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Da tutela à cidadania: construção social das imagens dos usuários da Política de Assistência Sociali i. Os autores agradecem as contribuições dos pareceristas anônimos da revista Sociedade e Estado, bem como as sugestões de Silvana Aparecida Mariano, Letícia Maria Schabbach e Mani Tebet Marins à versão preliminar do artigo. Priscilla Ribeiro dos Santos agradece ainda à Capes por concessão de bolsa PNPD, a qual possibilitou a pesquisa.

From tutelage to citizenship: social construction of users’ images in social assistance policy

Resumo

Este artigo examina as imagens socialmente construídas da população-alvo da assistência social no Brasil. Para tanto, empreendemos um estudo qualitativo, com base em análise documental, a fim de identificar os enquadramentos e as referências utilizadas nos documentos legais e administrativos para designar os grupos contemplados pelas ações de assistência social em diferentes períodos. Referenciados na literatura sobre policy design e construção social das populações-alvo, verificamos que distintas imagens da população-alvo estiveram associadas aos diferentes momentos históricos da política de assistência social e que o processo recente de reconfiguração, tendo como base a noção de cidadania, foi fomentado por uma policy community reformista. Quando integrantes da community ampliaram sua influência nos espaços decisórios, a ideia de usuários como cidadãos, cuja condição de necessidade deveria ser definida de forma abrangente e não restrita à renda, foi reforçada no arcabouço normativo que veio a estruturar o Sistema Único de Assistência Social (Suas).

Palavras-chave:
Políticas públicas; Construção social; Assistência social; Policy image; Policy design

Abstract

This article examines the social construction of the social assistance target population in Brazil. We undertake a qualitative study based on document analysis in order to identify the frameworks used in legal and administrative documents to designate groups covered by social assistance services in different periods. The analysis is referenced in public policy analysis, specially the contributions on policy design and social construction of target populations. We conclude that different images of the target population were associated with different historical moments of social assistance policy and that the recent reconfiguration process, based on the notion of citizenship, was fostered by a reformist policy community. When community members expanded their influence in decision-making arenas, the idea of users as citizens, whose condition of need should be broadly defined, was reinforced in the normative framework that came to structure the Unified Social Assistance System (Usas).

Keywords:
Public policy; Social construction; Social assistance; Policy image; Policy design

Introdução

Este artigo examina as imagens socialmente construídas da população-alvo da assistência social no Brasil e o papel desempenhado por policy communities nas disputas por suas representações nas três últimas décadas. A estruturação da área de assistência como sistema nacional organizado nas três esferas da Federação, destinado a garantir o direito à assistência aos necessitados, convive com o legado da filantropia, da ação caritativa de inspiração religiosa, que prevaleceu no país desde o período colonial. As normas legais e administrativas que estabelecem quem são e como devem ser tratados os cidadãos com direito à assistência definem a população-alvo das ações de assistência social. Ao considerar que a essa população corresponde uma imagem socialmente construída, persistente, mas não perene, ela é objeto de disputa política entre defensores de diferentes visões sobre a política social, sobre quais devem ser seus resultados e sobre quem é merecedor de proteção.

As decisões sobre políticas públicas em sociedades complexas, dotadas de organizações estatais grandes, segmentadas e sofisticadas não ocorrem em um lugar central claramente definido, e os atores sociais coletivos e individuais influentes são múltiplos: profissionais, servidores públicos localizados em postos de comando, ministros, secretários e, mais recentemente, policy communities (Dunleavy, 1981DUNLEAVY, Patrick. Professions and policy change: notes towards a model of ideological corporatism. Public Administration Bulletin, v. 36, p. 3-16, 1981.: 4). O conceito de policy community que utilizamos no artigo refere-se a um número relativamente estável de membros que dividem os mesmos valores e a visão sobre os resultados desejáveis de política setorial. As decisões são tomadas dentro dessas communities em processos fechados para outras communities e para o público em geral (Rhodes, 1986RHODES, Roderick A. W. The national world of local government. Oxford, UK: Allen and Unwin, 1986.: 23).

As ideias defendidas por policy communities e por outros atores coletivos e individuais compõem um conjunto de crenças e valores que expressam determinada visão de mundo. A produção de políticas públicas engendra um processo argumentativo de disputa sobre critérios de classificação, interpretação e representação simbólica que orientam as ações de indivíduos e grupos (Stone, 2002STONE, Deborah. Policy paradox: the art of political decision making. New York: Norton & Company, 2002.). É por meio da criação de imagens públicas sobre questões que é possível mobilizar a atenção do macrossistema político e da mídia e transformá-las em problemas que passam a integrar a agenda governamental (Baumgartner & Jones, 1991______. Agenda dynamics and policy subsystems. The Journal of Politics, v. 53, n. 4: 1044-1074, 1991. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2131866>. Acesso em: 05 fev. 2021.
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). Policy images sobre problemas, suas causas e propostas de solução envolvem ainda a construção de imagens sobre os beneficiários, ou, dito de outro modo, a construção social da população-alvo (Schneider & Ingram, 1993SCHNEIDER, Anne; INGRAM, Helen. Social construction of target population: implications for politics and policy. The American Political Science Review, v. 87, n. 2, p. 334-346, 1993. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2939044>. Acesso em: 25 Jan. 2021.
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).

A teoria da construção social de populações-alvo e sua influência no desenho de políticas emergiu como quadro teórico consistente no final dos anos 1980, como forma de explicar como uma política é selecionada, implementada e avaliada (Tsubaki, 2019TSUBAKI, Linda. Social construction, policy design, and program efficacy in the U.S. Navy’s family readiness group program. Doctoral dissertation (Ph.D in Philosophy, Public Policy and Administration), Walden University, Minneapolis, MN, 2019.). Ao usar essa abordagem na análise de políticas públicas, Helen Ingram e equipe (2007INGRAM, Helen et al. Social construction and policy design. In: SABATIER, Paul A. (Org.). Theories of the policy process , p. 93-126. Cambridge, MA: Westview Press, 2007.) afirmaram que a construção social positiva ou negativa da população-alvo na formulação de políticas determina como o desenho da política não apenas distribui benefícios e ônus a essas populações, mas reflete e perpetua determinada construção. O modo como a política é construída “pode influenciar as instituições dos sistemas de conhecimento por meio da aplicação de preferências, da distribuição de conhecimento e da criação de capital político” (Tsubaki, 2019: 33). Tendo em vista os objetivos deste artigo, dentre os pressupostos-chave da teoria, destacamos três:

  • i. os benefícios e os encargos são alocados de acordo com o poder político e a construção social positiva ou negativa da população-alvo;

  • ii. o poder e a construção social das populações-alvo afetam a formulação de políticas; e

  • iii. as construções sociais podem mudar, e o desenho da política pode criar mudanças.

Diversos estudos destacam as disputas pela estruturação da assistência social no período posterior à Constituição de 1988 e o papel de uma comunidade de especialistas na defesa do paradigma de direitos (Mendosa, 2012MENDOSA, Douglas. Gênese da política de assistência social no governo Lula. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), São Paulo, 2012.; Côrtes, 2015CÔRTES, Soraya M. Vargas. Policy community defensora de direitos e a transformação do Conselho Nacional de Assistência Social. Sociologias, Ano XVII, n. 38, p. 122-154, 2015.; Gutierres, 2018GUTIERRES, Kellen Alves. Estudo de trajetórias e interações socioestatais: mútua constituição entre movimento social e a política pública de assistência social. Lua Nova, n. 105, p. 81-114, 2018. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/0102-081114/105>. Acesso em: 15 dez. 2020.
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). Porém, ainda é necessário compreender como esse ator coletivo contribuiu para a conformação de um novo enquadramento da população-alvo da assistência social nas três últimas décadas. Dito isso, este artigo examina as imagens socialmente construídas da população-alvo da assistência social. Para tanto, empreendemos um estudo qualitativo com base na análise documental a fim de identificar os enquadramentos e as referências utilizadas nos documentos legais e administrativos para designar os grupos contemplados pelas ações de assistência social em diferentes períodos. Ao todo, selecionamos excertos dos textos constitucionais e dos principais normativos da área, abrangendo legislação, normas operacionais básicas e as duas Políticas Nacionais de Assistência Social (1998 e 2004).

Verificamos que distintas imagens de população-alvo estiveram associadas aos diferentes momentos históricos da política de assistência social e que o processo de reconfiguração da construção social dessa população, tendo como base a noção de cidadania, foi fomentado pela policy community reformista desde o início da década de 1990. Esse novo enquadramento dos grupos veio a substituir, ao menos em parte, a concepção até então predominante de pobres mais ou menos merecedores da caridade privada ou estatal por uma visão de cidadãos com direito à assistência, cuja condição de necessidade deveria ser definida de forma abrangente e não restrita aos seus rendimentos. Especialmente depois de 2004, quando da criação do Sistema Único de Assistência Social (Suas), em documentos do governo federal, a imagem da população-alvo transitou de um público objeto de caridade para um público sujeito de direitos. A primeira imagem está associada ao legado da filantropia, cujas origens remontam às noções católicas coloniais que propunham o protagonismo das Misericórdias, e não do Estado, no cuidado aos necessitados nas colônias portuguesas e a salvação de quem é caridoso com o pobre merecedor. Já a segunda imagem está associada à noção de beneficiários como cidadãos, que têm direito à assistência em caso de necessidade; direito cuja efetivação é responsabilidade do Estado.

O artigo está estruturado em três seções, além desta Introdução e das Considerações finais. Inicialmente, discutimos os conceitos de policy image e de monopólio de política, desenvolvidos por Frank Baumgartner e Bryan Jones (1991______. Agenda dynamics and policy subsystems. The Journal of Politics, v. 53, n. 4: 1044-1074, 1991. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2131866>. Acesso em: 05 fev. 2021.
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), a fim de compreender o papel das ideias na análise sobre os momentos de estabilidade e mudança nas políticas públicas. De forma complementar, recorremos às contribuições de Anne Schneider e Helen Ingram (1993SCHNEIDER, Anne; INGRAM, Helen. Social construction of target population: implications for politics and policy. The American Political Science Review, v. 87, n. 2, p. 334-346, 1993. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2939044>. Acesso em: 25 Jan. 2021.
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) sobre policy design e construção social da população-alvo das políticas públicas. Na segunda seção, abordamos o histórico da política de assistência social no Brasil com o objetivo de verificar quais eram as imagens de população-alvo derivadas do ordenamento normativo e administrativo na área até a década de 1980. Na sequência, analisamos o novo enquadramento da população-alvo que veio a orientar a construção de um novo policy design na área de assistência social no período pós-Constituição de 1988.

A influência da construção social de populações-alvo para a formação de policy images

O modelo de equilíbrio pontuado emergiu em um contexto de crescente atenção destinada à dimensão simbólica como aspecto relevante para a construção de explicações sobre os processos de políticas públicas. A importância de crenças e valores foi incorporada no modelo analítico por meio do conceito de policy image - noção que abarca as percepções do público a respeito de uma determinada política (Mondou et al., 2014MONDOU, Matthieu et al. Policy image resilience, multidimensionality, and policy image management: a study of U.S. biofuel policy. Journal of Public Policy, v. 34, n. 1, p. 155-180, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1017/S0143814X13000317>. Acesso em: 25 Fev. 2021.
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). Essas imagens compartilhadas são recursos importantes para a construção e comunicação de significados que orientam e motivam os atores que operam dentro da arena política. É por intermédio das policy images que são formulados entendimentos acerca dos problemas a serem enfrentados e dos objetivos que devem ser perseguidos (Baumgartner & Jones, 1991______. Agenda dynamics and policy subsystems. The Journal of Politics, v. 53, n. 4: 1044-1074, 1991. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2131866>. Acesso em: 05 fev. 2021.
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; 2009).

As disputas por diferentes policy images, relacionadas ao mesmo referente objetivo, são importantes para a produção de ação coletiva nas arenas das políticas setoriais. A manipulação de discursos e símbolos associados à política são fundamentais para obtenção de colaboração de um conjunto de indivíduos, bem como para coordenação da ação desse agrupamento em prol de um mesmo objetivo. A conformação desses atores coletivos, por meio do compartilhamento de policy images, é impulsionada pela atuação de empreendedores de política, ou seja, indivíduos com habilidade de leitura de contexto, de trânsito entre um grande espectro de atores e com capacidade de assegurar a cooperação dos demais. A atração de indivíduos para essa empreitada colaborativa ocorre com a construção de uma representação simbólica acerca da política que os motive a atuar de maneira conjunta na busca de uma mesma meta (Capella, 2016CAPELLA, Ana Cláudia N. Um estudo sobre o conceito de empreendedor de políticas públicas: ideias, interesses e mudança. Cadernos Ebape.BR, v. 14, p. 486-505, 2016. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1679-395117178>. Acesso em: 10 Mar. 2021.
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).

O compartilhamento de policy images e a atuação de empreendedores de política são essenciais para a compreensão das possibilidades de permanência ou mudança em um setor de políticas públicas. Para o modelo do equilíbrio pontuado, subsistemas de políticas públicas se caracterizam por longos períodos de estabilidade interrompidos por momentos súbitos de mudanças intensas. Os intervalos de constância são sustentados por monopólios de política, contextos em que a combinação entre as estruturas institucionais e uma imagem positiva da política vigente desincentiva iniciativas que visem transformações. Em outras palavras, o monopólio da política é obtido quando uma policy image se consolida como a interpretação dominante no setor. Uma imagem positiva e duradoura é uma das chaves para a manutenção do status quo do subsistema (Baumgartner & Jones, 2009BAUMGARTNER, Frank R.; JONES, Bryan D. Agendas and instability in American politics. Chicago, IL: University of Chicago Press, 2009.).

Os processos de mudança são engendrados com base na manipulação de policy images. Grupos que pretendam desafiar o monopólio de um subsistema devem se mobilizar de modo a construir uma imagem capaz de se contrapor à representação dominante naquela arena política. Essa atividade envolve não apenas a manipulação de símbolos e discursos, mas também a expansão do debate setorial para além dos espaços institucionais, onde, costumeiramente, ocorrem as disputas (policy venues) que tendem a oferecer feedback negativo a qualquer iniciativa de modificação. Nesse sentido, a imagem alternativa deve atrair a atenção de um público mais amplo do que aquele que acompanha a dinâmica do subsistema nos períodos de rotina. Dessa forma, com o debate público sobre o tema, o processo decisório extrapola os limites do subsistema, possibilitando o acesso a um ambiente mais favorável às iniciativas transformadoras (Baumgartner & Jones, 1991______. Agenda dynamics and policy subsystems. The Journal of Politics, v. 53, n. 4: 1044-1074, 1991. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2131866>. Acesso em: 05 fev. 2021.
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; 2009). Tanto as policy images voltadas para a manutenção de monopólios como aquelas dedicadas à transformação contêm representações sobre elementos basilares de uma política. Por meio dessas imagens, são concebidos problemas a serem enfrentados, objetivos a serem atingidos e as ferramentas mais adequadas para esses fins. Subjacentes a essas definições, temos entendimentos mais amplos acerca do funcionamento da sociedade, do papel do Estado e a finalidade de suas intervenções. Em outras palavras, percepções sobre a justiça, a desejabilidade e a efetividade de determinada política embasam prescrições a respeito de seu desenho. Nesse âmbito, operam os debates para definição de populações-alvo.

A construção da imagem da população-alvo de uma política é um dos fundamentos para a formação de uma policy image e envolve dimensões simbólicas, que remetem a crenças, valores e representações a respeito dos grupos cujos comportamentos a intervenção estatal pretende modificar. Nesse processo, não apenas a sociedade atua na produção de sentidos e enquadramentos dos grupos como o próprio Estado afeta a construção de identidades e a produção de sujeitos (Schnei­der & Ingram, 1993). Uma proposta de política pública que atenda a um grupo social considerado merecedor pela opinião pública tende a ser mais bem aceita pela sociedade e, por consequência, amplia as possibilidades de sucesso na obtenção do monopólio de um subsistema. Por outro lado, proposições que favoreçam agrupamentos com imagem negativa generalizada terão dificuldade em obter apoios mais amplos. Portanto, uma policy image, para se tornar bem-sucedida, deve dialogar e interagir com as percepções valorativas do público a respeito de determinados segmentos da sociedade no momento de construir a imagem de sua população-alvo.

A interlocução entre o processo de formulação de políticas públicas e as imagens culturais valorativas sobre determinados grupos foi conceitualizado por Schneider e Ingram (1993SCHNEIDER, Anne; INGRAM, Helen. Social construction of target population: implications for politics and policy. The American Political Science Review, v. 87, n. 2, p. 334-346, 1993. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2939044>. Acesso em: 25 Jan. 2021.
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) sob a denominação de construção social de populações-alvo. O principal pressuposto dessa corrente analítica é o de que formuladores de políticas públicas enquadram os sujeitos das políticas em termos positivos ou negativos, distribuindo benefícios ou encargos, a partir da interação com construções sociais mais amplas. A composição dessas imagens pela manipulação de significados sociais é crucial tanto para os grupos que têm o objetivo de manutenção de monopólio como para aqueles que pretendem desencadear processos de mudança no subsistema, uma vez que, associadas à dimensão do poder, as construções sociais impactam o processo de formulação de políticas públicas (Ingram et al., 2007).

O conceito de população-alvo é oriundo da análise de desenho de políticas públicas. Essa perspectiva compreende que, para atingir seus objetivos, as políticas públicas devem, de alguma maneira, modificar o comportamento de um determinado conjunto de atores. A alteração comportamental pode ser obtida com o uso de incentivos ou de coerções que levem os indivíduos a agirem de certo modo. Para alcançar esse efeito, é preciso que a política estabeleça critérios que estipulem os grupos que serão objeto direto da intervenção estatal (Pierce et al., 2014PIERCE, Jonathan J. et al. Social construction and policy design: a review of past applications. Policy Studies Journal, n. 42, v. 1, p. 1-29, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1111/psj.12040>. Acesso em: 25 Jan. 2021.
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). No estabelecimento desses critérios operam significados sociais de ordem valorativa que ensejam a distinção entre grupos e conferem sentido à ação de focalização de um ou de outro. A definição de uma população-alvo ocorre por meio de um processo de construção social realizada a partir de estereótipos construídos e disseminados em diversos espaços sociais (Ingram et al., 2007INGRAM, Helen et al. Social construction and policy design. In: SABATIER, Paul A. (Org.). Theories of the policy process , p. 93-126. Cambridge, MA: Westview Press, 2007.).

O desenho da política tende a refletir essas construções ao definir como o comportamento de setores populacionais específicos pode ser modificado. Agrupamentos atrelados a construções socias positivas - vistos como “merecedores”, “honestos”, “bem intencionados” - tendem a ser objeto de políticas que distribuem incentivos e benefícios. Já grupos que são percebidos de maneira negativa - considerados como “desonestos”, “aproveitadores”, “egoístas” - normalmente são o alvo dos encargos e fardos de uma política (Schneider & Ingram, 1993SCHNEIDER, Anne; INGRAM, Helen. Social construction of target population: implications for politics and policy. The American Political Science Review, v. 87, n. 2, p. 334-346, 1993. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2939044>. Acesso em: 25 Jan. 2021.
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). As imagens associadas a um grupo afetam as probabilidades de um problema ser apresentado à agenda, uma vez que alguns problemas tendem a ser ignorados pelo fato de estarem associados a grupos com construções sociais negativas (Schneider & Ingram, 1993). Ademais, o desenho de política envia mensagens sobre a importância dada pelo governo aos problemas, sendo que a imagem escolhida pode reforçar ou não enquadramentos negativos ou positivos dos grupos para os quais as políticas se destinam (Ingram et al., 2007), isto é, como públicos merecedores ou indignos do amparo estatal.

O impacto da construção social na definição do policy design fica evidente quando se examina a variabilidade de instrumentos que podem ser adotados para uma mesma população-alvo. Por exemplo, o desenho de uma política voltada para a população em situação de rua dependerá do entendimento corrente acerca desse grupo. Caso a interpretação dominante seja de que essas pessoas se encontram nessa condição por responsabilidade própria e de que esse público representa um perigo para a ordem pública, é provável que as ferramentas da política apresentem um viés coercitivo, impondo agravos à essa população. No entanto, se a mesma condição for entendida como resultado de uma dinâmica social excludente que vitimizou essa população, a tendência é de que os instrumentos sejam mais benevolentes. Essa situação hipotética explicita a diferença entre a população-alvo e a sua imagem. Um mesmo grupo pode ter a sua imagem socialmente construída de diversas maneiras. A definição de qual dessas imagens será a norteadora é fundamental, tendo em vista que esse aspecto, mais do que a mera definição de critérios para focalização, impactará no desenho da política. Por essa razão, a imagem da população-alvo é um elemento central nas disputas de policy image dentro de um subsistema.

A possibilidade de as políticas públicas impactarem as percepções sociais dominantes sobre os grupos por ela afetados também é incorporada ao modelo explicativo de Schneider e Ingram (1993SCHNEIDER, Anne; INGRAM, Helen. Social construction of target population: implications for politics and policy. The American Political Science Review, v. 87, n. 2, p. 334-346, 1993. Disponível em: <https://doi.org/10.2307/2939044>. Acesso em: 25 Jan. 2021.
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). Para as autoras, o desenho de uma política pode contribuir para transformar a imagem corrente de sua população-alvo. Esse fenômeno pode ocorrer por diferentes caminhos. A variedade de ocorrências que pode impulsionar mudança nas imagens de populações-alvo varia desde acontecimentos internos ao subsistema até abalos externos que nele repercutem. Dentre as forças exteriores, estão as mudanças institucionais de grande porte, eventos dramáticos que alteram narrativas da mídia e a opinião pública sobre determinado grupo, aprendizagem advinda de outras experiências de políticas públicas e de outros setores. No interior do subsistema, não só os empreendedores de política (Mondou et al., 2014MONDOU, Matthieu et al. Policy image resilience, multidimensionality, and policy image management: a study of U.S. biofuel policy. Journal of Public Policy, v. 34, n. 1, p. 155-180, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1017/S0143814X13000317>. Acesso em: 25 Fev. 2021.
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) mas também as policy communities são capazes de engendrar mudanças na política setorial. Isso ocorre quando tais atores formulam uma policy image alternativa com base em novas construções sociais de população-alvo.

Distintas imagens de população-alvo estiveram associadas aos diferentes momentos históricos da política de assistência social brasileira. Como veremos a seguir, a construção dessas imagens decorreu da manipulação de percepções e entendimentos a respeito de quais segmentos da população seriam merecedores de auxílio estatal. De maneira geral, reproduziu-se a concepção generalizada de que o suporte do Estado deveria ser destinado àqueles considerados incapazes de prover sua subsistência por meio do mercado de trabalho. O dever de amparar esses grupos estava ancorado na lógica da caridade com os mais necessitados, o que imprimiu um persistente caráter filantrópico à política de assistência social.

Ideias moralizantes e disciplinadoras de uma imagem em construção: a população-alvo da assistência social ao longo do século XX

No Brasil, desde o período colonial, as ações de assistência social contaram com reduzido investimento público. O protagonismo na busca de financiamento, organização e distribuição de serviços assistenciais, tais como cuidado dos doentes, dos desterrados, dos órfãos e de outros necessitados era assumido pelas Misericórdias e por obras sociais vinculadas à Igreja Católica (Franco, 2014FRANCO, Renato J. O modelo luso de assistência e a dinâmica das Santas Casas de Misericórdia na América portuguesa. Estud. Hist., v. 27, n. 53, p. 5-25, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0103-21862014000100001>. Acesso em: 10 Abr. 2021.
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; Lapa, 2008LAPA, José Roberto A. Contribuição à história da pobreza no Brasil (1850-1930). Campinas: Editora Unicamp, 2008.). Durante o Império e, de forma mais acentuada, na Primeira República, os governos subnacionais tenderam a ter maior participação na oferta de serviços. Não raro, hospitais e asilos, criados em vários estados do país, internavam de forma compulsória pessoas com transtornos mentais, hanseníase e tuberculose (Côrtes, 1995______. User participation and reform of the Brazilian Health System: the case of Porto Alegre. Tese (Doutorado em Social Policy) - London School of Economics and Political Science, London, 1995.). Se, por um lado, a República consagrara a separação entre Estado e Igreja Católica, por outro, a oferta de serviços e bens assistenciais aos necessitados permaneceu sendo realizada principalmente por entidades privadas, muitas das quais vinculadas à Igreja Católica.

Ao longo do século XX, os governos ampliaram gradativamente sua participação no financiamento dessas entidades mediante “subvenções” (Fonseca, 2012FONSECA, Sérgio C. A interiorização da assistência à infância durante a Primeira República: de São Paulo a Ribeirão Preto. Educação em Revista, v. 28, n. 1, p. 79-108, 2012. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0102-46982012000100005>. Acesso em: 10 Mar. 2021.
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; Souza, 2007SOUZA, Simone E. Os socorros públicos no Império do Brasil 1822 a 1834. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Estadual Paulista, Assis, SP, 2007.). A partir de 1930, o governo federal passou a estabelecer critérios para decidir quais entidades “destinadas à realização de qualquer espécie de serviço social” poderiam receber recursos financeiros ou isenções fiscais (Brasil, 1938, art. 4º, alínea d). Nas constituições brasileiras anteriores à Constituição de 1988 não há menção ao direito à assistência social. A Carta de 1934 - de repercussão limitada, tendo em vista a instauração do Estado Novo em 1937 - estabeleceu que a “assistência aos pobres é assegurada pela União e pelos Estados” (Brasil, 1934, art. 125). Na Constituição de 1937, não há menção à assistência social a não ser quando relacionada àquela “prestada pelas associações, sindicatos ou institutos”, direcionada aos trabalhadores formais urbanos (Brasil, 1937, art. 61, alínea a).

O Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS), criado em 1938, iniciou a federalização do financiamento das entidades beneficentes de assistência social e a estruturação de um serviço social nacional que organizaria e regularia as obras sociais mantidas pelos governos e entidades privadas. Nesse momento, a imagem de necessitados merecedores, fundada em critérios morais e religiosos, típica do período colonial e do Império, foi substituída pela de desajustados sociais1 1 Desde o final do século XIX, as ideias higienistas de inspiração eugenista procuravam articular ciência, raça e nação em um projeto de reforma e construção nacional. Consideravam que a doença e a pobreza eram devidas ao desajuste social, provocado por características inatas de determinados segmentos da população (Viégas et al., 2015). . Por meio do CNSS, seria possível “diminuir ou suprimir as deficiências ou sofrimentos causados pela pobreza ou pela miséria ou oriundas de qualquer outra forma do desajustamento social” (Brasil, 1938, art. 1º).

A criação da Legião Brasileira da Assistência (LBA), em 1942, instituiu pela primeira vez um órgão nacional com o objetivo de “prestar, em todas as formas úteis, serviços de assistência social, diretamente ou em colaboração com instituições especializadas” (Brasil, 1942, art. 1º). A área não se integrou propriamente na estrutura dos governos2 2 Tanto o CNSS quanto a LBA surgiram fortemente associados à primeira dama Darcy Vargas, apresentada pelo governo Vargas e seus apoiadores como a “mãe dos pobres” (Silva, 2018: 28-29). Embora mulheres pertencentes às elites políticas e econômicas do país já se dedicassem à caridade, o protagonismo assumido por Darcy Vargas construiu um modelo que se tornou padrão na área de assistência social nas três esferas de governo da Federação. ; organizou-se como um apêndice, derivado da esfera doméstica do governante, no qual a mulher e mãe exercia sua vocação, vista como natural, para o cuidado e a caridade. Nesse apêndice, homens eram os responsáveis por “questões financeiras e administrativas” e ocupavam a maioria dos cargos de direção das comissões central e estaduais da LBA, pelo menos até 1951, quando as primeiras-damas dos estados voltaram ao comando estadual (Silva, 2018SILVA, Bruno S. M. Tecnificação e gênero no corpo laboral da Legião Brasileira de Assistência: assistência social e modernidade (1945-1964). História Unisinos, v. 22, n. 4, p. 604-619, 2018.: 52). Desde então, o primeiro-damismo na área de assistência social se disseminou nos estados e nos municípios, somente perdendo importância ao longo da década de 1990. A imagem da população-alvo da assistência na recém criada LBA, era similar à do CNSS, tanto que, dentre suas finalidades, constava em seu estatuto “favorecer o reajustamento das pessoas moral ou economicamente desajustadas” (LBA, 1942:6). Iniciava-se a vinculação, em certa medida persistente ainda hoje, entre previdência e assistência social. Isso porque um terço do financiamento da LBA era de responsabilidade do governo federal e os outros dois terços eram pagos pelos “segurados de Institutos e Caixas de Aposentadoria e Pensões” e pelos seus empregadores (Brasil, 1942, art. 2º)3 3 Em 1945, a cota dos segurados foi extinta, permanecendo a dos empregadores (Silva, 2018). .

Paralelamente, foram criados junto ao governo federal dois órgãos assistenciais cuja população-alvo eram mães, crianças e adolescentes: o Departamento Nacional da Criança (DNCr), em 1940, vinculado ao Ministério da Educação e Saúde; e o Serviço de Assistência a Menores (SAM), em 1941, junto ao Ministério da Justiça e Negócios Interiores (Brasil, 1940; 1941). O DNCr focava mães muito pobres e crianças pobres e abandonadas. Suas ações eram balizadas por concepções de saúde fundamentadas na eugenia, na puericultura e na higiene (Overné, 2018OVERNÉ, Cláudio A. O Departamento Nacional da Criança em seu primeiro quinquênio de funcionamento, a assistência e a educação à infância (1940-1945). Anais do Encontro de História da Anpuh, p. 1-13. Rio de Janeiro: Universidade Federal Fluminense (UFF), 2018.). Embora a imagem dessa população não fosse positiva, acreditava-se que a educação poderia corrigir desvios comportamentais provocados por propensões inatas. A imagem negativa de “menores delinquentes e desvalidos” (Souza, 2020SOUZA, Fabíola Amaral Tomé de. A Institucionalização do Atendimento aos Menores - O SAM. Revista Brasileira De História & Ciências Sociais, v. 12, n. 24, p. 61-92, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.14295/rbhcs.v12i24.11608>. Acesso em: 12 Mar. 2021.
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: 84) estava presente nos documentos legais (Brasil, 1941, art. 2º) e se refletiu na vinculação institucional do SAM, nas medidas repressivas, por vezes violentas, promovidas pelo órgão e na baixa qualificação dos trabalhadores das instituições vinculadas, contratadas ou reguladas pelo órgão.

O foco nessa parcela da população (mulheres-mães, crianças e adolescentes) se manteve no período posterior, como na obrigatoriedade da oferta de “assistência à maternidade, à infância e à adolescência” e amparo a “famílias de prole numerosa”, presente na Constituição de 1946 (Brasil, 1946; Silva, 2018SILVA, Bruno S. M. Tecnificação e gênero no corpo laboral da Legião Brasileira de Assistência: assistência social e modernidade (1945-1964). História Unisinos, v. 22, n. 4, p. 604-619, 2018.). No entanto, com a perda de influência das teorias eugenistas no contexto da derrota do Eixo, na Segunda Guerra Mundial, a noção de “desajustamento social” foi atenuada.

Nas décadas de 1950 e 1960, não houve alteração importante nessa imagem. Ao início dos anos 1950, a direção da LBA aproximou-se da Igreja Católica e do empresariado, relacionamento que persistiu nas décadas seguintes. No decorrer dos anos, além de campanhas de doação de alimentos e outros bens, a ênfase foi depositada em ações educacionais, particularmente na educação sanitária das mães. A educação das mulheres visava qualificar as “mães” e promover os laços indissolúveis do matrimônio, vistos como ameaçados por novos comportamentos sociais (Silva, 2018SILVA, Bruno S. M. Tecnificação e gênero no corpo laboral da Legião Brasileira de Assistência: assistência social e modernidade (1945-1964). História Unisinos, v. 22, n. 4, p. 604-619, 2018.). A imagem dessa população-alvo era composta de uma mescla entre a ideia de famílias necessitadas e de mulheres inadequadas ao papel de mãe e esposa, sujeitas a ações moralizantes e disciplinadoras.

Durante a ditadura civil-militar, determinações legais e administrativas promoveram uma crescente institucionalização de ações de assistência social no governo federal, ainda que de forma pouco articulada. A ênfase na assistência à criança e ao adolescente foi direcionada ao atendimento ao “menor”. Em 1964, foi criada a Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (Funabem) com as atribuições e o patrimônio do SAM. A Funabem expandiu sua atuação e teve marcada orientação repressiva em relação às crianças e aos adolescentes em situação de vulnerabilidade ou cometimento de infrações (Becher, 2011BECHER, Franciele. Os “menores” e a Funabem: influências da ditadura civil-militar brasileira. Anais do XXVI Simpósio Nacional de História (Anpuh), p. 1-16, 2011.; Perez & Passone, 2010PEREZ, José Roberto R.; PASSONE, Eric F. Políticas sociais de atendimento às crianças e aos adolescentes no Brasil. Cad. Pesqui., v. 40, n. 140, p. 649-673, 2010. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0100-15742010000200017>. Acesso em: 16 Abr. 2021.
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). Em 1969, a LBA foi transformada em fundação vinculada ao Ministério da previdência social e do Trabalho com a finalidade de prestar assistência à maternidade, à infância e à adolescência em famílias desprovidas de recursos (Brasil, 1969). A área de assistência social no governo expandia a sua importância; a população-alvo permanecia a mesma, mas as ações adquiriram um caráter mais repressivo.

A população-alvo da assistência, a partir do início da década de 1970, foi ampliada passando a incluir idosos pobres, pessoas inabilitadas para o trabalho rural e pessoas com deficiências. Isso ocorreu por meio do Programa de Assistência ao Trabalhador Rural (Prorural), instituído em 1971, e da Renda Mensal Vitalícia, criada em 1974, para “maiores de 70 anos de idade e para inválidos” (Brasil, 1974). Embora a previdência social financiasse esses programas, por meio do Funrural e do INPS, não era necessário comprovar contribuição.

O início de uma ação mais bem articulada do governo federal na área ocorreu com o desmembramento do Ministério do Trabalho e da previdência social, em 1974, com a criação dos Ministérios do Trabalho e da Previdência e Assistência Social, este, o primeiro a incorporar entre as suas funções principais a proteção social e a prestação de auxílios materiais e educacionais de cunho assistencial. A ênfase em políticas nacionais que visavam “resgate da dívida social”, a partir de 1974, tem sido considerada como tentativa de resposta à perda de apoio popular ao regime (Carvalho, 2011CARVALHO, Aloysio Castelo. Os militares na liberalização do regime autoritário brasileiro (1974-1985). Militares e Política, n. 9, p. 83-104, 2011.; Mioto & Nogueira, 2013MIOTO, Regina C. T.; NOGUEIRA, Vera Maria R. Política social e serviço social: os desafios da intervenção profissional. Katálysis, v. 16, p. 61-71, 2013. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S1414-49802013000300005>. Acesso em: 02 Fev. 2021.
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). O crescimento da ação estatal ocorria paralelamente aos sinais de esgotamento do modelo filantrópico de promoção da assistência social, centrado na participação do empresariado e do Estado (Mestriner, 2001MESTRINER, Maria Luiza. O Estado entre a filantropia e a assistência social. São Paulo: Cortez, 2001.). Se, por um lado, a população-alvo passara a ser composta por pessoas com deficiência e idosos pobres, além de mulheres-mães, crianças e adolescentes, por outro, persistia o entendimento da assistência como caridade. A concepção de que a assistência social é um dos direitos de cidadania seria introduzida no debate da área somente na década de 1980, durante o processo constituinte.

Entre a filantropia e o direito: a assistência social no contexto pós-redemocratização

Ao início da década de 1980, a concepção predominante de assistência social era, portanto, fundada na justificativa da ação caridosa oferecida aos necessitados cujo comportamento os habilitava à condição de merecedores de amparo. A incorporação de trabalhadores rurais, idosos e pessoas pobres com deficiência à população-alvo da área tensionava a imagem tradicional de beneficiário da caridade, uma vez que os benefícios financiados com recursos da previdência social tendem a ser tratados como direitos. Além disso, e não apenas no Brasil, há maior apoio público à proteção social voltada aos idosos, aos doentes e às pessoas com deficiência, enquanto o apoio aos benefícios para famílias pobres com crianças tende a ser menor (Van Oorschot & Roosma, 2015; Natalino, 2021NATALINO, Marco A. C. A redistribuição e seus descontentes: percepções sociais sobre pobreza, desigualdade e programas de transferência de renda. Tese (Doutorado em Sociologia) - Programa de Pós-Graduação em Antropologia e Sociologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Rio de Janeiro, 2021.). Com a expansão ocorrida nos anos 1970, iniciara-se um processo que favoreceu a construção social de uma imagem pública mais positiva da população-alvo assistida.

As mudanças no foco das ações e na imagem da população-alvo ocorreram simultaneamente à construção de um campo autônomo em relação às demais políticas de seguridade social durante a década de 1980. Não por acaso, a burocracia previdenciária, preocupada em separar as áreas de previdência e assistência que estavam, em certa medida, superpostas, foi protagonista na construção de uma proposta que rompia o modelo filantrópico predominante até então (Margarites, 2020MARGARITES, Gustavo Conde. A constituição da assistência social como um campo de política pública no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2020.). Foi o Grupo de Trabalho para Reestruturação da previdência social (GT/MPAS), criado no Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), que formulou e apresentou à Assembleia Nacional Constituinte (ANC), nas comissões e subcomissões em que seus integrantes participavam, a proposta de um sistema, apartado da previdência social, que garantisse o direito universal dos cidadãos aos benefícios e serviços assistenciais (Margarites, 2020)4 4 A proposta sofreu oposição da coalizão liberal e conservadora em aliança eventual com os representantes das entidades privadas religiosas ou laicas prestadoras de serviços de assistência. O bloco liberal conservador obteve algumas vitórias como a isenção de contribuição à seguridade às entidades beneficentes, a dispensa de observância pelas entidades privadas das mesmas obrigações constitucionais das instituições públicas, a delimitação do escopo da assistência social apenas “a quem dela necessitar” e a restrição a intervenção estatal na oferta de ações de assistência (Brasil, 1988). .

Apesar de resistências, a Constituição incorporou as principais propostas do grupo que defendia a desvinculação da assistência social da previdência e o direito universal dos cidadãos ao amparo em caso de necessidade. Estabeleceu ainda que a área deveria ser organizada de acordo com os princípios da descentralização político-administrativa e a participação da população, por meio de organizações representativas, na formulação das políticas e no controle das ações (Brasil, 1988). Determinou que a assistência social integrasse a seguridade social, junto com as áreas de saúde e de previdência social, garantindo o direito a uma renda de um salário-mínimo para idosos e pessoas pobres com deficiência, institucionalizando a renda mensal vitalícia, que fora criada em 1974, e ampliando o valor do benefício, vinculando-o ao salário mínimo. A legislação complementar viria a normatizar as diretrizes que viabilizariam a institucionalização da área, de acordo com as diretrizes constitucionais.

Com o veto presidencial à primeira proposta de lei orgânica, a articulação incipiente construída por acadêmicos do serviço social para a elaboração da primeira versão da Lei Orgânica da Assistência Social (Loas) se fortaleceu, ensejando uma vigorosa mobilização protagonizada pelos defensores da assistência social como direito de cidadania. Foi durante esse processo que se formou a policy community reformista que defendia ideias associadas à policy image da assistência social como dever do Estado e direito do cidadão em oposição ao grupo que congregava as entidades filantrópicas e os trabalhadores da LBA (Margarites, 2020MARGARITES, Gustavo Conde. A constituição da assistência social como um campo de política pública no Brasil. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2020.). Vale lembrar que foi pouco expressiva a participação dos grupos sociais historicamente submetidos aos processos de vulnerabilidade e inserção precária no mercado de trabalho na conformação da assistência social como política pública (Yazbek, 2015YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 2015.; Santos, 2021SANTOS, Priscilla R. Entre ideias e interações: a participação dos usuários na política de assistência social. Debates, v. 15, n. 1, p. 120-142, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.22456/1982-5269.109943>. Acesso em: 03 Maio 2021.
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). A policy community reformista congregava acadêmicos, organizações não governamentais que atuavam no assessoramento aos movimentos sociais, entidades de trabalhadores e profissionais da área e associações de usuários da assistência (Raichelis, 2011RAICHELIS, Raquel. Esfera pública e conselhos de Assistência Social: caminhos da construção democrática. São Paulo: Cortez, 2011.; Côrtes, 2015CÔRTES, Soraya M. Vargas. Policy community defensora de direitos e a transformação do Conselho Nacional de Assistência Social. Sociologias, Ano XVII, n. 38, p. 122-154, 2015.; Margarites, 2020). Esse grupo aliava-se, eventualmente, com representantes de entidades filantrópicas prestadoras de serviço5 5 Diferentemente dos casos da saúde e da previdência, nos quais já havia communities que se mobilizaram a fim de agilizar a tramitação das respectivas leis orgânicas, na assistência social, a formação da policy community reformista transcorreu ao longo do processo de formulação da proposta de Loas. . Em um contexto no qual forças políticas liberal conservadoras tentavam retardar a regulamentação da área de assistência social a fim de favorecer os interesses associados à imagem da assistência social como filantropia, a aprovação do texto da Loas só foi possível devido às determinações constitucionais e à pressão política exercida por esse novo ator coletivo.

Após o impeachment de Fernando Collor, iniciou-se um contexto favorável para o aprofundamento das mudanças e o encaminhamento de um novo projeto de lei orgânica. As disputas entre diferentes imagens da assistência social e de população-alvo persistiram durante a sua formulação. A definição da população-alvo de acordo com a expressão “a todos que dela necessitarem”, presente na Constituição, era vaga, e dava a margem a ser interpretada de forma restritiva, orientando o atendimento para indivíduos em situação de extrema pobreza (Sposati, 2013SPOSATI, Aldaíza. Os 20 anos de Loas: rupturas com o modelo assistencialista. In: CRUS, J. et al. (Orgs). Coletânea de artigos comemorativos dos 20 anos da Lei Orgânica de Assistência Social, p. 20-41. Brasília: MDS, 2013.). A tensão entre universalização e focalização deram o tom dos conflitos anteriores e posteriores à aprovação da Loas. De um lado estava a community reformista, que defendia o protagonismo do Estado na garantia do direito universal à assistência e a ampliação da população-alvo para além de uma definição de necessidade restrita à condição de pobreza; de outro, estavam os defensores do ajuste estrutural e de redução do gasto público, que tinham o apoio de entidades de assistência interessadas na redução do protagonismo do Estado na prestação e regulação de serviços.

Ainda que tenha sido aprovada cinco anos após a aprovação do texto constitucional, a Loas representou uma vitória ao grupo reformista ao ter estabelecido a assistência social como direito do cidadão e dever do Estado. A população-alvo foi definida nos objetivos da área que eram os de oferecer amparo e proteção à família, às mães, às crianças, com foco nas crianças e nos adolescentes pobres, a adolescentes, idosos, pessoas com deficiência, e promover a habilitação para o trabalho e para a integração à vida comunitária (Brasil, 1993). No entanto, nos anos posteriores à aprovação da Loas, as políticas de assistência social foram marcadas por programas focalizados e emergenciais de combate à pobreza com baixa cobertura, restrições orçamentárias e dificuldades operacionais de implementação nos estados e municípios (Sátyro & Cunha, 2011SÁTYRO, Natália; CUNHA, Eleonora. A entrada da política de assistência social na agenda decisória brasileira: o papel das leis e o papel do presidente. Anais do Encontro Anual da Anpocs, p. 1-27. Caxambu: Anpocs, 2011.). As ações para o enfrentamento da miséria e da insegurança alimentar priorizaram a distribuição de alimentos às famílias pobres com gestantes e crianças em risco nutricional6 6 Exemplo foi o Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos (Prodea), criado em 1993, no governo Itamar Franco, que consistia na distribuição emergencial de cestas de alimentos à população pobre atingida pela seca no semiárido. Durante o governo FHC, o Prodea ampliou seu público beneficiário para famílias “carentes” identificadas pelas prefeituras, comunidades indígenas e acampamentos de trabalhadores sem-terra (Lavinas et al., 2000). . A priorização da estabilização econômica em detrimento das políticas sociais contribuiu para a continuidade de ações fragmentadas e emergenciais, cujo comando estava disperso por diferentes órgãos da administração federal7 7 O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, criado em 1996, era o único coordenado pela Secretaria de Estado da Assistência Social. O Programa Comunidade Solidária, criado em 1995, era comandado pela Primeira Dama, Ruth Cardoso; o Bolsa-Alimentação, criado em 2001, era coordenado pelo Ministério da Saúde; o Bolsa Escola, criado em 1999, pelo Ministério da Educação; e o Programa Auxílio-Gás, criado em 2000, pelo Ministério das Minas e Energia. Esses programas apresentaram diversos problemas de implementação, tais como distintos critérios de elegibilidade, sobreposição de objetivos e públicos, baixa cobertura territorial e frágeis sistemas de informação (Sátyro & Cunha, 2011). . Ainda que uma visão ampla de população-alvo tenha prevalecido na Loas, a política de assistência social durante os governos Itamar Franco (1992-1994) e Fernando Henrique Cardoso (1995-2002) focalizou os extremamente pobres, as famílias e as crianças pobres. A aposentadoria dos trabalhadores rurais foi mantida, mas vinculada à previdência social. O Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado aos idosos e às pessoas pobres com deficiência, somente viria a ser implementado em 1996.

Ideias em disputa: policy image e construção da população-alvo nas Políticas Nacionais de Assistência Social de 1998 e 2004

Ao final dos 1990, foram lançados os fundamentos para a institucionalização de um sistema de assistência social, organizado de forma decentralizada na Federação brasileira. O processo de regulamentação, iniciado pela Loas, teve continuidade por meio de duas Normas Operacionais Básicas (NOB/1997 e NOB/ 1998). A NOB/1997 ratificou as diretrizes da Loas quanto à descentralização político-administrativa, ao comando único das ações em cada esfera de governo, à participação da população e à primazia da responsabilidade do Estado (Brasil, 1997). Criou as Comissões Tripartites que, posteriormente, vieram a ser denominadas Comissão Intergestores Bipartite (CIB) e Tripartite (CIT) e definiu a população-alvo da assistência social como “segmentos carentes da população, notadamente famílias em situação de vulnerabilidade pela condição de pobreza, deficiência e idade” (Brasil, 1997: 17).

A Política Nacional de Assistência Social (Pnas), lançada em 1998, foi o resultado de intensas discussões e disputas que se estenderam por quatro anos (Sátyro & Cunha, 2011SÁTYRO, Natália; CUNHA, Eleonora. A entrada da política de assistência social na agenda decisória brasileira: o papel das leis e o papel do presidente. Anais do Encontro Anual da Anpocs, p. 1-27. Caxambu: Anpocs, 2011.). Um dos impasses era decidir quais conceitos de pobreza e de população-alvo da assistência social seriam utilizados. A comunidade de política reformista defendia que se considerasse a pobreza como um fenômeno complexo, multifacetado e não restrito ao nível dos rendimentos. Assim, a solução para o problema da pobreza envolveria, além de melhoria de renda, redução de desigualdades no provimento de serviços públicos de escopo universal, como educação básica e saúde. A população-alvo, nesse sentido, ampliava-se. Essa visão não era predominante entre os dirigentes do governo, mais inclinados a promover políticas focalizadas e compensatórias, voltadas às populações classificadas nas faixas de extrema baixa renda (Ugá, 2004UGÁ, Vivian D. A categoria “pobreza” nas formulações de política social do Banco Mundial. Rev. Sociol. Polit., n. 23, p. 55-62, 2004. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/S0104-44782004000200006>. Acesso em: 02 Fev. 2021.
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). A policy image de assistência social por eles defendida tinha como pilares:

  • i. o entendimento de que caberia ao Estado minimizar os efeitos das desigualdades mediante ações paliativas em parceria com organizações da sociedade civil, privilegiando o amparo aos mais pobres; e

  • ii. o enquadramento do público com base em categorias moralizantes, disciplinadoras e estigmatizantes da condição de pobreza, de modo a caracterizar os diferentes grupos pela condição de ausência, pela tutela e pela subalternização (Yazbek, 2015YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 2015.).

Ainda que a Pnas/1998 reafirmasse que a assistência social era um direito de cidadania a ser garantido pelo Estado, contraditoriamente defendia que Estado e sociedade “em suas diferentes formas organizativas” eram responsáveis pelo enfrentamento das questões sociais (Brasil, 1999: 218), reduzindo assim a responsabilidade estatal em garantir a assistência aos cidadãos. Também em 1998, foi aprovada a NOB/1998, que introduziu mudanças no desenho da política e explicitou a população-alvo da assistência. Foi introduzida a transferência automática de recursos via Fundos de Assistência Social, bem como estabelecidos os critérios de partilha e os mecanismos de gestão que viabilizaram a efetivação de descentralização e o financiamento das ações em escala nacional. Segundo a NOB/1998, os destinatários das ações de assistência social eram

[...] segmentos populacionais involuntariamente excluídos das políticas sociais básicas, das oportunidades de acesso ao trabalho e a bens e serviços produzidos pela sociedade, das formas de sociabilidade familiar, comunitária e societária (Brasil, 1999: 11).

Os subgrupos prioritários eram os seguintes: pessoas em situação de vulnerabilidade associada ao ciclo da vida (crianças de zero a cinco anos e idosos acima de 60 anos), pessoas com deficiências ou incapacidades, pessoas submetidas a situações de abuso e de exploração comercial sexual infanto-juvenil e ao trabalho infanto-juvenil, moradores de rua, migrantes, dependentes do uso de drogas, vítimas da exploração comercial das drogas, crianças e adolescentes vítimas de abandono e desagregação familiar, crianças, idosos e mulheres vítimas de maus-tratos (Brasil, 1999). A população-alvo correspondia, neste documento, àquela que os reformistas se esforçavam em construir. Porém, as políticas de ajuste estrutural, que foram centrais na agenda governamental nos dois mandatos de FHC, limitaram o alcance da implementação de ações compatíveis a essa visão abrangente sobre os beneficiários da política de assistência social. Vale lembrar que idosos e pessoas com deficiência em situação de pobreza que, desde a Constituição de 1988, teriam direito a um salário mínimo, somente passaram a receber o BPC em 1996.

A ambiguidade na definição de população-alvo revelava a disputa sobre a imagem pública dos beneficiários, se restrita aos extremamente pobres ou se ampliada em uma visão das necessidades sociais múltiplas. Outra ambiguidade era sobre o papel do Estado que oscilava entre coordenador, normatizador, provedor, principal financiador do sistema e corresponsável, junto ao setor privado e à sociedade civil, pela promoção e pelo financiamento de ações de assistência social. Essas ambiguidades, em grande parte viriam a ser resolvidas no período seguinte.

Durante o governo Lula, em 2004, foi criada a Secretaria Nacional de Assistência Social (Snas) junto ao Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), ao qual coube a coordenação das ações de assistência social, bem como dos programas de transferência de renda e de segurança alimentar e nutricional. Os cargos de direção da secretaria foram ocupados por membros da policy community reformista, que promoveram mudanças institucionais de acordo com a policy image por eles defendida de modo a acelerar mudanças no arcabouço normativo rumo à construção de um sistema nacional na área (Côrtes, 2015CÔRTES, Soraya M. Vargas. Policy community defensora de direitos e a transformação do Conselho Nacional de Assistência Social. Sociologias, Ano XVII, n. 38, p. 122-154, 2015.). Foi um período de intensa produção de regulações, no qual o Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) desempenhou papel fundamental. Tendo em vista sua centralidade como irradiador de normatização para o setor ao longo da federação, o conselho foi considerado pelos reformistas como o caminho mais curto e rápido para viabilizar mudanças por meio de suas resoluções (Côrtes, 2015).

Nesse contexto, foi formulada a Pnas/2004, que veio a dar origem ao Sistema Único de Assistência Social (Suas). Em 2005, a NOB/Suas regulamentou, em todo o território nacional, a implantação do sistema. Para tanto, criou os mecanismos que viabilizaram sua estruturação, padronizando serviços e benefícios socioassistenciais em dois níveis de proteção social: a básica e a especial. O estabelecimento de dois níveis de proteção racionalizou a oferta de bens e serviços, favorecendo que o Suas pudesse de fato oferecer assistência ao amplo rol de beneficiários que formava a população-alvo. A proteção social básica destina-se à população que vive em situação de vulnerabilidade associada ao ciclo da vida, aos arranjos familiares, às deficiências, à fragilização de vínculos afetivos (discriminações etárias, étnicas, de gênero ou por deficiências) ou à falta de acesso a direitos e oportunidades (Brasil, 2004). A proteção social especial oferece atendimento às famílias e aos indivíduos cujos direitos tinham sido violados ou ameaçados por ocorrência de abandono, maus-tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras. Há, portanto, um conceito ampliado de necessidade social, em contraste com a concepção predominante nos governos de FHC, que propendia a relacionar necessidade ao nível de renda (Jaccoud, Bichir & Mesquita, 2017JACCOUD, Luciana; BICHIR, Renata; MESQUITA, Ana Cleusa. O SUAS na proteção social brasileira: transformações recentes e perspectivas. Novos estudos Cebrap, v. 36, n. 2, p. 37-53, 2017. Disponível em: <https://doi.org/10.25091/S0101-3300201700020003>. Acesso em: 12 Ago. 2020.
https://doi.org/10.25091/S0101-330020170...
).

A policy community reformista, em cargos de direção na Snas, imprimiu na Pnas/2004 a ideia de “universalização do direito à proteção social” (Brasil, 2005: 93). A Pnas/2004 estabeleceu que a proteção social deveria “ser prestada a todos aqueles que vivem em situação de insegurança social, independentemente de seu pertencimento a um determinado público, mas pela sua condição de exposição ao risco” (Sátyro & Cunha, 2011SÁTYRO, Natália; CUNHA, Eleonora. A entrada da política de assistência social na agenda decisória brasileira: o papel das leis e o papel do presidente. Anais do Encontro Anual da Anpocs, p. 1-27. Caxambu: Anpocs, 2011.: 22). Paralelamente, as ações voltadas à segurança de renda e à sobrevivência se expandiram, como demonstra a criação do Programa Bolsa Família (PBF), em 2004. O alvo do Programa foram as famílias pobres em situação de vulnerabilidade social decorrente da ausência e insuficiência de renda.

A Pnas/2004 construiu uma imagem cidadã de população-alvo, tendo em vista que os usuários de bens e serviços têm direito à assistência, do mesmo modo que à saúde e à previdência social. Para isso, seria necessário romper

com ideias tutelares e de subalternidade, que identificam os cidadãos como carentes, necessitados, pobres, mendigos, discriminando-os e apartando-os do reconhecimento como sujeitos de direito (Brasil, 2005: 93).

A esses sujeitos deveria ser garantido o “acesso a oportunidades, capacitações, serviços, condições de convívio e socialização, de acordo com sua capacidade, dignidade e projeto pessoal e social” (Brasil, 2005: 93). A oferta articulada de serviços e benefícios teria como objetivo desenvolver capacidades para gerar autonomia (Brasil, 2005: 16). Em contraste com o documento de 1998, a Pnas/2004 retomava os princípios estabelecidos na Constituição de 1988 e na Loas, particularmente a noção de direitos sociais dos cidadãos como parâmetro para construir o detalhamento tanto da policy image da área quanto da população-alvo da assistência social.

Com base na comparação das Pnas de 1998 e 2004, observamos mudanças relacionadas ao desenho da política, à policy image e à construção social da população-alvo (Quadro 1). Na Pnas/1998, a policy image era construída em torno da concepção da política de assistência social como instrumento para suprir lacunas deixadas pelo mercado, pela sociedade e por outras políticas sociais, sendo que a população-alvo era definida pelo nível de renda, focalizando famílias e indivíduos de renda muito baixa. Ainda que a assistência social fosse concebida como dever do Estado, a responsabilidade pelo enfrentamento da vulnerabilidade social era compartilhada com o setor privado e a sociedade civil - concepção que remonta ao legado da caridade e da filantropia que, por décadas, caracterizou a área. Em contraposição, a Pnas/2004 retomou e detalhou as diretrizes para implementação de uma política baseada na imagem presente na Constituição Federal e na Loas, a qual concebe que o Estado é o responsável por garantir o direito dos cidadãos usuários.

Quadro 1
Definição de público nos marcos regulamentares da assistência social, policy image e construção da imagem da população-alvo

Enquanto na Pnas/1998 os merecedores de assistência eram aqueles que se encontravam em situações circunstanciais ou conjunturais de vulnerabilidade, definida pela baixa renda, na Pnas/2004, os merecedores passaram a ser cidadãos que se encontram em condição de vulnerabilidade e risco social, cujo diagnóstico era multidimensional. Nesse sentido, a imagem de população-alvo é contrastante: na Pnas/1998 ela é referida como “destinatários”, na Pnas/2004, ela é composta por “usuários”, “cidadãos” e “grupos”. A Pnas/2004 enfatiza o enquadramento do usuário como sujeito de direitos, entendendo também que as situações de vulnerabilidade e risco podem estar associadas aos grupos com “identidades estigmatizadas em termos étnico, cultural e sexual”; e às situações de violação de direitos (Brasil, 2004: 37).

Ainda que a atuação da community reformista tenha sido bem-sucedida na modificação do arcabouço normativo a fim de estruturar um sistema nacional na área e fortalecer a policy image da assistência social nos moldes preconizados pela Constituição de 1988 e pela Loas, o legado da tutela persistiu em discursos e práticas de agentes responsáveis pela oferta de bens e serviços assistenciais, que atribuem imputações negativas à condição de pobreza, realizando, por vezes, procedimentos seletivos e atendimentos baseados em critérios moralizantes (Marins, 2014MARINS, Mani T. Repertórios morais e estratégias individuais de beneficiários e cadastradores do Bolsa Família. Sociologia & Antropologia, v. 4, n. 2, p. 543 - 62, 2014. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/2238-38752014V4210>. Acesso em: 10 Dez. 2020.
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). Como resultado, usuários considerados como “não merecedores” podem não ter acesso à assistência ou enfrentar situações de humilhação, constrangimento e atendimento marcado pelo abuso moral ou baixa qualidade (Marins, 2014; Jaccoud & Abreu, 2019JACCOUD, Luciana; ABREU, Maria Cristina. Entre o direito e a culpabilização das famílias: o que pensam os trabalhadores do Sistema Único de Assistência Social (Suas) sobre as ofertas e os beneficiários. In: PIRES, R. R. C. (Org). Implementando desigualdades: reprodução de desigualdades na implementação de políticas públicas, p. 485-504. Rio de Janeiro: Ipea, 2019.). Por fim, persistem na sociedade brasileira policy images que se baseiam na noção de que a “caridade” a ser exercida por indivíduos, entidades ou pelo Estado deve ser direcionada ao pobre merecedor. Visão que atribui frequentemente aos pobres a culpa por sua própria condição. As mudanças observadas na área de assistência social desde a Constituição de 1988 e, principalmente com a Pnas de 2004, têm estabelecido um ambiente de disputa sobre essas imagens ao considerar os usuários da assistência social como cidadãos que a ela têm direito.

Considerações finais

Neste artigo, buscamos contribuir com a agenda de pesquisas sobre desenho de políticas públicas ao lançar luz sobre as construções sociais da população-alvo, destacando o papel desempenhado por comunidades de especialistas nas disputas pelas policy images. Entendendo que a produção de políticas públicas envolve dimensões simbólicas e que a seleção e o enquadramento dos beneficiários são processos inconclusos e objeto de permanente disputa política, uma vez que é com base nas imagens socialmente construídas que os policy makers distribuem benefícios e encargos para determinados grupos, argumentamos que as policy commnunities fazem parte dessas disputas e podem tanto reforçar a representação dominante na arena política como desafiar o monopólio de um setor pela mobilização em torno da construção de uma imagem concorrente.

Verificamos que distintas construções sociais da população-alvo estiveram associadas aos diferentes momentos históricos da política de assistência social no Brasil e que o processo de regulamentação, iniciado na década de 1990, envolveu disputas acerca das policy images por parte de atores tradicionais da assistência e de uma policy community reformista, que se formou em torno da defesa da assistência social como dever do Estado e direito do cidadão. O contexto macropolítico dos anos 1990 contribuiu para que os defensores do legado filantrópico sob nova roupagem em defesa do Estado mínimo exercessem o monopólio do setor de forma a perpetuar a concepção até então predominante que concebia os beneficiários como pobres mais ou menos merecedores da caridade privada ou estatal. Quando integrantes da community reformista ampliaram sua influência nos espaços decisórios, em 2004, essa policy image foi substituída pela concepção de usuários cidadãos, cuja condição de necessidade deveria ser definida de forma abrangente e não restrita ao nível de rendimentos.

Com reduzidos recursos de poder e frágeis laços associativos, os grupos sociais historicamente submetidos a processos de vulnerabilidade e inserção precária no mercado de trabalho tiveram uma participação limitada nesse processo, cabendo a atores provenientes dos campos profissional e acadêmico do serviço social, lideranças de entidades e dirigentes governamentais que integravam a policy community o protagonismo nas disputas pela reconfiguração do desenho da política de assistência social e das imagens da política e da população-alvo. Essa nova imagem foi reforçada no arcabouço normativo que veio a estruturar o Suas.

Entretanto, desde 2016 e, de forma mais acentuada, depois de 2019, houve um enfraquecimento desse arcabouço normativo e das novas imagens da política e da população-alvo em virtude do retorno de antigas práticas que apelam à filantropia, ao primeiro-damismo e ao voluntariado. O governo federal tem se mostrado contrário às mudanças ocorridas nas últimas três décadas e tem promovido ações que desorganizam e enfraquecem o Suas, a exemplo da criação de sistema paralelo de concessão de benefício durante a pandemia de Covid-19. Estudos futuros poderão investigar os efeitos do contexto macropolítico no campo de ação estratégico da assistência social de forma a identificar as correlações de força entre os atores e as bases ideacionais dos grupos que estão no comando do Ministério da Cidadania e suas propostas para a área, as quais, à primeira vista, parecem ser fundadas na negação dos princípios constitucionais e da Loas.

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  • VIÉGAS, Lygia S. et al. Apontamentos críticos sobre estigma e medicalização à luz da psicologia e da antropologia. Ciência & Saúde Coletiva, v. 20, n.9, p. 2683-2692, 2015. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/1413-81232015209.08732015>. Acesso em: 08 Fev. 2021.
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015209.08732015
  • YAZBEK, Maria Carmelita. Classes subalternas e assistência social. São Paulo: Cortez, 2015.
  • 1
    Desde o final do século XIX, as ideias higienistas de inspiração eugenista procuravam articular ciência, raça e nação em um projeto de reforma e construção nacional. Consideravam que a doença e a pobreza eram devidas ao desajuste social, provocado por características inatas de determinados segmentos da população (Viégas et al., 2015).
  • 2
    Tanto o CNSS quanto a LBA surgiram fortemente associados à primeira dama Darcy Vargas, apresentada pelo governo Vargas e seus apoiadores como a “mãe dos pobres” (Silva, 2018: 28-29). Embora mulheres pertencentes às elites políticas e econômicas do país já se dedicassem à caridade, o protagonismo assumido por Darcy Vargas construiu um modelo que se tornou padrão na área de assistência social nas três esferas de governo da Federação.
  • 3
    Em 1945, a cota dos segurados foi extinta, permanecendo a dos empregadores (Silva, 2018).
  • 4
    A proposta sofreu oposição da coalizão liberal e conservadora em aliança eventual com os representantes das entidades privadas religiosas ou laicas prestadoras de serviços de assistência. O bloco liberal conservador obteve algumas vitórias como a isenção de contribuição à seguridade às entidades beneficentes, a dispensa de observância pelas entidades privadas das mesmas obrigações constitucionais das instituições públicas, a delimitação do escopo da assistência social apenas “a quem dela necessitar” e a restrição a intervenção estatal na oferta de ações de assistência (Brasil, 1988).
  • 5
    Diferentemente dos casos da saúde e da previdência, nos quais já havia communities que se mobilizaram a fim de agilizar a tramitação das respectivas leis orgânicas, na assistência social, a formação da policy community reformista transcorreu ao longo do processo de formulação da proposta de Loas.
  • 6
    Exemplo foi o Programa de Distribuição Emergencial de Alimentos (Prodea), criado em 1993, no governo Itamar Franco, que consistia na distribuição emergencial de cestas de alimentos à população pobre atingida pela seca no semiárido. Durante o governo FHC, o Prodea ampliou seu público beneficiário para famílias “carentes” identificadas pelas prefeituras, comunidades indígenas e acampamentos de trabalhadores sem-terra (Lavinas et al., 2000).
  • 7
    O Programa de Erradicação do Trabalho Infantil, criado em 1996, era o único coordenado pela Secretaria de Estado da Assistência Social. O Programa Comunidade Solidária, criado em 1995, era comandado pela Primeira Dama, Ruth Cardoso; o Bolsa-Alimentação, criado em 2001, era coordenado pelo Ministério da Saúde; o Bolsa Escola, criado em 1999, pelo Ministério da Educação; e o Programa Auxílio-Gás, criado em 2000, pelo Ministério das Minas e Energia. Esses programas apresentaram diversos problemas de implementação, tais como distintos critérios de elegibilidade, sobreposição de objetivos e públicos, baixa cobertura territorial e frágeis sistemas de informação (Sátyro & Cunha, 2011).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    11 Jun 2021
  • Aceito
    03 Set 2021
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