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Imagem, imaginário e memória: um percurso antropológico (entrevista com Cornelia Eckert)i i . Entrevista transcrita por Luz Gonçalves Brito e editada por Tatiana Lotierzo, a quem agradecemos pelo trabalho cuidadoso de ambas. Para realizar a transcrição, contamos com o auxílio financeiro do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília.

Image, Imaginary and memory: an anthropological trajectory (with Cornelia Eckert)

Resumo

Nesta entrevista, concedida em 16 de setembro de 2021, por mais de duas horas, via Googlemeet, Cornélia Ercket fala da graduação em ciências sociais, na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), para iniciar o relato sobre a trajetória intelectual construída ao longo de mais de 30 anos. Voltou às condições em que realizou sua dissertação de mestrado, com foco nos mineiros de carvão, sob a orientação de Rubem Olivem, ainda na UFRGS. Do doutorado na França, relembrou como continuou sua pesquisa sobre os mineiros, o que a levou a La Grand-Combe - cidade do interior onde viveu por quatro anos e onde pôde examinar o “luto” de toda uma comunidade com o desativação de sua principal atividade econômica, com o fechamento da mina de carvão. Como ela lembra, aquele foi um momento especial no despertar do interesse pela correlação entre narrativas, imagens, imaginários e memórias. Quadrangulação tão decisiva para o desenrolar de sua obra, inicialmente seguindo tanto os traços da antropologia simbólica francesa quanto as pesquisas e reflexões de antropólogos brasileiros sobre a questão urbana. Assim, na continuidade da entrevista, Cornelia combina o percurso de sua produção acadêmica com projetos de pesquisa na constituição do Núcleo de Antropologia Visual do PPGAS na UFRGS. Pode, então, explicar contribuições, temas, divisões disciplinares, referenciais teóricos e esquemas metodológicos específicos ao design da antropologia visual no Brasil. A inclusão da reflexão sobre a imagem permite comentar a situação política à luz dos impactos das fake news. A entrevista se completa na forma como Cornelia situa sua experiência religiosa, bem como seu trabalho na Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em comissões, diretorias e atualmente como vice-presidenta da ABA, no diagnóstico que propõe sobre o presente e o futuro das ciências sociais do país.

Palavras-chave:
Trajetória intelectual; Narrativas; Imagens; Memória; Antropologia visual; Brasil

Abstract

In this interview, given on September 16, 2021, over two hours, via Googlemeet, Cornelia Ercket talks about graduation in Social Sciences, at the Federal University of Rio Grande do Sul (UFRGS), to start the report about the intellectual trajectory built over more than 30 years. She returned to the conditions in which she carried out her master's thesis focusing on coal mine workers, under the guidance of Rubem Olivem, still at UFRGS. From his doctorate in France, he recalled how he continued his research on the miners, which led her to La Grand-Combe - a country town where he lived for four years and where he could examine the “mourning” of an entire community with the deactivation of its main economic activity, with the closing of the coal mine. As she remembers, that was a special moment in the awakening of interest in the correlation between narratives, images, imaginaries and memories. Quadriangulation so decisive for the unfolding of her work, at first following both the traces of French symbolic anthropology and the research and reflections of Brazilian anthropologists on the urban issue. Thus, in the continuity of the interview, Cornelia combines the course taken by her academic production with research projects in the setting up of the Visual Anthropology Nucleus of the PPGAS at UFRGS. It can then explain contributions, themes, disciplinary divisions, theoretical frameworks and methodological schemes specific to the design of visual anthropology in Brazil. The inclusion of reflection about on the image allows you to comment on the political situation in light of the impacts of Fakenews. The interview is completed in the way she locates her religious experience, as well as her work at the Brazilian Association of Anthropology (ABA), in commissions, directorates and currently as vice president of the ABA, in the diagnosis she proposes about the present and the future. of social sciences in the country.

Keywords:
Intellectual trajectory; Narratives; Images; Memory; Visual anthropology; Brazil

C ornelia Eckert, mais conhecida como Chica, é uma das principais referências da antropologia no Brasil, com produção bibliográfica e audiovisual obrigatórias para qualquer um que queira conhecer mais a fundo aquilo que este dossiê chama de socioantropologia das escrituras audiovisuais. Chica é formada em história (1981), mestre em antropologia social (1985), ambas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e doutora em antropologia social pela Paris V (Sorbonne, Université René Descartes), em 1991. Atualmente Cornelia é professora titular aposentada da UFRGS e docente convidada do PPGAS-UFRGS, coordena o Banco de Imagens e Efeitos Visuais e o Núcleo de Antropologia Visual (Navisual). Além disso, edita a Revista Eletrônica Iluminuras, a Revista Fotocronografia e participa da comissão editorial da Revista Horizontes Antropológicos. Em 2018, recebeu a Medalha Roquette Pinto da Associação Brasileira de Antropologia, mais alta condecoração brasileira na área da antropologia, por suas contribuições inestimáveis no ensino, na pesquisa e extensão acadêmica.

Cornelia Eckert
Foto de Marielen Baldissera, pesquisadora do Navisual, UFRGS, em saída ao campo para o projeto “Narradores urbanos”, no Mercado Público de Porto Alegre, 2018. Acervo Navisual.

De sua vasta produção de mais de 100 artigos, 40 livros e dossiês, que tecem sobre diversos temas como imagem, fotografia, audiovisual, cidades, imaginários, patrimônios e trabalho, destacamos O Imaginário e o poético nas ciências sociais, junto com Sylvia Caiuby Novaes e José de Souza Martins (2005MARTINS, José de Souza; ECKERT, Cornelia; CAIUBY NOVAES, Sylvia (Orgs.). O imaginário e o poético nas ciências sociais. Bauru, SP: Edusc, 2005.), Etnografia da duração: antropologias das memórias coletivas nas coleções etnográficas (2013) e Tempo e memória ambiental: etnografia da duração das paisagens citadinas (2021), ambos com Ana Luiza Carvalho da Rocha. Recentemente, ganhou menção honrosa no Prêmio Pierre Verger da Associação Brasileira de Antropologia (ABA) pelo filme “Loss e Renam: etnobiografias de artistas urbanos”, em parceria com Leonardo Palhano, Débora Wobeto e Thayanne Freitas. Além disso, dentro da produção audiovisual, destacamos a série de filmes “Narradores urbanos” realizada com Ruth Cardoso, Eunice Durham, Ruben George Oliven, Gilberto Velho, Antonio Augusto Arantes, José Guilherme Cantor Magnani, entre outros. Bastante antenada no modo como as novas tecnologias podem favorecer o ensino e a divulgação científica visando uma ciência mais pública, Chica criou o podcast “Bievcast”, onde compartilha informações sobre pesquisas e entrevista pesquisadores importantes que passaram pelo Banco de Imagens e Efeitos Visuais (Biev) da UFRGS, entre outros temas.

Cornelia Eckert
Foto de estudante e pesquisador do Navisual, durante aula da disciplina Pesquisa metodológica, no campus do Vale da UFRGS. Porto Alegre, 2012. Acervo Navisual.

Foi numa tarde do dia 16 de setembro de 2021, via Googlemeet, que Chica concedeu uma entrevista de mais de duas horas, falando sobre sua trajetória intelectual, sua produção acadêmica, seus projetos de pesquisa, a conjuntura atual do Brasil, a experiência religiosa, o tema da imagem e as fake news, bem como seu trabalho na Associação Brasileira de Antropologia (ABA), em comissões, diretorias e atualmente como vice-presidenta.

Ouvir a sua trajetória é conhecer um pouco mais da história recente das ciências sociais no Brasil, desde a redemocratização, passando pela temática das relações de trabalho, seu primeiro tema de pesquisa, etnografias urbanas, imagem e imaginário, espacialidades e temporalidades, a partir de um olhar singular, bastante criativo e inovador em termos de metodologias audiovisuais em nossa prática de pesquisa.

Entrevista

- Luís: Gostaria que você nos contasse sobre a sua trajetória, com a formação em história, a passagem para a antropologia e, depois, o doutorado na França: uma trajetória completa.

- Chica: Chica é um apelido dado por meu pai por que eu sempre pedia um ChicaBon, um picolé de chocolate da Kibon. Ele começou a me chamar de ChicaBon e depois ficou só Chica. Meu nome é Cornelia Eckert. Nasci em Ijuí, no Rio Grande do Sul, mas morei, desde os 11 meses de idade, na cidade de Cachoeira do Sul, que é uma cidade de produção agrícola, em especial de arroz. Meu pai era pastor luterano, minha mãe tinha formação em contabilidade, mas acabou assumindo também o papel de esposa de pastor. Eles trabalharam muito, muito durante todas as suas vidas nessa cidade, onde eu me formei no ensino médio. Mas sempre quis fazer arqueologia. Meu pai tinha muitos livros sobre o Egito, sobre a Mesopotâmia, enfim... eram livros que me fascinavam. Primeiro, tentei psicologia, mais por uma questão de modismo, mas logo fui para a história, que era o caminho para chegar à arqueologia. Mas não me saí muito bem na disciplina de arqueologia. Ali já comecei a me desanimar. Mas, mesmo assim, dei uma insistida, porque já tinha um curso de mestrado pelo curso de Pós-Graduação em Antropologia Social, e tinha dois professores na área da arqueologia muito requisitados, muito respeitados internacionalmente, em especial o professor Pedro Ignácio Schmitz, padre anchietano e grande referência da arqueologia no Brasil. Assim, eu investi nesse mestrado, buscando esse caminho para, em seguida, me apaixonar pelos movimentos sociais, em especial, os movimentos sociais rurais. Na época era crescente os movimentos dos sem-terra. No que tange ao nosso programa de pós-graduação, naquele momento (1983) não havia separação entre antropologia, sociologia e ciência política, de modo que optei mais pela sociologia. Mas o professor Ruben Oliven retornou, naquele período, de seu doutorado na Inglaterra, e eu fiquei absolutamente encantada com o campo da antropologia urbana. Então, mais uma vez, mudei de intenção e apresentei um projeto ao professor Ruben, comunicando que gostaria de trabalhar com os trabalhadores sem-terra, sobre simbolismos em torno de suas lutas religiosas, enfim, com símbolos religiosos. Ruben respondeu que não gostaria de orientar nada da área rural, porque vários colegas eram muito mais competentes do que ele e que ele era especializado em antropologia urbana. Disse ainda que se meus camponeses viessem para a cidade, ele me orientaria. Por acaso, eu estava lendo, naquele exato momento, o livro de Émile Zola, Germinal, e estava muito emocionada. Por várias coincidências, que não vou reportar agora, acabei optando por essa temática. Construí um projeto sobre os mineiros de carvão, aqui no Rio Grande do Sul, na cidade de Charqueadas, onde havia uma empresa de extração privada, uma companhia privada. Mostrei o projeto para o Ruben, ele disse: “Ok. Agora eu te oriento, porque tu conseguistes de alguma maneira trazer os camponeses para a cidade”. Foi assim que fiz quatro anos de mestrado com pesquisa de campo, portanto sobre as condições de trabalho dos mineiros de carvão nesse contexto, nessa cidade. Era um trabalho no subsolo ainda, a 110 metros de profundidade. Tive a oportunidade, acompanhando uma juíza do trabalho, de descer e conferir essas condições in loco. Bom, essa dissertação me deixou muito feliz. Eu segui à risca as orientações de minha leitura de O vapor do diabo, de José Sérgio Leite Lopes, e outros livros que já estavam sendo publicados, como o do Luiz Fernando Dias Duarte, sua tese sobre a vida nervosa e a classe trabalhadora. E também era um momento em que essa linha de pesquisa, de estudos da antropologia da classe operária, era muito forte. No mestrado eu já havia realizado algumas tomadas fotográficas, mas, ainda assim, muito ingenuamente, usando uma câmera fotográfica Kodak do meu pai.

Em 1985, passei no concurso em segundo lugar na UFRGS, e, em seguida, uma das perspectivas desse novo docente no nosso Programa era realizar imediatamente um curso num programa de pós-graduação na França, cumprindo o projeto Capes-Cofecub. Meio receosa, meio sem ter ainda o domínio da língua, fui para a França, onde realizei um curso gratuito de francês, por iniciativa do Cofecub, o lado francês nesse acordo. Tinha por projeto seguir estudando o mesmo grupo, mas numa perspectiva mais do passado, ou seja, os primeiros anos do século XIX de extração do carvão, e tendo por tema as memórias do trabalho. Ingressei na Université Paris V, em 1987. Um de meus orientadores, Antoine Prost, historiador, já no primeiro encontro disse que não achava nada interessante eu dar continuidade à minha pesquisa no Brasil, mas que eu tentasse desenvolver algo na França. Eu tinha dois orientadores, o antropólogo Jacques Gutwirth e esse historiador, especializado em trabalhadores sindicalistas, que eles chamam de “em cima do muro”, os “amarelos”. Aceitei o desafio de Prost e tentei articular um modo de fazer minha tese na França, buscando informações sobre comunidades onde eu poderia desenvolver essa tese. Acabei encontrando essa pequena cidade no sul da França, que tinha sido criada por uma companhia de mineração chamada La Grand-Combe. Criada pela companhia de extração, a cidade se configurou com esse mesmo nome, La Grand-

Combe. Nessa cidade morei, digamos assim, com interrupções, por quase quatro anos, com idas e vindas a Paris; eram 800 quilômetros de distância. Em Paris, tive o privilégio de fazer disciplinas de antropologia na Sorbonne e também na École des Hautes Études en Sciences Sociales, com mestres como Alain Touraine, Pierre Bourdieu e antropólogos de bastante peso, Marc Augé, Maurice Godelier, entre outros.

Defendi a tese sobre o que seria essa cidade que, na realidade, vivenciou um processo de desativação de todo processo econômico ativo de extração mineral para tornar-se uma comunidade inteira em luto, em total desaceleração de uma atividade econômica, de uma atividade profissional que é a mineração de carvão no subsolo. Na França, isso tem um grande impacto, muito mais do que eu esperava. Nunca imaginei que, todos os dias, eu fosse comprar o Le Monde ou o Libération e ter notícias sobre mineiros de carvão. Impressionante o potencial desta temática. Acho que Germinal mostra bem a importância dessa categoria anterior à Segunda Guerra e mesmo pós-Segunda Guerra Mundial, que perdura até a soberania do petróleo, quando, enfim, deixam de explorar carvão no subsolo, que é muito caro. Na França, todas as minas de carvão estão desativadas. Eu trabalho sobre essa cidade em crise e essa população que se despede dessa atividade profissional com muita saudade, com uma narrativa muito heroica que eu tento acompanhar. É também interessante dizer que, nesse momento, eu tinha recebido uma câmera fotográfica do Cofecub, após minha demanda e pude então tirar muitas fotografias na pesquisa de campo. Não tinha nenhuma condição e nenhuma formação para trabalhar com vídeo, mas trabalhei muito com fotografia e com acervo fotográfico, já naquela ocasião. Ainda não sabia que isso se chamava antropologia visual e tive poucas referências. Naquele momento, estava mais tentando me qualificar em antropologia urbana e antropologia do trabalho, que eram minhas referências principais. Mas também já conseguia entender a riqueza da imagem devolvida, a restituição de uma imagem, por isso, sempre trazia a duplicação da imagem. Eu devolvia as fotos, e isso estabelecia muita confiança, mais narrativas e mais convites para a continuidade dessas relações. Foram quatro anos muito intensos, de muito aprendizado. Fui muito bem recebida por essa comunidade e, digamos assim, com despedidas difíceis. Muitas pessoas me ajudaram. Despedidas difíceis, mas, ao mesmo tempo, o esforço de tentar compreender o que foi toda essa experiência de sair de um país com o objetivo de explorar uma temática ainda nacional e me dispor a fazer uma pesquisa - aquela antropóloga que vem ali da periferia, do Sul, fazendo agora uma pesquisa num contexto de Primeiro Mundo. Tudo isso me levou a escrever alguns textos sobre essa subversão de papéis. Poucos antropólogos franceses haviam trabalhado com cidades francesas. De modo geral, estudavam nas ou sobre cidades africanas, talvez pela influência de estudos de redes sociais da escola de Manchester. A maioria da bibliografia encontrada tratava de estudos na África, alguma coisa no México, ou mais ao sul da América Latina. Mas um olhar antropológico propriamente para Paris, um olhar para as cidades francesas interioranas, era quase inexistente. Tinha dois grupos fortes de antropologia urbana, e o coordenador de um desses grupos era Jacques Gutwirth. Nesse grupo estava a Colette Pétonnet, entre outros grandes nomes. E, claro, tinha Isaac Joseph, uma grande referência internacional, um seguidor da Escola de Chicago, de quem fui aluna. Fui muito cuidadosa ao tentar não inventar a roda, ao fazer uma etnografia em contexto urbano na França. Mas também, de certa forma, recebi todo o apoio de meus orientadores. Jacques era um amigo, uma pessoa que recebeu minha família. Aqui, ele também esteve hospedado por minha família. E Antoine Prost desapareceu, foi assumir um cargo no governo durante esses quatro anos, e praticamente não tive mais nenhum contato com ele. Apenas na entrega da tese. Entreguei a tese praticamente pronta. É importante dizer que tive um grupo de estudos com colegas brasileiras lá, como a professora Carmem Rial e a professora Ana Luiza Carvalho da Rocha. Nós três já tínhamos um grupo de estudos no mestrado: o Grupo de Estudos em Antropologia Simbólica. E lá, nos reunimos novamente e aceleramos um processo de formação teórica que nos interessava. Nesse sentido, eu me senti também confortável psicologicamente, acompanhada por essas amigas. Mas o Prost, só fui encontrá-lo no final. A tese, ele leu e disse: “Tudo bem, vamos à defesa”.

- Luís: Queria saber, Chica, de que maneira essa antropologia urbana nascente no Brasil, do Gilberto Velho, da Ruth Cardoso e da Eunice Durham ajudaram a pensar um campo na França.

- Chica: Fui orientada pelo professor Ruben Oliven, a grande referência em antropologia urbana naquele momento - na verdade, ele chamava de antropologia de grupos urbanos ou com grupos urbanos, e não antropologia urbana, e Gilberto Velho passou a chamar de antropologia das sociedades complexas. Eu também tinha muita proximidade com Gilberto, porque ele foi orientador de minha colega Ana Luiza Carvalho da Rocha. No mestrado, tínhamos um grupo de estudos, o Geas, esse grupo de alunas, incluindo aí a professora Ondina Fachel Leal e a professora Carmem Rial, estava sempre atento para as novidades bibliográficas, indo às Reuniões Brasileiras de Antropologia (RBAs), bem como da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs) - de ônibus, é claro. Naquela época, não tínhamos bolsa de estudos, com exceção de Ondina que, generosamente, a cada mês, dava um pouco de dinheiro para cada uma das colegas. É algo que nunca vou esquecer. Mas fizemos quatro anos de mestrado sem bolsa, trabalhando. Eu dava aulas de metodologia ou cultura nas sextas e sábados na Pós-Graduação em Folclore. Nosso grupo de estudos era muito dinâmico e organizamos vários eventos com o título Encontros de Cultura e Ideologia. Trouxemos Gilberto Velho, Eunice Durham, Antonio Augusto Arantes, Lia Zanotta Machado, Klaas Woortman, Renato Ortiz, Luiz Fernando Dias Duarte entre outros/as, vários intelectuais daquele momento, em especial Eunice, que era a mãe da antropologia urbana junto com Ruth Cardoso. Ruth, não chegamos a convidar naquela ocasião, mas acho que ela devia estar no Chile nesse período, exilada. Com isso, tivemos um up em termos de formação em antropologia urbana. Por isso, eu tinha esse tema mais consolidado ao objetivar a pesquisa etnográfica, não apenas sobre a classe operária, mas sobre essa cidade construída para ser uma cidade industrial que, finalmente, estava praticamente órfã dessa referência econômica e tinha que achar algum substituto econômico. Essa cidade, La Grand-Combe, era considerada um dos maiores centros produtores de carvão da França. Ela praticamente diminuiu sua população, digamos assim, de 25 mil habitantes para oito mil habitantes. As famílias partiram em busca de trabalho. Ficaram apenas as famílias que recebiam a aposentadoria técnica do Estado. Muitos jovens, filhos dessas famílias que ficaram, não encontravam o que fazer depois do curso secundário e entravam em depressão. Começou o consumo de drogas ilícitas e todos os problemas que vocês podem imaginar. Pesquisei, assim, com essas famílias que permaneceram na cidade em crise, graças a aposentadoria técnica, quer dizer, ainda em idade ativa embora muitos acometidos de doenças decorrentes do trabalho na mina. Fiz uma tese em três tomos, sendo o terceiro tomo todo ele já em imagens. Imagens fotografadas, imagens pesquisadas em arquivos e também muitos mapas. Então, aos poucos, eu também estava ali, entendendo que existia uma antropologia visual. Foi uma época de descobertas da antropologia visual. Conheci Jean Rouch, Claudine de France, entre outras tantas pessoas já de referência na França. Adoeci, tive um esgotamento, na ânsia de finalizar a tese. Tive que retornar ao Brasil para assumir como professora na UFRGS, sem defender a tese. Então, assumi minhas disciplinas na graduação, o quinto ano sem bolsa. Terminei então de escrever a minha tese, que já estava gigantesca, com mais de mil páginas, e isso me deu muito trabalho. Era a época daquelas impressoras com barulho irritante. Fiquei um mês sozinha trancada na casa da minha irmã com ar-condicionado ligado para não superaquecer a máquina que não parava de imprimir. Rapidamente, voltei à França para a defesa. Nesta ocasião, voltei para La Grand-Combe para agradecer, para restituir. Entreguei cópias de minha tese a várias instituições, entre as quais, naquele momento, para o museu dos mineiros de carvão, para a biblioteca da escola e para a prefeitura. Bem, quando retornei para o Brasil, agora definitivamente, digamos assim, já existia o Laboratório de Antropologia Social, criado no nosso PPGAS pelos colegas Ruben, Ondina e pelo professor Ari Oro. E tinha alguns alunos interessados em antropologia visual, ou seja, em trabalhar com fotografia e com filme na antropologia. Uma dessas pessoas foi o Nuno Godolphim, que era então bolsista de iniciação científica. Quando cheguei, ainda muito tímida, ele estava organizando sozinho a primeira Jornada de Antropologia Visual na UFRGS. Eu me engajei e disse “olha, estou aqui, posso te ajudar”. Então foi assim que a gente criou uma amizade e que me deram de presente a coordenação do Núcleo de Antropologia Visual. Tipo assim, “ah, tu tá interessada, pega que o filho é teu”. Fiquei 30 anos coordenando esse núcleo, sempre com muito apoio de todos os colegas. Um grupo muito solidário e todo mundo buscando colaborar de alguma maneira com o outro. Isso é uma característica que eu sempre atribuo ao professor Sergio Teixeira e ao professor Ruben Oliven, diplomatas das relações solidárias no Departamento e no PPGAS. Eram colegas muito generosos e criaram esse clima de solidariedade, que eu acho que ainda nos caracteriza hoje. Pois bem, aí segui como coordenadora da antropologia visual e nada mais eu fazia do que abrir as portas. A quantidade enorme de alunos, de estudantes de graduação, alguns da pós, querendo saber o que é antropologia visual. E aí você tentando ser um pouco maestra disso tudo. Em seguida, alguns destaques, alunos como Rogerio Rosa, Alfredo Barros. Naquela época, a gente começou a ter também bolsistas formados na graduação. Era uma bolsa bastante significativa. Eu tive várias antropólogas como bolsistas: Liliane Guterres, Adriane Rodolfo e muitos/as pesquisadores/as voluntários/as. Abraçamos juntas esta aventura, essa tentativa de descobrir afinal que o que fazíamos era antropologia visual. Enfrentamos a escassez de referências bibliográficas. Certo, tínhamos os clássicos Malinowski, Margareth Mead e Bateson, mas tivemos que correr atrás de quem fazia antropologia visual e das referências possíveis. Aí descobrimos Milton Guran, chamamos ele para dar um curso de uma semana conosco. Chamamos Fernando de Tacca, que já era mais ou menos conhecido, Etienne Samain e finalmente Marc Piault. Ele veio ao Brasil dar um curso também para nós. E aí foi revolucionário. A partir de Marc Piault e Etienne Samain, já tínhamos total compreensão da história da antropologia visual, da história do cinema, da história da fotografia. Ao mesmo tempo, já tínhamos alguma competência para a produção cinematográfica, ainda com equipamentos VHS - mais uma vez, Ondina, muito generosamente, doou um maquinário para o nosso laboratório, a partir de um projeto dela com o tema “Corpo e saúde”. Assim, produzimos nossos primeiros filmes, assinados por Godolphim, por Rogerio Rosa, por Claudia Turra Magni, por Claudia Fonseca. Eu mesma produzi alguma coisa, junto com Alfredo Barros. E quando nos demos por conta, éramos um núcleo de pesquisa do PPGAS. Não o meu núcleo, da professora Cornelia, o Núcleo de Antropologia Visual sempre foi diretamente vinculado ao PPGAS. Desde sua fundação, é um núcleo do Laboratório de Antropologia Social, que tem por característica apoiar a todos os professores e a todos os alunos, em todos os níveis de formação. Abracei essa causa, que deu muito certo porque os/as alunos/as queriam fazer cinema, queriam tirar fotografias, queriam efetivamente fazer parte dessa civilização da imagem neste contexto contemporâneo (crítico e interpretativo) do fazer antropológico.

As referências eram cada vez mais constantes, como o “Vídeo nas aldeias”, um projeto absolutamente fantástico. Então tinha Virginia Valadão, Sylvia Caiuby, Clarice Peixoto e, já na primeira reunião da Anpocs, após o meu doutorado, participei da Anpocs em Caxambu (MG) onde Bela Bianco e Ana Galano fundaram uma rede de pesquisadores em ciências sociais e imagem. Neste congresso, Patrícia Montemor organizou a exibição de filmes etnográficos que ela generosamente emprestava a partir dos festivais organizados por ela e seu marido e sua empresa Interior Produções. Enquanto Bela e Ana nos reuniram numa sala e disseram: “Bom, a partir de hoje somos uma rede”, Mauro Koury se ofereceu para coordenar a construção de um mapa dessa rede. E ele efetivamente fez um levantamento no Brasil e publicou quem, naquele momento, fazia essa articulação entre ciências sociais e imagem. A antropologia, na realidade, deu um salto em relação à sociologia, mas, na Anpocs, essas áreas sempre foram muito próximas. Patrícia Montemor criou, no Rio de Janeiro, o Festival Internacional de Cinema Etnográfico, trazendo nomes mundiais. O próprio Jean Rouch veio ao Rio e a São Paulo. A partir daí, íamos todos os anos ao Rio de Janeiro para conhecer os grandes cineastas que já se tornavam nossas referências, foi algo incrível. Em relação à minha colega Ana Luiza, ela retornou da França, e eu disse: “Ana, vem comigo trabalhar no Navisual”. E ela disse “Não. Não me considero antropóloga visual”. Mas, ao mesmo tempo, ela estava trabalhando no museu da UFRGS com o acervo fotográfico e o acervo de filmes. Nós já éramos muito amigas e, em seguida, 1995-1996, minha irmã Clarissa Baeta Neves, sempre muito ativa e bem informada, nos aconselhou a pedirmos uma bolsa CNPq. Resolvemos apostar num projeto na área de construção de coleções etnográficas com imagens, objetivando um banco de imagens no formato de museu virtual. Ana tinha sido orientada por Michel Maffesoli que, por sua vez, tinha sido orientado por Gilbert Durand, e as influências ali se misturaram rapidamente. Escrevemos muito para elaborar a parte teórica de construção de um museu virtual. Com a ajuda também do conhecimento de Internet do irmão da Ana Luiza, professor Luís Antônio Rocha. E com isso, a gente começou os primeiros passos para tentar esse projeto no CNPq, integrando projetos individuais. O meu era um projeto sobre vida cotidiana em Porto Alegre, tratando de conceitos como crise, sociabilidade e medo. Ana tinha um projeto sobre coleções etnográficas. Fomos contempladas, em 1997, com a bolsa CNPq e também recebemos um significativo financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa aqui do Rio Grande do Sul. Com isso, montamos um excelente centro de pesquisa que constituiu o Banco de Imagens e Efeitos Visuais. Isso paralelo ao Navisual, que era um núcleo aberto a todos e a todas. Agora, eu coordenava também o Banco de Imagens e Efeitos Visuais (Biev) junto com Ana Luiza. E esses dois projetos, eu coordenei pelo resto de minha vida acadêmica, sempre simultaneamente. Vou falar mais do Navisual. Quando vi, já tínhamos o curso de doutorado e os alunos já nos seguiam desde a iniciação, na especialização, no mestrado, no doutorado e, não demorou muito, também no pós-doutorado. Orientandos/as nossos/as já estavam fazendo praticamente a nossa trajetória, indo para a França, os Estados Unidos, retornando e se vinculando ao Núcleo de Antropologia Visual. Desde então, o núcleo foi sempre muito produtivo nessa perspectiva de formação. A gente acabou especializando o Núcleo de Antropologia Visual em formação e apoio à pesquisa, nesse aprendizado do fazer etnográfico com imagens, com equipamento, produção de fotografia, vídeo, som, desenhos, desde cedo. O ensino se caracteriza pela estrutura de oficinas e disciplinas de graduação e de pós-graduação. No Banco de Imagens e Efeitos Visuais, tínhamos um grupo de pesquisa voltado especificamente para a produção etnográfica sobre o tema da memória coletiva da cidade de Porto Alegre, que segue sendo nosso tema até hoje.

- Luís: Eu queria que você falasse um pouco, Chica, sobre essa diferença que você e a Ana Luiza estabeleceram e que eu acho que tem a ver com essa diferença entre Navisual e Biev, se eu não estiver enganado, entre uma disciplina que é de antropologia visual e outra que é de antropologia da imagem. Se você puder falar um pouco da diferença entre as disciplinas e as perspectivas...

- Chica: Falando especificamente do Banco de Imagens e Efeitos Visuais: trata-se de um projeto que deu muito certo, porque com dinheiro, você faz uma excelente pesquisa. Isso se deve à Fapergs, ao CNPq e também à Capes, que pagou nossa formação no doutorado e no pós-doutorado, em 2001, na França. Em nossas teses de doutorado, defendidas em 1992 e 1994, o tema da cidade e o tempo são centrais, e o projeto Biev foi uma continuidade dessa perspectiva: ter a cidade como objeto temporal. Na França, os laboratórios de antropologia urbana tratavam sobretudo da espacialidade e da sociabilidade no espaço da vida cotidiana. O que era, claro, um enorme aprendizado. Mas nossas teses privilegiaram o tema da memória, tanto na minha tese como na tese da Ana. A tese da Ana trata especificamente da problematização do tempo de emergência e da consolidação da cidade de Porto Alegre. E eu estudei a morte de uma comunidade do trabalho, o luto de uma população que perdia a referência de uma atividade central por tantos séculos. Pude escutar o que e como narravam estas experiências de perda e também sua reinvenção como grupo, como cidade. Seguimos nessa linha, sempre apoiadas em Gaston Bachelard, sobretudo na obra A dialética da duração e a rítmica dos instantes, que é sua teoria sobre o tempo, a memória e a metodologia da ritmanálise. Ana também é muito especializada em Gilbert Durand (2002DURAND, Gilbert. As estruturas antropológicas do imaginário. São Paulo: Martins Fontes, 2002.), sobre as estruturas simbólicas. É o fundamento teórico do banco de imagens. Desde então, trabalhamos com a metodologia de convergência, produzindo imagens, digamos assim, em todos os suportes, mas sempre tendo por base uma pesquisa etnográfica. Tínhamos então um grupo de estudo em fotografia, um grupo de estudo em vídeo, um grupo de estudo em som, um grupo de estudo em tecnologia e um grupo de estudo de escrita no Banco de Imagens e Efeitos Visuais, com uma possível circulação. Você poderia estar num núcleo e estar em outro, eventualmente, passar de um ao outro para absorver as diferentes metodologias. A ênfase metodológica de pesquisa se opunha à perspectiva historicista, de uma ideia linear do tempo sem rupturas. O Biev se tornou assim um banco de imagens que conta as experiências temporais dos/as habitantes, suas trajetórias e projetos de vida, contextualizadas/os em Porto Alegre. Cada vez mais, tentávamos elaborar um museu virtual, um museu de imagens que tivesse essa perspectiva do tempo descontínuo, do tempo rítmico e que se apoiasse, em primeiro lugar, nas narrativas desses habitantes, ou nas narrativas dos almanaques, das revistas de época e das imagens que eram produzidas para contar essa memória da cidade de Porto Alegre. Isso foi e exigiu também muito avanço tecnológico. Tínhamos que ter o acompanhamento de estudiosos nessa área dos programas, de toda a inteligência e de toda a engenharia dos computadores e da Internet. Elaboramos, naquele primeiro momento, um banco de imagens ainda em sistema fechado. E aconteceu de o rapaz responsável desaparecer e não nos deixar a senha, zerando a nossa pesquisa. Tivemos que começar tudo do zero, mas, por sorte, isso já no momento em que a questão da abertura da Internet, do uso livre e comum, foi permitida. Então passamos a seguir determinados programas e atualmente estamos com o Tainacan, programa desenvolvido pela Biblioteca Nacional e disponibilizado pela Universidade de Brasília. Tínhamos um grande embate, um grande conflito com o Departamento de Informática, que queria nos impor determinadas estruturas extremamente lineares, como todos fazem em qualquer museu, qualquer site. Coloca lá historicamente numa linha cronológica as suas imagens, seus eventos, suas palestras etc. Era algo que nós então tínhamos, nesses mais de 20 anos do Banco de Imagens, esse esforço de nos contrapormos e tentarmos criar uma lógica narrativa, uma estrutura que nos permitisse essa conjugação de convergência de imagens por homologia, orientadas por Durand. Com o avanço do projeto em diferentes dimensões de produção fílmica, sonora, fotográfica, hipertextos, multimídia e, sobretudo, publicações, ousamos criar uma revista, com apoio institucional (CNPq, PPGAS, IFCH, Propesq, Fapergs etc.). Nossa intenção era divulgar nossa produção na Internet. Mas, em seguida, veio a exigência da Universidade de nos adaptarmos ao Sistema Eletrônico de Editoração de Revistas (Seer) nos padrões de revista científica. Essa revista chama-se Iluminuras e, oficialmente, começou a circular em 2000. Temos aí 22 anos de revista Iluminuras. Criamos, também, há cerca de cinco anos, a revista Fotocronografia, inicialmente como uma espécie de acervo, uma etnografia da etnografia, ou seja, tudo aquilo que nós queríamos que se tornasse um pouco o registro de nossas próprias atividades, e que acabou se transformando numa revista de ensaios de imagens, ou de ensaios de fotografia. Ela é especificamente dedicada ao suporte fotográfico. Temos ainda outras possibilidades, divulgadas em nosso próprio site do Banco de Imagens e Efeitos Visuais, que contemplam diários de campo, ou seja, contemplam a escrita, os desenhos e esses outros suportes e, sobretudo, a produção de vídeos etnográficos, já com uma certa experiência, a exemplo de uma bela coleção chamada “Narradores urbanos”, com nove entrevistas realizadas com Eunice Durham, Ruben Oliven, Antônio Augusto Arantes, Ruth Cardoso, Helio R. Silva, José Guilherme C. Magnani, Gilberto Velho, Alba Zaluar. É um material pedagógico, para sala de aula, não só com câmera fixa, mas também se deslocando nas cidades e nos contextos de pesquisa etnográfica de nossos narradores. Nosso desafio era: “vamos caminhar na cidade, em contextos e lugares que conceitualmente te afetam”. Então, Magnani levou-nos para lugares que ele considera o pedaço em contrastes com contextos que sustentam o conceito de mancha. Ruben levou-nos para o que ele considera a homogeneidade e a heterogeneidade nos espaços urbanos. Arantes caminhou conosco refletindo sobre lugares e prédios que embasam memórias e patrimônios de São Paulo. Caminhos que o fizeram relembrar sua militância acadêmica e seu engajamento pela cultura em São Paulo. É uma coleção fantástica, que está aí disponível no nosso site. Teoricamente, o que chamamos de uma antropologia da imagem tem um recorte, mesmo com outras influências, mas sempre “emponderada”, digamos, pela perspectiva durandiana e bachelardiana sobre a teoria do símbolo. Já o Navisual, nesses 30 anos, manteve-se num processo de formação muito mais aberto, democrático, ou seja, aderindo às novidades sistemáticas. Uma hora era teoria da identidade, em seguida já era teoria de gênero, logo depois já era teoria queer, em seguida já era teoria ecológica e teoria dos não humanos. Então cada turma vinha com suas demandas e convicções conceituais. Mas é verdade que a gente instituiu uma tradição, que é a de formação de oficinas, oficinas temáticas a cada semestre ou a cada ano (algumas duraram dois anos), onde nos concentrávamos coletivamente num trabalho colaborativo. Vou dar um exemplo: em 2013, decidimos, sempre conversando, que “iríamos pesquisar o impacto das transformações urbanas provocadas pela política da Copa do Mundo em Porto Alegre”. Em 2013 e 2014, pesquisa etnográfica com equipamentos, saídas de campo, traçando trajetórias, traçando itinerários, tentando entender esse mapeamento, os contextos, as políticas, e o impacto da política de gentrificação resultante do empreendimento Copa do Mundo etc. Os resultado desses, digamos, mais de um ano de pesquisa, são narrativas visuais com fotografias e vídeos. Isso teve por resultado várias exposições e instalações nos mais diversos lugares, congresso ou simplesmente nas paredes de nossa universidade. A gente ocupou as paredes, botou umas luzes, chamou de galeria, e pronto, é o nosso grande centro de cultura, centro de arte. E tentando publicar em catálogos, tentando publicar em artigos etc. Mas nessa perspectiva de que seria um trabalho coletivo, com divisão das tarefas, divisão sobretudo do conhecimento. Quem sabe mais ensina o outro. Você sabe fotografia, vai dar aula de fotografia. Você sabe vídeo, vai dar aula de vídeo. Você conhece som, vai dar aula de som. E isso funcionou o tempo todo, graças a essa tradição de transmissão de saberes dos/as alunos/as e de vários/as ex-alunos/as que se formam e retornam com toda generosidade. Nuno, que hoje é cineasta no Rio de Janeiro, com filmes, documentarista, agora retornou à casa, após quase 30 anos. E foi muito bacana, foi muito emocionante ver a referência cinematográfica que ele se tornou. Tem um filme sobre o Amazonas. Tem filmes também sobre favelas. É uma grande referência. A gente continua então com esse esquema. Por exemplo, no ano passado, a nossa dedicação de formação de nossa oficina foi sobre a pandemia. Chegamos em março de 2020. “E aí? O que nós vamos fazer?”, “Primeiro, vamos continuar nos encontrando, já que a universidade nos oferece uma plataforma”. Então, todas as terças-feiras a tarde - os alunos acham muita graça que eu repita e diga o tempo todo, “todas as terças à tarde”, isso há trinta anos - nos reunimos para a formação em antropologia visual. Pois, durante a pandemia e as regras de distanciamento social, produzimos uma etnografia do confinamento. Produzimos uma reflexão sobre esse etnografar a intimidade, etnografar sua própria família, estranhar o familiar, que nem dizia o querido Gilberto Velho. Ficou extraordinário, os alunos foram incríveis. Também esse exercício de olhar pela janela, de olhar pela sacada, de olhar para a exterioridade com um certo, digamos assim, voyeurismo, mas, ao mesmo tempo, refletindo sobre a questão ética. Isso está publicado na revista Fotocronografia, e deu mais de 300 páginas. Seguimos esse ano com um estudo coordenado pela professora Vi Grunvald, que trabalhou conosco essa relação entre arte e antropologia visual. Em seguida, uma oficina sobre fotofilme, e a gente aproveitou toda a experiência do ano passado e estamos transformando em fotofilme. Em seguida, nossa professora Fabiane Gama, da antropologia visual, concordou comigo de organizarmos uma oficina sobre acessibilidade com todas essas grandes referências na antropologia da acessibilidade, e juntamos gente do Brasil inteiro para esse curso. Agora estamos numa fase de curso de cinema, dado por dois sociólogos e cineastas que estão cursando estudos em Lisboa, o grupo do Núcleo de Produção e Pesquisa em Audiovisual (Nupepa/USP). Eles já deram esse curso em São Paulo, e agora, e agora para nós. Somos normalmente 20, 30, às vezes chegamos a 35 pesquisadores, mas para este curso tivemos 120 inscritos e 60 chegaram até o final, com a produção de curtas e todos os filmes disponíveis no YouTube. Abrimos para todo mundo. Então você vê a diferença entre o que você chamou de uma formação em antropologia da imagem, que é uma teoria muito específica, e a formação aberta e mais democrática possível da antropologia audiovisual.

- Luís: Vocês têm trabalhado com a fotografia, com vídeo, tem um podcast, sites multimídia. Eu queria que você dissesse um pouco como essa experiência pedagógica e teórico-metodológica tem contribuído para a formação do cientista social sobre a necessidade de ele pensar em múltiplas linguagens.

- Chica: Eu acho que o Biev, Luís, foi um pouco pioneiro nessa perspectiva de tentar fazer uma etnografia explorando as novas tecnologias, como a chamávamos então, mas politicamente ainda com muita resistência. Creio que esse tempo pandêmico colocou finalmente em evidência que essa civilização de imagens, essa civilização de Web é irreversível, de forma que, finalmente, as teses estão sendo entregues em pdf, não se exige mais papel. O que coincide também com um processo e uma caminhada lenta, mas importante, da consciência ambiental, da construção da pessoa ecológica no século XX, adentrando aí o século XXI. Tim Ingold (2012INGOLD, Tim. Trazendo as coisas de volta à vida: emaranhados criativos num mundo de materiais. Horizontes antropológicos, v. 18, n. 37, p. 25-44, 2012.) e Bruno Latour (1994______. Jamais fomos modernos. Rio de Janeiro: Editora 34, 1994.; 2004) também contribuíram muito para a compreensão dessa autopoiesis que é viver neste planeta, ou a construção de uma carta planetária, inspirados/as em Edgar Morin (1999MORIN, Edgar. O pensar complexo: Edgar Morin e a crise da modernidade. Rio de Janeiro: Garamond, 1999.) etc. Quem não produz senão a partir dessas plataformas? Dependemos hoje totalmente desta tela, desse novo formato de livro, que nunca será o papel ou o livro que a gente guarda com muito carinho. No mais acadêmico, mais profundo, temos total consciência de que o ensino à distância veio também para ficar, não só por questões pandêmicas, mas também por questões de igualdade (apesar da desigualdade de acesso a computadores e à Internet). Mas se economiza em deslocamento, em combustível, economia de tempo, e também a possibilidade de você chegar a contextos mais distantes a partir do acesso à Internet. Uma coisa importante também é a inovação da etnografia no contexto do ciberespaço. Nós temos, no Brasil, essa linha de pesquisa bem consolidada, em conjugação com as próprias redes sociais e redes da área da cibercultura, que está muito bem encaminhada, por exemplo, pelo professor Theofilos Rifiotis, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), e pelo professor Jean Segata, da UFRGS, também pelo pessoal da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e por tantas outras referências nessa área. Você hoje não encontrará dissertação ou tese que não contemple, que não se refira ao quanto foi necessária uma etnografia no sistema Web ou nas redes sociais. É muito comum também esse lançamento de novos tipos de plataforma como o podcast. Nós criamos o Bievcast, que é somente uma forma de talvez fazer isso que vocês estão fazendo comigo aqui, tentar reconhecer e tornar pública a trajetória de alunos/as formados/as pelo Biev e pelo Navisual, que estão aí mundo afora, com essa desculpa de saber “Bom, como é que você está durante a pandemia?”, “Como a pesquisa pode continuar nestes tempos de distanciamento?”, e assim a gente já está na segunda temporada, no oitavo episódio. Você tem hoje uma rede de podcast da antropologia. O mais importante dessas tecnologias é a possibilidade de uma antropologia mais comprometida e de uma etnografia mais colaborativa. O que temos é uma possibilidade, que não existia há 20, 30 anos, de tornar os nossos interlocutores parceiros na pesquisa. É claro que tem ainda toda uma questão autoral e de política autoral propriamente dita, mas temos indígenas e quilombolas produzindo seus próprios documentários e, sobretudo, adentrando a universidade e defendendo seus direitos. Como agora, com a questão do marco temporal, temos vários antropólogos indígenas defendendo a luta contra essa política negacionista. Mesmo as políticas de bibliotecas, políticas de promoção da ciência, todas elas têm sido investidas, têm sido orientadas a um investimento nas tecnologias. O que antes era algo impensável, era inacreditável que não exigissem a cópia impressa de tua tese e que a cópia dessa tese deveria estar na biblioteca. Hoje você é proibido de entregar algo impresso. É proibido de entregar mais um volume à biblioteca, porque ela não tem mais espaço. Só virtual.

- Edson: Eu tenho a impressão, mas posso estar equivocado, que a ideia de sociedade, de civilização das imagens, tal como ela apareceu nos anos 1960, ficou muito aquém. Quando se pensa no que havia nos anos 1960 e no que há hoje, a ideia de civilização das imagens, de sociedade das imagens ganha, acho, contornos e conteúdos muito mais dramáticos, se a gente pensar no quanto todo o tempo somos atravessados por fluxos audiovisuais. Queria te perguntar como você entende a função do intelectual, a função política e intelectual das ciências sociais diante dessa situação. Você deu alguns exemplos. Mas eu queria uma síntese, considerando que você é uma cientista social que tem um trabalho há muito tempo consolidado a respeito desse tema.

- Chica: Eu acho que, mesmo intelectualmente formados para dar conta dessas questões, ficamos sempre surpreendidos pela velocidade do processo de renovação tecnológica. Ela se transforma e o processo para chegar a um uso prático, a política, digamos, cultural, é lenta. Você tem a Internet há quantos anos? E a pandemia, como evento crítico, leva as pessoas a perceber importância de tornar esse equipamento democrático, permitir que todos tenham acesso. O que implica investimento em tecnologia. Mas, ao mesmo tempo, somos sempre assolados por questões da própria natureza, que nos impedem determinados avanços. Não adianta avançar muito na Internet, ela não vai dar água, também não vai dar luz. Então, imediatamente, a gente tem que se dar conta de que, se não chover, não adianta ter o desenvolvimento tecnológico mais moderno do mundo. Assim, há essa dificuldade de democratização desses processos tecnológicos, que são de uma velocidade incrível. Eles sempre vêm acompanhados por uma perversidade do capitalismo. Ainda mais agora, transformado nesse chamado neoliberalismo, que sempre buscou esse controle e poder em torno do conteúdo tecnológico, como estratégia de controle de um conhecimento universal, o que está bem claro em todas as teorias da comunicação. O rádio foi isso. O rádio primeiro é dominado por uma grande potência, alemã. A televisão, a mesma coisa. Na época, a Escola de Frankfurt se constitui na grande janela para dar conta afinal sobre o que era essa loucura dos meios de comunicação, dos mass media, do que é essa televisão capaz de adentrar todos os lares no mundo. Há várias teorias também sobre a perda de valores de referência, sobre a perda da narrativa espontânea. Então isso é a cara do capitalismo, cheio de contradições, cheio de dicotomias. A gente tenta acalmar essa vertigem do tempo a partir de um movimento dos conceitos. Um conceito que não dava conta de uma coisa num determinado momento ressurge reformado, recolocado. Então, eu não sei te responder muito mais do que isso, mas eu considero essa decalagem, claro, muito pior em países ditatoriais, no Afeganistão, por exemplo, onde as mulheres estão se mostrando totalmente invadidas em seus corpos, por não poderem estudar, por não poderem praticar esportes, por não poderem, nos preceitos muçulmanos, atuar como atoras sociais. O que não implica dizer que tem que se ocidentalizar, não, mas poder, no âmbito da cultura muçulmana, uma cultura em princípio extremamente hierárquica e holista, poder atuar como sujeitas da história. Mas o que mais me alegra como intelectual, e não sei se isso é uma questão muito pessoal minha, é que o campo conceitual, o campo do conhecimento. Quando entrei no curso de história, foi libertador. Quando descobri o que era mais-valia, acho que chorei de emoção, porque consegui entender enfim como vivemos nesse mundo. Lembro-me de ser uma pessoa estudiosa, mas muito deprimida, porque tinha algo que estava me incomodando. O viver interiorano me incomodava, me sufocava. Então assim, uma certa perspectiva de “Vou fazer uma faculdade”, algo do tipo projeto familiar. E quando descobri que não era só um projeto familiar, mas um projeto pessoal, fiquei muito feliz. E não acho que só pela universidade você consegue ter esse acesso. Você convivendo aí com as cosmopolíticas, com grupos Kaingang, Guarani, com os quilombolas você observa que no ambiente de suas próprias cosmologias, esse campo conceitual, ele também é oferecido. Numa outra forma, mas também é oferecido. O que acho mais interessante no mundo ocidental moderno, desse mundo contemporâneo, é o acesso ao conhecimento, é esse o acesso à possibilidade de você se reconstruir como pessoa cognoscente, pessoa com sabedoria, capaz de refletir sobre seus próprios atos e os atos dos outros. E o que mais me assusta, Edson, é esse momento político que tenta e consegue - pior é que consegue - negar esse acesso, negar esse direito, que não deixa de ser um direito individual no mundo moderno, contemporâneo, como Georg Simmel, Michel Foucault e tantos outros nos mostraram. Somos atravessados por essa biopolítica e temos que entender como ela nos impacta, como podemos ser pessoas, apesar disso. Bom, você pode colocar uma prótese, colocar uma orelha como prótese e mesmo assim, não necessariamente ser atravessado ou dominado pela política do biopoder. Mas hoje, infelizmente, o que a gente está vendo é um grande retrocesso, e estou muito preocupada com as novas gerações. Estou muito preocupada com os novos alunos. Um grande desânimo, com toda essa tecnologia oferecida. Não necessariamente ela vai ser benéfica, sobretudo para, digamos, a ausência de uma orientação, seja escolar, seja familiar, sobre o papel específico dessas redes sociais e como elas não devem ser o culto e o objeto sagrado, mas simplesmente um instrumento de comunicação e de acesso à democracia e à igualdade. Ao mesmo tempo, pode indicar saídas para um processo, aliás, para um retrocesso político. Essa ganância política, essa obscuridade política, eu te confesso, considero assustadora. Nesse momento, prefiro escutar o Luís Felipe, que é um pouco mais jovem, para tentar entender qual seria a porta, qual seria a via possível para tentar dar uma injeção de ânimo nessa geração que está aí. Sou professora aposentada, mas continuo a dar aula e fico pensando. Bom, começam as minhas aulas semana que vem, eu não posso mais dar a minha aula com a mesma paixão e o mesmo entusiasmo que eu tinha dizendo “Olha, é muito lindo ser antropólogo”. É muito lindo, mas mudou muito, o nosso ofício, mudou extremamente e você não pode mais fazer uma etnografia apenas para se construir como antropólogo, como antropóloga. Mas você tem que fazer uma etnografia que estabeleça algum projeto, algum destino e algum laço de solidariedade, algum laço de confiança para que a coisa não esmoreça. Eu estou num momento de grande preocupação com essa situação, muito galgada nisso que vocês estão me permitindo falar, em minha própria trajetória, que considero uma trajetória de libertação. Claro, essa libertação poderia vir por outras vias. Eu poderia ter me construído, diria o Luiz Fernando Dias Duarte, como pessoa religiosa, como pessoa histórica... tem algumas terminologias que ele usa, pessoa psicológica... mas eu acho que ser esse sujeito político com acesso ao campo de conhecimento, entender como esses conceitos são construídos e como eles não devem nos manipular, como Foucault nos ensinou, eu entendo como sendo a grande virtude de nossa civilização. E aí a civilização das imagens. As imagens também devem nos informar, mas também permitir que a gente compreenda como lidar com nossas subjetividades. Até onde queremos que ela seja parte de nosso corpo, parte de nossa ciência, parte de nossos afetos. É bem complicado. Por isso eu te digo: você fez uma pergunta filosófica. Ou eu vou para a filosofia, ou eu vou para a religião, mas se eu ficar na própria ciência, eu só posso te dizer isso. Agradeço imensamente ter feito o curso de história. Sem o curso de história, eu não teria descoberto o que é a perversidade do capitalismo e o que eu sou nesse processo capitalista.

- Edson: Sua trajetória, e agora você reconstruiu o percurso, vai caminhando e uma das estações que você vai parar é essa que diz respeito à problematização do tempo. Daí o teu interesse pela memória, pela duração. Memória é um tema que me interessa muito de perto. Eu queria que você especificasse mais. Por exemplo, você fala que fez uma tese falando dos mineiros e, quando foi fazer o doutorado, sua ideia era, na verdade, sair do presente e mergulhar no passado dessa categoria profissional aí no Rio Grande do Sul, em Charqueadas. Mas o que levou a esse desvio para a memória?

- Chica: Eu acho que essa perspectiva de fazer o curso de história, quer dizer, toda uma preocupação com o legado do passado foi o que me mobilizou para o estudo da memória coletiva num outro campo de conhecimento, a antropologia. Por sorte, grandes autores, como Maurice Halbwachs (1952______. Les cadres sociaux de la mémoire. Paris: Presses Universitaires de France, 1952.; 2004) e Walter Benjamin (1989______. Obras escolhidas, v. III, “Charles Baudelaire, um lírico no auge do capitalismo”. São Paulo: Brasiliense, 1989.; 2012) permitiram-me compreender como, em cada campo histórico, em cada campo conjuntural da construção da antropologia, o tema da memória se colocava. Então, ao mesmo tempo que você lia As formas elementares da vida religiosa, de Émile Durkheim (1989), em torno do conceito de representação, de identidade, e Claude Lévi-Strauss, tinha Halbwachs dizendo “olha, o tema da memória”. E de forma pioneira tem Henri Bergson (1999BERGSON, Henri. Matéria e memória. São Paulo: Martins Fontes, 1999.), que consegue fazer um trabalho absolutamente revolucionário, opondo-se à toda uma perspectiva cartesiana para esse conceito de memória. Você não conseguia talvez, em termos de senso comum, perceber que essa memória tem uma espessura, que essa memória não é só uma memória do acontecimento e da cronologia. Halbwachs faz isso para dizer “olha, a classe operária tem memória. Ela tem uma memória coletiva. Ela tem uma cultura operária”. E não é simplesmente você optar por outro regime político, por outra estrutura, organicidade estrutural diferenciada. Essa memória tem vibração, esse tempo vibra. A descoberta desse tempo cósmico é genial. É o mesmo quando você entende o que é o pensamento mitológico, como mostra O pensamento selvagem, de Lévi-Strauss (1989). Eu ficava absolutamente emocionada. E Marcel Mauss, mostrando o movimento do conceito de pessoa, o movimento do conceito da dádiva, isso era para mim absolutamente genial. Sem dúvida, importante para trabalhar com uma comunidade que estava o tempo todo enfrentando a crise do desaparecimento. Eu percebi que estava trabalhando com a morte de uma profissão, mas não com a morte de qualquer profissão. Não era o cara que acendia os lampiões, não era o guarda noturno que soprava um assovio para dizer que ele estava presente e que estava atento aos perigos noturnos, que hoje você tem um Whatsapp, você tem um app para controle do sistema de segurança. Era uma classe operária que construiu o mundo ocidental moderno, não era pouca coisa. Essa estrutura capitalista estava mudando para um sistema, para uma lógica financeira absolutamente diferenciada. Eu fiquei muito comovida com esse entendimento. Ao mesmo tempo, um interesse muito grande por essa classe operária, pela emoção que José Leite Lopes, que Luiz Fernando Dias Duarte, que Halbwachs sentiam ao trabalhar com essas categorias. Entendendo ainda que são os camponeses, como aqueles de A caminho da cidade, de Eunice Durham (1973DURHAM, Eunice Ribeiro. A caminho da cidade: a vida rural e a migração para São Paulo. São Paulo: Perspectiva, 1973.), camponeses que agora estão sendo configurados como sujeitos do valor trabalho. Tudo isso me emocionava imensamente. No doutorado, junto com meu grupo de estudos, com Ana Luiza e Carmen, fui estudar Gaston Bachelard. Uma perspectiva de um novo espírito científico, ou seja, uma ciência atenta agora a essa temporalidade que não é só a temporalidade do relógio, não é só a temporalidade do capital, e sim uma temporalidade dessa vivência subjetiva, uma temporalidade que te constrói nas experiências vividas pelos sujeitos em diferentes ritmos históricos. Aí eu fiquei muito deslumbrada com essa descoberta da teoria dos instantes. Isso estava se dando no cinema, estava se dando na arte, estava se dando na arquitetura, mas ali vivendo cotidianamente, estava se dando para mim também no fazer etnográfico, no fazer antropológico. O que implicava trabalhar com esse tempo coletivo, essa memória coletiva? Trabalhar com a narrativa, narrativa sobretudo de pessoas idosas, pessoas com essa capacidade de narrar a sua trajetória e, ao mesmo tempo, elaborar suas rupturas, perceber essas transformações nas experiências geracionais. A teoria de Paul Ricœur (1994RICŒUR, Paul. Tempo e narrativa, v. 1. Campinas, SP: Papirus, 1994.) foi absolutamente fantástica, em Tempo e narrativa, sobre como nossa vida só é construída a partir do tempo narrado. Só faz sentido a partir dessa perspectiva. Aí eu me atirei, dediquei-me a trabalhar com essa voz, essa narrativa a la Edward P. Thompson (1987aTHOMPSON, Edward. A formação da classe operária inglesa, v. 1. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987a.; 1987b; 1987c) também, essa voz dos idosos narrando suas vidas. O que não quer dizer que eu não escutei jovens, não quer dizer que eu não tenha trabalhado com vozes femininas. Trabalhei no Brasil, talvez muito mais do que na França, porque, de um modo geral, as mulheres se tornavam mais minhas amigas e minhas mediadoras do que as vozes masculinas. Elas também, muitas vezes, participavam dessa situação. Agora, o conhecimento do trabalho mineiro era muito uma voz do antigo trabalhador. Essa voz, sobretudo agora na França, era uma narrativa sobre a morte, uma narrativa sobre o luto, sobre o desaparecimento da cidade, sobre o desaparecimento do trabalho, sobre a proximidade da finitude. E, sobretudo, não diria do medo, mas da decepção. Tanto é que a grande maioria dos mineiros que entrevistei foram, a vida toda, de esquerda e, naquele momento, estavam votando em Le Pen, estavam votando na extrema direita. Por quê? Pela decepção do pós-Segunda Guerra, quando eles são chamados para salvar a pátria, chamados como soldados à batalha do carvão. Era isso. Não tinham mais patrão. Eles se organizaram no interior de um movimento sindical internacional acelerado e a promessa de um mundo totalmente igualitário. O neocapitalismo chegou e eles viram que não era nada do que haviam imaginado. Tem uma declaração de um mineiro que eu acho incrível, ele diz assim: “A modernidade nos traiu”. Então era isso. Não foi só uma traição, mas uma traição que trouxe também a morte. Uma comunidade que desaparece. Claro que tinha que desaparecer, ela não tinha mais condições de sobrevida. Só que essa política ambiental, a necessidade do desaparecimento de determinadas tecnologias e de determinados processos de extração, não vêm assim claramente para esses sujeitos. A traição significava também mudanças de política ambiental. Vivemos uma conjuntura em que o descuido com o ambiente, o descaso com os elementos da natureza que garantem uma solidariedade ecossistêmica, ameaçam tanto quanto nos séculos das explorações, com derrubada de mata nativa. O Brasil está jogado às traças com este poder negativista e à mercê do agronegócio. “Produtores, queimem e poluam os rios que tudo é possível”. Bem, a Europa, como carro-chefe do movimento ecológico, fechou as minas no mundo ocidental, mas manteve o mundo oriental como fornecedor de lenha e de carvão. Passaram a importar da China, importar da África, enquanto a Europa agora tinha que ser limpa, tinha que passar uma tinta rosa, como eles diziam, para esquecer o “já fomos um país poluidor, hoje temos que nos tornar referência”. Agora, essa referência explorando o Brasil, explorando a África, explorando a China. Claro que isso meus interlocutores idosos não entendiam, eles não tinham ainda essa compreensão. A única coisa que eles viam, diante de seus olhos, era a destruição da cidade, o desaparecimento de sua profissão, portanto, a não continuidade de um culto de pai para filho, aquele amor ao trabalho transmitido de geração em geração, convictos de ser uma transmissão do valor ao trabalho, aquele amor ao trabalho operário que era passado de pai para filho, como ajuste da masculinidade, da honra, quase que passando pelo sangue. Por isso, a questão da temporalidade foi tão fundamental. Entender como é que esse tempo, agora, a partir da ausência dessas referências, é reconstruído. Como se dá a duração? Como se dá a continuidade, como se dão as rupturas sobre essas descontinuidades, sobre a vertigem e a ausência de referências simbólicas, de referências afetivas. É muito incrível como políticas culturais, avanços tecnológicos vão acomodando essa nova realidade. Como entra uma Internet na vida de idosos, como entram políticas ecológicas na vida de um idoso. Então, no fundo, o que tinha ali no final de minha pesquisa, após quatro anos de campo, era a inserção de novas políticas de Estado, operando a partir de políticas de valorização do idoso, finalmente. Então eles viam “Ah, existe a possibilidade de uma continuidade”. “Ah, pertencendo àquele grupo de lazer, eu posso ter uma permanência, minha vida pode ter sentido”. “Ah, aquele outro organismo não governamental que está promovendo teatro para idosos. Quem sabe eu vou lá. Quem sabe eu encontro outra forma de sociabilidade...”. Além da importância de se considerar a sociabilidade promovida pela vida religiosa. Novas religiões entrando, inclusive na França. Religiões fundamentalistas se apropriando desses vazios de sentido. Mas essa narrativa muda quando está em questão as novas gerações de filhos e filhas desses últimos mineiros. As crianças, os jovens, que não partiram em busca de novos horizontes, estavam completamente desmotivados. Quem ficou na cidade em crise? De modo geral, os filhos de imigrantes árabes que, sem perspectiva profissional, se sentiam perdidos, porque não são nem franceses nem árabes. Ninguém as queria nem na França, nem na Argélia, nem no Marrocos, nem em lugar nenhum. A proliferação de consumo de drogas, a elaboração e estruturação de gangues é imensa. Até que políticas de Estado cheguem a essas crianças, muitas vezes, tarde demais. Claro que eu refleti sobre esse tempo dessa sociedade, sobre essa saga desses operários que vinham do Marrocos, da Tunísia, da Argélia, sempre tão excluídos. Eles chegam excluídos e quando o cidadão francês é finalmente assegurado pela política de Estado, aqueles jovens descendentes dessa saga de africanos perambulando pelo mundo seguem esse destino de submissão, de sofrimento, que as culturas muçulmanas conhecem muito bem. Enfim, já estou fazendo um devaneio.

- Luís: Essa perspectiva da etnografia da duração, você e Ana Luiza produziram um livro sobre isso, é um ponto de vista diferencial na maneira como vocês pensam a antropologia urbana e como pensam a imagem. Quando você está orientando outras pesquisas em antropologia visual, que não sejam sobre as cidades ou a memória, de que maneira essa sua perspectiva traz contribuições para pesquisas que estão pensando gênero, sexualidade, pesquisas que estão pensando a questão do meio ambiente? Já que a antropologia visual tem essa abertura temática para pensar de maneira mais metodológica a etnografia visual, de que maneira esse olhar específico que você tem na cidade e na imagem pela ideia de duração traz contribuições?

- Chica: Essa é uma área muito livre. O que é mais interessante, não a respeito da etnografia da duração propriamente dita, mas da antropologia da imagem, é a criatividade. Quanto mais criativo é o aluno, melhor. Ele não pode ser tão criativo de modo a passar das arestas, das arenas científicas. Se o cara vai fazer pura poesia, eu digo “olha, meu amor, você é poeta. Vai firme”, ou faz só um lindo filme e não quer pensar a partir de um campo antropológico, “olha, meu amor, teu destino como cineasta tá marcado”. Ou teatro, ou poesia, ou cinema. Agora, a conjugação dessas criatividades no âmbito da antropologia é super possível. Ter uma defesa de tese sobre teoria da performance e dançar na hora da defesa, é um capítulo com dança. Ou uma performance. Eu tenho defesas de alunos com exposição de fotografias, com instalações, com capítulos em ensaios fotográficos, sonoros ou vídeos etnográficos. A banca tem que sair, assiste à exposição de fotografia ou assiste ao filme. É um capítulo. Ou uma instalação. Quer dizer, essa criatividade, eu acho que a antropologia visual ou audiovisual ou da imagem permite. Claro que a gente tem que cuidar da banca que vai chamar. Porque às vezes, também a pessoa quer porque quer alguém que tenha uma certa rejeição ainda, um certo preconceito, aí fica difícil. Mas então é muito lindo esse aluno que diz, de repente, “eu não tenho mais nada a dizer na conclusão, talvez imagens”. Eu digo “isso, faz uma conclusão com imagens”. É uma abertura dentro da antropologia, é a nossa ciência aquela que mais permite isso, fora a própria arte, em todos os seus sentidos - poesia, música, teatro, enfim. Mas sem dúvida nenhuma, a antropologia é muito pioneira nesse favorecimento a trabalhar os sentidos e as sensibilidades. Até mesmo teorizar sobre isso. A la Tim Ingold, como não? E tantos outros. Bom, portanto, eu posso perfeitamente orientar. De um modo geral, eu digo não domino a teoria de gênero ou saúde, eu digo “olha, tem o Núcleo de Pesquisa em Antropologia do Corpo e da Saúde (Nupacs), tem o Núcleo de Antropologia e Cidadania (Naci), aqui mesmo, na UFRGS”, tem as colegas da UFSC. Se é religião, tem o Núcleo de Estudos da Religião (NER). Eu, por exemplo, não aceito coorientação na UFRGS. São duas entradas diferentes. Então, de um modo geral, quando não tem orientações que sejam muito específicas, mas do que eu considero mais especializada, essa liberdade de poder entrar no Núcleo, num outro núcleo, num terceiro núcleo, circular entre eles, ter um processo de aprendizado interdisciplinar neste sentido, e a liberdade de criar. Nós tivemos um menino que fez pesquisa na área da antropologia da ciência, com um filme muito muito delicado junto a essas populações que ainda se encontram em hospitais psiquiátricos, filmando o aprendizados nas oficinas. Então é isso. Um orientando nosso vai buscar o Biev para sua formação, para entender o que é etnografia da duração, porque é uma etnografia muito coletiva, ela não é só o que você produz. É todo o legado em torno do teu tema, por exemplo, arte urbana. Todo um legado em torno do que essa antropologia da arte urbana e da cidade produziu, todo o acervo fotográfico sobre essa temática já produzido. São as imagens do mundo, desde o grafite lá na Caverna de Platão, o que foi produzido. O texto que ele produz tem que circular, de modo que ele encontre todo esse legado, que dialogue com outras etnografias visuais, com documentários, com a arte, e nesse diálogo traga sua própria contribuição, isso é a etnografia da duração. É o fato de ter uma vibração do tempo e não o fim da tese, acabou, mas que ela vibre de alguma forma. Numa exposição. Num filme seu ou em diálogo. E, digamos assim, o chamado sonho nosso de um... Gilbert Durand vai chamar de “museu do mundo”. Seria justamente dispor essas imagens para uma circulação o mais aberta possível, no interior de um campo conceitual. A gente constrói esse campo semântico para que essas imagens tenham esse movimento formando múltiplas constelações. Uma constelação pode orbitar em torno do conceito de trabalho, outra orbitar em torno do conceito de gerações etc. E assim por diante com o conceito de política ou o conceito de cultura. Aí depende de como você vai arranjar esse campo conceitual, essas montagens, como dizia Benjamin. Quando o aluno entende, “então quer dizer que estou fazendo etnografia da duração?”. “Olha, faço isso há muito tempo. Só que não tinha sacado ainda”. Mas etnografia da duração é só um movimento das imagens. Só uma circulação dessas imagens. O que implica em muito o trabalho-pesquisa coletivo, em parceria, pensando na produção do colega que deixou seu legado e no legado que você vai produzir nessa circulação de imagens, bem a la Paul Ricœur. Restituição. Restituição o tempo todo. Para que haja uma nova interpretação, uma nova narrativa. Então, essa liberdade de narrar o mundo. Bom, isso é etnografia da duração. A pessoa quer ou não quer trabalhar com imagem, quer ou não quer trabalhar com coleções, são as mais diversas experiências nesse sentido. O mais interessante, e isso é mais possível quando a pessoa começa com a iniciação científica com a gente, e tem uma trajetória de pesquisa com essa perspectiva autopoiética. Eu sei que fica um pouco endogâmico, quando começa na iniciação científica, faz o mestrado, faz o doutorado, faz o pós-doutorado, aí ele consegue ter realmente uma coleção de etnografia com imagens, nos diferentes suportes, nas diferentes expressões, nas diferentes formas de circulação. Mas não estou alegando que a etnografia da duração é um tipo ideal. Só digo que isso é muito satisfatório.

- Luís: Agora, isso também estava lá numa das perguntas, que é a gente pensar nesse momento. A gente tem uma democratização enorme dos meios de produção fotográfica e vídeos, via celular etc., qual tem sido o desafio para os alunos desnaturalizarem esse automatismo de produção de imagens que a gente vê no Instagram, nas redes sociais. Também fiquei pensando muito no que seria fazer uma restituição, hoje, no quanto foi importante para você tirar fotos dos mineiros e entregar as fotos. Quer dizer, hoje em dia a gente tem que pensar a restituição de outras maneiras, porque talvez os mineiros ou os filhos dos mineiros tenham seus celulares e tirem as próprias fotos. Então, como você vê esse desafio hoje em dia? Num momento em que a gente tem uma democratização, que é salutar, boa, mas, ao mesmo tempo, a imagem deixou de ser privilégio dos antropólogos visuais, digamos assim.

- Chica: Por sorte. Acho que eu te respondi um pouco antes, quando disse que hoje temos, cada vez mais, a partir das políticas de ações afirmativas, essa possibilidade primeiro de ter um índio como colega, um negro descendente de quilombola como colega, uma pessoa trans como colega, uma pessoa com questões de acessibilidade como colega, e você perceber que existe necessariamente um trabalho coletivo a ser feito. De diferentes formas, seja pela antropologia, seja por políticas públicas, seja pela simples militância, mas é fundamental que seja um trabalho colaborativo. E eu vejo assim... Tenho uma menina que vai defender sua tese semana que vem e que passou todo o processo da pandemia militando contra a fome. E eu perguntei: “Bom, agora vamos ao doutorado?”, porque foi absolutamente fantástico o seu trabalho. Ela disse: “Não, eu vou fazer serviço social porque eu preciso ajudar mais as pessoas”. É esse tipo de atitude que considero colaborativa, mas que pode ser também um projeto de doutorado onde ela siga naquela vila, siga militando e, ao mesmo tempo, produzindo etnografia com eles, produzindo oficinas. Até a tese dela é sobre oficinas que ela dá para esses jovens na periferia. E, de alguma forma, sendo parceira nessas situações de vulnerabilidade. Eu acho que para nós, o mais promissor é esse esforço de não só fechar a tese, mas que tenha algum impacto sobre uma política pública, de algum maneira. Veja o quanto foi absolutamente genial a colaboração de nossa colega Deborah Macedo Duprat, procuradora de Justiça, o quanto ela nos ajudou, o quanto ela ajudou a Associação Brasileira de Antropologia, o tanto que ela ajudou a causa para deter essa ânsia de abusos sobre indígenas, de abusos sobre quilombolas, de abusos sobre povos tradicionais, que não cessam de ser ameaçados em seus direitos. Hoje de manhã, falou nossa colega Andrea Zhouri, no Senado, contra a nova lei ambiental que favorece o agronegócio. Andrea e o grupo da ABA chamado Grandes Projetos e Meio Ambiente quase não têm mais vida pessoal. Eles estão o tempo todo elaborando notas técnicas e documentos para orientar nossos políticos, enfim, o Senado etc., sobre os perigos de uma continuidade dos grupos sociais afetados por projetos na área ambiental. Essa é, para mim, hoje, a causa antropológica. Espalhar essa energia solidária. Exatamente como essa minha aluna. Para mim isso equivale a um prêmio Anpocs, prêmio Capes para ela (Nicole Rigon). É o que precisamos hoje, uma antropologia mais pública. No meu tempo, não tinha tanto isso. Você já foi formado numa perspectiva de uma antropologia mais politizada, engajada por causas que valorizam os direitos humanos (e não humanos), os valores democráticos. A restituição hoje tem esse formato, o que implica uma transformação da antropologia, mais aberta, mais fluida, mais engajada e, sobretudo, mais crítica em relação ao colonialismo em todas as suas consequências, em todas as suas faces, evidentes ou obscuras.

- Edson: É. Então eu queria perguntar o seguinte: tecnologias, como a inteligência artificial, produzem cada vez mais efeitos muito expressivos na maneira como a gente elabora nossas percepções. Com isso, elas impactam as concepções acerca da verdade, da certeza e coisas afins. A imagem audiovisual acaba se tornando muito estratégica nesse sentido. As ciências sociais estão aptas para lidar com essa situação?

- Chica: Com certeza, sim. Talvez, tenha uma decalagem entre o processo da inteligibilidade da construção dessa inteligência artificial e a repercussão e o acesso a esse conhecimento. Essa decalagem, acho que existe. Mas, por exemplo, se tu pensar assim: em 1992, houve a Rio-92, no Rio de Janeiro, a favor de uma ecologia humanista. Mas até que isso chegue como um programa de educação ambiental, até que se criem os mestrados em meio ambiente, até que isso se torne uma política pública é muito lento. Por falar em questão climática, é mais conflito ainda, porque os interesses econômicos nunca deixarão de ser contemplados. Mas acho que, de um modo geral, as ciências humanas, em especial a filosofia, têm todas as condições de dar conta desse processo, dessa ciência, dessa antropologia da ciência que se tornou, nos últimos anos, uma das grandes referências mundiais em termos de pensamento, de produção de novas teorias. É uma pergunta difícil e eu tenho impressão de que a filosofia nos ajudaria a processar a perspectiva do que é esse pensamento, do que seja essa inteligibilidade. Esse robô que substitui a mão de obra humana, essa engenharia do computador que nos oferece já o próximo amigo na rede social: alguém que a gente nem lembrava e a inteligência artificial já nos oferece novo encontro. Quem sabe você pode ser amigo dessa guria que você conheceu quando você tinha cinco anos de idade? É só não mergulhar no espelho, não confundir esse espelho da água com o limite do próprio espelho, como Narciso, que morreu afogado. Hoje foi lançado um foguete para passeios turísticos. O quanto isso polui o universo? Estão discutindo? Não, estão discutindo apenas o empreendimento em turismo espacial. A gente está percebendo o que está por trás disso, a gente está sabendo o que isso vai provocar de desestabilização para o universo. Não há ingenuidade nesse sentido. Acho que ingênuos já não somos mais. O que há são erros políticos, erros de encaminhamento político para determinados avanços tecnológicos, produções de inteligência artificial. Sem dúvida nenhuma, o maior impacto foi para a cultura do trabalho operário, as mudanças vieram a galope e muito perversas com os que já têm tão pouco. E não apenas para as classes menos favorecidas, para a classe trabalhadora, mas também para a classe média e assim por diante. Mas voltando para as produções audiovisuais e seu avanço nas ciências sociais, espero que, de um modo cada vez mais competente, o projeto das humanidades seja pela escrita, seja pelos recursos eletrônicos e digitais, como formas de denúncia das injustiças abissais. Ficou claro, com esta pandemia, que o negacionismo e as fake news são muito destrutivos e provocaram situações de genocídio. As desinformações usaram as mídias para alcançar e convencer por uma ideologia fascista. Mas é através destes mesmos meios de mídia, que foi possível trazer narrativas de esclarecimento baseados em dados científicos. Aos poucos, existe um pouco mais de controle e rigor, de julgamento das fake news como crime. E, apesar da desvalorização das ciências sociais por este governo negacionista, estamos mobilizados em batalhas diversas que visam o bem-estar e o bem viver de todos/as. As inovações tecnológicas, e, repito, já perdemos nossa ingenuidade, servem tanto para o bem quanto para o mal. Onde encontrar o limite? Não sei responder mais do que isso.

- Edson: Acho que trabalhar com audiovisual é trabalhar com duplicações. O tema da duplicação, com o duplo. Em algum momento do livro Simulacros e simulação, entre muitas provocações, muito irônicas, Jean Baudrillard usa o filme O estudante de Praga (Paul Wegener, 1913) para sinalizar que o real teria sido assassinado pelas imagens. Considerando que você é uma intelectual que trabalha com audiovisual, eu primeiro te perguntaria se você enxerga esse assassinato. Depois, como, em seu trabalho, você equaciona essa relação, entre referência e duplicação, real e representação?

- Chica: Se Baudrillard estivesse escrevendo hoje, super ativo como foi, não sei se ainda estaria com essa mesma perspectiva, que reproduz um pouco o mal-estar da Escola de Frankfurt - extremamente importante, extremamente necessário, apontando para os perigos dessas técnicas e dessa reprodutibilidade. Nós estamos vendo isso muito bem, por exemplo, com essa ausência do livro, trocado hoje por uma tela, e o quanto é fácil a reprodução do que você produz, o quanto é rápida também a circulação do que é elaborado, na forma de um pensamento, na escrita, num filme, na foto, em qualquer outra forma, qualquer outro suporte. Talvez Baudrillard dissesse “bom, essa morte do livro é absolutamente assustadora, em face dessa civilização narcisista querendo ver a si mesma o tempo todo nas redes sociais.” Mas, ao mesmo tempo, você tem o open access, uma política de abertura para a questão autoral, autorias participativas, por exemplo, que antes eram praticamente impossíveis. Você pode abrir um livro e ter a participação autoral de outras pessoas. Então é tudo, por sorte, antropologicamente relacional. Tem todos os perigos, por isso a psiquiatria tem também suas salas de clínica recheadas, continuam ganhando muito dinheiro com essa tensão entre o real e a ficção. Vejo os bolsonaristas fanáticos muito tomados por essa religiosidade, por esse culto mítico completamente narcisista e completamente doentio, que é realmente um embaralhamento dessas imagens, um híbrido de sentidos. A meu ver, é uma questão de saúde pública. Não tem outra explicação, a não ser deitar num divã e reconstituir todos os fragmentos de sua vida, os sentidos de sua vida, para ver o que aconteceu, quando é que houve esse trauma, de modo a ter tamanha confusão mental. Mas é isso. Acho que as novas tecnologias estão aí, para o bem e para o mal. A questão entra no tema da ética, que também é muito importante para a antropologia da ciência. A questão é saber os modos dessa reprodutibilidade, em termos da verdade, ou em termos do fake news, da enganação, e de um processo fascistoide, de um processo de desconstrução total da subjetividade - “dessubjetivação”, como diria a Tania Salem -, que é sempre uma ameaça, a tragédia da cultura. Acho que em todos os processos civilizatórios isso era colocado. Mas a forma como hoje a gente entende a estruturação da construção da imagem está muito mais lúcida, afinal a Internet nos dá livre acesso a uma ampla gama de informações, estas podendo ser corretas ou perversas. Mas essa liberdade nos dá mais autonomia, mais acesso aos direitos de cidadania. Como eu dizia ao Luís Felipe, a gente vê a imagem mais como um processo de vida, de existência, de criatividade, de experimentação, do que realmente de achatamento e de engodo sobre esses sujeitos que se relacionam com a tela.

- Luís: Nas suas entrevistas, você fala muito sobre seu pai, que foi pastor. Acho que você deve se perguntar como ele estaria vendo determinadas correntes do neopentecostalismo que têm apoiado o Bolsonaro. Como ele estaria vendo essa situação? E com isso, como essa formação religiosa faz parte de sua ética e de sua vida? Claro, são perguntas de ordem pessoal. Fique à vontade para responder da maneira que você achar melhor.

- Chica: a figura do meu pai, a trajetória dele é muito interessante, porque ele vem de um ambiente católico, mas de resistência. Do que eu conheci da história da família dele, eles vinham desse contexto do que viria a ser a Alemanha Oriental e tinham uma igreja, que era tanto de luteranos como de católicos. Meu pai era de família católica. Eles se uniram em torno de um processo de resistência às perseguições religiosas. Assim, resumidamente, esta experiência do meu avô de convivência muito próxima de católicos e luteranos que, certamente, influenciou o meu pai. Mas, de todo modo, até entrar no segundo grau, ele era católico e se converteu ao luteranismo após frequentar uma qualificada escola luterana. Isso foi tão radical, que ele acabou por fazer um curso de teologia e se tornou pastor. Atuando como pastor, ele primeiro teve que substituir pastores alemães presos durante o período de guerra e do integralismo, no Brasil. Assim ele já iniciou a prática profissional a partir dessa experiência de solidariedade, num momento em que as Igrejas eram ainda muito separadas. Meu pai, ao contrário, sempre buscou o diálogo com demais teologias cristãs, procurando sempre essa colaboração com o outro, o que vai torná-lo um dos pioneiros do movimento ecumênico, dessa conjugação de religiões, que ele sempre buscou, aproximando padres, pastores, pastores das tendências anglicanas, das tendências metodistas, da tendência luterana norte-americana, e esse ecumenismo era muito forte na cidade onde ele trabalhou por 30 anos, até se aposentar. Tinha uma narrativa bíblica e uma narrativa da vida extremamente afetiva. Tinha uma grande erudição em história, sobretudo em história bíblica, mas também história em geral. Então essa sua sabedoria, esse conhecimento em torno de um mundo melhor, de um mundo mais solidário e ecumênico, para mim, era muito claro. Com tendências também conservadoras, em relação às filhas, a gente protestava contra isso. “Gostaria muito de ter uma filha que fizesse medicina”. Nenhuma fez. Todas foram para as ciências humanas e sociais. Esses desejos de influenciar o projeto de vida numa perspectiva da honra acadêmica, mais conservadora ou elitista, a gente quebrou totalmente, mas sempre com muita qualidade afetiva. Eu penso que ele estaria bastante perturbado hoje. Ele conheceu o fundamentalismo. Eu me lembro exatamente de quando começou esse movimento fundamentalista, e de como esse movimento, em seu formato americano, adentra nossa Igreja. Por sorte, ocorreu uma Teologia da Libertação durante essa mesma conjuntura histórica. Quando a Igreja luterana daqui se dá conta, ela já começa a colocar um limite nesse processo no interior do luteranismo. E no meu caso, eu vou dizer assim: eu sou luterana, muito em função de um capital cultural. Eu sigo luterana e tenho muita sorte, porque essa Teologia da Libertação é predominante na Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB). A igreja é favorável ao ensinamento cristão em sua opção pelos mais vulneráveis, sem, contudo, entrar necessariamente em conflito com aquele membro da Igreja bolsonarista. Claro que também há os padre Júlio Lancellotti, ativistas declarados pelo bem-estar dos pobres e dos excluídos, pastores que eu admiro tanto. O que eu escuto em alguns sermões não chega a ser explícito - as questões são colocadas como metáforas, você entende ou não. Se o bolsonarista entendeu ou não entendeu, eu também não sei. Há ainda manifestações políticas por parte da hierarquia da Igreja, absolutamente em convergência com o que eu penso e com o que eu pratico. Muitos colegas pastores aliás são antropólogos, e a gente troca muito, são militantes do bem viver de indígenas, são militantes da área infantil, da área geriátrica, e que seguem na luta, a partir dessa opção, de serem antropólogos e pastores ao mesmo tempo, ou pastoras. Então, acho que meu pai, no alto dessa sabedoria, já na velhice, estaria muito decepcionado, muito triste. Eu me lembro muito bem que ele estava com medo do que seria o governo do Lula. Depois, ele estava muito feliz pela forma democrática com que Lula estava encaminhando sua gestão. Não chegou a entender os erros, os processos de corrupção no interior da gestão. Ele não chegou a presenciar isso, muito menos a virada nessa direita fascistoide. Já tinha falecido. Mas eu o vejo muito próximo desses princípios do luteranismo, o que ele foi durante à vida: resistente ao que seria difamação, ao que seria uma corrupção do próprio projeto cristão. Mas, é importante dizer que minha mãe foi fundamental nessa trajetória do casal cristão. Ela tinha uma força e sabedoria incríveis e assumiu com muita competência a profissão “esposa de pastor” ou mulher-referência na comunidade. Minha mãe foi uma pessoa, como vou te dizer, absolutamente lúcida. Clara. E muito afetiva. Então, ela tem um dom de amar o outro que foi uma coisa que muito me impactou, era sempre um pensamento pelo outro. Lá em casa, tinha sempre uma fila de pessoas pedindo comida, toda minha infância foi isso, eu demorei um pouco para entender o que era esse ato de dividir a comida. A casa sempre estava cheia de gente sem grana, sem ter para onde ir, a casa sempre recebendo alguém para dividir as refeições ou mesmo morar conosco. Então são coisas muito da minha mãe, do meu pai. Uma sorte de ter tido essa orientação. Eu tenho colegas que caem para trás, quando descobrem que sou cristã. “Não acredito, Chica, não é possível. Você não tem um discurso luterano”. Respondo sempre com muita risada de que não sou uma Igreja. Apenas uma cristã cheia de defeitos. Mas os temas Igreja, religião não se tornaram minha escolha temática, embora os sistemas de crenças sempre tangenciaram as narrativas de meus/minhas interlocutores/as.

- Luís: Você fez parte da diretoria da ABA e hoje é vice-presidenta. O que você vê que mudou, dessa época até hoje?

- Chica: Eu sempre fui muito dedicada aos encontros coletivos da nossa profissão, muito. Durante muitos anos, fui de ônibus para a Anpocs, fui de ônibus para as Reuniões Brasileiras de Antropologia. Era Brasília, era São Paulo, Rio. Cheguei a ir à Bahia de ônibus. No mestrado, eu não tive bolsa de estudos. Dinheiro para avião, nem pensar. Sempre tive essa coisa de poder conhecer a Ruth Cardoso em pessoa. Poder conhecer Gilberto Velho. Isso, para mim, era absolutamente fantástico, ouvir a construção do conceito da cultura dinâmica, em plena Anpocs. Incrível. Aí me tornei militante também, de uma certa rede de antropologia, como aluna, depois como docente. Bela Feldman Bianco e Ana Galano foram extremamente gentis ao juntar todo mundo interessado em torno de uma rede e, em seguida, me senti incluída numa rede de antropologia visual. A gente tinha com quem dialogar. Em seguida, veio essa formação de núcleos, e os núcleos também dialogando entre si. E um apoiando o outro. E competindo também um pouquinho um com o outro, claro. E aí fui convidada, em várias ocasiões, por Gustavo Lins Ribeiro, para ser coordenadora da antropologia visual, convidada pela Mariza Peirano, para assumir uma função na diretoria. Eu não entendia muito bem por que eu, mas me sentia muito honrada. Também tinha muita admiração pela ABA. Tu tens a Manuela Carneiro da Cunha atuando na Constituição de 88, coisas incríveis que a gente pôde presenciar, que a gente pôde acompanhar. João Pacheco atuando na causa indígena, Mariza Corrêa com a questão de gênero. Quando a Miriam Grossi foi indicada para ser a presidenta da ABA, ela disse “olha, estou te convidando para ser minha secretária”, e eu disse “mas de jeito nenhum. Não tenho nenhuma competência para isso. Além do que, nossos colegas não vão apoiar”. Ela ligou para todo mundo e todo mundo apoiou. “Agora eu não escapo”. E aí minha grande amiga Ana Luiza, que eu sempre escutava para essas decisões, foi tirar um tarot e ver no que dava. Ana disse “vai firme, vai firme, porque eu acho que se o grupo está confiando em ti, é porque tu tens competência”. E foi muito trabalho naquele momento, sem uma sede fixa que somente depois conquistou, em Brasília. Na nossa gestão (2005-2006) a sede foi toda transferida para Florianópolis e depois voltou para Brasília, definitivamente. Estávamos ainda tentando atender o mais gentilmente possível as causas e as pessoas em tensão, o papel de ser associado/a, a abertura para estudantes associados/as etc. Hoje está tudo bem mais claro, uma organização em comitês que atuam incansavelmente, pois a demanda é enorme. Também destaco a experiência de organizar uma RBA, em 2006. Foi muito bacana. Tivemos um apoio muito grande da Universidade Federal de Goiás e da Pontifícia Universidade Católica de Goiás, e foi possível realizar uma Reunião Brasileira de Antropologia com muita dinâmica, com muita vibração. Ao longo dos dois anos, também teve um processo de reconstrução da história da Associação em seus 50 anos, com Miriam, a partir do legado do trabalho de Gustavo Lins Ribeiro, de Patrícia Monte-Mor, da Mariza Corrêa. Foram dois anos de muita vivência com essa geração que construiu a antropologia no Brasil, acho que foi um boom para a ABA, nesse sentido de ter uma comunidade cada vez mais reflexiva, cada vez mais se considerando como uma comunidade de pertença comprometida com as políticas afirmativas. A ABA herdou, da gestão do Rubem, uma preocupação com o estatuto da ética, o estatuto da antropologia. Nas gestões seguintes, o tema continua central, de modo especial a ética na pesquisa. Luiz Fernando Dias Duarte e Cynthia Sarti abraçaram essa causa, sobretudo a partir da presidência da Bela e Gustavo. Gustavo criou uma revista internacional. Então, foram dois anos em que eu me transformei, aprendi demais e, sobretudo, tive esse sentimento de não estar sozinha, o Programa de Pós da UFRGS não está sozinho, é realmente uma comunidade e uma comunidade com impacto internacional, o que não é pouca coisa. Uma sequência de presidentes apagando literalmente incêndios, mil problemas e injustiças a serem enfrentadas diariamente. A ABA virou um lugar de denúncia, com a Débora Diniz e todos os outros trazendo essas questões. Afastei-me para o pós-doutorado e, na volta, segui super engajada na ABA e recebi esse convite, sucedendo a gestão muito bacana da Bibia Gregori e do Sérgio Carrara. A Bibia me convidando para presidente. Eu disse: “eu não sei ser presidente de jeito nenhum. No máximo, sei ser secretária”. As conversações avançaram e aceitei ser vice. Aí foi esse arranjo, por sorte, a Patrícia Birman, apesar de situações pessoais muito complexas, nos deu esse fôlego. A gente teve uma sorte incrível, de montar uma equipe super comprometida, e a gente está fazendo um trabalho de oposição ao que está acontecendo no Brasil. Os Yanomami sendo atacados, sendo mortos, não só pela pandemia, assassinados por grileiros. Quilombolas expulsos de suas terras. Queimadas deslocando populações tradicionais, matando peixes, matando os animais na floresta. É uma responsabilidade enorme, mas, por sorte, a ABA também se estruturou em comitês e comissões, ou seja, pequenos grupos especializados em diferentes temáticas, que conseguem ajudar a Associação a superar uma determinada crise. Seja no formato da denúncia, do alerta, seja no formato efetivo, que nem a Andrea Zhouri, de participar de uma nota técnica apresentada para os senadores. E uma secretaria muito competente e atualizada com a experiente Carla Costa Teixeira, e com Andrea Lobo na tesouraria. Também temos uma sorte incrível em ter três funcionários excelentes e isso é muito importante para uma associação científica. Então, a gente está mais atenta a esses movimentos políticos, porque antes, os presidentes precisavam organizar a própria comunidade antropológica primeiro e tentar construir um projeto para a antropologia brasileira. Roberto Cardoso de Oliveira foi fundamental, neste sentido, ao produzir teoria antropológica brasileira. Vamos tentar, este ano, entregar um trabalho o mais sincero possível, com todo cuidado para não ferir interesses. Nós temos um momento legal, finalmente, antropólogos/as indígenas, com o Comitê de Antropologuês Indígena. A ABA precisa muito dessa transformação. Tem lideranças, pelo menos pessoas com maior abertura, e que estão extremamente sensíveis para essa busca. O Comitê de Quilombolas, o Comitê de Antropólogos/as Negros e Negras, o Comitê de Acessibilidade, o Comitê de Antropologia Visual também; trata-se de um momento muito rico para a antropologia brasileira. Graças à atuação de Gustavo e Carmen Rial, pela primeira vez na história, recebemos da American Anthropological Association (AAA) uma carta em português: foi um momento histórico. Esse ativismo, acho que está amadurecendo a ABA rumo a uma tendência de descolonização dos pensamentos e das ações, com debates sistemáticos. Sinto-me muito privilegiada em ajudar a ABA e deixar o campo aberto ao diálogo e quiçá, a mudanças importantes.

- Luís: Obrigada, acho que finalizamos.

- Chica: Eu que agradeço a vocês esta oportunidade de narrar uma experiência acadêmica.

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    . Entrevista transcrita por Luz Gonçalves Brito e editada por Tatiana Lotierzo, a quem agradecemos pelo trabalho cuidadoso de ambas. Para realizar a transcrição, contamos com o auxílio financeiro do Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de Brasília.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jan 2022
  • Aceito
    17 Fev 2022
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