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A “meada” do negacionismo climático e o impedimento da governamentalização ambiental no Brasili i . Este artigo foi produzido no contexto do projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), Projeto 2016/24660-8.

The “mesh” of climate denialism and the obstruction of environmental governmentalization in Brazil

Resumo

Este artigo tem como objetivo refletir criticamente a respeito do fenômeno do negacionismo científico e da chamada “política de pós-verdade”, investigando as condições específicas de emergência, existência e ação do negacionismo climático no Brasil. Metodologicamente, capta-se o aparecimento do negacionismo climático a partir de problemas que o situaram como elemento de um “dispositivo” de natureza essencialmente estratégica. Em nossas análises, destacaremos o papel estratégico do negacionismo climático na visão de mundo liberal conservadora e sua ação de impedimento de processos de governamentalização ambiental no Brasil.

Palavras-chave:
Negacionismo; Dispositivo; Mudanças climáticas; Pós-verdade; Bolsonarismo

Abstract

This article aims to critically analyse the specific conditions of emergence, existence, and action of climate denialism in Brazil. Methodologically, the appearance of climate denialism is captured from problems that placed it as an element of a “dispositif” of an essentially strategic nature. In our analyses, we highlight the strategic role of climate denial in the conservative-liberal worldview and its action in impeding environmental governmentalization processes in Brazil.

Keywords:
Denialism; Dispositif; Climate changes; Post-truth; Bolsonarism

Introdução

Em janeiro de 2019, logo após Jair Messias Bolsonaro assumir o cargo de presidente da República no Brasil, jornais de grande circulação do país anunciavam que a posição do governo em relação às mudanças climáticas seria uma “incógnita”1 1 Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sol-firme-ou-temporal-a-vista-no-clima-novo-governo-e-incognita, 70002660754>. Acesso em: 12 Maio 2021. . Dúvida que durou pouco. Já nas primeiras semanas de governo, a Secretaria de Mudanças Climáticas e Florestas do Ministério do Meio Ambiente (MMA) foi extinta2 2 Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/01/ministerio-do-meio-ambiente-vai-enxugar-area-de-mudancas-climaticas.shtml>. Acesso em: 12 Maio 2021. , ato primeiro de uma sequência de ataques às instituições ambientais, científicas e não governamentais do país. Um ano depois, uma matéria da revista Piauí, cujo título era “O negacionismo no poder”, tratava do tema da “desconfiança” crescente em relação à ciência e discutia o problema de “não admitir a verdade científica sobre a causa humana do aquecimento global”3 3 Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-negacionismo-no-poder/>. Acesso em: 12 Maio 2021. . Seu diagnóstico a respeito do Brasil era: “é mais do que óbvio que a ascensão da extrema-direita tem relação direta com o negacionismo climático, alçado a política de Estado por Jair Bolsonaro”.

Não obstante, o caminho do negacionismo climático ao poder não é óbvio. Tampouco está claro o que é o negacionismo climático e qual a sua relação com um conjunto heterogêneo de elementos (discursos, instituições e práticas) que guarnece a extrema-direita e vai além do espectro político que a categoriza. Precisa-se, portanto, captar o acontecimento do negacionismo climático em sua relação com o exercício do poder em momentos em que certos tipos de problemáticas de governo emergem.

Este artigo tem como objetivo analisar as condições específicas de emergência, existência e ação do negacionismo climático no Brasil. Metodologicamente, busca-se captar o aparecimento do negacionismo climático a partir de problemas que o posicionaram como elemento de um “dispositivo” de natureza essencialmente estratégico (Foucault, 2002______. Microfísica do poder, 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.: 15). Em nossas análises, destacaremos o papel estratégico do negacionismo climático na visão de mundo liberal-conservadora e sua ação de impedimento de processos de governamentalização ambiental no Brasil.

As análises têm por base uma pesquisa realizada no período de janeiro de 2019 a junho de 2021, que mapeou os acontecimentos públicos do negacionismo climático no Brasil a partir de 20074 4 Pesquisa de pós-doutorado, cuja questão mais geral foi como ocorre - ou não - a apropriação da informação climática por tomadores de decisão no Brasil. . Isso foi feito através:

  • i. de buscas em arquivos digitais de jornais e sites de notícias e sites de instituições do poder público brasileiro (Congresso Nacional e ministérios);

  • ii. da análise de 35 vídeos, com duração média de 1 hora cada, de conferências, debates, audiências, reuniões e entrevistas sobre o tema do aquecimento global, realizados no período de 2006 a 2020, disponíveis na plataforma YouTube;

  • iii. da análise de notas taquigráficas de três audiências públicas organizadas pelo Congresso Nacional;

  • iv. da análise de nove livros publicados por autores negacionistas;

  • v. da análise de dez sites e blogs dedicados à negação do aquecimento global;

  • vi. da análise de duas cartas abertas enviadas ao governo brasileiro por um grupo negacionista brasileiro nos anos de 2012 e 2019.

A abordagem metodológica utilizada para categorizar e analisar estes materiais foi a abordagem de “análise de conteúdo” (Bardin, 2015BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. São Paulo: Edições 70, 2015.), mais especificamente os conteúdos relacionados ao negacionismo climático, à política florestal brasileira, ao agronegócio, ao liberalismo conservador cristão e ao bolsonarismo.

Os resultados desse estudo contribuem para a compreensão do fenômeno do negacionismo na atual conjuntura política brasileira, marcada pela ascensão do liberalismo conservador de extrema-direita. Eles trazem reflexões a respeito de como as manifestações anticientíficas possuem raízes mais profundas nos mundos sociais dos grupos liberais e conservadores interessados no impedimento da governamentalização ambiental no Brasil, e demonstram que o negacionismo climático diz respeito não só às políticas climáticas e ambientais, mas a um espectro mais amplo e distribuído de exercício do poder da direta conversadora na conjuntura política recente do país.

Negacionismo climático: um dispositivo

Michel Foucault (2002______. Microfísica do poder, 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.: 244) define dispositivo como uma rede que se pode estabelecer entre um conjunto heterogêneo de elementos, podendo englobar “discursos, instituições, organizações arquitetônicas, decisões regulamentares, leis, medidas administrativas, enunciados científicos, proposições filosóficas, morais, filantrópicas”. Esses fenômenos reticulares são fundamentalmente “estratégias de relações de força sustentando tipos de saber e sendo sustentadas por eles” (Foucault, 2002: 246). Gilles Deleuze (1992DELEUZE, Gilles. What is a dispositif? In: ARMSTRONG. T. J. (Ed.). Michel Foucault philosopher, p. 159-168. Hemel Hempstead, UK: Harvester Wheatsheaf, 1992.: 159) interpreta o conceito como “uma meada, um conjunto multilinear, composto por linhas de natureza diferente”. Essa “meada” não se limitaria a este ou àquele sujeito, ou a uma forma única de discurso. Trata-se de uma arquitetura de poder e saber complexa, formada por diferentes linhas de enunciação, força e subjetivação.

O movimento metodológico proposto no presente estudo é o de compreender o fenômeno do negacionismo climático como dispositivo, e não simplesmente como postura ou antidiscurso ambiental de figuras identificadas como aquelas que detêm o poder em dado momento - “a direita conservadora”, o “bolsonarismo”, “Donald Trump” - mas como acontecimento multilinear e descentralizado que transcende tais figuras que ocupam cargos de poder.

Discussões recentes a respeito do fenômeno do negacionismo científico estão, em sua maioria, relacionadas ao debate do fenômeno da “pós-verdade” (Kakutani, 2018KAKUTANI, Michiko. A morte da verdade: notas sobre a mentira na era Trump. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2018.; Kalpokas, 2018KALPOKAS, Ignas. A political theory of post-truth. New York: Palgrave Macmillan, 2018.). O negacionismo científico seria o produto de circunstâncias em que fatos objetivos são menos influentes na formação da opinião pública do que apelos à emoção e à crença pessoal. Não obstante, tal abordagem sugere alguma suposta condição anterior, na qual as controvérsias públicas eram discutidas e resolvidas preponderantemente com base em fatos científicos, ou em evidências que constituiriam alguma forma de “verdade”. Para Foucault (2002______. Microfísica do poder, 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.), a verdade é produto das relações de poder, sem que haja qualquer possibilidade de encontrar a verdade para além das circunstâncias históricas nas quais os jogos de poder acontecem.

Por sua vez, Sheila Jasanoff e Hilton Simmet (2017JASANOFF, Sheila.; SIMMET, Hilton. No funeral bells: Public reason in a “post-truth” age. Social Studies of Science, v. 47, n. 5, p.751-770, 2017.) destacam que a questão do negacionismo científico na pós-verdade pode incorrer no risco de se tornar uma reflexão de caráter “a-histórico”. Segundo os autores, essa abordagem ignora que os debates sobre fatos públicos sempre foram debates sobre significados sociais, enraizados em realidades subjetivamente contextualizadas e vivenciadas como abrangentes e completas, mesmo quando parciais e contingentes. Não atentar para isso pode tornar especulativo e impreciso falar de negacionismo climático em termos de “produção de fatos alternativos”, “fake news” e “política de pós-verdade”. Precisa-se, portanto, investigar o negacionismo com base nos acontecimentos, dirigindo um olhar para a história, com o objetivo de identificar diferentes momentos nos quais o negacionismo climático tenha desempenhado papéis possivelmente distintos.

Para tanto, a perspectiva teórica adotada no presente estudo é de caráter “genealógico”. No sentido dado por Foucault, a genealogia é

uma forma de história que [dá] conta da constituição dos saberes, dos discursos, dos domínios de objeto, sem ter que se referir a um sujeito, seja ele transcendente com relação ao campo de acontecimentos, seja perseguindo sua identidade vazia ao longo da história (Foucault, 2002______. Microfísica do poder, 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.: 7).

A investigação genealógica é uma busca que visa “marcar a singularidade dos acontecimentos” e “apreender seu retorno não para traçar a curva lenta de sua evolução, mas para encontrar as diferentes cenas em que eles desempenharam papéis distintos” (Foucault, 2002______. Microfísica do poder, 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.: 7). Ao seguir estes preceitos teórico-metodológicos, a investigação do negacionismo climático aqui apresentada tenta captá-lo como acontecimento relacionado a certos jogos de poder em determinado momento.

Estudos sobre o aparecimento do negacionismo climático na década de 1970, nos Estados Unidos, demonstram que este fenômeno transcende as disputas pela legitimidade do conhecimento científico (Hoggan, 2009HOGGAN, James. Climate cover-up. The crusade to deny global warming. Vancouver, CA: Greystone Books, 2009.; Oreskes & Comway, 2010ORESKES, Naomi.; CONWAY, Erik. Merchants of doubt. New York: Bloomsberry Press, 2010.; Lahsen, 2013LAHSEN, Myanna. Anatomy of dissent: a cultural analysis of climate skepticism. American Behavioral Scientist, v. 57, p. 732-753, 2013.). Tais análises dos acontecimentos identificaram que o negacionismo climático representava uma luta que reunia um conjunto de enunciados, práticas, interesses e elementos de diferentes naturezas que se associaram contra a ciência do aquecimento global naquele período. Naomi Oreskes e Erik Comway (2010: 249), ao documentarem as estratégias adotadas pelos negacionistas climáticos norte-americanos contra o Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC), nos anos 1980 e 1990, enfatizam que a contestação do aquecimento global trazia, por um lado, um certo “fundamentalismo de livre-mercado”, por outro, promovia uma “caçada aos ambientalistas” caracterizados como “comunistas disfarçados”. Naquele contexto, a possibilidade de governamentalização climática por meio do controle das emissões relacionadas à queima de combustíveis fósseis representava um risco aos negócios de grandes corporações do petróleo, como a Exxon Mobile, e de conglomerados como a Koch Industries (Hoggan, 2009). Essas corporações financiaram think tanks liberais como o Marshall Institute, Heartland Institute e o Cato Institute para organizar uma frente de cientistas para produzir trabalhos que negavam a cientificidade da ciência das mudanças climáticas. Indica-se, nas aparições do negacionismo climático dos Estado Unidos, uma rede constituída por um conjunto heterogêneo de elementos estrategicamente articulados. Com a participação de parte da grande mídia, a rede negacionista provocou um atraso de décadas na política climática norte-americana.

No caso brasileiro, a questão do negacionismo climático tem merecido pouca atenção das ciências sociais, com raros trabalhos publicados a tratarem diretamente do tema (Danowski, 2012DANOWSKI, Debora. O hiper-realismo das mudanças climáticas e as várias faces do negacionismo. Sopro (Panfleto Político-Cultural), p. 2-11, 2012.; Miguel, 2020MIGUEL, Jean. Negacionismo climático no Brasil. Coletiva, Dossiê 27, Crise climática, 2020.). Apesar do termo “negacionismo” ser frequentemente utilizado nas críticas à postura de Jair Bolsonaro diante dos fatos científicos que contestam a política ambiental de seu governo, é ainda superficial a compreensão de tal fenômeno quando definido simplesmente como o ato de negar deliberadamente os fatos científicos. Precisa-se, portanto, avançar na compreensão de um conjunto de esforços diversos e conectados que constituem o negacionismo climático como dispositivo estratégico contra a governamentalização ambiental.

Negacionismo climático no Brasil: primeiras cenas

No ano de 1978, o jornalista, escritor e cientista José Reis (1907-2002), um dos fundadores da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), publicou um artigo na Folha de S. Paulo no qual falava em “aquecimento global” pela primeira vez na mídia impressa brasileira (Reis, 1978). Contudo, foi a partir de 1994 que o termo “efeito estufa” passou a aparecer mais frequentemente na fala de políticos e a ocupar as páginas dos jornais brasileiros5 5 Busca realizada nos arquivos digitais dos jornais Folha de S. Paulo e Estadão demonstraram um crescente número de artigos sobre o tema do “efeito estufa” a partir de 1994, alcançando em torno de seis mil registros em cada jornal até 2021. , quatro anos antes de o Brasil assinar o protocolo de Kyoto6 6 O Protocolo de Kyoto, formalizado em 11 de dezembro de 1997, no Japão, representou um marco nos esforços internacionais para o enfrentamento das mudanças climáticas, estabelecendo um compromisso legal de redução das emissões antrópicas de gases de efeito estufa. .

Com a assinatura do Protocolo de Kyoto, em 1998, o governo brasileiro passou a incentivar três ações contra as mudanças climáticas: a implementação do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL)7 7 O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) consiste no desenvolvimento de projetos que reduzam a emissão de gases de efeito estufa. Os projetos no âmbito do MDL são implementados em países menos desenvolvidos e em desenvolvimento, os quais podem vender as reduções de emissão de gases estufa, denominadas Reduções Certificadas de Emissão (RCE’s) para os países desenvolvidos. , o retorno do programa Pró-alcool8 8 Programa Nacional do Álcool foi proposto em 1975 como política de incentivo à produção nacional de etanol para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis diante da crise do petróleo da década de 1970. O programa foi retomado no final da década de 1990 como medida paliativa das emissões de carbono e incentivo à economia brasileira que passou a exportar etanol. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,proalcool-volta-ao-centro-das-discussoes,2002 0831p36786. Acesso em: 14 Jun. 21. e o combate ao desmatamento da Amazônia (Viola, 2002VIOLA, Eduardo. O regime internacional de mudanças climáticas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 50, p. 25-46, 2002.). Entretanto, somente em 2007, por ocasião da publicação do quarto relatório do IPCC (AR4), foi elaborado o Plano Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC - Decreto n.o 6.263) e a promulgação, em 2009, da Lei 12.187, que estabelece a Política Nacional sobre Mudanças do Clima (PNMC). Durante os governos Lula (2003-2010), as questões ambientais se tornaram parte importante da agenda de política externa; a ciência e a política climática tiveram então o seu maior desenvolvimento (Miguel, Mahony & Monteiro, 2019MIGUEL, Jean.; MAHONY, Martin.; MONTEIRO, Marko. Infrastructural geopolitics of climate knowledge: the Brazilian Earth System Model and the North-South knowledge divide. Sociologias, v. 21, p. 44-75, 2019.). Na Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas em Copenhague (COP-15), o governo brasileiro adotou uma posição ousada ao estabelecer metas voluntárias de redução de carbono, comprometendo-se a reduzir as emissões de gases do efeito estufa entre 36,1% e 38,9% até o ano de 20209 9 Disponível em: <https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/politica-agricola-e-meio-ambiente/atuacao-spe/mudancas-climaticas. Acesso em: 17 Jun. 21. .

No rescaldo desses acontecimentos, o negacionismo climático fez suas primeiras aparições públicas, tecendo as primeiras “linhas de sua meada” (Deleuze, 1992DELEUZE, Gilles. What is a dispositif? In: ARMSTRONG. T. J. (Ed.). Michel Foucault philosopher, p. 159-168. Hemel Hempstead, UK: Harvester Wheatsheaf, 1992.) como resposta conservadora à urgência das mudanças climáticas. As primeiras delas, em 2007. Não por acaso, ano em que as mudanças climáticas efetivamente se tornaram um tema de grande atenção internacional e nacional. Em 2007, foi publicado o IPCC/AR4 que declarou que o aquecimento da temperatura da Terra é inequívoco. No mesmo ano, o documentário “Uma verdade inconveniente”, de Al Gore, ganhou o Oscar de melhor documentário, alcançando públicos em todo o mundo, com o alerta para os impactos do aquecimento global. No Brasil, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) publicava o primeiro estudo brasileiro com cenários de impactos das mudanças climáticas para o país (Inpe, 2007). Apesar da grande divulgação desses resultados na mídia, alguns jornais brasileiros deram voz a uma minoria com opiniões contrárias.

Em maio de 2007, o escritor Olavo de Carvalho publicou no jornal Diário do Comércio, artigo intitulado “Ciência ou palhaçada?”, no qual criticava o filme de Al Gore. Em um dos primeiros registros do negacionismo climático na mídia nacional, Carvalho afirmava que tudo se tratava de uma “trapaça” e associava o aquecimento global a uma “militância esquerdista” infiltrada nos organismos internacionais.

A mobilização mundial para dar ares de verdade científica final à impossível teoria da origem humana do aquecimento global adquire dia a dia mais força, alimentada pela santa aliança da mídia chique, dos organismos internacionais, da militância esquerdista organizada e das grandes fortunas - os quatro pilares da estupidez contemporânea (Carvalho, 2007______. Ciência ou palhaçada? Jornal Diário do Comércio, 21 Maio 2007.).

Destaca-se neste discurso uma linha central do dispositivo do negacionismo climático, a ideia de que o aquecimento global é uma conspiração comunista de dominação global velada nas políticas ambientais. Voltaremos a esse tema adiante.

Em novembro de 2007, o jornal O Estado de S. Paulo publicou uma matéria de opinião do físico e ex-reitor da UnB, o capitão de mar e guerra José Carlos de Almeida Azevedo, na qual ele declarava que as mudanças climáticas são uma “falácia” e sugeria que os cientistas que defendem as mudanças climáticas são oportunistas (Azevedo, 2007). Um mês depois, a Folha de S. Paulo publicou uma resposta do meteorologista do Inpe, Carlos Nobre (2007NOBRE, Carlos. Sobre um físico e a feliz ignorância. Folha de S. Paulo, 13 Dez. 2007.), na qual defendia o caráter científico dos trabalhos do IPCC e afirmava que o físico preferia “viver em feliz ignorância” em vez de encarar os fatos.

Em suas primeiras aparições na mídia brasileira, o negacionismo climático teve voz em um momento de grande atenção pública e curiosidade a respeito das mudanças climáticas. Em outras palavras, quando as mudanças climáticas se tornaram uma urgência, as primeiras linhas do negacionismo, como dispositivo, passaram a ser tecidas (Foucault, 2002______. Microfísica do poder, 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.). Essa aparição era o primeiro sinal de um esforço que, nos anos seguintes, passaria a ser estrategicamente coordenado em meio a uma luta política decisiva sobre as leis florestais brasileiras.

Negacionismo e desregulamentação da Lei Florestal

O Congresso Nacional brasileiro, no período de 2009 a 2012, foi palco de uma das maiores batalhas ambientais da história do país: a reformulação do Código Florestal. Esse conjunto de leis promulgado em 1934 tem como finalidade regular os usos da terra e estabelecer limites e regras para a exploração florestal no Brasil. No ano de 2009, o Congresso Nacional deu início a um processo de discussão do Projeto de Lei (PL) 1876/1999, que reunia as principais propostas de alteração da Frente Parlamentar Agropecuária (FPA), a maior interessada na reformulação do código, em decorrência dos milhares de propriedades rurais que estavam - estão - na irregularidade ambiental sob pesadas multas10 10 Para um detalhamento desse processo político e seus desdobramentos, consultar: <https://observatorioflorestal.org.br/>. Acesso em: 15 Jun. 21. .

Para a tramitação do PL, o Congresso designou uma Comissão Especial presidida pelo deputado federal Moacir Micheletto (PMDB/PR) e tendo como relator o deputado federal Aldo Rebelo (PCdoB/SP). Essa comissão realizou diversas audiências públicas no período de outubro de 2009 a junho de 2010. O objetivo era colher posições de representantes de diferentes segmentos do poder público, das instituições de pesquisa, das ONGs ambientalistas, das organizações agropecuárias para produzir o relatório da Comissão, o qual acabou dando substância à proposta ruralista de alteração do Código Florestal (Miguel, 2014______. Ciência, política e a reformulação do Código Florestal. Política & Sociedade, v. 13, p. 137-152, 2014.).

Em novembro de 2009, na quarta audiência pública, o físico José Carlos de Almeida Azevedo foi chamado a participar da reunião, a convite do então deputado federal, líder da bancada ruralista, Luiz Carlos Heinze (PP/RS) e tratou de uma questão bastante específica naquele debate: as mudanças climáticas estão relacionadas ao desmatamento e devem ser levadas em conta nos debates sobre o novo Código Florestal?

Naquela audiência, também participara Fábio Feldmann, ex-deputado federal e um dos fundadores da Fundação SOS Mata Atlântica. Feldmann explicara os impactos das mudanças climáticas na economia e os compromissos assumidos pelo governo brasileiro no combate ao desmatamento. Azevedo fez um contraponto, defendendo o argumento de que o aquecimento global não era um fato científico comprovado e que, portanto, nada tinha a ver com o desmatamento. Azevedo afirmou que é “impossível prever e muito menos alterar qualquer coisa em relação ao clima”; que em vez de aquecimento, estamos indo para um “novo período glacial” (Câmara dos Deputados, 2009a: 15); e que “o clima da Terra é governado pelo Sol”, portanto, “o carbono nada interfere nesses fenômenos de ordem astronômica”. E ainda afirmou que “a legislação sobre clima afetará o país”, e que “o que interessa ao Brasil é o que se faz aqui, não é o inglês e nem sei mais quem que irão nos dizer o que deve ser feito aqui” (Câmara dos Deputados, 2009a: 38). Seu argumento era de que a questão do aquecimento global seria na verdade uma questão geopolítica sem base científica.

Um mês antes de comparecer à audiência, Azevedo apresentara no XII Congresso Brasileiro de Geoquímica, realizado em Ouro Preto, MG, um trabalho a respeito da falta de fundamento científico das mudanças climáticas. Tal trabalho foi compartilhado com os deputados federais na ocasião da audiência da Câmara11 11 Esse documento pode ser encontrado no site da Câmara, junto às notas taquigráficas das audiências públicas da PL 1876/1999. . Ao final do texto, sugere-se uma leitura ressaltada como “importante”: o relatório “Climate change reconsidered”12 12 Disponível em: <http://climatechan gereconsi dered.org/>. Acesso em: 22 Jun. 21. Relatório que pode ser considerado como estruturante do discurso do negacionismo climático nos Estados Unidos, ao se contrapor ao relatório do IPCC. Trataremos adiante a respeito de seus principais argumentos contra o IPCC. do chamado “Painel não governamental sobre mudanças climáticas”, financiado e produzido pelo think tank norte-americano Heartland Institute, sob a direção do famoso negacionista americano, Fred Singer13 13 O mesmo apontado por Oreskes & Comway (2010) como financiado pela indústria do petróleo, no caso norte-americano. .

Os recursos estrategicamente costurados no discurso e atuação de Azevedo revelam uma fase adiantada de formação do dispositivo do negacionismo climático no Brasil. As linhas que se cruzam são de natureza liberal e nacionalista. As mudanças climáticas são um risco à economia, mas também à soberania. O recurso dos trabalhos negacionistas norte-americanos, já naquele momento, revela como tal dispositivo vai muito além de posturas individuais articulando-se na forma de rede.

Não por coincidência, aquela audiência pública, uma das primeiras realizadas pelo Congresso, antecedera a realização da COP-15, em 7 de dezembro de 2009, conferência na qual o então presidente Lula apresentou metas ousadas para o Brasil, dentre elas, o compromisso de reduzir o desmatamento da Amazônia em 80% até 202014 14 Disponível em: <https://www.mises.org.br/article/3098/greta-thunberg-manda-seu-recado-para-os-paises-mais-pobres-morrerao-pobres>. Acesso em: 20 Jun. 21. . Havia uma grande pressão sobre o processo político de alteração do Código Florestal, sobretudo em sua proposta de anistiar desmatadores e flexibilizar a regulamentação de terras. O negacionismo climático desempenhara, naquele momento, um papel estratégico como dispositivo: tentar desvincular os compromissos climáticos dos compromissos florestais e construir um imaginário político de que as mudanças climáticas são uma ameaça à soberania, ao agronegócio e, consequentemente, ao crescimento econômico nacional (Miguel, 2020MIGUEL, Jean. Negacionismo climático no Brasil. Coletiva, Dossiê 27, Crise climática, 2020.).

No dia 1º de dezembro, seis dias antes da realização da COP-15, uma nova audiência pública acontecera. Para aquela reunião, fora convidado pelo deputado Aldo Rebelo (PCdoB)15 15 Aldo Rebelo se tornou uma figura polêmica durante o processo de tramitação da alteração do Código por criminalizar as ONGs, acusando-as de estarem no Brasil representando interesses econômicos estrangeiros contra a economia nacional. o professor e meteorologista Luiz Baldicero Molion, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal)16 16 Como veremos adiante, atualmente, Molion é um dos mais conhecidos negacionistas do clima brasileiros. . Molion iniciou sua fala indo direto ao ponto:

Não devemos evitar o desmatamento por conta do CO² emitido. Há uma propaganda errônea em torno disso. Primeiramente, o CO² não controla o clima global; podem colocar quanto CO² quiserem na atmosfera, que será benéfico. [...] Portanto, o que irão fazer na COP, na próxima semana, será uma perda de tempo e de dinheiro (Câmara dos Deputados, 2009b: 15).

O deputado Aldo Rebelo (PCdoB), ao final da exposição de Molion, acrescentou: “naturalmente, aqueles que organizam, preparam e financiam encontros como o da COP não o estão fazendo para perder tempo, Prof. Luiz Molion, mas por algum interesse, creio eu” (Câmara dos Deputados, 2009b: 30). Rebelo argumentou que o aquecimento global, assim como toda forma de pressão ambientalista internacional, estava inserida na “guerra comercial que enfrenta o Brasil com seus concorrentes no mundo”; e afirmou que “a luta em defesa do meio ambiente, [...] está mergulhada no espectro de uma disputa ideológica e comercial internacional”. Em seu diagnóstico, Rebelo acrescentou que “o poder público, das instituições de Estado é defender o valor da agricultura que melhora a qualidade de vida do povo” (Câmara dos Deputados, 2009b: 34). Na visão de Rebelo, as leis ambientais no Brasil geram pobreza porque tiram o sustento dos agricultores mais pobres, tiram seus direitos de trabalhar a terra livremente. Rebelo se referia a isso como “uma nova forma de colonialismo” que estaria subjugando os povos dos países menos desenvolvidos. Revela-se aqui um discurso que atualizava o dispositivo do negacionismo climático, reforçando a retórica antiambientalista dos ruralistas naquelas audiências. Acrescentou-se uma linha narrativa de conspiração imperialista contra os agricultores mais pobres e sua liberdade de trabalhar a terra. Percebe-se que o negacionismo climático pode ser tecido com uma diversidade de narrativas, dentre elas, a da luta contra o imperialismo e o colonialismo, a qual o deputado do PCdoB utilizou. Isso indica que o negacionismo climático não é um fenômeno que se limita exclusivamente ao campo político-ideológico da direta.

Compreendemos, portanto, que o dispositivo do negacionismo climático no contexto da reformulação do Código Florestal constituiu-se como parte da estratégia ruralista de desregulamentação das leis florestais e de fragilização dos compromissos do governo brasileiro com acordos internacionais que reforçam a necessidade de políticas mais severas de controle do desmatamento. Segundo essa estratégia liberalizante, o Estado deve se abster de sua função de controle do desmatamento em propriedades privadas, fazendo com que não haja barreiras para a livre exploração econômica das áreas rurais florestadas.

Essa articulação - tornada possível na forma de dispositivo - entre liberalismo econômico, agronegócio e negacionismo científico se tornou mais intensa desde então. Instituições que defendem o fundamentalismo do livre mercado e do Estado mínimo têm apresentado publicamente sua posição negacionista e a favor das propostas de desregulamentação dos ruralistas. Por exemplo, grupos como o Instituto Liberal17 17 Disponível em: <https://www.institutoliberal.org.br/?s=mudan% C3%A7as+clim% C3%A1ticas>. Acesso em: 20 Jun. 21. , o Instituto Mises-Brasil18 18 Disponível em: <https://www.mises.org.br/article/3098/greta-thunberg-manda-seu-recado-para-os-paises-mais-pobres-morrerao-pobres>. Acesso em: 20 Jun. 21. , o Instituto Millenium19 19 Disponível em: <https://www.institutomillenium.org.br/o-agro-brasileiro-e-mais-sustentavel-do-que-aparenta/>. Acesso em: 20 Jun. 21. , o Movimento Brasil Livre (MBL)20 20 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-JVLtiGa7zE&t=212s>. Acesso em: 15 Jun. 21. e, mais recentemente, o “Instituto Liberal Conservador”, fundado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, são organizações dedicadas a um processo de defesa de políticas liberais que têm incorporado nos temas ambientais o negacionismo climático. Alguns desses institutos foram fundados nos moldes dos think tanks norte-americanos e importaram, com as ideias liberais, o negacionismo climático21 21 A relação com os think tanks norte-americanos foi tornada pública, por exemplo, na cerimônia de lançamento do Instituto Liberal Conservador na qual Eduardo Bolsonaro declarou que “nós queremos ser exatamente o que a Heritage Foudantion e o Leadership Institute são nos Estados Unidos”. Participou da solenidade, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, cuja reunião com o grupo negacionista do clima Competitive Enterprise Institute (CEI), meses antes da COP-25, foi amplamente divulgada na mídia. Consultar: <https://www.youtube.com/watch?v=F1GJnn-WWjU>. Acesso em: 16 Jun. 21. . Como veremos adiante, a atualização do dispositivo do negacionismo climático, que se expressa na relação entre liberalismo e agronegócio, adquire novos aspectos na ordem dos acontecimentos.

A liberdade de opinião e o falso balanço de informações

Um elemento crucial na história do negacionismo climático nos Estados Unidos - narrado por Oreskes e Comway (2010ORESKES, Naomi.; CONWAY, Erik. Merchants of doubt. New York: Bloomsberry Press, 2010.) - foi o de como a mídia de massa confundiu o valor liberal da liberdade de opinião ao propor um saudável “balanço de informações” sobre as mudanças climáticas. Os jornais norte-americanos, ao darem voz aos negacionistas, deram um status de controvérsia científica ao tema, quando esta já não existia no campo da ciência.

Assim como no caso norte-americano, os negacionistas climáticos no Brasil ganharam atenção da mídia em momentos decisivos para o tema das mudanças climáticas e do meio ambiente no país. No ano de 2012, o programa Jô Soares, exibido pela Rede Globo de televisão, produziu uma entrevista com Ricardo Felício, ex-militar e professor do Departamento de Geografia da USP. Felício argumentou, na entrevista, que “o aquecimento global é apenas uma hipótese” e que o “efeito estufa é a maior falácia da história”. Em seguida, declarou que “a Floresta Amazônica nada influencia no clima da Terra, e que se fosse completamente desmatada, a floresta se reconstituiria em 20 anos”22 22 A entrevista pode ser assistida em: <https://www.youtube.com/watch?v= k39yUZJBJNE&list= PLRr7NmWDhkB8 hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p∈ dex=7&t=8s>. Acesso em: 15 Jun. 21. . No mesmo ano, Ricardo Felício fora entrevistado no programa “Todo Seu”, do cantor Ronnie Von, exibido na TV Gazeta23 23 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1gCaiCpH 0Oc&t=124s>. Acesso em: 16 Jun. 21. . O contexto político era muito oportuno: às vésperas do final do prazo para o veto presidencial do novo Código Florestal e da realização da Rio+20.

Enquanto isso, Luiz Molion publicava na coluna “Opinião” da Folha de S. Paulo o texto “Mudanças climáticas e governança global”24 24 Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/57751-mudancas-climaticas-e-governanca-global.shtml>. Acesso em: 15 Jun. 21. , no qual divulgava o conteúdo de uma carta enviada em maio daquele ano à presidente Dilma Rousseff. A carta intitulada “Mudanças climáticas: hora de se recobrar o bom senso”, assinada por 18 professores de universidades brasileiras, declarava que o aquecimento global é um “alarmismo contraproducente” e recomendava que na Rio+20 ocorresse uma “reorientação” do governo em relação ao tema25 25 A carta foi publicada no jornal Correio Braziliense. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2012/11/25/interna_revista_correio,335053/veja-a-carta-assinada-por-18-cientistas-brasileiros-e-enviada-a-presidente.shtml>. Acesso em: 16 Jun. 21. . Em junho de 2012, o Jornal Nacional, da TV Globo, exibiu matéria divulgando a posição de negacionistas climáticos e falava da carta enviada à presidente Dilma26 26 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-PWqhEOhsXA&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index=9> Acesso em: 15 Jun. 2021. , dando a entender que havia ainda dúvidas a respeito da cientificidade do aquecimento global.

O que se constata, com essas divulgações, é que o dispositivo do negacionismo climático, ao alcançar os veículos de comunicação de massa no Brasil, teve seus enunciados elevados a um nível de controvérsia que lhe permitiu disputar publicamente a narrativa das mudanças climáticas com a comunidade científica. Portanto, ocorreu no Brasil o mesmo erro cometido pelos jornais norte-americanos, isto é, uma interpretação errada a respeito da noção de “balanço de informações” que dá voz aos dois lados no debate público, o que faz sentido nas notícias de cunho político, mas não reflete a maneira como a ciência trabalha (Oreskes & Comway, 2010ORESKES, Naomi.; CONWAY, Erik. Merchants of doubt. New York: Bloomsberry Press, 2010.: 214). Essa distorção do princípio liberal de liberdade de opinião é uma outra linha estratégica do negacionismo climático que garantiu aos negacionistas o status de outsiders que estariam contando “um outro lado da história” no debate público.

Com a popularização da Internet, o dispositivo do negacionismo climático teve seu desdobramento no site YouTube, em blogs e nas redes sociais27 27 Disponível em: <https://agfdag.wordpress.com/>. Acesso em: 15 Jun. 21. , redes cuja arquitetura se revelou adequada ao seu modus operandi. Com a ascensão do bolsonarismo, materiais audiovisuais negacionistas das mudanças climáticas tiveram um número crescente de visualizações em programas de YouTube de apoiadores da campanha de Jair Bolsonaro como, por exemplo, o Programa de Rádio e YouTube “Pânico na Band”28 28 Vídeo com mais de 2 milhões de acessos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FK4W 8EvEQGE. Acesso em: 15 Jun. 21. ; o programa “Imprensa Livre” da Gazeta do Povo29 29 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8AK9I-j-1iQ>. Acesso em: 15 Jun. 21. ; o canal do Movimento Brasil Livre (MBL)30 30 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-JVLtiGa7zE&t=212s. Acesso em: 15 Jun. 21. ; o canal do youtuber Nando Moura31 31 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch? v=Fsz1i7Vpou0>. Acesso em: 15 Jun. 21. ; o programa da jornalista Leda Nagle32 32 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5Qzc2KthKt4&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index =12&t=1537s. Acesso em: 15 Jun. 21. ; o canal Terça Livre33 33 Disponível em: <https://tercalivre.com.br/presidente-bolsonaro-admite-narrativa-sobre-o-clima-para-expor-hipocrisia-de-adversarios-analisa-italo-lorenzon/>. Acesso em:15 Jun. 21. e programas destinados ao agronegócio, como o “Espaço Aprosoja”34 34 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HDV0b 8BVkyo>. Acesso em: 15 Jun. 21. , “Sucesso no Campo”35 35 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_DTlrMxlcTU>. Acesso em: 15 Jun. 21. , dentre outros.

Além de programas de televisão e da Internet, desde 2010 palestras de negacionistas climáticos têm sido financiadas por grupos do agronegócio. Em março de 2010, os negacionistas climáticos Bjork Lomborg, dinamarquês, e Patrick Michaels, pesquisador sênior em estudos ambientais do think tank norte-americano Cato Institute, foram palestrantes convidados pela Confederação Nacional da Agricultura (CNA) que, naquele ano, realizou o evento Fórum Internacional de Estudos Estratégicos para Desenvolvimento Agropecuário e Respeito ao Clima (FEED 2010) que teve como objetivo “dar andamento às discussões levantadas na COP-15”36 36 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=f84XVP_9MAg&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index= 3&t=2263s>. Acesso em: 15 Jun. 21. . Indica-se que as relações de grupos do agronegócio com o negacionismo climático foram fortalecidas como dispositivo estrategicamente orientado em momentos políticos importantes.

Entre os brasileiros, Luiz Molion é o mais solicitado para divulgar as ideais do negacionismo climático nas redes de produtores rurais. Segundo matéria da Folha de S. Paulo, em 2018, Molion chegou a dar 50 palestras em diversos estados brasileiros contratado por empresas vinculadas ao agronegócio - como a Syngenta, a Casa do Adubo, tratores John Deere -, além de associações de produtores, prefeituras e governos estaduais37 37 Disponível em: <https://arte.folha.uol.com.br/ciencia/2018/crise-do-clima/cerrado/agronegocio-banca-palestras-de-cetico-sobre-mudanca-climatica-para-ruralistas-no-matopiba/>. Acesso em:16 Jun. 21. . Há, portanto, uma articulação institucional do dispositivo do negacionismo climático que revela sua natureza não só discursiva, mas articulada em uma “rede de elementos heterogêneos” (Foucault, 2002______. Microfísica do poder, 17. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2002.).

O negacionismo climático no Brasil repercutiu de maneira eficiente com a cumplicidade de parte da mídia e em articulação com grupos do agronegócio e instituições liberais. Sua relação com o agronegócio revela que a estratégia de disseminar essas ideias é parte do esforço permanente de liberar as propriedades rurais da regulamentação ambiental. As ideias liberais midiaticamente amplificadas, revelam-se linhas fundamentais desse dispositivo.

Conservadorismo cristão, globalismo e neopaganismo

Um importante produto do dispositivo do negacionismo climático é a formação de um imaginário que permite amalgamar suas diferentes linhas discursivas em uma visão coerente de mundo. Nesta seção, exploraremos a maneira como esse imaginário é constituído nas publicações de autores negacionistas e apresentaremos suas principais linhas argumentativas que costuram uma diversidade de elementos, dentre eles, aspectos morais, políticos e religiosos.

A partir do ano de 2008, as ideais negacionistas foram compiladas e divulgadas no Brasil em livros publicados por pequenas editoras, algumas delas católicas e vinculadas ao agronegócio38 38 Por exemplo, a DBO Editores Associados (dirigida ao ramo agrícola), Capex Dei (de grupos católicos); Livraria Petrus (do Instituto Mariano Plinio Correa); a Vide Editorial (grupos católicos). . Alguns livros são traduções de autores estrangeiros, por exemplo: A fraude do efeito estufa, de Kurt G. Bluchel (2008); Aquecimento global?, de Shigenori Maruyama (2009); Aquecimento global: alarme falso, de Ralph B. Alexander (2012); Planeta Azul em algemas verdes, de Václav Klaus (2010); O império ecológico, de Pascal Bernardin (2015BERNARDIN, Pascal. O império ecológico ou a subversão da ecologia pelo globalismo. Campinas, SP: Vide Editorial. 2015.). Outras são publicações de autores brasileiros, por exemplo: A fraude do aquecimento global, de Geraldo Luís Lino (2009); Aquecimento global: ciência ou religião?, de Gustavo M. Baptista (2009); Psicose ambientalista, de Dom Bertrand de Orleans e Bragança (2012BRAGANÇA, Bertrand de Orleans. Psicose ambientalista: os bastidores do ecoterrorismo para implantar uma “religião” ecológica, igualitária e anticristã. São Paulo: Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, 2012.); CO², aquecimento global e mudanças climáticas: estão nos enganando?, de Richard Jakubaszko e colaboradores (2015).

Nossa análise de conteúdo dessas publicações concluiu que os trabalhos de autores brasileiros pouco acrescentam aos argumentos de seus predecessores estrangeiros. Não obstante, há uma adaptação do discurso para questões econômicas e políticas relacionadas ao agronegócio. De maneira geral, a narrativa principal que anima o dispositivo negacionista é construída em duas partes:

  • i. as críticas ao IPCC; e

  • ii. o diagnóstico de formação de uma nova ordem global comunista que coordena uma atividade sistemática de fraude científica com o objetivo de destruir a civilização ocidental cristã.

Algumas publicações avançam mais na primeira parte, outras na segunda. Entretanto, as duas linhas argumentativas frequentemente se entrelaçam para explicar o motivo maior da “farsa do aquecimento global”, a saber, destruir o modo de vida da civilização ocidental.

Os argumentos contra o IPCC têm como fonte os trabalhos dos think tanks liberais norte-americanos, especialmente, do relatório do Painel Não-Governamental Sobre Mudanças Climáticas. Assim como seus predecessores, há uma iniciativa dos negacionistas brasileiros de se comunicarem com um público mais amplo do que o acadêmico. Para tanto, suas publicações não se orientam pelas formalidades de linguagem, métodos e referências exigidas por trabalhos científicos.

De maneira geral, os argumentos apresentados contra o IPCC podem ser resumidos, conforme proposto por Jakubaszko e equipe (2015: 43), nas “15 verdades que abalam o ambientalismo”.

  • i. O IPCC não é um organismo científico, mas político;

  • ii. O IPCC alimenta uma constante confusão entre ciência e política;

  • iii. O IPCC está no centro de uma coalizão de poderosos interesses particulares;

  • iv. O IPCC recusa todo debate científico racional com cientistas opostos às suas teses;

  • v. O IPCC denigre (sic) os argumentos apresentados em sentido contrário e põe obstáculos à liberdade de expressão, tratando os cientistas que não compartem suas posições como dissidentes do tempo da URSS;

  • vi. O CO² não aumentou em função das emissões de combustíveis fósseis, desde 1750;

  • vii. A elevação da temperatura média global no último meio século não foi atípica em relação aos últimos 1.300 anos;

  • viii. O CO² proveniente de combustíveis fósseis não contribui significativamente para o aumento da temperatura desde metade do século XX;

  • xi. A teoria do “aquecimento global causado pelo homem” se baseia em modelos ou simulações fundadas em hipóteses e aproximações;

  • x. As observações da realidade fornecem dados naturais (atividade do Sol, vulcões, correntes oceânicas, nuvens etc.) que pesam na evolução do clima, mas os modelos do IPCC não as levam apropriadamente em consideração;

  • xi. As teorias do IPCC não recolhem o consenso científico;

  • xii. A imprensa não apresenta a problemática do aquecimento global com o recuo crítico e a imparcialidade requeridos pela deontologia jornalística;

  • xiii. As contribuições dos governos ao IPCC geralmente aumentam o viés criticado acima;

  • xiv. A popularidade das teorias do IPCC resulta de uma difusão midiática unilateral e do apoio de certos partidos e líderes de opinião;

  • xv. Os encarregados de tomar decisões econômicas e financeiras tiveram que adaptar suas políticas às imposições da luta contra o aquecimento global, com prejuízo de sua produtividade e competitividade.

Sugere-se, portanto, uma campanha orquestrada que torna o IPCC uma plataforma político-econômica que usa a fraude científica para a implantação do que os autores chamam de uma “nova ordem global”. Segundo os autores, a formação dessa nova ordem global se expressa na forma de uma “guerra comercial” entre países industrializados e países menos desenvolvidos, conforme vimos anteriormente no caso do Código Florestal. Mas também, apresenta artifícios que atingem o que eles consideram um nível mais profundo da “civilização ocidental”, a saber, sua espiritualidade cristã e sua vocação capitalista.

A visão compartilhada pelos negacionistas a respeito da formação da nova ordem mundial pode ser sintetizada pela formulação proposta por Dom Bertrand de Orleans e Bragança39 em seu livro Psicose ambientalista (2012BRAGANÇA, Bertrand de Orleans. Psicose ambientalista: os bastidores do ecoterrorismo para implantar uma “religião” ecológica, igualitária e anticristã. São Paulo: Instituto Plínio Corrêa de Oliveira, 2012.). O ambientalismo, no Brasil, segundo Bragança (2012: 8), é um “Cavalo de Troia” do comunismo. Por um lado, o ambientalismo ameaça o livre uso da propriedade privada por meio de regulamentações ambientais e acordos internacionais. Por outro, estaria propondo “uma nova religião, que pretende justificar e implantar uma sociedade humana igualitária e neotribal, lastreada num misto de pseudociência com filosofias arcaicas e pagãs” (Bragança, 2012: 31). A inspiração cristã dessa crítica expressa-se nas frequentes reafirmações de Bragança e outros autores de um trecho do livro bíblico do Gênesis (1:28), no qual consta o famoso mandamento que diz “Enchei a terra e sujeitai-a, dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves do céu e sobre todo animal que rasteja sobre a terra”. Ao não seguir este mandamento, o ambientalismo retiraria do homem a prerrogativa dada por Deus de fazer uso da natureza e de submetê-la à sua vontade. Nessa visão conservacionista, o neopaganismo ambientalista constrói esses sujeitos psicóticos avessos à verdade do mandamento cristão. Segundo os negacionistas, com o aquecimento global o ambientalismo teria encontrado um projeto de subversão comunista perfeito que corrompe ao mesmo tempo o direito de livre uso da propriedade privada e a natureza cristã do homem. Segundo Pascal Bernardin40 40 Jornalista, engenheiro e professor francês. Também autor do livro Maquiavel pedagogo, no qual sustenta que as reformas educacionais servem para a formação de uma educação globalista a serviço da esquerda. :

Conseguir fazer com que a sociedade admita a realidade do problema do efeito estufa seria modificar radicalmente o potencial da situação: as únicas soluções almejáveis demandariam uma socialização completa de todas as atividades. Tendo sido as premissas definidas, o silogismo revolucionário segue seu próprio funcionamento sozinho, de forma inexorável. E aqui, ainda, tratar-se-ia de uma revolução não aversiva, pois que cada indivíduo, consciente da ameaça que pesa sobre a Terra, tendo recebido desde a mais tenra idade os valores ecológicos que constituirão cidadãos “globalitários”, trará em seu coração o ímpeto de lutar contra o inimigo comum, o aquecimento global (Bernardin, 2015BERNARDIN, Pascal. O império ecológico ou a subversão da ecologia pelo globalismo. Campinas, SP: Vide Editorial. 2015.: 303).

O ambientalismo, portanto, apresenta dimensões espirituais e de formação de sujeitos. Indica-se, desta forma, uma linha de (des)subjetivação presente no dispositivo do negacionismo climático. O sujeito ambientalista, segundo Bernardin (2015BERNARDIN, Pascal. O império ecológico ou a subversão da ecologia pelo globalismo. Campinas, SP: Vide Editorial. 2015.), estaria sendo orientado para uma adoração da Terra, considerada um ser vivo denominado “Gaia”, o que reflete uma cosmologia pagã e revolucionária contrária à doutrina cristã. É nesse sentido que o dispositivo do negacionismo climático se projeta como forma de combater um tipo de subjetivação compreendida por Bernardin e demais autores como sendo de natureza pagã e, em contrapartida, reforça uma linha de subjetivação que teria como traço fundamental a separação do homem da natureza, marcando assim seu caráter divino e sua semelhança com Deus, tornando-o senhor da natureza.

Ao sustentar o imaginário de uma nova ordem global, o dispositivo do negacionismo climático permite amalgamar uma diversidade ampla de temas (morais, religiosos, ambientais, econômicos etc.). A respeito desse imaginário, é ilustrativa a tese de Olavo de Carvalho (2016CARVALHO, Olavo de. ONU, Nova Ordem Mundial e a escravização mundial, 2016. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=e2bBHef6u60>. Acesso em: 06 Jan. 2019.
https://www.youtube.com/watch?v=e2bBHef6...
) - que comunga das ideias de Bernardin41 41 Em vídeo, Olavo de Carvalho recomenda aos seus espectadores o livro de Bernardin (2015) como a principal referência para o tema do aquecimento global. Consultar Carvalho (2012). - a respeito da “conspiração globalista da esquerda” que visa, segundo ele, submeter os povos a um único governo mundial através da ONU e demais órgãos internacionais. Para Carvalho (2002), as universidades brasileiras têm sido dominadas por décadas pelo “pensamento da esquerda” e pela grande mídia que propaga o que ele chama de “marxismo cultural”, a saber, um projeto da “esquerda globalista” dedicado ao empreendimento de destruir a cultura ocidental capitalista e cristã. Segundo Carvalho (2012), o aquecimento global seria apenas um pretexto para atingir tal objetivo.

Também são ilustrativas as atividades e os trabalhos do geólogo Geraldo Luís Lino. Autor do livro Aquecimento global: ciência ou religião?, Lino também é um dos fundadores do Movimento Solidariedade Ibero-Americana (MSI), organizado para combater o

[...] projeto oligárquico que tem sido investido para forçar uma “mudança de paradigma cultural”, contra a matriz cultural cristã da Civilização Ocidental, colocada em marcha na década de 1960 por interesses hegemônicos internacionais. A ideologia de gênero, a indução de divisões étnicas ou raciais nas sociedades e a idolatria da natureza, contraposta à promoção do pleno desenvolvimento da humanidade, que têm proporcionado uma degradação das famílias e dos diretos inalienáveis da pessoa humana42 42 Disponível em: <https://msiainforma.org/quem-somos/>. Acesso em: 15 Jun. 21. .

O MSI tem trabalhado junto ao bolsonarismo desde 2018 para atingir esses objetivos, assim como outras instituições conservadoras. Por exemplo, o Instituto Plínio Corrêa de Oliveira (IPCO)43 43 Disponível em: <https://ipco.org.br/>. Acesso em: 15 Jun. 21. , uma espécie de think tank do conservadorismo católico brasileiro, tem dado suporte à tese da nova ordem global da esquerda e ao negacionismo climático por meio da publicação de livros como o Psicose ambientalista, de Dom Bertrand e a promoção de palestras de negacionistas como as de Luiz Molion44 44 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v= zjXoX9kmwmk>. Acesso em: 15 Jun. 21. e do professor da USP, Ricardo Felício45 45 Felício é um dos negacionistas climáticos mais conhecidos atualmente. Falaremos a seu respeito mais adiante. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_qYud8SlU34&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index =9&t=5s>. Acesso em: 15 Jun. 21. .

O dispositivo do negacionismo climático, ao incorporar valores conservadores católico-cristãos, confronta a posição dominante na Igreja Católica declarada pelo papa Francisco no “Sínodo da Amazônia” e sustentada no Brasil pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB). Segundo Renan Santos (2020SANTOS, Renan. Entre o “cuidado da casa comum” e a “psicose ambientalista”: disputas em torno da ecoteologia católica no Brasil. Revista Brasileira de Sociologia, v. 8, n. 20, p. 78-101, 2020.), para a ala católica conservadora, essas posições da igreja representam um processo de corrupção da instituição que estaria sendo infiltrada pela esquerda ambientalista desde o surgimento de movimentos como a “teologia da libertação”.

Indica-se, portanto, que o dispositivo do negacionismo climático produz um imaginário que atualiza uma visão de mundo liberal e conservadora frente às urgências ambientais. O negacionismo climático surge como uma “meada”, um nexo de várias narrativas, instituições e elementos que se relacionam compondo um todo que não pode ser desagregado sem prejuízo de tal concepção de mundo.

Bolsonarismo e negacionismo climático

O dispositivo do negacionismo climático não apareceu no Brasil com o bolsonarismo, mas encontrou nesse movimento político46 46 Entende-se aqui que o bolsonarismo é um movimento político liberal conservador que atualiza tradições da direita ideológica, do movimento cristão conservador, das tradições integralistas, do nacionalismo verde-oliva e do liberalismo radical que pretende limitar a intervenção do Estado (Solano, 2018). novas condições de crescimento e exercício do poder. Ao refletirmos a respeito da trajetória dos acontecimentos que envolveram o negacionismo climático até agora, podemos questionar se há algo novo na cosmovisão bolsonarista em relação à visão de mundo apresentada até então. Olavo de Carvalho, Dom Bertrand de Orleans e Bragança, Geraldo Luís Lino, Ricardo Felício e demais negacionistas - apoiadores de Bolsonaro -, já pregavam o combate ao “projeto oligárquico da esquerda” e denunciavam a “corrupção da civilização cristã com a ideologia de gênero, a indução de divisões étnicas ou raciais e a idolatria pagã da natureza”. O negacionismo climático é parte constitutiva dessa “meada”, desse dispositivo que atravessa a história e se atualiza no bolsonarismo. Contudo, indica-se que o bolsonarismo representa o nó mais bem atado das diferentes linhas que constituem esse dispositivo. Dispositivo em que o negacionismo climático se tornou o modo de relação do bolsonarismo com os processos de governamentalização ambiental, isto é, como estratégia de impedimento47 47 Sugere-se o termo “estratégias de impedimento” ao se considerar que processos de governamentalização ambiental não podem ser completamente desconstituídos, já que se trata de uma lógica de resistências, mas sim obstruídos. .

No encontro do G-20 em 2019, Jair Bolsonaro, em conversa com a chanceler alemã Angela Merkel e o presidente francês Emmanuel Macron, afirmou que há uma “psicose ambientalista” contra o Brasil48 48 Disponível em: <https://g1.globo.com/natureza/blog/andre-trigueiro/post/2019/07/29/psicose-antiambientalista-de-bolsonaro.ghtml>. Acesso em: 16 Jun. 21. . Em clara referência ao livro negacionista homônimo de Dom Bertrand, Bolsonaro deslegitimava os dados sobre o elevado desmatamento da Amazônia apurados pelo Inpe. Bolsonaro afirmou que o diretor do instituto à época, Ricardo Galvão, estaria “agindo a serviço de uma ONG”49 49 Disponível em: <https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/02/entidades-lamentam-exoneracao-de-diretor-do-inpe-veja-a-repercussao.ghtml>. Acesso em: 16 Jun. 21. , entenda-se, a serviço da “esquerda ambientalista”50 50 Galvão relatou que, após o debate com Ricardo Salles, na Globo News, em agosto de 2019, conversou com o ministro nos bastidores e se desapontou ao ouvir do ministro que “ele não acreditava na ciência brasileira porque a ciência brasileira estava toda aparelhada pela esquerda contra os americanos” (Miguel, 2020). .

As escolhas de Bolsonaro para os ministérios das Relações Exteriores e do Meio Ambiente refletiram essa visão. O ex-ministro das relações exteriores, Ernesto Araújo, indicado ao cargo por Olavo de Carvalho, sustentou publicamente durante seu mandato a tese do “globalismo” de esquerda e se referiu às mudanças climáticas como uma conspiração global que denominou “climatismo”.

O “climatismo” juntou alguns dados que sugeriam uma correlação do aumento de temperaturas com o aumento da concentração de CO² na atmosfera. [...] Esse dogma vem servindo para justificar o aumento do poder regulador dos Estados sobre a economia e o poder das instituições internacionais sobre os Estados nacionais e suas populações, bem como para sufocar o crescimento econômico nos países capitalistas democráticos e favorecer o crescimento da China (Araújo, 2018ARAÚJO, Ernesto. Sequestrar e perverter, 2018. Disponível em: <https://www.metapoliticabrasil.com/post/sequestrar-e-perverter>. Acesso em: 06 Jan. 2020.
https://www.metapoliticabrasil.com/post/...
).

Em julho de 2019, o Itamaraty enviou um diplomata para participar de uma conferência com negacionistas do clima realizada pelo think tank Heartland Institute, em Washington. Após a reunião, circulou no Itamaraty um telegrama que reportava os principais pontos abordados na reunião. Em um trecho do telegrama, resume-se o que seria o real motivo dos alertas do aquecimento global:

[...] eles estão colocando em risco nosso modo de vida. O debate não é sobre mudança do clima, nem sobre dióxido de carbono. Não é sobre clima, nem ciência. É sobre socialismo contra capitalismo [...]51 51 Disponível em: <https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/07/31/leia-o-telegrama-confidencial-do-itamaraty-sobre-mudancas-climaticas/>. Acesso em: 16 Jun. 21. .

No ano de 2018, Bolsonaro tinha o nome de Ricardo Felício (o negacionista do programa Jô Soares) na lista de possíveis ministros do Meio Ambiente52 52 Importante dizer que Ricardo Felício foi candidato a deputado estadual, em 2018, pelo então partido de Jair Bolsonaro, o PSL. , mas acabou optando por Ricardo Salles53 53 Disponível em: <https://painel.blogfolha.uol.com.br/2018/12/06/bolsonaro-cogita-professor-que-nega-aquecimento-global-para-meio-ambiente/>. Acesso em: 16 Jun. 21. . Salles posicionou-se publicamente a respeito das mudanças climáticas afirmando que o tema permanece “um assunto acadêmico controverso” e que há “muito alarmismo sobre o assunto”54 54 Entrevista concedida à repórter Andreia Sadi em 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/globonews/em-foco-com-andreia-sadi/video/andreia-sadi-entrevista-o-ministro-do-meio-ambiente-ricardo-salles-7562626.ghtml>. Acesso em: 16 Jun. 21. . Salles adotou como primeiras ações administrativas fechar a Secretaria de Mudanças Climáticas e Florestas e, em decisão conjunta com o Itamaraty, desistiu de sediar no Brasil a COP-25, em dezembro de 2019. Em setembro daquele ano, Salles se reuniu nos Estados Unidos com o grupo negacionista do clima do Competitive Enterprise Institute55 55 Um dos temas mais tratados pelo grupo trata dos riscos que as políticas climáticas trazem à economia norte-americana. Disponível em: <https://cei.org/issues/energy-and-environment/climate/page/2/>. Acesso em: 22 Jun. 21. . Na COP-25, a comissão brasileira compareceu em pequeno número, acanhada e sem proposta clara (Miguel, 2020MIGUEL, Jean. Negacionismo climático no Brasil. Coletiva, Dossiê 27, Crise climática, 2020.).

Logo no início de 2019, uma carta aberta assinada por Ricardo Felício, Luiz Molion e outros 20 professores de universidades brasileiras fora endereçada a Ricardo Salles, através de uma publicação do site Notícias agrícolas 56 56 Um dos mais atuantes do agronegócio. Disponível em: <https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/meio-ambiente/231554-cientistas-liderados-por-lcmolion-confrontam-ambientalistas-que-defendem-o-aquecimento-climatico.html#.YMpHBvKSmUm>. Acesso em: 16 Jun. 21. . Na carta, os negacionistas reivindicaram uma “agenda climática baseada em evidências e nos interesses reais da sociedade”, reiterando os argumentos já conhecidos a respeito do aquecimento atmosférico antropogênico. Tais argumentos ressoaram mais uma vez no Congresso Nacional.

Os senadores Flávio Bolsonaro (PSL-RJ) e Marcio Bittar (MDB-AC) apresentaram um projeto de lei (PL 2362/2019) que propôs acabar com a reserva legal, área do imóvel rural que, segundo o Código Florestal, não pode ser desmatada. Bittar e Bolsonaro se reuniram com Ricardo Salles para tratar do assunto em abril de 2019. Naquela reunião, concordaram que a reserva legal impede a expansão do agronegócio, sobretudo, nos estados da Amazônia Legal57 57 Disponível em: <https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2019/ 04/23/projeto-acaba-com-a-reserva-florestal-obrigatoria-em-propriedades-rurais>. Acesso em: 16 Jun. 21. . Como parte de sua política para pôr fim à reserva legal, Marcio Bittar organizou uma audiência pública no Senado para a qual convidou Ricardo Felício e Luiz Molion para discutir, uma vez mais, com os líderes ruralistas, o tema da “farsa do aquecimento global”. Na ocasião, Bittar declarou que as questões do aquecimento global “ainda são hipóteses que não se confirmaram” e estariam incentivando a “entrega do patrimônio nacional” aos estrangeiros58 58 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch? v=MP3Rp6iQq6A&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index= 2&t=7582s>. Acesso em: 16 Jun. 21. .

Naquele mesmo ano, o senador Zequinha Marinho (PSC-PA) tornou-se o presidente da Comissão Mista Especial sobre Mudanças Climáticas do Congresso Nacional, responsável por discutir o destino dos fundos que financiam ações de mudanças climáticas no país, dentre outros assuntos relacionados ao clima. Em entrevista concedida à TV Senado, em agosto de 201959 59 Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=EtSEO GHwvGk>. Acesso em: 16 Jun. 21. , Marinho afirmou que “a política ambiental brasileira é feita do ponto de vista das ONGs sob influência da esquerda”. O senador destacou ainda que na questão das mudanças climáticas “tem muita coisa que é folclórica, que o mundo vai acabar, que as calotas de gelo vão derreter [mas] se você for pegar, ao longo da história, não há muita diferença daquilo que já foi”.

Percebe-se, portanto, que a orientação estratégica do dispositivo do negacionismo climático no governo Bolsonaro se mantém na investida contra as leis florestais, produzindo efeitos administrativos importantes. Em termos orçamentários, dois exemplos são: a paralisação do Fundo Clima, em 2019, destinado a projetos voltados às ações de mudanças climáticas60 60 Disponível em: <https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/05/03/governo-descumpre-prazo-e-trava-86percent-do-orcamento-para-enfrentar- a-mudanca-climatica.ghtml>. Acesso em: 22 Jun. 21. e, em 2020, o Observatório do Clima concluiu que o Ministério do Meio Ambiente não havia gastado nem 1% do dinheiro destinado a programas de preservação naquele ano61 61 Disponível em: <https://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2020/09/16/ministerio-do-meio-ambiente-nao-gastou-nem-1percent-da-verba-para-preservacao-diz-levantamento.ghtml>. Acesso em: 18 Jun. 21. . Exemplos que nos mostram como o negacionismo climático não é apenas uma forma de discurso ou de desinformação, mas uma estratégia histórica complexa de impedimento da governamentalização ambiental.

Conclusões

Neste artigo, analisou-se como o negacionismo climático está relacionado a um conjunto heterogêneo de discursos, instituições e práticas que atravessam acontecimentos marcados por disputas ambientais decisivas no Brasil, como a disputa pela regulamentação do desmatamento e pelos compromissos firmados em acordos climáticos internacionais. Essas lutas colocam em conflito diferentes visões de mundo e suas concepções da verdade. No caso aqui estudado, destacou-se a visão de mundo liberal conservadora e suas estratégias de impedimento da governamentalização ambiental no Brasil.

Com base no que foi exposto, argumentamos que o negacionismo climático vai além da “política de pós-verdade”, pois se refere a um conjunto mais heterogêneo de formação de sujeitos políticos por meio da ativação de um dispositivo estratégico liberal conservador. A percepção de que a governamentalização ambiental representa a profanação do livre mercado, do direito à propriedade privada, da espiritualidade e subjetividade cristã e da civilização ocidental são significados sociais enraizados em realidades subjetivamente vivenciadas. Portanto, o negacionismo climático não pode ser compreendido somente como “desinformação” ou “ignorância”. Por um lado, trata-se de ação planejada e estrategicamente aplicada por determinados grupos políticos. Por outro, representa uma visão de mundo daqueles que não compartilham da mesma realidade dos sujeitos políticos que defendem causas ambientais.

Torna-se desafiador, portanto, pensar no modo como o negacionismo pode ser desmobilizado em suas perigosas vertentes que, além das mudanças climáticas, alcançam atualmente problemas como a pandemia de Covid-19, os acontecimentos políticos da ditadura e a legitimidade da luta por direitos humanos no Brasil. A contribuição do presente estudo é indicar uma forma de ir além na compreensão dos “fios que formam essas meadas”, que são politicamente poderosos e, talvez, lançar luz no caminho das possíveis ações políticas que possam desatá-los.

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  • VIOLA, Eduardo. O regime internacional de mudanças climáticas. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 17, n. 50, p. 25-46, 2002.
  • i
    . Este artigo foi produzido no contexto do projeto de pesquisa financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp), Projeto 2016/24660-8.
  • 1
    Disponível em: <https://politica.estadao.com.br/noticias/geral,sol-firme-ou-temporal-a-vista-no-clima-novo-governo-e-incognita, 70002660754>. Acesso em: 12 Maio 2021.
  • 2
    Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2019/01/ministerio-do-meio-ambiente-vai-enxugar-area-de-mudancas-climaticas.shtml>. Acesso em: 12 Maio 2021.
  • 3
    Disponível em: <https://piaui.folha.uol.com.br/materia/o-negacionismo-no-poder/>. Acesso em: 12 Maio 2021.
  • 4
    Pesquisa de pós-doutorado, cuja questão mais geral foi como ocorre - ou não - a apropriação da informação climática por tomadores de decisão no Brasil.
  • 5
    Busca realizada nos arquivos digitais dos jornais Folha de S. Paulo e Estadão demonstraram um crescente número de artigos sobre o tema do “efeito estufa” a partir de 1994, alcançando em torno de seis mil registros em cada jornal até 2021.
  • 6
    O Protocolo de Kyoto, formalizado em 11 de dezembro de 1997, no Japão, representou um marco nos esforços internacionais para o enfrentamento das mudanças climáticas, estabelecendo um compromisso legal de redução das emissões antrópicas de gases de efeito estufa.
  • 7
    O Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL) consiste no desenvolvimento de projetos que reduzam a emissão de gases de efeito estufa. Os projetos no âmbito do MDL são implementados em países menos desenvolvidos e em desenvolvimento, os quais podem vender as reduções de emissão de gases estufa, denominadas Reduções Certificadas de Emissão (RCE’s) para os países desenvolvidos.
  • 8
    Programa Nacional do Álcool foi proposto em 1975 como política de incentivo à produção nacional de etanol para reduzir a dependência dos combustíveis fósseis diante da crise do petróleo da década de 1970. O programa foi retomado no final da década de 1990 como medida paliativa das emissões de carbono e incentivo à economia brasileira que passou a exportar etanol. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/geral,proalcool-volta-ao-centro-das-discussoes,2002 0831p36786. Acesso em: 14 Jun. 21.
  • 9
    Disponível em: <https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/politica-agricola-e-meio-ambiente/atuacao-spe/mudancas-climaticas. Acesso em: 17 Jun. 21.
  • 10
    Para um detalhamento desse processo político e seus desdobramentos, consultar: <https://observatorioflorestal.org.br/>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 11
    Esse documento pode ser encontrado no site da Câmara, junto às notas taquigráficas das audiências públicas da PL 1876/1999.
  • 12
    Disponível em: <http://climatechan gereconsi dered.org/>. Acesso em: 22 Jun. 21. Relatório que pode ser considerado como estruturante do discurso do negacionismo climático nos Estados Unidos, ao se contrapor ao relatório do IPCC. Trataremos adiante a respeito de seus principais argumentos contra o IPCC.
  • 13
    O mesmo apontado por Oreskes & Comway (2010) como financiado pela indústria do petróleo, no caso norte-americano.
  • 14
    Disponível em: <https://www.mises.org.br/article/3098/greta-thunberg-manda-seu-recado-para-os-paises-mais-pobres-morrerao-pobres>. Acesso em: 20 Jun. 21.
  • 15
    Aldo Rebelo se tornou uma figura polêmica durante o processo de tramitação da alteração do Código por criminalizar as ONGs, acusando-as de estarem no Brasil representando interesses econômicos estrangeiros contra a economia nacional.
  • 16
    Como veremos adiante, atualmente, Molion é um dos mais conhecidos negacionistas do clima brasileiros.
  • 17
    Disponível em: <https://www.institutoliberal.org.br/?s=mudan% C3%A7as+clim% C3%A1ticas>. Acesso em: 20 Jun. 21.
  • 18
    Disponível em: <https://www.mises.org.br/article/3098/greta-thunberg-manda-seu-recado-para-os-paises-mais-pobres-morrerao-pobres>. Acesso em: 20 Jun. 21.
  • 19
    Disponível em: <https://www.institutomillenium.org.br/o-agro-brasileiro-e-mais-sustentavel-do-que-aparenta/>. Acesso em: 20 Jun. 21.
  • 20
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-JVLtiGa7zE&t=212s>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 21
    A relação com os think tanks norte-americanos foi tornada pública, por exemplo, na cerimônia de lançamento do Instituto Liberal Conservador na qual Eduardo Bolsonaro declarou que “nós queremos ser exatamente o que a Heritage Foudantion e o Leadership Institute são nos Estados Unidos”. Participou da solenidade, o ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles, cuja reunião com o grupo negacionista do clima Competitive Enterprise Institute (CEI), meses antes da COP-25, foi amplamente divulgada na mídia. Consultar: <https://www.youtube.com/watch?v=F1GJnn-WWjU>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 22
    A entrevista pode ser assistida em: <https://www.youtube.com/watch?v= k39yUZJBJNE&list= PLRr7NmWDhkB8 hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p∈ dex=7&t=8s>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 23
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=1gCaiCpH 0Oc&t=124s>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 24
    Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/57751-mudancas-climaticas-e-governanca-global.shtml>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 25
    A carta foi publicada no jornal Correio Braziliense. Disponível em: <https://www.correiobraziliense.com.br/app/noticia/revista/2012/11/25/interna_revista_correio,335053/veja-a-carta-assinada-por-18-cientistas-brasileiros-e-enviada-a-presidente.shtml>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 26
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-PWqhEOhsXA&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index=9> Acesso em: 15 Jun. 2021.
  • 27
    Disponível em: <https://agfdag.wordpress.com/>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 28
    Vídeo com mais de 2 milhões de acessos. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=FK4W 8EvEQGE. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 29
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=8AK9I-j-1iQ>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 30
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=-JVLtiGa7zE&t=212s. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 31
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch? v=Fsz1i7Vpou0>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 32
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=5Qzc2KthKt4&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index =12&t=1537s. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 33
    Disponível em: <https://tercalivre.com.br/presidente-bolsonaro-admite-narrativa-sobre-o-clima-para-expor-hipocrisia-de-adversarios-analisa-italo-lorenzon/>. Acesso em:15 Jun. 21.
  • 34
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=HDV0b 8BVkyo>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 35
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_DTlrMxlcTU>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 36
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=f84XVP_9MAg&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index= 3&t=2263s>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 37
    Disponível em: <https://arte.folha.uol.com.br/ciencia/2018/crise-do-clima/cerrado/agronegocio-banca-palestras-de-cetico-sobre-mudanca-climatica-para-ruralistas-no-matopiba/>. Acesso em:16 Jun. 21.
  • 38
    Por exemplo, a DBO Editores Associados (dirigida ao ramo agrícola), Capex Dei (de grupos católicos); Livraria Petrus (do Instituto Mariano Plinio Correa); a Vide Editorial (grupos católicos).
  • 39
    Membro da família real portuguesa, trineto do imperador Dom Pedro II e um dos líderes do movimento monarquista brasileiro na atualidade.
  • 40
    Jornalista, engenheiro e professor francês. Também autor do livro Maquiavel pedagogo, no qual sustenta que as reformas educacionais servem para a formação de uma educação globalista a serviço da esquerda.
  • 41
    Em vídeo, Olavo de Carvalho recomenda aos seus espectadores o livro de Bernardin (2015) como a principal referência para o tema do aquecimento global. Consultar Carvalho (2012).
  • 42
    Disponível em: <https://msiainforma.org/quem-somos/>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 43
    Disponível em: <https://ipco.org.br/>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 44
    Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v= zjXoX9kmwmk>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 45
    Felício é um dos negacionistas climáticos mais conhecidos atualmente. Falaremos a seu respeito mais adiante. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=_qYud8SlU34&list=PLRr7NmWDhkB8hmiT67S-VvS-3d1-MYZ7p&index =9&t=5s>. Acesso em: 15 Jun. 21.
  • 46
    Entende-se aqui que o bolsonarismo é um movimento político liberal conservador que atualiza tradições da direita ideológica, do movimento cristão conservador, das tradições integralistas, do nacionalismo verde-oliva e do liberalismo radical que pretende limitar a intervenção do Estado (Solano, 2018).
  • 47
    Sugere-se o termo “estratégias de impedimento” ao se considerar que processos de governamentalização ambiental não podem ser completamente desconstituídos, já que se trata de uma lógica de resistências, mas sim obstruídos.
  • 48
    Disponível em: <https://g1.globo.com/natureza/blog/andre-trigueiro/post/2019/07/29/psicose-antiambientalista-de-bolsonaro.ghtml>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 49
    Disponível em: <https://g1.globo.com/natureza/noticia/2019/08/02/entidades-lamentam-exoneracao-de-diretor-do-inpe-veja-a-repercussao.ghtml>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 50
    Galvão relatou que, após o debate com Ricardo Salles, na Globo News, em agosto de 2019, conversou com o ministro nos bastidores e se desapontou ao ouvir do ministro que “ele não acreditava na ciência brasileira porque a ciência brasileira estava toda aparelhada pela esquerda contra os americanos” (Miguel, 2020).
  • 51
    Disponível em: <https://jamilchade.blogosfera.uol.com.br/2019/07/31/leia-o-telegrama-confidencial-do-itamaraty-sobre-mudancas-climaticas/>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 52
    Importante dizer que Ricardo Felício foi candidato a deputado estadual, em 2018, pelo então partido de Jair Bolsonaro, o PSL.
  • 53
    Disponível em: <https://painel.blogfolha.uol.com.br/2018/12/06/bolsonaro-cogita-professor-que-nega-aquecimento-global-para-meio-ambiente/>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 54
    Entrevista concedida à repórter Andreia Sadi em 2019. Disponível em: <https://g1.globo.com/globonews/em-foco-com-andreia-sadi/video/andreia-sadi-entrevista-o-ministro-do-meio-ambiente-ricardo-salles-7562626.ghtml>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 55
    Um dos temas mais tratados pelo grupo trata dos riscos que as políticas climáticas trazem à economia norte-americana. Disponível em: <https://cei.org/issues/energy-and-environment/climate/page/2/>. Acesso em: 22 Jun. 21.
  • 56
    Um dos mais atuantes do agronegócio. Disponível em: <https://www.noticiasagricolas.com.br/noticias/meio-ambiente/231554-cientistas-liderados-por-lcmolion-confrontam-ambientalistas-que-defendem-o-aquecimento-climatico.html#.YMpHBvKSmUm>. Acesso em: 16 Jun. 21.
  • 57
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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    23 Jul 2021
  • Aceito
    03 Fev 2022
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