Acessibilidade / Reportar erro

Metamorfoses da imagem nas ciências sociais: três experiências com o filme etnográfico

Image metamorphoses in the social sciences: three experiences with ethnographic film

Resumo

Retomo aqui três experiências etnográficas realizadas em diferentes contextos, com o objetivo de pensar três diferentes regimes de imagem que se configuram quando as formas sociais exercem suas influências sobre as formas estéticas elaboradas no campo do filme etnográfico. No primeiro caso, uma pesquisa sobre o trabalho e o contexto da desindustrialização produz um filme etnográfico sobre 2.800 demissões; no segundo, a investigação dos modos de vida das classes trabalhadoras precárias culmina em uma cartografia de suas redes de relações; no terceiro, a etnografia da luta pela terra entre os povos Guarani revela outros sujeitos de agência política. Em todos estes processos, apreender os pontos de vista dos sujeitos estudados configura a possibilidade da compreensão antropológica.

Palavras-chave:
Filme etnográfico; Imagem; Performance; Política

Abstract

I describe here three ethnographic experiences carried out in different contexts, with the objective of thinking about three different image regimes that are configured when social forms exert their influences on the aesthetic forms elaborated in the field of ethnographic film. In the first case, a research on work in the context of deindustrialization produces an ethnographic film about 2800 layoffs; in the second, the investigation of the ways of life of precarious working classes culminates in a cartography of their networks of relationships; in the third, the ethnography of the struggle for land among the Guarani peoples reveals other subjects of political agency. In all these processes, apprehending the views of the studied subjects configures the possibility of anthropological understanding.

Keywords:
Ethnographic film; Image; Performance; Politics

O objetivo do presente artigo é analisar diferentes regimes da imagem que se configuraram em distintos instantes de nossa história recente, impactando sobre as políticas da visibilidade em que sujeitos políticos demandam reconhecimento. Do ponto de vista teórico, recuperamos os debates acerca dos “regimes de imagem” em Jacques Rancière (1996______. El desacuerdo. Política e filosofia. Buenos Aires: Nueva Visión, 1996.; 2009; 2014), pensando as formas sociais e suas apresentações na pesquisa etnográfica mediada por processos de produção de conhecimento em vídeo (Ferraz, 2013______. Passado-presente na memória de trabalhadores: imagem e presença no filme etnográfico. Revista Iluminuras, v. 14, p. 145-166, 2013.). O filme etnográfico configura-se, neste trabalho, como recurso heurístico capaz de compartilhar com os sujeitos e os processos estudados as formas do tempo. Tal como defende Judith Butler (2012______. Cuerpos aliados y la política de la calle. Transversales, n. 26. 2012.; 2015a; 2015b), as relações entre visibilidade e política são inerentes e necessárias na construção de um campo do público, onde nossas personagens se apresentam como sujeitos de direitos. As ciências sociais operam nesse processo de dar a ver os que apresentam suas posições publicizando-as.

Gostaria de produzir aqui uma reflexão acerca da imagem no estudo dos processos sociais, como venho praticando durante minha trajetória como cientista social. Formada nos anos 1990, na Universidade de São Paulo, trabalho com o vídeo na pesquisa etnográfica com diferentes grupos, ao longo dessas décadas. Observo que o processo de realização de vídeo tem a ver com a relação estabelecida em campo com o dispositivo vídeo que mobiliza um espaço performático do dar-se a ver.

Esse processo se deu nas negociações e na abertura ao diálogo entre os participantes das relações de produção de conhecimento dadas nas pesquisas etnográficas realizadas nessa trajetória. A imagem muda de lugar na pesquisa, a depender do contexto e do interlocutor. Estudar as metamorfoses da imagem ao longo do tempo é o objetivo do presente artigo, analisando como as formas estéticas são produto das formas sociais, configurando diferentes regimes da imagem (Rancière, 2009______. A partilha do sensível. Estética e política. São Paulo: Editora 34, 2009.).

Assim, dos anos 1990, quando trabalhadores de uma multinacional se configuravam como sujeitos políticos questionando as grandes demissões que se deram desde então, aos anos 2010, quando trabalhadores precários pensam o problema da subsistência, muda o regime da imagem da representação para a fragmentação, não sem impactos sobre a escrita etnográfica. Um terceiro quadro vem a ampliar o escopo de nossa reflexão, quando o estudo de outros povos e formas de existência transforma o conceito mesmo de imagem, como veremos.

Apresento então neste artigo três relatos de experiências de pesquisa, realizadas em diferentes contextos, nos quais diferentes regimes de imagem se configuraram. Em cada caso analisado é o próprio conceito de imagem que se metamorfoseia. Meu objetivo é pensar como, nos distintos contextos, diferentes metodologias foram elaboradas para pesquisas em que a imagem atuou em processos sociais de disputa pela representação legítima.

O dispositivo do ver-se, pensar a sua presença e o impacto de sua performance, a criação de um espaço reflexivo para pensar a vida cotidiana podem aprofundar o debate sobre o problema do reconhecimento, tomado neste artigo a partir do olhar para diferentes conjunturas. Acompanhei como diferentes soluções formais dialogam com os temas, os problemas e os contextos vividos na experiência realizada ante os meus interlocutores.

A etnografia visual pautou-se por muito tempo nas referências da antropologia moderna e de seu uso breve da imagem fotográfica. Elizabeth Edwards (2016EDWARDS, Elizabeth. Rastreando a fotografia. In: BARBOSA, Andrea; CUNHA, Edgar Teodoro; HIKIJI, Rose Satiko Gitirana; CAIUBY NOVAES, Sylvia (Orgs.). A experiência da imagem na etnografia. São Paulo: Terceiro Nome; Fapesp, 2016.) comenta, de maneira muito feliz, o lugar que essa técnica que aprofundava as virtudes descritivas da etnografia teve na história da antropologia. Inicialmente trabalhada a partir da pose, de uma construção para a câmera, a fotografia foi sendo abandonada na disciplina quando um cientificismo positivista se impôs, no momento da institucionalização de nossas disciplinas como ciências nas universidades, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos. Os diferentes contextos impõem diferenças de abordagem que se fazem ver na etnografia.

Sobre o uso da fotografia em Malinowski, como bem demonstrou Etienne Samain (1995SAMAIN, Etienne. Ver e dizer na tradição etnográfica: Bronislau Malinowski e a fotografia. Horizontes Antropológicos, Ano 1, n. 2, p. 23-60, 1995.), há sempre ideias que estruturam o olhar do antropólogo. O funcionalismo malinowskiano se fazia ver no modo como o autor organizava as correlações entre imagens e texto e entre uma imagem e outra, um detalhe e seu contexto. Ou em Margareth Mead e Gregory Bateson, na escolha dos temas a serem estudados, nas omissões das discussões metodológicas sobre a introdução de elementos exteriores ao mundo estudado ou o pagamento pela encenação de rituais; e, igualmente, a correlação entre imagens e texto.

Há processos sociais em que estamos imersos - tanto os antropólogos como os mundos sociais estudados - que alteram o que é necessário pensar a cada instante. Aprender a pensar com o instante, entendendo como as potências das imagens são disputadas e redefinidas a cada momento num novo regime da imagem é o que propomos aqui.

Faço antropologia social em processos mediados pelo vídeo porque penso que a produção audiovisual contribui nos processos de democratização do conhecimento produzido nas ciências sociais, ampliando as possibilidades do diálogo entre o conhecimento acadêmico e os sujeitos sociais. Este diálogo mediado pelas imagens e sua restituição no processo de pesquisa aos grupos estudados amplia a compreensão e aprofunda os vínculos compartilhados em campo.

A proposição de uma ciência pública deve materializar-se em ações, desenvolvendo metodologias para ampliar a compreensão em diálogos para a produção de conhecimento. O filme etnográfico atua nos processos sociais, visibilizando pontos de vista, lugares de experiência, formas de vida, trazendo à discussão os temas dos momentos vividos em processos de produção de conhecimento. O filme etnográfico amplia as possibilidades de diálogo com o público para fora dos muros da academia, amplificando as vozes dos sujeitos, disputando as imagens dos sujeitos com a visibilidade hegemônica, filmados a partir de seus territórios, de suas formas de existência e das próprias lógicas.

As reflexões de Butler acerca das relações entre visibilidade e política permitem aprofundar um giro no debate posto na antropologia visual, que nos faz ir do visual ao (in)visível. O problema da visibilidade na obra da autora aparece no debate com Hannah Arendt, em torno precisamente do problema da constituição do espaço da política, entre o oikos e a ágora; constituir-se como imagem, dar-se a ver para o outro implica passar a existir no espaço público. Em Corpos em aliança e a política das ruas, Butler (2012) analisa um movimento social e a constituição de sujeitos políticos que só pode se dar ao se constituir esse “espaço de aparição”, que é a imagem a circular publicamente.

Em Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética, Butler (2015aBUTLER, Judith. Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2015a.) estuda os problemas éticos de existir diante da norma e em relação aos outros sociais; o dar-se a ver para o outro põe o problema do reconhecimento e o da necessária dinamização da norma, que se transforma por reconhecer o outro. Em Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto?, Butler (2015b) nota uma transformação na sensibilidade, um novo regime de imagem, que admite o outro como insignificante. Em suas reflexões, a autora devolve-nos uma provocação, que nos obriga a pensar as diferentes durações em que os processos sociais que acompanhamos com a câmera, produzindo etnografias visuais, configuram possibilidades. A reflexão possível a cada quadro, relacionada com o instante que a produziu, intervém no próprio processo que analisa. Compartilhar os espaços de vida e trabalho de meus interlocutores é o que permitiu lançar perspectivas a partir desses pontos de vista, conhecer a experiência vivida e compartilhar a análise dos processos sociais.

Caso 1: Filmar as relações entre trabalhadores, sindicato e indústria, nos anos 1990

Em minha trajetória, aprendi a filmar primeiro fazendo pesquisa entre trabalhadores e sindicato, depois estudando, para além do discurso oficial das representações institucionais, a vida cotidiana e os processos sociais. Minhas teses de mestrado e doutorado se ativeram no desfazimento do mundo do trabalho industrial na região operária de São Paulo nas últimas décadas (Ferraz, 2009______. Dramaturgias da autonomia. A pesquisa etnográfica entre grupos de trabalhadores. São Paulo: Perspectiva, 2009.).

Ao ler Sylvain Maresca, que veio ao Brasil a convite de Etienne Samain nos anos 1990, penso nas políticas da imagem, como variam a depender do ponto de vista de quem produz essa imagem. No caso estudado, o ato de passar a câmera para os interlocutores é a medida capaz de ir além da representação oficial produzida institucionalmente e encontrar o mundo mesmo vivido pelas trabalhadoras e pelos trabalhadores. Em meu caso, e nas experiências analisadas aqui, embora em algumas situações tenha trabalhado com oficinas de produção de imagem, busquei conhecer e adotar o ponto de vista dos sujeitos.

Por estar em campo já há alguns anos, estudando as transformações no trabalho industrial, fui convocada por meus interlocutores a ir a campo com a câmera para registrar a resistência dos trabalhadores a 2.800 demissões na Ford de São Bernardo do Campo. Em Feliz ano novo, véio! (Ferraz, 1999) narrei as experiências de trabalhadores em luta contra este acontecimento que mudaria suas vidas.

Ao analisar os processos vigentes na indústria, testemunho o grande impacto da desfiliação que então já se faz ver, com importante encolhimento nas bases dos sindicatos e crescente desemprego. Na fábrica, observo a produção social do espaço na apropriação dos chãos de fábrica por uma linguagem dos trabalhadores. O corpo é de uma só vez espaço de resistência e de sujeição, quando o ritmo da produção intensifica o trabalho de muitos. Em campo entre trabalhadores metalúrgicos, um ethos se faz ver no ser parte de um coletivo que se afirma pela atividade. A experiência de inserção social pelo trabalho funda uma experiência comum para a classe trabalhadora.

Nessa pesquisa, o produtivismo vigente, que se aprofunda como forma de controle desde este instante nos anos 1990, e a lógica da mercadoria e da extração do valor que a acompanha se opõem à autonomia dos trabalhadores nos espaços de trabalho, quando a disputa se dá sobre a intensidade do trabalho, a saúde e a produtividade, a partir das organizações constituídas pelos trabalhadores ao longo de décadas de história do movimento operário no ABC paulista.

O vídeo1 1 Para assistir ao filme etnográfico, acesar <https://vimeo.com/channels/filmeetnografico/26306666>. (Ferraz, 1999) atuou em defesa do trabalho, visibilizando a resistência dos trabalhadores às demissões na multinacional. Não só o momento das gravações era de imenso aprendizado, como ainda nas devoluções do material filmado. Neste momento, a experiência de ver-se propicia o prazer de saber-se sujeito coletivo. As imagens puderam circular em campo, fiz copias em VHS para muitos trabalhadores, que reproduziam eles mesmos o material e intercambiavam entre colegas. Pude também exibir o filme etnográfico no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em sessão para os trabalhadores demitidos pela multinacional.

Durante os muitos meses em que durou a resistência dos trabalhadores estive em campo ouvindo diferentes vozes. Feliz ano novo, véio! narra o cotidiano da resistência dos trabalhadores e o desenlace da história, um acordo que mantém os trabalhadores por alguns meses recebendo os seus salários para depois finalizar os seus contratos. A lógica que se impõe para esta resolução é a empresarial, que justifica este expediente em função de um “excedente de pessoal”.

Em outro caso, acompanhando movimentos por moradia e realizando oficinas de vídeo, passando a câmera para os sujeitos estudados, no início dos anos 2000, realizei Foi através da necessidade. Uma história do movimento por moradia em Osasco 2 2 Para assistir ao filme etnográfico, acessar <https://vimeo.com/hannels/filme etnografico/26268437filmeetnografico/26306666>. (Ferraz, 2002). Escrevi com dois colegas, refletindo metodologicamente sobre essa experiência, o artigo “O vídeo e o encontro etnográfico” (Ferraz, Hikiji & Cunha, 2012). O cotidiano do movimento social e suas relações com o Estado são o foco que se definiu ao longo das relações com o grupo.

Tanto em Feliz ano novo, véio! (1999), quanto em Foi através da necessidade (2002) há personagens trabalhadoras que vivem um conflito e um desenlace, e há uma decepção, uma crítica. A representação, no primeiro caso, é um dos elementos enfocados no filme. A representação sindical, que negocia os 2.800 postos de trabalho, submete-se à lógica da gestão que reconhece um excedente de mão de obra. No segundo caso, um movimento por moradia negocia com o Estado algum espaço na cidade; o município oferece o campo de futebol no bairro periférico, a ocupação se faz bairro e cria a alternativa de trabalho da reciclagem, fundando uma cooperativa. As personagens desses enredos são a própria classe trabalhadora, que vive um conflito com seus outros, a indústria, o Estado. A imagem opera em processos políticos de disputa por reconhecimento de direitos aos trabalhadores por seus outros sociais. Num caso a empresa, no outro o Estado.

Um regime da imagem atento à representação caracteriza essas experiências e suas formas sensíveis: o valor da classe trabalhadora, seus saberes, suas experiências, seu lugar como sujeito político a quem compete direitos. Em Feliz ano novo, véio!, o reconhecimento do valor da classe trabalhadora opera como armadilha e, apesar de todas as organizações constituídas na história recente da organização dos trabalhadores industriais no Brasil, boa parte dos 2.800 trabalhadores demitidos perde o emprego. Nessas experiências, realizadas entre os anos de 1998 e 2002, as formas sociais estudadas incluem a organização da classe trabalhadora.

Caso 2: Cartografar as margens populosas da metrópole do Rio de Janeiro

Em outro contexto, as personagens da etnografia são ainda trabalhadores, mas já estão marcados pela experiência do desemprego ou do trabalho precário - o que é o mesmo -, há décadas. Nos anos 2010, pensei os processos em que a imagem ainda atuava no reconhecimento social de sujeitos políticos, mas já contra um contexto em que categorias como genocídio começavam a tomar forma no debate público. Naquele momento, conduzi uma pesquisa entre moradores de rua, favelas e cortiços no Rio de Janeiro, o projeto Cartografias da Margem.

Produzir imagem, nesse caso, implicava atuar na construção da visibilidade dos sujeitos. O problema da visibilidade dos membros das franjas precárias da classe trabalhadora, que aparecem sob as categorias moradores de rua, ocupantes de cortiços, favelados, moradores das comunidades da região da Grande Rio de Janeiro, colocava-se na disputa pelo simples direito à existência, à presença no espaço público, sem ser preso, violado, assassinado. Esse trabalho foi realizado durante os anos 2010, anos marcados pela implantação das Unidades de Polícia Pacificadora no Rio de Janeiro, pela militarização dos espaços de moradia das classes trabalhadoras, os choques de ordem, as muitas intervenções militares que se sucederam e não terminaram ainda.

Nesse tempo de acirramento da guerra cotidiana, disputamos a visibilidade, garantindo o direito à performance para a câmera aos interlocutores da pesquisa. A metodologia criada passava por abrir espaços de exibição de imagens em praça pública, em associações de moradores, ocupações, organizando cineclubes, mas também oficinas de teatro, de stencil, sempre com o comprometimento de devolução do material gravado aos interlocutores. Esses momentos de ver-se são criadores de uma consciência amplificada pelo saber-se filmado, saber-se visto por outros. Ser reconhecido como sujeito social. Tomar a palavra, atuar, representar-se. No projeto Cartografias da Margem havia circuitos restritos, onde a imagem podia ou não circular.

Em Etnografia e hipermídia: a cidade como hipertexto e as redes de relações nas ruas em Niterói/RJ” (Ferraz, 2016______. Etnografia e hipermídia: a cidade como hipertexto e as redes de relações nas ruas em Niterói/RJ In: BARBOSA, Andrea; CUNHA, Edgar Teodoro da; HIKIJI, Rose Satiko Gitirana; CAIUBY NOVAES, Sylvia. A experiência da imagem na etnografia, p. 307-323. São Paulo: Terceiro Nome, 2016.), discuti as possibilidades da imagem e da questão do ponto de vista que é sempre um ponto num conjunto de coordenadas. A concepção de que é sempre possível ver mais de perto faz o elogio da possibilidade monadológica na reconstrução dos lugares de vida e existência da classe trabalhadora precarizada por décadas de desemprego.

Nessa pesquisa, os dados mostram uma classe dividida que se diferencia e disputa entre si nichos de vida e de trabalho, espaços separados pelos poderes armados que reterritorializam o espaço. A forma da cartografia, adotada como metodologia para configurar tais espaços, encontra pontos de vista múltiplos, que primam por se diferenciarem de todos os demais existentes no território.

A desfiliação nesse quadro é um fato e o filme etnográfico deve lidar com o fenômeno da invisibilidade e a crise da política, num trabalho mínimo de dar a ver que a vida (re)existe apesar de tudo. A solução da escrita etnográfica em website ocupa esta esfera ampla e etérea da Internet; a imagem circulou e foi devolvida em partes a cada um dos sujeitos filmados e a seus próximos, foi discutida em apresentações e distintos fóruns acadêmicos; a forma do site apresenta os fragmentos de imagem tecidos a partir do território.

Duas soluções foram elaboradas para a apresentação da cartografia, uma primeira em uma plataforma gratuita na Internet; e uma segunda, com provedor pago, que a cada ano retirava o material da rede. Nenhuma delas satisfazia a proposta de permitir a experiência do ver mais de perto que a pesquisa concebeu. Problemas de programação abriam a questão de trabalhar com outros profissionais para materializar as ideias elaboradas na pesquisa; a primeira forma elaborada sem a participação de designers ou programadores foi a que sobreviveu na rede (Ferraz et al., 2019______. Cosmopolíticas Guarani: pistas sobre a relação entre imagem e alteridade. Iluminuras, v. 20, 2019. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/80384/pdf%5D>.
https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article...
).

Devo ainda observar que do filme etnográfico à narrativa hipermídia, sob a forma de website, a forma elaborada para dar conta do mundo estudado foi modificada. Essa mudança deve ser questionada: por que não mais a forma do filme, de 2015? As negativas à presença da câmera em determinados espaços, a tensão reveladora nos momentos de exibição das imagens na praça pública, os poderes armados que reterritorializam o espaço, o processo social de abjeção de tais corpos, a judicialização das relações entre diferenças sociais fazem-nos ver que já não se trata simplesmente de outro espaço, de outro campo etnográfico, o que muda entre as duas pesquisas é a qualidade política do momento.

Nesse sentido, é sobre a invisibilidade desses sujeitos que a pesquisa atua. Invisibilidade construída pelo discurso hegemônico que prepara a cidade para o turismo e transforma as franjas precárias da classe trabalhadora em indesejáveis, num processo social de produção de abjeção. Mas, a classe trabalhadora, fora das relações formais de emprego, reproduz-se independentemente dos processos de reprodução ampliada do capital, baseada em suas relações de socialidade.

Butler discute as relações entre a política e a visibilidade, ampliando a noção do político e incorporando uma reflexão acerca da noção de precariedade da vida, do necessário reconhecimento dessa precariedade como tema ético, portanto político. Por outro lado, no debate com Hannah Arendt, recoloca a questão da política, para além da dicotomia clássica entre o público e o privado - o oikos -, a vida reprodutiva põe um problema político que deve ser tratado na arena pública. Assim, o espaço da política é redefinido como espaço da visibilidade, espaço a ser construído, ocupado, com o tema da precariedade de vida.

Mas, ao pensar sobre os processos sociais de abjeção das classes trabalhadoras, postas à margem dos processos de reprodução ampliada do capital, esse espaço de visibilidade não chega a se constituir. O sujeito se sabe desprezível, abjeto segundo a norma social, cada vez mais baseada no mero acesso ao consumo, produto dos processos de “cidadanização” sem ampliação do trabalho formal das últimas décadas. O outro social passa a ser temido, visto como ameaça à vida pública, que não chega a constituir-se nas ruas da cidade. Triste ágora, a do espetáculo capitalista.

Rancière caracteriza a política como um determinado regime do sensível, aquele que parte de um comum, onde se negociam as diferenças, todas legítimas. Um novo regime de imagem denota, se não o fim, a crise da política. Em seu livro intitulado Ódio à democracia (Rancière, 2014), o filósofo francês critica os “Estados de direito oligárquicos”, que se caracterizam cada vez mais pelo “ódio ao povo e a seus costumes”. Delineamos, assim, a força da ideia de democracia como potência irrealizada de maneira particular em nossa experiência brasileira.

Ao condensar o tema do visual para chegar ao problema da visibilidade, introduzo o problema do poder na reflexão sobre a imagem. Sondar a questão da (in)visibilidade, para pensar o Estado de exceção que é a regra (falando com Walter Benjamin), ou pensar como as políticas da imagem podem fazer frente ao genocídio que se normaliza, seriam as consequências necessárias deste trabalho. A partir da investigação etnográfica, localizar o ponto de vista a partir do qual os sujeitos concebem suas posições e linguagens para nomear a história que vivem. Ao interrogar, por outro lado, os processos de invisibilização de meus interlocutores, encontro a agência de moradores de rua que toma suas próprias formas, revelando mundos, relações e ontologias particulares. Podemos, finalmente, pôr o problema do ponto de vista que deve ser entendido da maneira mais incorporada possível, como “saberes localizados”, diria Donna Haraway (1995HARAWAY, Donna. Saberes localizados. A questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995.).

Nesse caso, um regime da imagem fragmentada, do detalhe da vida em cada uma das infinitas experiências da cidade que armam diferentes pontos de vista, que se disputam entre todos e se apoiam entre alguns, vai-se definindo como reverso da possibilidade narrativa; é o mapa que apresenta os lugares de vida e trabalho construídos pela classe trabalhadora precária. Neste caso, fica clara a forma como a disputa se dá contra as categorias do simbólico hegemônico que constrói as categorias de “favelado”, “bandido”, “criminoso” como base para o extermínio com o endereço das classes trabalhadoras. O que podemos observar, quando vemos mais de perto e podemos assumir o ponto de vista construído pela experiência da vida nas ruas, é que tais personagens vivem de suas relações.

Caso 3: O ponto de vista Guarani sobre a questão da terra

O incrível momento de descolonização que vivemos nas últimas décadas, e que visibilizou novos sujeitos e suas pautas, culminou no protagonismo da produção de imagens pelos próprios sujeitos tradicionalmente estudados pela antropologia. A democratização do acesso à imagem e às ciências sociais pelos sujeitos sociais constitui a existência de indígenas cineastas e antropólogos nativos, nossos contemporâneos. Como podemos ver, por exemplo, no caso do Projeto Vídeo nas Aldeias, o mais antigo projeto que atua na formação de um cinema indígena no Brasil, a partir dos trabalhos de Vincent Carelli, Virgínia Valadão, Dominique Gallois e outros, numa intervenção audiovisual que contribuiu para a tomada de consciência do fazer parte de um coletivo “povos indígenas” na sociedade brasileira, na década de 1980, tempo em que antropólogos se mobilizavam pelo reconhecimento dos direitos indígenas na Constituição de 1988. A experiência derivou, nas décadas seguintes, em um trabalho de formação audiovisual no qual os indivíduos participam de oficinas de audiovisual em processos de realização de filmes com a equipe do Vídeo nas Aldeias, contribuindo com a existência de um cinema indígena hoje disseminado no Brasil. As imagens de autoria dos sujeitos estudados apresentam pontos de vista armados por outras ontologias, ampliando mesmo nossa compreensão sobre o que pode ser a imagem.

Entre os anos de 2012 e 2016, realizei oficinas de vídeo em diferentes comunidades Guarani, compartilhando as técnicas do vídeo e a infraestrutura necessárias para produzir imagens. Ao longo de anos atuamos passando a câmera para as mãos dos jovens Guarani, que realizaram alguns trabalhos em vídeo3 3 Ver Série Ta’anga pu japoa/Oficinas de imagem e som, do Laboratório do Filme Etnográfico da UFF, realizado com o apoio do Programa de Extensão Universitária Vídeo e Transmissão de Conhecimento entre os Povos Guarani, Mbya e Kaiowá (PROEXT/MEC), sob minha coordenação. . Depois de haver refletido sobre essas experiências e analisado a filmografia produzida, volto a filmar agora entre os povos Guarani das Retomadas.

No estudo dos processos sociais, e pensando no contexto em que outros povos dotados de outras concepções ontológicas se afirmam como sujeitos políticos propondo outras formas de entendimento das dualidades clássicas do pensamento moderno, para além das cisões estruturantes de nossas disciplinas que separam natureza e cultura (Latour, 1999), armando as (di)visões estruturantes de nossa forma de pensar, tecemos a investigação.

Desde as primeiras experiências de formação em vídeo com povos Guarani pude observar a habilidade, o interesse e a atenção que a imagem despertava. Seu caráter mobilizador. A exibição de registros de canto-dança gravados por Vincent Carelli décadas antes na região, durante uma oficina na fronteira paraguaia, apresentava os mais velhos Nhandeva em seu Jeroky; a experiência de visionamento do registro em vídeo produziu a mobilização do canto-dança noite adentro, conferindo imensa participação na oficina.

A pesquisa então se deteve em, primeiro, estudar as formas da percepção formada pela cosmologia dos Guarani, para então construir a abordagem para o filme etnográfico. Na situação estudada nas retomadas, o conflito pela terra não está resolvido, mas o que se chama terra é outro ser, povoado de presenças e de agências. Diferente do objeto inerte, a terra animada, conhecida pela experiência guarani, manifesta-se, envia mensagens, tem sua linguagem própria.

Diferentes conceitos de imagem se justapõem neste momento. Para dar conta da experiência dos Guarani, partimos da luta pela terra com as Retomadas, para então chegar aos saberes sobre as plantas, os remédios, os pássaros, aproximando-nos de noções de corpos e de pessoas específicas.

Ao refletir sobre a questão da imagem para os Guarani, encontrei alguns interlocutores que pensavam categorias próprias aos povos tupi-guarani na etnologia indígena. Primeiro, Eduardo Viveiros de Castro (1986), em sua tese de doutorado, Araweté, os deuses canibais; depois, a colega Alice Villela (2012VILLELA, Alice. Narrativas que fazem existir. Aproximações entre a produção de imagens no xamanismo e no audiovisual. Anais do EIAP. São Paulo, Napedra/USP, 2012.), pensando sobre sua experiência entre os Assurini do Xingu. E, na sequência, um trabalho de Dominique Gallois (2008GALLOIS, Dominique et al. I’ã. Para nós não existe só imagem. Wajãpi, AP: Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena (Iepé); Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), 2008.), que me foi gentilmente oferecido pela autora, realizado entre os Wayapi. Todos esses trabalhos permitiram-me aprofundar uma reflexão sobre o conceito de imagem.

Pude discutir essas concepções cosmológicas buscando construir uma abordagem que possibilitasse o diálogo e a compreensão do que fazem os Guarani em suas performances de canto-dança para as câmeras. Em outros artigos, pude aproximar-me de sua concepção cosmológica de imagem e das noções próximas a esta (Ferraz, 2017______. Imagem, visão e cosmovisão entre os povos guarani. Vivencia - Revista de Antropologia, n. 50, p. 117-132, 2017.; 2019). Em Aprendendo a ver com os Guarani (Ferraz, 2020), discuti essa noção de imagem-afecção, que parte da alteração provocada pelo saber-se imagem, produzir uma performance de si para o outro, a partir das relações com todos os outros presentes no território. A noção de pessoa característica dos povos Guarani e a ideia de transformação que dialoga com o universo mítico tecido nas relações com o território são as chaves de compreensão do que importa conhecer neste caso.

Pensar as relações entre etnografia e imagem depende então de quais sejam os interlocutores e do regime de imagem posto em determinada situação. No filme etnográfico Nhande Ywy/Nosso Território (Ferraz & Pires, 2019______. Cosmopolíticas Guarani: pistas sobre a relação entre imagem e alteridade. Iluminuras, v. 20, 2019. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/80384/pdf%5D>.
https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article...
)4 4 Disponível em: <https://vimeo.com/338318496>. , procuramos adotar o ponto de vista do cacique de uma Retomada para narrar o problema da terra na região do cone sul do Mato Grosso do Sul. As retomadas são muitas e falam do processo de descolonização e recuperação da terra-cultura sob o protagonismo da vigorosa cosmovisão guarani. É a percepção da força da terra, de sua agência o que anima os homens e as mulheres que recuperam suas terras ancestrais no Mato Grosso do Sul.

Outras concepções de imagem devem ser compreendidas pela ciência que se propõe a dialogar com outras lógicas. Na antropologia social, Marilyn Strathern (2013STRATHERN, Marilyn. Learning to see in Melanesia. RAU Masterclass Series, v. 2. 2013.), em “Learning to see in Melanesia”, aponta como os elementos que postulamos a partir de nossas compreensões e categorizamos como “arte” ou “estética”, são, em lugar disso, no material melanésio, índices de relações. Elementos que são entendidos desde nossas categorias prévias objetificantes impedem ver o que realmente importa para a vida social estudada, nesse caso a própria concepção de pessoa que sublinha as alianças como parte constituinte da vida estudada. O processo de aprender a ver com os outros é fundamental na pesquisa etnográfica.

Não postular o que seja o vídeo ou o que sejam os elementos fotografados, deixar a compreensão ampliar-se pelo encontro verdadeiro e compreensivo com a lógica do povo estudado. Meu principal interlocutor de pesquisa entre os Guarani Nhandeva da fronteira paraguaia narra a visão que ele teve em um sonho em que “o meu avô estava vestido em mim”, diz ele. Entender essa afirmação leva-nos a compreender as presenças invisíveis que habitam esse território, da pluralidade de seres que podem habitar um corpo e da agência das potências invisíveis que se fazem ver no mundo onírico.

O movimento de reconceitualizar imagem, entendendo o caráter agentivo desta, e a maneira como atualiza presenças do passado em sua exibição, evidencia o grande processo de descolonização que vivemos nas últimas décadas, do protagonismo Guarani ao redefinir não apenas epistemologicamente os conceitos, mas também quais são os sujeitos políticos no processo de luta pela terra. Reconhecer a presença dos Nhanderus na vida e na cosmologia guarani, sua ação e participação, leva-nos a acompanhar um giro ontológico na antropologia. Estamos interessados em aprofundar a compreensão nessa escuta dos seres da terra que estão sinalizando que o planeta é um ser vivo e que precisa de cuidados.

A configuração de um regime guarani da imagem ou do audiovisual leva-nos a afinar a percepção para poder ver-ouvir tais presenças, a agência das águas, da mata, dos ventos, dos animais, todos antigos humanos criados pelos Nhanderus. Uma imagem que guarda presenças e por isso afeta, contém as qualidades do mundo filmado. Ampliar de tal forma nossa percepção incluiria aprender a cuidar da Terra, nossa ancestral que nos oferece tudo o que há. O desafio proposto por Isabelle Stengers (2010STENGERS, Isabelle. Including non-humans in political theory: Opening Pandora’s box. In: BROWN, Bruce; WHATMORE, Sarah (Orgs.). Political matter. Technoscience, democracy and public life. Mineapolis, MN: University of Minnesota Press, 2010.) de incluir os não humanos na política é realizado de forma categórica pelos povos Guarani.

Conclusões

Três regimes de imagem em três contextos distintos fizeram-nos pensar em como se reconfiguram os processos sociais, as experiências em que a operação de compartilhar a produção de imagens para conhecer e atuar no vivido vai se tornando consciente. A produção de conhecimento antropológico propõe uma reflexão sobre a vida no ato performático que é afirmar-se frente a outros. Atuar como si mesmo para a câmera, nos contextos estudados, articulava sempre a relação entre a visibilidade dos sujeitos e as formas da política em diferentes processos sociais.

Se, no primeiro caso, as formas da política falavam da representação, da delegação do poder ao representante, e também de trabalho, emprego, filiação sindical, e temos o filme etnográfico, montado a partir da reconstrução de um evento (as 2.800 demissões na Ford de São Bernardo do Campo) que é narrado, vivido e tem um desenlace; no segundo caso, temos a cartografia de uma rede de relações entre diferenças que vivem e apresentam a cidade a partir de seus pontos de vista e lugares de experiência, que toma a forma de um website que localiza pontos, que podem ser visto mais de perto, permitindo que conheçamos a vida daqueles que são pensados como vidas matáveis (Agamben, 2007AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.) pelo olhar hegemônico. No caso do projeto Cartografias da Margem, temos uma classe trabalhadora precária lumpenizada que disputa o direito à existência num contexto de guerra. A imagem se fragmenta em pontos e não há uma narrativa com introdução, desenvolvimento e conclusão, há vizinhanças, disputas, perigo. Entre um quadro e outro duas décadas de encolhimento do emprego e desfiliação, crescimento do tráfico de drogas e da população carcerária, militarização da cidade, fascismo.

O terceiro caso abre as perspectivas num panorama amplo da terra devastada pela lógica do agronegócio que vê nela um recurso extraível. Mas inverte as posições protagonizantes quando encontra os povos Guarani com sua imensa sabedoria do diálogo interespecífico em defesa da vida na Terra. Um novo regime da imagem se configura quando aprendemos a ler a semiologia armada pelo ponto de vista da cosmologia animando o território com presenças não humanas.

Nesse caso, um primeiro filme etnográfico - Nhande Ywy/Nosso território -, que narra o conflito agrário na região a partir da lógica guarani, antecede o desafio de mostrar o grande território do Aquífero Guarani, umbigo do mundo em que as águas conectam vilas, com suas presenças e agências, ainda em processo.

Em todos os casos aqui discutidos, o vídeo etnográfico propõe em campo o dispositivo de fazer-se imagem, dar-se a ver para os seus outros sociais. Meus interlocutores, em diferentes contextos temporais e espaciais, apropriam-se da pesquisa antropológica mediada pela produção audiovisual apostando na visibilidade como forma da política. A câmera passa a ser uma forma de produzir presenças e falar para fora do grupo, quando a imagem circula e ensina as formas da vida a outros mundos.

As políticas da imagem no filme etnográfico atuam na produção social da visibilidade, que implica a constituição de um espaço de aparição que põe a questão do reconhecimento como sujeitos de direitos. Contra a invisibilidade que opera no processo social de abjeção de toda uma população, transformando-a em vidas matáveis, o vídeo, transformado em website, presentifica as linguagens dos diferentes mundos sociais.

Ao pensar as relações entre a ontologia, os discursos sobre o sujeito e a questão do poder, reconstituímos pontos de vista que dão a ver diferentes experiências de mundo. Ao acompanhar a virada ontológica proposta no campo da etnologia indígena, aprendemos a ver com os povos Guarani a presença de infinitos sujeitos de agência. A centralidade das relações de alteridade vividas nestes campos ensina que as relações com os outros são tudo o que interessa pensar.

Referências

  • AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.
  • BENJAMIN, Walter. Teses sobre o conceito de história. In: ______. Obras escolhidas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
  • BUTLER, Judith. Relatar a si mesmo. Crítica da violência ética. Belo Horizonte: Autêntica, 2015a.
  • ______. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2015b.
  • ______. Cuerpos aliados y la política de la calle. Transversales, n. 26. 2012.
  • DIDI-HUBERMAN, Georges. Arde la imagen. Oaxaca de Juárez, MX: SerieVe, 2012.
  • ______. O que vemos, o que nos olha. São Paulo, Editora 34, 2010.
  • EDWARDS, Elizabeth. Rastreando a fotografia. In: BARBOSA, Andrea; CUNHA, Edgar Teodoro; HIKIJI, Rose Satiko Gitirana; CAIUBY NOVAES, Sylvia (Orgs.). A experiência da imagem na etnografia. São Paulo: Terceiro Nome; Fapesp, 2016.
  • FERRAZ, Ana Lúcia M. C. Aprendendo a ver com os povos Guarani. Revista Teoria & Cultura, v. 15, n. 3, p. 41-51, Dez 2020.
  • ______. Cosmopolíticas Guarani: pistas sobre a relação entre imagem e alteridade. Iluminuras, v. 20, 2019. Disponível em: <https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/80384/pdf%5D>.
    » https://seer.ufrgs.br/iluminuras/article/view/80384/pdf%5D
  • ______. Imagem, visão e cosmovisão entre os povos guarani. Vivencia - Revista de Antropologia, n. 50, p. 117-132, 2017.
  • ______. Etnografia e hipermídia: a cidade como hipertexto e as redes de relações nas ruas em Niterói/RJ In: BARBOSA, Andrea; CUNHA, Edgar Teodoro da; HIKIJI, Rose Satiko Gitirana; CAIUBY NOVAES, Sylvia. A experiência da imagem na etnografia, p. 307-323. São Paulo: Terceiro Nome, 2016.
  • ______. Passado-presente na memória de trabalhadores: imagem e presença no filme etnográfico. Revista Iluminuras, v. 14, p. 145-166, 2013.
  • ______. Morar na praça pública: redes e fluxos entre habitantes de rua. Crítica e Sociedade. Revista de Cultura Política, v. 2, p. 22-41, 2012.
  • ______. Dramaturgias da autonomia. A pesquisa etnográfica entre grupos de trabalhadores. São Paulo: Perspectiva, 2009.
  • FERRAZ, Ana Lúcia M. C. et al. “Projeto Cartografias da Margem”, Rio de Janeiro: LAB/UFF, 2015. Disponível em: <https://alferraz0.wixsite.com/cartografiasmargem>.
    » https://alferraz0.wixsite.com/cartografiasmargem
  • FERRAZ, Ana Lúcia; CUNHA, Edgar Teodoro; HIKIJI, Rose Satiko Gitirana. O vídeo e o encontro etnográfico. Cadernos de Campo, v. 15, p. 287-298, 2006.
  • GALLOIS, Dominique et al. I’ã. Para nós não existe só imagem. Wajãpi, AP: Instituto de Pesquisa e Formação em Educação Indígena (Iepé); Conselho das Aldeias Wajãpi (Apina), 2008.
  • HARAWAY, Donna. Saberes localizados. A questão da ciência para o feminismo e o privilégio da perspectiva parcial. Cadernos Pagu, v. 5, p. 7-41, 1995.
  • LATOUR, Bruno. Diante de Gaia: oito conferencias sobre o antropoceno. São Paulo: Ubu; Atelier de Humanidades, 2020.
  • MARESCA, Sylvain. L’autoportrait. Six agricultrices en quête d’image. Toulouse, FR: Presses Universitaires du Mirail, 1998.
  • RANCIÈRE, Jacques. Ódio à democracia. São Paulo: Boitempo, 2014.
  • ______. A partilha do sensível. Estética e política. São Paulo: Editora 34, 2009.
  • ______. El desacuerdo. Política e filosofia. Buenos Aires: Nueva Visión, 1996.
  • SAMAIN, Etienne. Ver e dizer na tradição etnográfica: Bronislau Malinowski e a fotografia. Horizontes Antropológicos, Ano 1, n. 2, p. 23-60, 1995.
  • STENGERS, Isabelle. Including non-humans in political theory: Opening Pandora’s box. In: BROWN, Bruce; WHATMORE, Sarah (Orgs.). Political matter. Technoscience, democracy and public life. Mineapolis, MN: University of Minnesota Press, 2010.
  • STRATHERN, Marilyn. Learning to see in Melanesia. RAU Masterclass Series, v. 2. 2013.
  • VILLELA, Alice. Narrativas que fazem existir. Aproximações entre a produção de imagens no xamanismo e no audiovisual. Anais do EIAP. São Paulo, Napedra/USP, 2012.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Araeweté. Os deuses canibais. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Anpocs, 1986.
  • ______. Floresta de cristal. Notas sobre a ontologia dos espíritos amazônicos. Cadernos de Campo, n.14-15, p. 319-338, 2006.
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo; TAYLOR, Anne-Christine. Um corpo feito de olhares. Revista de Antropologia, v. 62, n. 3, p. 769-818; 2019.

Filmografia citada

  • FERRAZ, Ana Lúcia M. C. Foi através da necessidade. História do movimento por moradia em Osasco/SP. São Paulo: Lisa/USP,, 2002.
  • ______. Feliz ano novo, véio! O facão na indústria automobilística do ABC. São Paulo: Lisa/USP, 1999.
  • FERRAZ, Ana Lúcia M. C.; PIRES, Elpídio. Nhande Ywy/Nosso Território. Niterói, LAB/UFF, 2019.

Website citado

  • FERRAZ, Ana Lúcia M. C. et al. Cartografias da margem. Wixsite, 2016.
  • 1
    Para assistir ao filme etnográfico, acesar <https://vimeo.com/channels/filmeetnografico/26306666>.
  • 2
    Para assistir ao filme etnográfico, acessar <https://vimeo.com/hannels/filme etnografico/26268437filmeetnografico/26306666>.
  • 3
    Ver Série Ta’anga pu japoa/Oficinas de imagem e som, do Laboratório do Filme Etnográfico da UFF, realizado com o apoio do Programa de Extensão Universitária Vídeo e Transmissão de Conhecimento entre os Povos Guarani, Mbya e Kaiowá (PROEXT/MEC), sob minha coordenação.
  • 4
    Disponível em: <https://vimeo.com/338318496>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    16 Fev 2021
  • Aceito
    05 Mar 2022
Departamento de Sociologia da Universidade de Brasília Instituto de Ciências Sociais - Campus Universitário Darcy Ribeiro, CEP 70910-900 - Brasília - DF - Brasil, Tel. (55 61) 3107 1537 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: revistasol@unb.br