da pobreza e perspectiva multidimensional da pobreza.

Assim, os estudos de implementação - que se debruçam sobre o fazer local da política e sobre os dispositivos cotidianos dos agentes públicos - podem trazer luz sobre valores morais, ideologias e práticas estigmatizantes no âmbito da burocracia governamental. E, ao contrário dos estudos de formulação, os estudos de implementação tendem a privilegiar o foco sobre os agentes estatais (funcionários públicos concursados e terceirizados) que se situam nas bases ou nos estratos intermediários da hierarquia burocrática (Pires, 2018PIRES, Roberto. O trabalho na burocracia de médio escalão e a sua influência nas políticas públicas. In: PIRES, Roberto; LOTTA, Gabriela; OLIVEIRA, Vanessa (Orgs.). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas, p. 185-206. Brasília: Ipea;Enap, 2018.).

Desde as primeiras pesquisas sobre implementação (Pressman & Wildavsky, 1973PRESSMAN, Jeffrey; WILDAVSKY, Aaron. Implementation: how great expectations in Washington are dashed in Oakland; or, why it’s amazing that federal programs work at all, this being a saga of the economic development administration as told by two sympathetic observers who seek to build morals on a foundation. Berkeley, CA: University of California Press, 1973.; Lipsky, 1980LIPSKY, Michael. Street level burocracy: dilemas of the individual in public services. New York: Russeell Sage Foundation, 1980.), vemos que as normativas das políticas não são executadas de forma neutra; ao contrário, são operacionalizadas de forma muitas vezes arbitrária, podendo alterar o conteúdo e o próprio resultado das políticas públicas (Hill, Hupe & Nangia, 2014HILL, Michael; HUPE, Peter; NANGIA, Monika. Studying implementation beyond deficit analysis: the top-down view reconsidered. Public Policy and Administration, v. 29, n. 2, p. 145-163, 2014.). No âmbito da implementação, pode haver contradições e efeitos não premeditados como: classificações morais, estigmatizantes e preconceituosas em torno das famílias beneficiárias (Marins, 2017______. Bolsa Família: questões de gênero e moralidades. Rio de Janeiro: UFRJ; Faperj, 2017.; 2019b). O poder discricionário dos agentes públicos pode levar a soluções de problemas emergentes, mas pode, também, provocar consequências graves para os beneficiários (Dubois, 1999DUBOIS, Vincent. La vie au guichet. Relation administrative et traitement de la misère. Paris: Économica Études Politiques, 1999.). A partir do olhar da sociologia, compreendemos as políticas públicas como o resultado de disputas em torno de projetos políticos, ideologias, interesses, representações sociais e valores morais. Nesta direção, este trabalho objetiva fazer um levantamento das políticas de transferência de renda na era da Covid-19 e discutir os impactos, em particular no Brasil, do processo de implementação da Renda Básica Emergencial.

O surgimento das políticas de transferência de renda com a emergência dos Estados de bem-estar

Antes de analisar as políticas de Auxílio Emergencial/Renda Emergencial adotadas pelos países ao redor do mundo em decorrência da pandemia do Coronavírus, vamos discutir brevemente a emergência dos Estados de bem-estar social e a adoção de políticas de transferência de renda. Como afirma Célia Kerstenetzky (2012KERSTENETZKY, Célia Lessa. O Estado de bem-estar social na idade da razão: a reinvenção do Estado Social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.), estipular uma “origem” para o Estado de bem-estar social pode sugerir que antes deste momento não havia nenhuma forma de intervenção pública voltada para o estabelecimento do bem-estar. De acordo com a autora, a grande maioria dos países capitalistas hoje desenvolvidos, como a Inglaterra, contavam, desde o século XVI, com provisão de assistência aos mais pobres. No entanto, é com o advento dos Estados de bem-estar social que surgem, de maneira mais estruturada, os primeiros programas sociais.

A mudança na intervenção pública surge na Alemanha entre o século XIX e o século XX, como um experimento de Otto von Bismarck para construir um Estado Nacional. O “seguro compulsório” é uma marca dessas iniciativas, e tinha por objetivo proteger trabalhadores de acidentes no trabalho, doença, invalidez e velhice. Alguns países passam a implementar programas similares, como a França, a Itália e a Dinamarca, de modo que até a Primeira Guerra Mundial vários países da Europa Central possuíam benefícios dessa categoria. Outra revolução no modelo de intervenção surge no pós-Segunda Guerra na Inglaterra, dessa vez com o objetivo de reconstruir o país em decorrência dos impactos causados pelos confrontos internacionais. Surgem, desse modo, os benefícios de seguridade social financiados com recursos tributários. É neste momento que os benefícios destinados às famílias se generalizam nos países da Europa Central (Kerstenetzky, 2012KERSTENETZKY, Célia Lessa. O Estado de bem-estar social na idade da razão: a reinvenção do Estado Social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.).

Na América Latina, o desenvolvimento do Estado de bem-estar social se fortalece posteriormente ao processo dos países classificados como desenvolvidos. Mesmo havendo no Brasil, desde o século XIX, algumas inciativas e políticas enquadradas dentro do sistema de proteção social, é no período pós-ditadura militar e com a estruturação da Constituição de 1988 que teremos os marcos deste ciclo. Assim, a garantia dos direitos sociais entrava em cena na agenda pública, com a atuação de diversos setores da sociedade, como as coalizões social-democratas de centro-esquerda e os movimentos sociais organizados, que compreendiam que as desigualdades sociais constituíam um empecilho ao pleno desenvolvimento do país (Kerstenetzky, 2012KERSTENETZKY, Célia Lessa. O Estado de bem-estar social na idade da razão: a reinvenção do Estado Social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.).

Outras chaves de entendimento para pensar o Estado de bem-estar social nos países com a forte heterogeneidade socioeconômica da região latino-americana pontuam que as trajetórias percorridas pelos diferentes países dessa região foram diferentes em decorrência de processos históricos muito peculiares. Sônia Draibe e Manuel Riesco (2011DRAIBE, Sônia M.; RIESCO, Manuel. Estados de bem-estar social e estratégias de desenvolvimento na América Latina: um novo desenvolvimentismo em gestação? Sociologias, v. 13, p. 220-254, 2011.) listam alguns dos padrões sob os quais esses Estados foram construídos:

[...] padrão colonial clássico sobre os antigos impérios; padrão de modernidade precoce em base à imigração tardia; padrão dos colonos pobres às margens dos antigos impérios e padrão das sociedades escravistas e de plantations (Draibe & Riesco, 2011DRAIBE, Sônia M.; RIESCO, Manuel. Estados de bem-estar social e estratégias de desenvolvimento na América Latina: um novo desenvolvimentismo em gestação? Sociologias, v. 13, p. 220-254, 2011.: 236).

De acordo com os autores, a região construiu um sólido sistema de proteção social, um verdadeiro Estado desenvolvimentista, caracterizado pela transformação de estruturas sociais e pela construção de modernas instituições de política social. Ao observarem a experiência de bem-estar social em outras regiões do globo, especialmente no sul europeu e do leste asiático, Draibe e Riesco (2011DRAIBE, Sônia M.; RIESCO, Manuel. Estados de bem-estar social e estratégias de desenvolvimento na América Latina: um novo desenvolvimentismo em gestação? Sociologias, v. 13, p. 220-254, 2011.) apresentam o conceito de Estado latino-americano desenvolvimentista de bem-estar. Os autores apontam que, mesmo na América Latina, esses sistemas se constituíram, em muitos casos, a partir de bases e características próprias.

Ainda segundo Draibe e Riesco (2011DRAIBE, Sônia M.; RIESCO, Manuel. Estados de bem-estar social e estratégias de desenvolvimento na América Latina: um novo desenvolvimentismo em gestação? Sociologias, v. 13, p. 220-254, 2011.), alguns aspectos característicos do Estado latino-americano desenvolvimentista, especialmente no período pós-crise de 1929, é a forte atuação do Estado no intuito de fortalecer o desenvolvimento econômico, sem deixar de lado o progresso social. O empresariado, os trabalhadores assalariados urbanos juntamente com as novas classes médias, mas especialmente as políticas sociais, desempenharam um papel-chave nessa construção. Os autores entendem, no entanto, que é preciso fazer ressalvas quanto ao modelo de proteção social adotado pelos países latino-americanos, muito focados no homem trabalhador urbano, e na mulher provedora do lar. De acordo com os autores, algumas populações permaneceram à margem desse sistema, e mesmo dos programas mais básicos de educação e saúde, como: “a população rural, os pobres urbanos e a massa de integrantes do crescente mercado informal de trabalho” (Draibe & Riesco, 2011: 240).

Dentro do contexto latino-americano, Kerstenetzky (2012KERSTENETZKY, Célia Lessa. O Estado de bem-estar social na idade da razão: a reinvenção do Estado Social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.) afirma que a experiência do Brasil é muito peculiar, de modo que, ao mesmo tempo em que se estruturava um sistema de proteção social bastante maduro quanto ao sistema de seguridade social, ou ao sistema único de saúde pública, havia também processos contraditórios, como a financeirização da economia e a ampla privatização de empresas estatais. São características da estruturação do Estado de bem-estar social no Brasil: a proteção social para servidores do Estado, civis e militares no século XIX, posteriormente estendida aos empregados da indústria e do comércio ao longo da primeira metade do século XX; a instituição do seguro social e os direitos assegurados pelo Ministério do Trabalho. Essas primeiras iniciativas ocorreram de maneira lenta, e com baixa cobertura, concentrando-se nos trabalhadores das áreas urbanas. É apenas a partir da Constituição de 1988 que alcançaremos uma estruturação mais universalista de políticas que conseguiriam atender, de fato, as populações mais empobrecidas da sociedade. São elas: “a institucionalização da assistência social, a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), a extensão da cobertura previdenciária não contributiva e a política de valorização do salário-mínimo” (Kerstenetzky, 2012: 181).

Algumas diferenças significativas entre o modelo de bem-estar social adotado pelo Brasil e pelos países europeus podem ser observadas a partir da concepção de cidadania regulada (Santos, 1979SANTOS, Wanderley Guilherme Dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979.) em relação aos direitos sociais. Entre 1964 e 1985, enquanto na Europa havia um ambiente democrático com direitos universais e participação social garantida, aqui a política social era construída sob a regência do regime militar. Após o período de 1985, abre-se brecha para uma segunda reforma social, sobretudo após o Plano Real (1994), que universalizaria direitos sociais (Grin, 2013GRIN, Eduardo. Regime de bem-estar social no Brasil: três períodos históricos, três diferenças em relação ao modelo europeu social-democrata. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 18, n. 63, Jul.-Dez. 2013.). De acordo com Eduardo Fagnani (2017FAGNANI, Eduardo. O fim do breve ciclo da cidadania social no Brasil (1988-2015), Texto para discussão n. 308. Campinas: Unicamp, 2017.: 2), foi a Constituição de 1988 que inaugurou uma nova fase na construção da cidadania, desenvolvendo um sistema de proteção social guiado por alguns valores do Estado de bem-estar social como universalidade, seguridade social e direito.

A partir dos anos 1990, uma série de políticas sociais (em particular as de transferência de renda) entra em cena para tentar dirimir a pobreza e as desigualdades sociais ao redor do mundo. Em se tratando das políticas de transferência de renda, Mani Marins (2017______. Bolsa Família: questões de gênero e moralidades. Rio de Janeiro: UFRJ; Faperj, 2017.) argumenta que o entendimento da pobreza como problema multidimensional coloca em evidência na agenda dos órgãos internacionais a renda como meio de se atingir o desenvolvimento humano, e não mais como fim. A pobreza e as desigualdades sociais passam a ser consideradas como impedimento ao pleno desenvolvimento nacional e regional. Com o agravamento da situação de pobreza, nos anos de 1980 e 1990, especialmente nos países latino-americanos, o tema ganha ainda maior visibilidade. Nesse sentido, as agências internacionais de fomento passam a incentivar a estruturação de políticas e programas sociais voltados para a transferência de renda. De acordo com Marins (2017: 124), os programas de transferência de renda já se alastraram de tal modo que, “em 2010, já totalizavam 45 países em todo mundo, somando mais de 110 milhões de famílias”. A América Latina já conta com 19 programas dessa natureza (Pnud, 2013), reforçando, junto aos demais países ao redor do globo, a potencialidade de tais políticas enquanto instrumentos capazes de amenizar o ciclo intergeracional da pobreza. No Brasil, a cidade de Maricá, no estado do Rio de Janeiro, conta com uma política de transferência de renda que tem características similares a uma renda universal sem condicionalidades. Conforme Jéssica Lago da Silva e equipe (2020SILVA, Jéssica Lago da et al. Políticas socioeconômicas de reação à crise da covid-19 no município de Maricá, Rio de Janeiro. Mercado de Trabalho: Conjuntura e Análise, n. 69, 2020.), a Renda Básica de Cidadania é estruturada em conjunto com outras iniciativas pautadas na economia solidária em atuação na cidade, como o Banco Comunitário e a moeda social Mumbuca. Ainda que não possa ser caracterizada como política de renda universal, posto que atinge apenas 25% da população, ela guarda duas similaridades: a incondicionalidade e a individualidade.

Na próxima seção, discutiremos como, em contexto de crise sanitária produzida pela Covid-19, as políticas de transferência de renda foram utilizadas na qualidade de instrumento de amenização dos graves impactos da crise sanitária, em diversos países do mundo, sob a alcunha de Auxílio Emergencial/Renda Emergencial: benefícios de transferência de renda temporários e emergenciais para as famílias mais vulneráveis e atingidas pela pandemia.

As políticas de Auxílio Emergencial/Renda Emergencial no mundo em tempo de pandemia

Para investigar o programa de Renda Emergencial para populações vulneráveis em tempo de Covid-19, apresentaremos o panorama internacional da implementação desta política pública. Para tanto, utilizamos vários recursos metodológicos: a base de dados Social Protection and Jobs Responses to Covid-19, produzida pelo Banco Mundial, e o levantamento de matérias de jornais ao redor do mundo: Clarín (Argentina); El Universo (Equador); El Tiempo e El Espectador (Colômbia); 24 horas (Chile) e O Globo (Brasil), entre outros; além das informações coletadas nos sites oficiais dos governos locais ao redor do mundo e da base de dados proveniente do Banco Mundial em cinco continentes (Ásia, Europa, Oceania, Ásia e América). A partir deste extenso levantamento, sistematizamos as ações dos mais variados governos para contornar as consequências da crise mundial de saúde pública. De acordo com estimativas da ONU, a suspensão das atividades produtivas se converteu em um aumento da vulnerabilidade das famílias, e a drástica previsão é de que haja uma ampliação de 600 milhões no número de pessoas em situação de pobreza em todo o mundo18 18 Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional- 52235230>. Acesso em: Maio 2020. . Dessa forma, uma das alternativas encontradas para reverter esse cenário foi a implementação de políticas de transferência de renda, através da criação ou do fortalecimento de programas de renda básica.

Dentre as políticas que se assemelham ao que foi implementado no Brasil, mediante o Auxílio Emergencial de R$ 600,00 (US$ 120,57), temos alguns exemplos na região da América Latina. A Argentina criou um programa de transferência de renda intitulado Ingreso Familiar de Emergencia, por meio do qual o governo pagou 10 mil pesos (US$ 144) para famílias compostas por trabalhadores informais, desempregados, pequenos contribuintes, trabalhadores domésticos e beneficiários do programa Asignación Universal por Hijo. Alguns requisitos deviam ser preenchidos pelos beneficiários como: cumprir uma renda mínima, não estar no mercado de trabalho formal, não receber benefícios como seguro-desemprego ou outro suporte de renda19 19 Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/economia/medidas-economicas-COVID19/ingresofamiliardeemergencia>. Acesso em: Maio 2020. . Na Bolívia, além do programa Bono Familia 20 20 Disponível em: https://as.com/diarioas/ 2020/04/23/actualidad/1587674984_451890.html>. Acesso em: Maio 2020. , que transferiu 500 bolivianos (US$ 72,45) aos pais de crianças matriculadas no sistema educacional, o governo criou o Bono Universal: um auxílio de mesmo valor destinado a residentes do país, na faixa etária entre 18 e 60 anos, que não estivessem no mercado de trabalho formal e não fossem pensionistas ou beneficiários do Bono Familia e do Canasta Familiar 21 21 Disponível em: <https://eldeber.com.bo/177665_el-gobierno-aclara-que-el-cobro-del-bono-universal-es-personal-no-se-puede-delegar-a-otra-persona>. Acesso em: Maio 2020. . A Colômbia expandiu a cobertura do já existente Familias em Acción, para mais de 2,6 milhões de pessoas22 22 Disponível em: <https://www.lafm.com.co/politica/duque-anuncia-giro-adicional-beneficiarios-de-familias-en-accion-y-adulto-mayor>. Acesso em: Maio 2020. .

Já o governo canadense, através do Canada Emergency Response Benefit (Cerb), transferiu $ 2.000 (US$ 1.477) por mês, durante quatro meses, a pessoas que interromperam suas atividades por causa do Coronavírus e cumpriam o critério de renda23 23 Disponível em: <https://www.canada.ca/en/services/benefits/ei/cerb-application.html>. Acesso em: Maio 2020. . Nos Estados Unidos, foi aprovado o maior pacote de estímulo econômico da história recente do país24 24 Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/03/26/eua-senado-aprova-pacote-de-estmulos-estimado-em-us-2-tri-texto-vai-cmara.ghtml>. Acesso em: Maio 2020. e implementado um benefício que varia de acordo com a estrutura familiar, com pagamento único de US$ 1.200 por família, acompanhado de um adicional de US$ 500 por criança. Dessa forma, pessoas casadas podiam ter acesso ao benefício, se possuíssem uma renda de até US$ 198 mil por ano. Para pessoas solteiras, esse limite equivalia a US$ 99 mil por ano. Outro aspecto interessante de seu desenho foi o clawback adotado, que possibilitava que o benefício fosse reduzido em US$ 5 a cada US$ 100 adicionais na renda. Isso evita problemas de ineficiência vertical, destinando menos aos mais ricos25 25 Disponível em: <https://www.vox.com/future-perfect/2020/3/23/21190955/stimulus-checks-from-government-approved>. Acesso em: Maio 2020. .

A Namíbia, por exemplo, realizou um pagamento único de N$ 750 (US$ 45) para residentes, na faixa etária entre 18 e 60 anos, que perderam o emprego e não possuíssem outra garantia de renda26 26 Disponível em: <https://mof.gov.na/documents/35641/36580/Phase+1+VF+Stimulus+and+Relief+Package%2C+Republic+of+Namibia.pdf/9a2314de-4b39-00a1-b8bd-4ffcfe1f20d3>. Acesso em: Maio 2020. . Na África do Sul, pessoas com mais de 18 anos - desempregadas, sem nenhuma fonte de renda ou que não contam com benefícios sociais - puderam solicitar o auxílio de R 350 (US$ 20,54) por seis meses. Para os beneficiários do programa de suporte à criança, havia um adicional de R 300 (US$ 17,60) em maio e R 500 (US$ 29,34) de junho a outubro. Beneficiários de outros programas de assistência social receberiam uma renda extra de R 250 (US$ 14,67) por mês durante os seis meses subsequentes à implementação inicial da política27 27 Disponível em: <https://www.gov.za/coronavirus/socialgrants>. Acesso em: Maio 2020. .

Cingapura realizou um pagamento único entre $ 600 e $ 1.200 (entre US$ 432 e US$ 864) para a população adulta e o valor variou de acordo com a renda da família. Ademais, os beneficiários contaram com um adicional de $ 300 (US$ 216) por dependente com menos de 21 anos. Já os trabalhadores autônomos receberam, através do esquema Self-Employed Person Income Relief Scheme (Sirs), $ 3.000 (US$ 2.161) por mês durante três meses28 28 Disponível em: <https://www.gov.sg/article/solidarity-budget-2020-additional-cash-payments-to-help-families-get-through-circuit-breaker-phase>. Acesso em: Maio 2020. . Hong Kong também adotou um pagamento único universal: residentes do país que tivessem 18 anos ou mais receberiam $ 10 mil (US$ 1.290)29 29 Disponível em: <https://www.info.gov.hk/gia/general/202002/26/P2020022600420.htm>. Acesso em: Maio 2020. . Enquanto isso, a Índia optou por uma política focalizada, destinando um valor extra de Rs 1.000 (US$ 13) para beneficiários do National Social Assistence Program 30 30 Disponível em: <https://www.financialexpress.com/money/modi-govt-to-provide-3-months-pension-in-advance-to-senior-citizens-differently-abled-widows/1911387/>. Acesso em: Maio 2020. .

A França utilizou os programas Revenu de solidarité active e Allocation de solidarité spécifique para transferir € 150 (US$ 170,77) por família com um adicional de € 100 (US$ 113) por criança31 31 Disponível em: <https://www.lemonde.fr/politique/article/2020/04/15/coronavirus-emmanuel-macron-souhaite-un-moratoire-sur-la-dette-des-pays-africains_6036639_823448.html>. Acesso em: Maio 2020. . Ainda na Europa, o governo italiano destinou € 600 (US$ 683) para trabalhadores autônomos, agricultores, comerciantes e trabalhadores da área de turismo e entretenimento32 32 Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,programas-de-transferencia-de-renda-sao-adotados-por-30-paises-para-proteger-populacao-de-pandemia,7000 3244689>. Acesso em: Maio 2020. . No Reino Unido, além do subsídio ao salário, o governo elevou o valor de benefícios de assistência social33 33 Disponível em: <https://inews.co.uk/inews-lifestyle/money/universal-credit-increase-2020-april-explained-how-much-dwp-benefit-eligible-2525267>. Acesso em: Maio 2020. .

Por fim, a Austrália optou por um pagamento único de $ 750 (US$ 517,45)34 34 Disponível em: <https://www.abc.net.au/news/2020-03-31/coronavirus-jobkeeper-payment-vs-jobseeker-payment/12105290>. Acesso em: Maio 2020. para australianos cadastrados na seguridade social, idosos e pessoas que recebiam outros benefícios de renda. Além disso, criou o programa Coronavirus Suplemment, auxílio de $ 550 (US$ 379,46) por quinzena, com duração de seis meses, que foi pago a beneficiários de alguns programas sociais do país35 35 Disponível em: <https://treasury.gov.au/sites/default/files/2020-04/Fact_sheet-Income_Support_for_Individuals.pdf>. Acesso em: Maio 2020. .

A política de Auxílio Emergencial no Brasil

O Brasil foi o primeiro país do mundo a aprovar uma lei para instituir uma Renda Básica de Cidadania (RBC), através da Lei Federal 10.83536 36 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.835.htm>. Acesso em: Maio 2020. , sancionada em 8 de janeiro de 2004, de autoria do então senador Eduardo Suplicy. A Lei de Renda Básica de Cidadania, instituída a partir de 2005, se constitui como um direito de todos os brasileiros ou estrangeiros residentes cinco anos ou mais no Brasil, independentemente de sua condição socioeconômica. A proposta da lei é garantir o direito, aos cidadãos que moram em território brasileiro, de receberem anualmente um benefício monetário. O parágrafo primeiro da referida lei salienta que a RBC “será alcançada em etapas, a critério do Poder Executivo, priorizando as camadas mais necessitadas da população”.

É essencial pontuarmos esse fato ao discutirmos o Auxílio Emergencial, pois, a partir desse marco histórico, o debate foi gradativamente ganhando espaço em solo nacional. Cria-se em 2019, a Rede Brasileira de Renda Básica37 37 Fundada em 2019, a Rede Brasileira de Renda Básica de Cidadania (RBRB) tem como objetivo servir de elo entre todos os indivíduos e grupos interessados em renda básica (ou seja, pagamento periódico incondicional a todos, individualmente, sem teste de meios ou exigência de trabalho). , que reúne pesquisadores acadêmicos, políticos e apoiadores da instauração de uma renda básica universal e incondicional no Brasil.

Desde então, vivemos a primeira etapa de implementação de um programa de transferência de renda que ganhou reconhecimento internacional no combate à extrema pobreza e à fome - o Programa Bolsa Família -, criado em 2003 ainda pelo governo do ex-presidente Luís Inácio Lula da Silva. O Programa Bolsa Família evoluiu de 3,5 milhões de famílias beneficiadas, em dezembro de 2003, para 14,2 milhões de famílias, em julho de 2014, com o Plano Brasil Sem Miséria. Em 2020, o governo de Bolsonaro cria o Auxílio Emergencial devido à pandemia do Coronavírus.

Ao resgatarmos a arena de disputa em torno do debate que instituiu a Auxílio Emergencial no Brasil, em meio a pandemia do Covid-19, precisamos compreender que as propostas eram diversas. O governo federal, através do Ministério da Economia, apresentava formalmente a proposta de uma renda de R$ 200 (US$ 40,16) para 38 milhões de trabalhadores informais e autônomos, no período de três meses, desde que já estivessem no Cadastro Único e não estivessem recebendo nenhum outro benefício social. No Congresso Nacional, as bancadas apresentaram diferentes projetos que variavam em torno do valor e do público, mas pressionavam o governo federal para não aprovar a proposta inicial.

Vale destacar, ainda, que mais de 160 entidades brasileiras organizaram a campanha “Renda Básica que Queremos”, que recebeu apoio de mais de 500 mil pessoas que assinaram a campanha lançada em março de 2020. A proposta era destinar R$ 300 (US$ 60,24) mensais para cada membro das famílias mais pobres do país, por um período de seis meses. Ao considerar que as famílias mais pobres contam, em média, com quatro pessoas, estima-se a um benefício mensal de R$ 1.200,00 (US$ 240,96) por família, garantindo acesso às condições básicas de vida em tempo de crise. Nessa proposta, havia previsão de atendimento de 77 milhões de brasileiros e brasileiras.

Após longas semanas de mobilização e pressão de organizações, movimentos, cidadãos e parlamentares preocupados com os impactos provocados pelas medidas de enfrentamento do Coronavírus nas famílias brasileiras, foi aprovada a Lei 13.982/2020, que propõe a Renda Básica Emergencial no valor de R$ 600,00 ou R$ 1.200,00 para mães-solo que estivessem na condição de trabalhadoras informais, autônomas ou micro empreendedoras individuais, pelo período de três meses, podendo ser estendido, mediante a situação da pandemia. A lei, sancionada pelo Executivo em 2 de abril de 2020, acumula os seguintes critérios: ter idade mínima de 18 anos (exceção para mães adolescentes); não ter emprego formal; ter renda familiar mensal total de até três salários mínimos ou renda familiar mensal per capita de até meio salário-mínimo; no ano de 2018, não ter recebido em seu nome rendimentos tributáveis acima de R$ 28.559,70 e não receber em seu nome outros benefícios previdenciários ou assistenciais do governo federal, com exceção do Bolsa Família.

O maior desafio, a partir de então, seria fazer com que a Renda Básica Emergencial chegasse, com a maior brevidade possível, aos trabalhadores informais, desempregados e famílias pobres, assegurando a preservação da vida e evitando aglomeração de pessoas em busca de novos cadastros. Um imenso desafio para um país que precisava organizar um modelo emergencial de implementação, que chegasse a públicos de vulnerabilidade diversos e nas mais diferentes realidades regionais. Diante desse desafio, duas posições extremas precisaram ser confrontadas: de um lado, a de minimizar a dificuldade operacional de transferir renda de forma rápida a um contingente de milhões de cidadãos; de outro, a de considerar impossível essa empreitada.

Ao regulamentar a lei e implementar a Renda Básica Emergencial, designada pelo governo federal como Auxílio Emergencial, o governo apresenta três grandes grupos de beneficiários: as famílias cadastradas no Cadastro Único para Programas Sociais; os beneficiários do Bolsa Família; e os trabalhadores autônomos, informais e microempreendedores que não estão na base de dados do CadÚnico. Os dois primeiros grupos não demandariam nenhum novo cadastramento; o terceiro realizaria a inscrição via aplicativo. Os três públicos iriam receber pela Caixa Econômica Federal, por conta já existente do Bolsa Família ou por abertura de conta digital.

Vale ressaltar que, no mês de abril de 2020, existiam 28.605.430 famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais; dentre elas, 14.281.761 famílias estavam recebendo o Bolsa Família38 38 Relatório de Informações Sociais (Sagi), Ministério da Cidadania. Consultado em: 2 Jun. 2020. . Após lançamento do aplicativo de cadastramento, segundo dados oficiais da Caixa Econômica Federal (atualizados em 30 de maio de 2020)39 39 Disponível em: <https://caixanoticias.caixa.gov.br/noticia/20795/auxilio-emergencial-clique-aqui-para-ver-os-ultimos-numeros>. Acesso em: Abr. 2020. , foram 116 milhões de cadastros processados. Desse total, 50,7 milhões foram solicitações via aplicativo, mas apenas 38,2 milhões do total de beneficiários deste tipo de solicitação foram considerados elegíveis. Dentre os 32,1 milhões cadastrados no Cadastro Único, mas que não recebem o Bolsa Família, foram considerados elegíveis 10,5 milhões de pessoas. E, por fim, entre 19,9 milhões de pessoas analisadas que recebem o Bolsa Família, 19,5 milhões foram consideradas aptas a receber a Renda Básica Emergencial. Apesar da amplitude histórica desse novo programa assistencial, há diversos problemas no âmbito de sua implementação.

Primeiramente, é divulgada a informação de que o programa avaliaria a elegibilidade dos inscritos em cinco dias e, em seguida, faria o pagamento em três dias; contudo, a avaliação durou mais de 60 dias, provocando um retardo no calendário de pagamento. Isso gerou cenas desumanas e humilhantes - milhares de famílias dormindo em filas da Caixa Econômica, aguardando pelo benefício. Em virtude dos inúmeros obstáculos de implementação da Auxílio Emergencial no Brasil e do posicionamento da Rede Brasileira de Renda Básica sobre essas opções adotadas pelo governo, a referida Rede passa a acompanhar cada passo da implementação, bem como a articular ações conjuntas de controle social com diferentes entidades, dentre elas: a Defensoria Pública e o Ministério Público Federal, que mobilizaram a campanha pela “Renda Básica que Queremos”.

Nesse sentido, foi elaborado um relatório sobre os principais obstáculos e propostas de solução para a devida implementação da Renda Emergencial, reunindo mais de 20 pontos centrais que precisariam ser superados40 40 Disponível em: <file:///C:/Users/Paola%20Carvalho/AppData/Local/Packages/Microsoft.Microsoft Edge_8wekyb3d8bbwe/TempState/Downloads/Relatório%20de%20Implementação%20-%20Renda%20Básica%20Emergencial.pdf>. Acesso em: Abr. 2020. . Os pontos, para fins do debate aqui proposto, passam pela falta de transparência pública sobre as aprovações, reprovações e análises dos cadastros, as demoras em realizar as avaliações e a dificuldade em fazer com que o benefício chegue até as famílias. A estes problemas da implementação, somam-se ainda as dificuldades de acessibilidade digital como: uso do aplicativo, que exige familiaridade com a tecnologia, acesso à internet e posse de smartphones. Além disso, a falta de um canal de atendimento e orientação por telefone, ou mesmo on-line, dificultou a comunicação direta e de possíveis soluções simples de adequação do cadastro. A decisão de implementar o Auxílio Emergencial sem a articulação de estados e municípios, em uma perspectiva de pacto federativo e de descentralização das políticas públicas, também prejudicou ainda mais aqueles que necessitavam do benefício. Outro ponto importante observado no âmbito da implementação foi a ausência de esforços, em nível local, para a busca ativa das pessoas mais vulneráveis nos municípios.

Para além disso, graves distorções de atualização de cadastros negaram a concessão de Auxílio Emergencial a aproximadamente 43 milhões de pessoas41 41 Dados oficiais da Caixa Econômica Federal, disponíveis em: <https://caixanoticias.caixa.gov.br/noticia/20795/auxilio-emergencial-clique-aqui-para-ver-os-ultimos-numeros>. Acesso em: Abr. 2020. , sendo 700 mil do Bolsa Família, 21,6 milhões do Cadastro Único e 20,4 milhões de solicitações via aplicativo. Além dessas distorções, o sistema de cadastro on-line não permitia a contestação nem mesmo a possibilidade de concluir a solicitação por falta do CPF42 42 Em seguida, a Justiça derrubou a exigência de ter CPF regular para receber o auxílio Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/justica-derruba-exigencia-de-cpf-regular-para-receber-auxilio-emergencial- 24374226. Acesso em: Abr. 2020. . Mesmo com o reconhecimento do governo federal de que não havia possibilidade de cruzamentos atualizados, as negativas persistiram e mantiveram milhares de pessoas em compasso de espera, especialmente os trabalhadores que perderam o vínculo de trabalho e os benefícios previdenciários como seguro-desemprego e auxílio doença nos últimos seis meses.

Deve-se observar, neste debate, que mesmo os cidadãos que já estavam na base de dados do Cadastro Único e do Programa Bolsa Família e que, em princípio, deveriam ter menor dificuldade de incorporação ao Auxílio Emergencial, foram alvos de desinformação e negativa em relação ao cadastro, sem explicação pública e transparente. Isso porque, ao tornar automática a análise dos dados das pessoas cadastradas no CadÚnico, recebendo ou não o Bolsa Família, o governo federal não permitiu nenhuma atualização ou nova solicitação via aplicativo, ou acesso aos dados existentes para atualização ou esclarecimento, pois a rede socioassistencial não estava autorizada a realizar alterações após a data de 20 de março de 2020.

Em síntese, os problemas de implementação aqui analisados foram gerados por diferentes instâncias governamentais, que dificilmente assumem suas responsabilidades. Tais dificuldades podem ser identificadas na Coordenação Geral do Ministério da Cidadania, nos cruzamentos de dados da Dataprev, no aplicativo e nos pagamentos pela Caixa Econômica Federal. No acompanhamento do processo de implementação da política de Auxílio Emergencial, podemos evidenciar o desafio de atender, com a urgência necessária e sem aglomerações, um número expressivo da população. É preciso, sobretudo, alcançar a totalidade de pessoas que vivem do trabalho informal, autônomos ou microempreendedores que estavam fora dos cadastros governamentais e desempregados cujo número é crescente, mas não é acompanhado de atualização cadastral.

A focalização trouxe problemas operacionais relacionados com a própria impossibilidade de manter as bases de dados em atualização simultânea, combinada com uma estimativa inicial do governo de atender, no máximo, 30 milhões de pessoas. Importa lembrar que as organizações43 43 Disponível em: <www.rendabasica.org.br>. alertaram o governo para um público de aproximadamente 80 milhões de pessoas (Ipea, 2020)44 44 Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nota Técnica nº 60, de Março de 2020 - Diretoria de Estudos e Políticas Sociais: estimativas de público elegível e custos do benefício emergencial criado pelo PL 9.236/2017. que não possuem carteira assinada, ou que são trabalhadores intermitentes, ou que recebem valores abaixo do salário-mínimo. Essas ineficiências relacionadas à comprovação dos documentos e à operacionalização do Auxílio Emergencial geraram a exclusão de grupos vulneráveis. Ao mesmo tempo, permitiram a inclusão de militares e a aprovação de CPF vinculados a empresários e figuras públicas que comprovam alta renda.

Importante salientar que o governo federal sempre se posicionou contrário tanto em relação ao valor aprovado para o auxílio quanto em relação à cobertura vigente de beneficiários, além do fato de o presidente da República ter manifestado, por diversas vezes, sua opinião sobre a não necessidade do isolamento social. O ministro da Economia afirmou, no dia 20 de maio de 2020, em coletiva de imprensa, que esse tipo de renda, se ampliada por mais três meses: “[...] aí ninguém trabalha. Ninguém sai de casa e o isolamento vai ser de oito anos porque a vida está boa, está tudo tranquilo.” Essa frase atualiza imputações classificatórias e julgamentos morais dirigidos frequentemente aos beneficiários dos programas de transferência de renda ao redor do mundo. Esses enquadramentos estigmatizantes subentendidos - “preguiçosos”, “vagabundos” e que “mamam nas tetas do Estado” - já foram analisados por diversos autores em diferentes contextos (Small, Harding & Lamont, 2011SMALL, Mario Luis; HARDING, David J.; LAMONT, Michèle. Reavaliando cultura e pobreza. Sociologia & Antropologia, v. 1, p. 91-118, 2011.; Lipsky, 1980LIPSKY, Michael. Street level burocracy: dilemas of the individual in public services. New York: Russeell Sage Foundation, 1980.; Hill & Hupe, 2003HILL, Michael; HUPE, Peter. The multi-layer problem in implementation research. Public Management Review, v. 5, n. 4, p. 471-490, 2003.; Maynard-Moody, 2003; Dubois, 1999DUBOIS, Vincent. La vie au guichet. Relation administrative et traitement de la misère. Paris: Économica Études Politiques, 1999.; Paugam & Duvoux, 2008PAUGAM, Serge; DUVOUX, Nicolas. La régulation des pauvres du RMI au RSA. Paris: Presses Universitaires de France, 2008; Marins, 2017______. Bolsa Família: questões de gênero e moralidades. Rio de Janeiro: UFRJ; Faperj, 2017.; 2019a). Assim:

A explicação pela preguiça compreende uma concepção moral fundada sobre o sentido do dever e da ética do trabalho. Nessa ótica, os pobres são acusados de não levar a sério sua vida e, por isso, o poder público não os ajudará mais. [...] Os pobres são, antes de tudo, vítimas de um sistema que os condena. A ideia de preguiça pressupõe que é a pessoa que deve fazer justiça à sua própria sorte, ou seja, a culpa de sua situação não pode escapar senão a ela mesma (Paugam & Duvoux, 2008PAUGAM, Serge; DUVOUX, Nicolas. La régulation des pauvres du RMI au RSA. Paris: Presses Universitaires de France, 2008: 61)

A pandemia do Coronavírus retirou o debate sobre renda básica de sua condição utópica, fazendo com que essa proposta se transformasse em programa possível de ser implementado no combate à crise e para se pensar o pós-crise. Dentro desse contexto, pesquisadores, pessoas da sociedade civil e políticos recolocaram em discussão problemáticas centrais da sociedade brasileira, tais como as condições precárias de trabalho, a concentração de renda e a incidência da pobreza.

Mesmo com diversos problemas de implementação do Auxílio Emergencial, o total de beneficiários chegou a 68,3 milhões de pessoas que receberam ao menos uma das parcelas do Auxílio Emergencial, sendo 37,8 milhões de mulheres. Ainda com base nas estatísticas do Ministério da Cidadania, o programa alcançou 56,1% da população (percentual em relação a população estimada - IBGE/2020), se considerarmos a contagem de pessoas elegíveis e seus membros familiares.

Finalizados os cinco meses do Auxílio Emergencial, o governo federal publicou a Medida Provisória 1.000/202045 45 Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv1000.htm>. . A nova fase do benefício trouxe algumas mudanças em relação ao Auxílio Emergencial que teve início em abril, pago às famílias por meio da Lei 13.982/2020, com alguns critérios de elegibilidade e mecanismos de cruzamentos de dados para verificação do direito à extensão do auxílio ampliados. Outra questão trazida pela MP 1000, foi a reavaliação mensal da renda a partir de vínculo de emprego e de benefícios assistenciais ou previdenciários. Além do valor do benefício, que passou a ser de R$ 300,00 ou de R$600,00 (para os casos de famílias chefiadas por mulheres provedoras).

Nessa etapa, o beneficiário poderia receber até quatro parcelas mensais, mas não havia a exigência do recebimento de todas as parcelas, somente com avaliação caso a caso de cada beneficiário. O quantitativo de parcelas mensais a que o beneficiário teve direito estava determinado a partir do momento em que foi cessado o pagamento do Auxílio Emergencial de R$ 600,00, encerrado no dia 31 de dezembro de 2020. Nessa etapa, vale destacar que dos 68,3 milhões de pessoas beneficiadas, apenas 43,5 milhões receberam as quatro parcelas da extensão e 55 milhões pelo menos uma das parcelas da nova fase.

Já em 2021, após quatro meses sem Auxílio Emergencial, o governo federal através da Emenda Constitucional 109/202146 46 Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/emenda-constitucional-n-109-308527609>. , que estabelece um teto de até R$ 44 bilhões para o benefício, montante fora da regra do teto de gastos, das restrições para endividamento da União (“Regra de Ouro”) e da meta de superávit primário das contas públicas, publica a Medida Provisória 1039/2147 47 Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-1.039-de-18-de-marco-de-2021-30929 2254>. . Com o teto de gastos, o governo estabelece novas regras e valores para o pagamento do Auxílio Emergencial em 2021. Entre as principais alterações, trouxe a limitação a uma pessoa por família, sendo que mulher chefe de família monoparental com o direito a R$ 375, pessoas com mais membros na família ou que em 2020 tinham dois membros recebendo o benefício, com direito a R$ 250,00, enquanto o indivíduo que mora sozinho - família unipessoal - recebendo R$ 150. Ainda que nenhuma pessoa pudesse solicitar o Auxílio Emergencial em 2021, somente seriam reavaliadas as que permaneciam como aptas em dezembro de 2020.

Os benefícios do Auxílio Emergencial 2021 começaram a ser pagos no mês de abril e na primeira parcela do benefício, demonstra uma redução expressiva do número de beneficiários. Segundo dados da transparência do Ministério da Cidadania, o benefício da primeira parcela foi paga a 39,2 milhões pessoas, sendo 18,3 milhões unipessoais (R$ 150)48 48 A maior parte dos beneficiários que solicitaram via aplicativo recebem como família unipessoal,diferentemente do cadastro único. Essa questão foi apontada nos relatórios de problemas de implementação, pois as famílias não conseguiam cadastrar os demais membros. , 12,3 milhões famílias (R$ 250) e 8,6 milhões mulheres monoparentais (R$ 375).

Ao compararmos o número de beneficiários da primeira etapa do Auxílio Emergencial, iniciada em abril de 2020 (Lei 13.982/2020), com a extensão do programa em 2021 (Medida Provisória 1000/2020), que pagou a primeira parcela em abril de 2021, identificamos uma redução de 28 milhões de beneficiários. Segundo o Ministério da Cidadania/Vis Data (2021), essa redução impactou os grupos da seguinte forma:

  1. beneficiários do Bolsa Família (redução de 19,5 milhões de pessoas em 2020 para 10 milhões em 2021);

  2. famílias que integram o Cadastro Único, mas não recebem Bolsa Família (redução de 10,5 milhões de pessoas em 2020 para 5,2 milhões em 2021); e

  3. público que solicitou o benefício pelo aplicativo (queda de 38,2 milhões em 2020 para 28,8 milhões de beneficiários em 2021).

Além do mais, é preciso dizer que, em 2018, apenas 43,4% da população brasileira tinha um rendimento proveniente de trabalho (IBGE, Rendimento de todas as fontes, 2018: 3). Em janeiro de 2020, a taxa de desocupação da população brasileira era de 11,2%. Ademais, estima-se que 54,45% dos empregos formais existentes no Brasil estão sob risco elevado ou muito elevado de automação até 2046. Soma-se a isso, a estimativa de que 17 milhões de postos de trabalho sejam destruídos por mês de isolamento no Brasil, e que, caso o isolamento seja mantido por três meses mais, haja uma redução de 21,6% no emprego total e uma elevação na taxa de desemprego a mais de 30% (Brancher, Magacho & Leão, 2020BRANCHER, Marco; MAGACHO, Guilherme; LEÃO, Rafael. Impactos econômicos da crise do Covid-19 e dos programas de Renda Básica Emergencial. FGV EAESP, 2020. Disponível em: <https://eaesp.fgv.br/centros/centro-estudos-novo-desenvolvimentismo/noticias/impactos-economicos-crise-covid-19-e-programas-renda-basica-emergencial>. Acesso em: 08 Abr. 2020.
https://eaesp.fgv.br/centros/centro-estu...
)49 49 Disponível em: <https://eaesp.fgv.br/centros/centro-estudos-novo-desenvolvimentismo/noticias/impactos-economicos-crise-covid-19-e-programas-renda-basica-emergencial>. Acesso em: 8 Abr. 2020. . O Secretário Geral da ONU, António Guterres, afirmou, em Assembleia das Nações, em setembro de 2018, que as mudanças no mundo do trabalho no século XXI exigem que os governos ao redor do mundo fortaleçam sua rede de proteção social, levando em conta a possibilidade de adotarem uma renda básica universal.

Todos os instrumentos econômicos elaborados para viabilizar a política de renda básica precisam ser pensados a partir da garantia de direitos sociais, sem redução de políticas sociais já existentes e sem flexibilização de aspectos trabalhistas e previdenciários. Nesse sentido, torna-se urgente rediscutirmos nossa estrutura tributária que, de forma regressiva, aprofunda as desigualdades entre pobres e ricos, entre mulheres e homens, entre negros e brancos e entre regiões, onerando proporcionalmente os menos favorecidos (Fandiño & Kerstenetzky, 2019FANDIÑO, Pedro; KERSTENETZKY, Celia L. O paradoxo constitucional brasileiro: direitos sociais sob tributação regressiva. Brazilian Journal of Political Economy (impresso), v. 39, p. 306-327, 2019.).

Algumas considerações

Neste artigo, a partir de diferentes perspectivas - sociológica, econômica e da assistência social -, mostramos como foi feita a implementação do Auxílio Emergencial/Renda Emergencial para populações vulneráveis em tempo de Covid-19 em diferentes partes do globo. O contexto complexo da crise sanitária produziu impactos socioeconômicos e no âmbito do mercado de trabalho, sobretudo para as populações mais vulneráveis. A partir do levantamento realizado de um amplo espectro de países (151 no total) que implementaram o Auxílio Emergencial/Renda Emergencial, verificamos que a forma de implementação do Auxílio Emergencial no Brasil se aproxima daquela realizada em outros países da América Latina, como Bolívia, Argentina e Peru e se afasta dos exemplos da Colômbia e do México em relação à cobertura, valor e tempo de implementação. Apesar de termos observado divergências entre a política adotada no Brasil e aquelas implementadas pela maioria dos países europeus, o Auxílio Emergencial na Itália e em Portugal se assemelha ao auxílio brasileiro, mais especificamente em relação aos trabalhadores informais.

As problemáticas de execução e de implementação do Auxílio Emergencial no Brasil prejudicaram enormemente os cidadãos vulneráveis. As longas horas na fila para cadastramento e recebimento do benefício, as dificuldades iniciais quanto ao CPF não regularizado, a demora no pagamento do Auxílio Emergencial, a instabilidade do site para cadastramento, a falta de recursos humanos no Centro de Referência de Assistência Social e a dificuldade de acessibilidade digital da população pobre indicam obstáculos relativos à garantia da cidadania e do acesso ao direito à assistência em momento de crise sanitária, econômica e social. A partir do conhecimento dessas adversidades, os governos (em particular, os governos municipais) podem melhorar sua capacidade de gestão, seja diminuindo a burocracia para o recebimento do auxílio assistencial, seja suprimindo arbitrariedades e possíveis preconceitos dos profissionais da ponta com a população pobre atendida.

Destacamos ainda, neste trabalho, que a avaliação das estratégias de enfrentamento à pandemia está diretamente vinculada à rapidez com que os diferentes países listados tomaram as medidas que incluem a remoção de barreiras financeiras em relação ao acesso à saúde, à segurança de renda, à inclusão de trabalhadores da economia informal, à proteção da renda e do emprego e às melhorias do sistema de proteção social. O Brasil, que viveu a condição de epicentro da pandemia do Coronavírus e chegou a apresentar mais de 4.000 mortos em apenas 24h no início de 202150 50 Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-04/covid-19-brasil-bate-recorde-com-4249-mortes-registradas-em-24-horas#:~:text=O%20Brasil%20bateu%20novo%20recorde,marcou%204.195%20vidas%20perdidas%20confirmadas>. Acesso em: Maio 2021. , integrando a lista dos países com piores índices da pandemia51 51 Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,com-pandemia-brasil-fica-entre-os-piores-paises-em-mortes-por-covid-e-desemprego-em-2020, 70003720015>. Acesso em: Maio 2021. , viu ser reaberto o debate sobre a ampliação do Auxílio Emergencial, seja no que se refere à sua temporalidade, seja no que tange ao seu valor.

Por fim, neste artigo expomos os dilemas e as lacunas que a crise do Coronavírus deixou para os governos ao redor do mundo. É necessário refletir sobre a capacidade dos países em garantir a proteção social, em particular através da assistência social, com a finalidade de proteger de forma regular e contínua os mais vulneráveis. Este debate ganhou força tanto no Congresso Nacional como entre diferentes organizações civis, como a Rede Brasileira de Renda Básica de Cidadania (que conta com a participação de políticos e pesquisadores), a Uneafro Brasil, o WWF Brasil, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, a Ação Brasileira de Combate às Desigualdades (ABCD), a Associação Brasileira de ONGs (Abong) e tantas outras.

Tendo em vista a volatilidade dos governos e levando em consideração que vivenciamos um momento de mal-estar social (Foot Hardman, 2019), de abate social (Cohn, 2020COHN, Amélia. As políticas de abate social no Brasil contemporâneo. Lua Nova, n. 109, p. 129-160, 2020.) e de um Brasil em Colapso (Solano, 2019SOLANO, Esther. Brasil em colapso. São Paulo: Editora Unifesp, 2019), essas organizações passam a discutir a possibilidade de implementação de uma política não apenas emergencial, mas contínua de renda básica (incondicional, universal e permanente) no pós-crise.

Referências

  • ARRETCHE, Marta Teresa da Silva. Uma contribuição para fazermos avaliações menos ingênuas. In: CARVALHO, Maria do Carmo Brandt; BARREIRA, Maria Cecília (Orgs.). Tendências e perspectivas na avaliação de políticas e programas sociais, p. 44-55. São Paulo: IEE/PUC-SP, 2001.
  • BARR, Nicholas. Economics of the welfare state. 5. ed. Oxford, UK: Oxford University Press, 2012, 386 p.
  • BARRETT, Susan S. Implementation studies: time for a revival? Personal reflections on 20 years of implementation studies. Public Administration, v. 82, n. 2, p. 249-262, 2004.
  • BRANCHER, Marco; MAGACHO, Guilherme; LEÃO, Rafael. Impactos econômicos da crise do Covid-19 e dos programas de Renda Básica Emergencial. FGV EAESP, 2020. Disponível em: <https://eaesp.fgv.br/centros/centro-estudos-novo-desenvolvimentismo/noticias/impactos-economicos-crise-covid-19-e-programas-renda-basica-emergencial>. Acesso em: 08 Abr. 2020.
    » https://eaesp.fgv.br/centros/centro-estudos-novo-desenvolvimentismo/noticias/impactos-economicos-crise-covid-19-e-programas-renda-basica-emergencial
  • COHN, Amélia. As políticas de abate social no Brasil contemporâneo. Lua Nova, n. 109, p. 129-160, 2020.
  • COSTA, José Ricardo Caetano. O “estado de mal-estar social” brasileiro. Belo Horizonte : Ieprev, 2020.
  • DOWBOR, Ladislau. A era do capital improdutivo: nova arquitetura do poder - dominação financeira, sequestro da democracia e destruição do planeta. São Paulo: Autonomia Literária, 2017.
  • DRAIBE, Sônia M.; RIESCO, Manuel. Estados de bem-estar social e estratégias de desenvolvimento na América Latina: um novo desenvolvimentismo em gestação? Sociologias, v. 13, p. 220-254, 2011.
  • DUBOIS, Vincent. La vie au guichet. Relation administrative et traitement de la misère. Paris: Économica Études Politiques, 1999.
  • FAGNANI, Eduardo. O fim do breve ciclo da cidadania social no Brasil (1988-2015), Texto para discussão n. 308. Campinas: Unicamp, 2017.
  • FANDIÑO, Pedro; KERSTENETZKY, Celia L. O paradoxo constitucional brasileiro: direitos sociais sob tributação regressiva. Brazilian Journal of Political Economy (impresso), v. 39, p. 306-327, 2019.
  • FOOT HARDMAN, Francisco. O desgoverno Bolsonaro e o Estado de Mal-Estar: desafio à resistência e luta das esquerdas. In: GALLEGO, Esther Solano (Org.). Brasil em colapso, p. 121-134. São Paulo: Editora Unifesp, 2019.
  • GALLEGO, Esther Solano. Brasil em colapso. São Paulo: Editora Unifesp, 2019.
  • GENTILINI, Ugo et al. Social protection and jobs responses to Covid-19: a real-time review of country measures. Washington, DC: World Bank, 2020.
  • GRIN, Eduardo. Regime de bem-estar social no Brasil: três períodos históricos, três diferenças em relação ao modelo europeu social-democrata. Cadernos Gestão Pública e Cidadania, v. 18, n. 63, Jul.-Dez. 2013.
  • GUNN, Lewis; HOGWOOD, Brian. Models of policy-making centre for the study of public policy. Strathclyde, UK: University of Strathclyde, 1982.
  • HILL, Michael; HUPE, Peter. The multi-layer problem in implementation research. Public Management Review, v. 5, n. 4, p. 471-490, 2003.
  • HILL, Michael; HUPE, Peter; NANGIA, Monika. Studying implementation beyond deficit analysis: the top-down view reconsidered. Public Policy and Administration, v. 29, n. 2, p. 145-163, 2014.
  • KERSTENETZKY, Célia Lessa. O Estado de bem-estar social na idade da razão: a reinvenção do Estado Social no mundo contemporâneo. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
  • LASCOUMÈS, Pierre; LE GALÈS, Patrick. A ação pública abordada pelos seus instrumentos. Revista Pós Ciências Sociais, v. 9, n. 18, Jul.-Dez. 2012.
  • LIPSKY, Michael. Street level burocracy: dilemas of the individual in public services. New York: Russeell Sage Foundation, 1980.
  • LOTTA, Gabriela. Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, p.3-324. Brasília: Enap, 2019.
  • MARINS, Mani Tebet. As consequências não previstas do Programa Bolsa Família. In: LOTTA, Gabriela (Org.). Teorias e análises sobre implementação de políticas públicas no Brasil, p. 3-324. Brasília: Enap, 2019a.
  • ______. Estigma e repercussões do status de beneficiária. In: PIRES, Roberto (Org.). Implementando desigualdades: reprodução de desigualdade na implementação de políticas públicas, p. 657-678. Brasília: Ipea; Cepal, 2019b.
  • ______. A “feminino” como gênero do desenvolvimento. Revista Estudos Feministas, v. 26, p. 1-14, 2018.
  • ______. Bolsa Família: questões de gênero e moralidades. Rio de Janeiro: UFRJ; Faperj, 2017.
  • MATLAND, Richard. Synthesizing the implementation literature: the ambiguity-conflict model of policy implementation. Journal of Public Administration Research and Theory, v. 5, n. 2, p.145-174, 1995.
  • MAYNARD-MOODY, Musheno, M. Cops, teachers, counselors: narratives of street-level judgment. Ann Arbor, MI: University of Michigan Press, 2003.
  • OXFAM. Tempo de cuidar: o trabalho de cuidado não remunerado e mal pago e a crise global da desigualdade. Rio de Janeiro: Osfam, 2020.
  • PAUGAM, Serge; DUVOUX, Nicolas. La régulation des pauvres du RMI au RSA. Paris: Presses Universitaires de France, 2008
  • PIRES, Roberto. O trabalho na burocracia de médio escalão e a sua influência nas políticas públicas. In: PIRES, Roberto; LOTTA, Gabriela; OLIVEIRA, Vanessa (Orgs.). Burocracia e políticas públicas no Brasil: interseções analíticas, p. 185-206. Brasília: Ipea;Enap, 2018.
  • PROGRAMA DAS NAÇÕES UNIDAS PARA O DESENVOLVIMENTO (PNUD/ONU). Relatório do Desenvolvimento Humano 2013. Disponível em: <http://www.pnud.org.br/arquivos/rdh-2013.pdf>. Acesso em: 10 Mar. 2020.
    » http://www.pnud.org.br/arquivos/rdh-2013.pdf
  • PRESSMAN, Jeffrey; WILDAVSKY, Aaron. Implementation: how great expectations in Washington are dashed in Oakland; or, why it’s amazing that federal programs work at all, this being a saga of the economic development administration as told by two sympathetic observers who seek to build morals on a foundation. Berkeley, CA: University of California Press, 1973.
  • SABATIER, Paul.; MAZMANIAN, Daniel. The conditions of effective implementation. Policy Analysis, v. 5, 1979.
  • SANTOS, Wanderley Guilherme Dos. Cidadania e justiça: a política social na ordem brasileira. Rio de Janeiro: Campus, 1979.
  • SOLANO, Esther. Brasil em colapso. São Paulo: Editora Unifesp, 2019
  • SILVA, Jéssica Lago da et al. Políticas socioeconômicas de reação à crise da covid-19 no município de Maricá, Rio de Janeiro. Mercado de Trabalho: Conjuntura e Análise, n. 69, 2020.
  • SMALL, Mario Luis; HARDING, David J.; LAMONT, Michèle. Reavaliando cultura e pobreza. Sociologia & Antropologia, v. 1, p. 91-118, 2011.
  • WINTER, Søren. Perspectivas de implementação: status e reconsideração. In: PETERS, Gui; PIERRE, Jon. Administração Pública Contemporânea. São Paulo: Editora Unesp, 2013.
  • *
    Gostaríamos de registrar nosso agradecimento ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e à Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) que nos possibilitaram a aquisição de Bolsas de Iniciação Científica para um grande projeto de pesquisa que culminou na publicação deste artigo. Gostaríamos de agradecer a todos os integrantes do Diretório de Pesquisa Desigualdade, Interseccionalidade e Política Pública do CNPq, em especial a Kayná Bitencourt (Pibic/Faperj), a Mariana Ramos (Graduada em Ciências Sociais - UFRRJ) e a Thayla de Oliveira (Pibic/CNPq) que nos auxiliaram na sistematização dos dados sobre os impactos da pandemia no Brasil e no mundo.
  • 1
    Disponível em: <https://amb.org.br/noticias/oms-declara-emergencia-global-coronavirus/>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 2
    Disponível em: <https://noticias.r7.com/internacional/coronavirus-13-da-populacao-mundial-esta-sob-quarentena-veja-4-tipos-de-restricao-25032020>. Acesso em: Abril 2020.
  • 3
    Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/03/30/recessao-profunda-na-europa-e-conclusao-ja-dada-aponta-fmi.ghtml>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 4
    Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/01/20/numero-de-desempregados-no-mundo-deve-alcancar-1905-milhoes-neste-ano-diz-oit.ghtml>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 5
    Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/colunas/jamil-chade/2020/04/21/pandemia-pode-levar-265-milhoes-a-fome.htm>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 6
    Disponível em: <https://agenciadenoticias.ibge.gov.br/agencia-noticias/2012-agencia-de-noticias/noticias/25066-pesquisa-revela-retrato-inedito-do-mercado-de-trabalho-do-interior-do-pais>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 7
    Disponível em: <https://coronavirus.saude.gov.br/boletins-epidemiologicos>. Acesso em: Jun. 2020.
  • 8
    Disponível em: <http://painel.saude.rj.gov.br/monitoramento/covid19.html>. Acesso em: Jun. 2020.
  • 9
    Disponível em: <https://oxfam.org.br/blog/desigualdades-e-coronavirus/>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 10
    “Auxílio Emergencial” é a nomenclatura adotada pelo governo federal para designar a política pública de transferência de renda, em caráter temporário e emergencial, em decorrência dos efeitos da pandemia de Covid-19, conforme estabelece a Lei 13.983/2020. Para designar políticas similares implementadas nos demais países listados neste artigo, utilizamos a nomenclatura adotada por cada país.
  • 11
    Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/programas-sociais/bolsa-familia/Paginas/default.aspx>. Acesso em: Jun. 2020.
  • 12
    Disponível em: <http://www.caixa.gov.br/cadastros/cadastro-unico/Paginas/default.aspx>. Acesso em: Jun. 2020.
  • 13
    Disponível em: <https://oxfam.org.br/blog/desigualdades-e-coronavirus/>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 14
    Disponível em: <https://radios.ebc.com.br/reporter-nacional/2020/04/projeto-aprovado-pela-camara-deputados-amplia-lista-trabalhadores-que>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 15
    O Centro de Referência de Assistência Social é uma unidade pública da assistência social que funciona como equipamento de proteção social básica e oferece atendimentos individualizados (ou em grupos) a indivíduos e famílias.
  • 16
    Disponível em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/04/15/angustia-e-falta-de-informacoes-sobre-renda-emergencial-leva-aglomeracoes-aos-bancos>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 17
    Em alguns países, o termo utilizado é Renda Emergencial, então, ao longo do texto, utilizaremos a categoria local da política implementada.
  • 18
    Disponível em: <https://www.bbc.com/portuguese/internacional- 52235230>. Acesso em: Maio 2020.
  • 19
    Disponível em: https://www.argentina.gob.ar/economia/medidas-economicas-COVID19/ingresofamiliardeemergencia>. Acesso em: Maio 2020.
  • 20
    Disponível em: https://as.com/diarioas/ 2020/04/23/actualidad/1587674984_451890.html>. Acesso em: Maio 2020.
  • 21
    Disponível em: <https://eldeber.com.bo/177665_el-gobierno-aclara-que-el-cobro-del-bono-universal-es-personal-no-se-puede-delegar-a-otra-persona>. Acesso em: Maio 2020.
  • 22
    Disponível em: <https://www.lafm.com.co/politica/duque-anuncia-giro-adicional-beneficiarios-de-familias-en-accion-y-adulto-mayor>. Acesso em: Maio 2020.
  • 23
    Disponível em: <https://www.canada.ca/en/services/benefits/ei/cerb-application.html>. Acesso em: Maio 2020.
  • 24
    Disponível em: <https://valor.globo.com/mundo/noticia/2020/03/26/eua-senado-aprova-pacote-de-estmulos-estimado-em-us-2-tri-texto-vai-cmara.ghtml>. Acesso em: Maio 2020.
  • 25
    Disponível em: <https://www.vox.com/future-perfect/2020/3/23/21190955/stimulus-checks-from-government-approved>. Acesso em: Maio 2020.
  • 26
    Disponível em: <https://mof.gov.na/documents/35641/36580/Phase+1+VF+Stimulus+and+Relief+Package%2C+Republic+of+Namibia.pdf/9a2314de-4b39-00a1-b8bd-4ffcfe1f20d3>. Acesso em: Maio 2020.
  • 27
    Disponível em: <https://www.gov.za/coronavirus/socialgrants>. Acesso em: Maio 2020.
  • 28
    Disponível em: <https://www.gov.sg/article/solidarity-budget-2020-additional-cash-payments-to-help-families-get-through-circuit-breaker-phase>. Acesso em: Maio 2020.
  • 29
    Disponível em: <https://www.info.gov.hk/gia/general/202002/26/P2020022600420.htm>. Acesso em: Maio 2020.
  • 30
    Disponível em: <https://www.financialexpress.com/money/modi-govt-to-provide-3-months-pension-in-advance-to-senior-citizens-differently-abled-widows/1911387/>. Acesso em: Maio 2020.
  • 31
    Disponível em: <https://www.lemonde.fr/politique/article/2020/04/15/coronavirus-emmanuel-macron-souhaite-un-moratoire-sur-la-dette-des-pays-africains_6036639_823448.html>. Acesso em: Maio 2020.
  • 32
    Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,programas-de-transferencia-de-renda-sao-adotados-por-30-paises-para-proteger-populacao-de-pandemia,7000 3244689>. Acesso em: Maio 2020.
  • 33
    Disponível em: <https://inews.co.uk/inews-lifestyle/money/universal-credit-increase-2020-april-explained-how-much-dwp-benefit-eligible-2525267>. Acesso em: Maio 2020.
  • 34
    Disponível em: <https://www.abc.net.au/news/2020-03-31/coronavirus-jobkeeper-payment-vs-jobseeker-payment/12105290>. Acesso em: Maio 2020.
  • 35
    Disponível em: <https://treasury.gov.au/sites/default/files/2020-04/Fact_sheet-Income_Support_for_Individuals.pdf>. Acesso em: Maio 2020.
  • 36
    Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/lei/l10.835.htm>. Acesso em: Maio 2020.
  • 37
    Fundada em 2019, a Rede Brasileira de Renda Básica de Cidadania (RBRB) tem como objetivo servir de elo entre todos os indivíduos e grupos interessados em renda básica (ou seja, pagamento periódico incondicional a todos, individualmente, sem teste de meios ou exigência de trabalho).
  • 38
    Relatório de Informações Sociais (Sagi), Ministério da Cidadania. Consultado em: 2 Jun. 2020.
  • 39
    Disponível em: <https://caixanoticias.caixa.gov.br/noticia/20795/auxilio-emergencial-clique-aqui-para-ver-os-ultimos-numeros>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 40
    Disponível em: <file:///C:/Users/Paola%20Carvalho/AppData/Local/Packages/Microsoft.Microsoft Edge_8wekyb3d8bbwe/TempState/Downloads/Relatório%20de%20Implementação%20-%20Renda%20Básica%20Emergencial.pdf>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 41
    Dados oficiais da Caixa Econômica Federal, disponíveis em: <https://caixanoticias.caixa.gov.br/noticia/20795/auxilio-emergencial-clique-aqui-para-ver-os-ultimos-numeros>. Acesso em: Abr. 2020.
  • 42
    Em seguida, a Justiça derrubou a exigência de ter CPF regular para receber o auxílio Disponível em: <https://oglobo.globo.com/economia/justica-derruba-exigencia-de-cpf-regular-para-receber-auxilio-emergencial- 24374226. Acesso em: Abr. 2020.
  • 43
    Disponível em: <www.rendabasica.org.br>.
  • 44
    Fundação Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). Nota Técnica nº 60, de Março de 2020 - Diretoria de Estudos e Políticas Sociais: estimativas de público elegível e custos do benefício emergencial criado pelo PL 9.236/2017.
  • 45
    Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/CCIVIL_03/_Ato2019-2022/2020/Mpv/mpv1000.htm>.
  • 46
    Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/emenda-constitucional-n-109-308527609>.
  • 47
    Disponível em: <https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/medida-provisoria-n-1.039-de-18-de-marco-de-2021-30929 2254>.
  • 48
    A maior parte dos beneficiários que solicitaram via aplicativo recebem como família unipessoal,diferentemente do cadastro único. Essa questão foi apontada nos relatórios de problemas de implementação, pois as famílias não conseguiam cadastrar os demais membros.
  • 49
    Disponível em: <https://eaesp.fgv.br/centros/centro-estudos-novo-desenvolvimentismo/noticias/impactos-economicos-crise-covid-19-e-programas-renda-basica-emergencial>. Acesso em: 8 Abr. 2020.
  • 50
    Disponível em: <https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-04/covid-19-brasil-bate-recorde-com-4249-mortes-registradas-em-24-horas#:~:text=O%20Brasil%20bateu%20novo%20recorde,marcou%204.195%20vidas%20perdidas%20confirmadas>. Acesso em: Maio 2021.
  • 51
    Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,com-pandemia-brasil-fica-entre-os-piores-paises-em-mortes-por-covid-e-desemprego-em-2020, 70003720015>. Acesso em: Maio 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Set 2021
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2021

Histórico

  • Recebido
    31 Ago 2020
  • Aceito
    06 Maio 2021
Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais - Campus Universitário Darcy Ribeiro, CEP 70910-900 - Brasília - DF - Brasil, Tel. (55 61) 3107 1537 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistasol@unb.br