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Variações à direita: Steven Bannon, Alexander Dugim e Olavo De Carvalhoi i . Esta resenha é parte do projeto de pesquisa “A Nova Direita radical euroamericana em Portugal: uma perspectiva comparada”. PTDC/CPO-CPO/28748/2017.

TEITELBAUM, Benjamim. War for eternity: inside Bannon’s far right circle of global power brokers. New York: Harper Collins, 2020

O livro War for eternity: inside Bannon’s far right circle of global power brokers, de Benjamim Teitelbaum, trata de um tema que no Novo Século parece ganhar cada vez mais importância. Aquele acerca das organizações voltadas para a metapolítica e como podem impactar na política representativa convencional. Ou seja, como organizações pequenas e, a princípio, obscuras, podem ter real influência em partidos e atores políticos de grande envergadura no cenário representativo, isto é, como organizações voltadas para uma esfera totalmente não convencional, conseguem, eventualmente, influenciar governos eleitos em democracias de massa.

Para isto, Teitelbaum analisa a rede de relações em torno a três formadores de opinião que passaram a ter considerável influência sobre diversos atores políticos e mesmo governos de seus países. São eles, Steven Bannon, dos Estados Unidos, Alexander Dugin, da Rússia, e Olavo de Carvalho, do Brasil1 1 Quando se fala em democracia de massa, se quer dizer apenas regimes multipartidários dotados de eleições periódicas. Não se discute aqui o teor e a profundidade da poliarquia nos países em questão. . O autor traça a trajetória intelectual dos três, discutindo suas influências intelectuais e teóricas, suas experiências em organizações de vários tipos, com destaque para os círculos esotéricos. Segundo Teitelbaum, Bannon, Dugin e Carvalho estariam conectados por um enquadramento de mundo mais ou menos comum, no caso, a escola de pensamento conhecida como tradicionalista

Esta linha teórica e ideológica teria como principais nomes o francês René Guénon e o italiano Julius Evola, dentre vários outros autores igualmente relevantes. Em geral, suas ideias são desenvolvidas ao largo da produção acadêmica e universitária; o tradicionalismo enxerga a modernidade e o sistema de valores que a sustenta como apenas um interregno histórico de duração relativamente curta, fadada ao colapso. Seus operadores creditam que a ideia de igualdade desenvolvida pelos ideais da Revolução Francesa, a partir de 1789, não se sustenta, em função do caos proveniente do nivelamento igualitário. No arrebalde deste colapso, o ethos marcial e espiritual que caracterizara as sociedades pré-modernas volta novamente à tona, trazendo consigo hierarquias militares e religiosas como as que se encontravam no centro da organização da vida na pré-modernidade.

Bannon, Dugim, e Carvalho tiveram, em algum momento, sempre segundo Teitelbaum, contatos com o tradicionalismo, seja através da leitura de seus autores, seja através do contato com círculos tradicionalistas, fundamentais para a sua formatação ideológica. O norte-americano teria tido seus primeiros contatos com o tradicionalismo ainda jovem, quando servia na Marinha norte-americana. Na cidade de Hong Kong, em uma velha livraria, Bannon iniciou-se na escola tradicionalista. Dugim, por sua vez, estabeleceu seus primeiros contatos também jovem, ainda no período da antiga União Soviética, com grupos de jovens que se opunham ao regime soviético, combinando noites de bebedeira, a apreciação de estilos musicais proscritos pelo regime, e ideias tradicionalistas. Já Olavo de Carvalho teve seus contatos iniciais com o tradicionalismo com a Tariqa de Fritschof Schuon, um culto esotérico islâmico, em Indiana, nos Estados Unidos.

Teitelbaum discorre sobre a bem sucedida carreira de Bannon no setor financeiro, mas sempre envolto nas teorias e ideologias tradicionalistas. Algo que chama atenção é como Bannon teria adaptado essas ideias ao contexto moderno dos Estados Unidos, enxergando nas populações rurais e na classe trabalhadora, majoritariamente de origem escocesa e irlandesa, nichos sociais ainda embebidos pela tradição. O homem da Deep America, com sua suposta autonomia frente às multiculturais metrópoles norte-americanas, sua familiaridade no uso de armas de fogo, sua desconfiança ou mesmo hostilidade frente às chamadas ideologias de gênero o tornariam a expressão norte-americana de um tipo social dotado de valores tradicionais.

Dugim, organizou, nos anos 1990 , pequenos partidos políticos, como o Partido Neo-Bolchevique, em 1992, e o Partido Eurasia, em 2001, de inspiração tradicionalista. Apesar de serem partidos de pouca expressão eleitoral, Dugim foi alçado a cargos políticos de importância, como conselheiro de membros da Duma. Suas ideias também teriam ressonância entre os militares, com quem ele, alegadamente, mantém laços estreitos. Tornou-se notório ao propor o que chama de Quarta teoria política, uma geopolítica de um mundo dividido em blocos culturais distintos com um livro de mesmo nome.

Olavo de Carvalho, depois de escrever para diversos jornais brasileiros, estabeleceu-se na Virginia, Estados Unidos, onde fundou o Curso Online de Filosofia, e o site Mídia sem Máscara - TrueOutspeak. Através do YouTube, ele pôde difundir suas ideias passando ao largo da grande mídia, que ele considera corrupta e sintonizada ao socialismo e ao globalismo. A luta contra o globalismo, especificamente, é um ponto em comum que Carvalho tem com Bannon e Duguim, e por esta dentre outras razões, Teitelbaum considera que os três fazem parte da mesma rede de formadores de opinião, dotados de ideias semelhantes, com a mesma base teórica e ideológica.

Esse enquadramento de mundo comum estaria relacionado, basicamente, à denúncia do que chamam de globalismo - estruturas de poder transnacionais que, gradativamente, tomam o espaço dos governos nacionais em diversos campos das políticas públicas, com particular ênfase na educação. Essas agências globais, para Bannon, Duguim e Carvalho, seriam geridas por um tipo de ideologia conhecida, genericamente, por “marxismo cultural”, caracterizada pelo avanço na demanda de direitos para minorias raciais e sexuais, pelo ambientalismo e pela chamada alter-globalização. A consolidação desses valores seria articulada à ideia tradicionalista de Kali Yuga, isto é, o colapso civilizacional que ocorre, de tempos em tempos, dentro de uma perspectiva cíclica da história. Do Kali Yuga, uma nova era dourada nasce, rearticulando os principais elementos das sociedades tradicionais pré-modernas.

Ao longo da descrição e análise de Teitelbaum, nota-se uma rede internacional de autores, bloggers, youtubers e formadores de opinião que, em maior ou menor medida, se articula com Bannon, Duguim e Carvalho. Ao elegerem o tradicionalismo como núcleo ideológico de base, outros formadores de opinião se caracterizariam pelo culto de valores de diversas civilizações pré-modernas que se estendem da Índia , passando pela Pérsia até a Europa pagã. Seria o eixo de formação das civilizações indo-arianas, explicitamente valorizadas por Evola, e posteriormente, Dugim. O ex-professor de filosofia Jason Jorjani, norte-americano de origem iraniana, que defendia a guinada do Irã de uma identidade islâmica para outra Persa-ariana, era um deles. O tradicionalista John Morgan, que oscilava entre um espiritualismo hinduísta e ideias nacionalistas brancas, assim como o autodeclarado nacionalista branco Richard Spencer, coordenador do National Policy Institute, integravam a rede de formadores de opinião que pairava dentro do eixo Bannon-Duguim. Apoiavam Trump e sustentavam a proposta de sociedades etnicamente homogêneas fundamentando-se em autores do tradicionalismo. Destaca-se ainda Daniel Friberg, ativista sueco do movimento identitário europeu, um dos fundadores da editora Arktos, voltada para a edição de livros de autores tradicionalistas assim como da direita europeia, que surge a partir de Alain de Benoist e da Nouvelle Droite.

O principal ponto do livro se dá na convergência de duas dimensões analíticas, uma sendo a articulação de redes de intelectuais voltadas para a metapolítica, passando ao largo da política convencional, mas, de certa forma, mantendo contato com ela. Isso faria com que intelectuais que atuam fora do universo mainstream acadêmico tivessem acesso direto a líderes de governo, tornando-se, ao fim e ao cabo, importantes influenciadores na política de seus países. A outra dimensão está no plano ideológico, onde as doutrinas tradicionalistas antimodernas foram utilizadas para justificar projetos nacionalistas, por sua vez, modernos. O tradicionalismo guénoniano-evoliano, é colocado pelo autor como epicentro da visão de mundo do círculo da far-right em torno a Bannon, e da qual fariam parte Duguim e Carvalho.

Algo interessante é como ele clarifica as relações entre pequenos grupos articulados fora da política convencional, de forma a mostrar os possíveis impactos da metapolítica, e de organizações de timbre esotérico nas instituições políticas formais e em governos constituídos. Também é importante no que se refere a expor como modelos teóricos, a princípio desacreditados, a exemplo das doutrinas tradicionalistas, podem se ressignificar e rearticular-se dentro das estruturas do Estado moderno, impactando diretamente nas agendas de governo. Neste sentido, Teitelbaum dá uma importante contribuição para a sociologia política.

Entretanto, ao analisar apenas as redes internacionais do tradicionalismo, baseando-se principalmente em suas conversas e entrevistas com aqueles que orbitam em torno a Bannon, perde-se um pouco da carga teórica e ideológica desses formadores de opinião. Ao analisarmos minuciosamente os escritos de Olavo de Carvalho, assim como sua atuação na rede virtual YouTube, é possível perceber que, ainda que ele teça alguns elogios a Guénon e Evola, como mostra Teitelbaum, seu principal eixo teórico se debruça mais em um cristianismo ultraconservador, de traços não esotéricos. Do ponto de vista eminentemente político, está mais próximo da American Christian Right, da qual alguns os nomes mais proeminentes são Francis Schaeffer, Jerry Falwel, Phyllis Shaffin e Pat Robertson (Wilcox, Rozell & Gunn, 1996WILCOX, Clide; ROZELL, Mark J.; GUNN, Roland. Religious coalitions in the New Chris­tian Right. Social Science Quarterly, v. 77, n. 3, p. 543-558, 1996.), podendo-se recuar na história até o padre Charles Coughlin (Ketchaver, 2009KETCHAVER, Karen. Father Charles E. Coughlin: the radio Priest of the 1930’s. Theological Librarianship, v. 2, n. 2, 2009.). Já Duguim está na tradição que remonta a Herder, e quando associado às teorias da tradição, em contextos de Estado moderno, traduz-se em etnonacionalismos forjados em grandes blocos culturais, com valores intransmissíveis a indivíduos que não lhes pertençam. Seria a comunidade cultural fechada, a Gemeinschaft, em oposição à sociedade aberta oriunda dos ideais iluministas, a offene Gesellschaft. Politicamente, ele estaria mais próximo do Movimento Identitário Europeu, e da far right da Europa dos dias atuais, de forma geral (Laruelle, 2006LARUELLE, Marlene. Aleksandr Dugin: A Russian version of the European radical right? Occasional Papers, n. 294, 2006.; Zúquete, 2018ZÚQUETE, José Pedro. The Identitarians: the movement against Globalism and Islam in Europe. Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 2018.).

Olavo de Carvalho não defende blocos culturais herméticos, mas sim a tradição Judaico-Cristã em uma perspectiva transversal a toda forma de culturalismo. Embora fora da visão iluminista de mundo, também não está atrelada a particularismos culturais e étnicos, como existe no pensamento de Duguim. Essas diferenças tornam-se claras no debate entre o brasileiro e o russo que foi publicado como livro em 2012. Enquanto Dugim afirma que os particularismos do Ocidente estão embutidos nas origens paleoantropológicas do homem europeu, da expansão dos povos indo-arianos rumo à Europa, Carvalho vê o Ocidente na matriz teológica judaico-cristã, não importa em que núcleo geográfico e social se localize (Dugin & Carvalho, 2012DUGIN, Alexander; CARVALHO, Olavo de. Os Estados Unidos e a nova ordem mundial: um debate entre Alexander Dugin e Olavo de Carvalho. Campinas, SP: Vide Editorial, 2012.). O ideólogo brasileiro afirma no debate não ter partido político, mas estar com os cristãos conservadores, católicos e protestantes, de todo o mundo.

Pode-se dizer que a proposta olavista está mais em consonância com aquela da Christian Right americana que aparece quando do surgimento do movimento Moral Majority, comandado pelo pastor Jerry Falwell, e alcança seu auge nos anos 1980 e 1990. O enquadramento dessa direita conservadora está na oposição ao ensino da teoria da evolução e da ciência em geral nas escolas, oposição da agenda LGBT, do aborto, dos contraceptivos, e a tudo que diz respeito ao que classificam como um comunismo sem Deus (Conger, 2019CONGER, Kimbrtlu H. The christian right in US politics. Oxford Research Encyclopedia of Politics, 2019.; Lugg, 2001LUGG, Charles. The Christian Right: a cultivated collection of interest groups. Educational Policy, v. 15, n. 1, p. 41-57, 2001. Disponível em: <https://doi.org/ 10.1177%2F0895 904801015001003>.
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). A defesa de Carvalho da tradição se dá em termos exclusivamente judaico-cristãos, e não em termos etnoculturais, como ocorre com a ideologia de Duguim, com a Nouvelle Droite francesa (Bar-On, 2011), a direita identitária europeia e a etnobiologia darwinistada Alt-right americana (Zúquete, 2018ZÚQUETE, José Pedro. The Identitarians: the movement against Globalism and Islam in Europe. Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 2018.). E também se diferencia do tradicionalismo guénoniano-evoliano que Teitelbaum coloca como eixo teórico de toda a rede de Steve Bannon, pois o tradicionalismo pensa aquilo que é perene em toda tradição, independentemente de ser cristã.

Um dos maiores esforços da Christian Right foi imiscuir a cosmologia cristã e a cultura ocidental, reduzindo a segunda à primeira, e focando no pensamento dos pais fundadores dos Estados Unidos, considerados como mais cristãos do que propriamente liberais. Olavo de Carvalho faz isso, em boa medida, com o pensamento ocidental. Suas críticas a Darwin e a Kant, seu ataque contundente a Maquiavel em seu livro Maquiavel ou a confusão demoníaca, dentre outras coisas, mostram a tentativa de amalgamar tudo que se opõe à Igreja como parte do que chama de húbris revolucionária. Sua crítica feita no YouTube ao Carnaval, afirmando que se trata de uma festa de deuses pagãos, ilustram o seu anticulturalismo e antiparticurlarismo em prol de uma visão cristã politicamente ativada de mundo. Neste sentido, há uma lacuna na obra de Benjamim Teitelbaum, que centra muito nas entrevistas feitas com formadores de opinião e intelectuais independentes, passando, em boa medida, ao largo dos seus escritos - ainda que ele mencione o debate entre Carvalho e Duguim - e de seus núcleos teóricos mais particulares.

Referências

  • BAR-ON, Tamir. Transnationalism and the French Nouvelle Droite. Patterns of Prejudice, v. 45, n. 3, p. 199-223, 2011.
  • CONGER, Kimbrtlu H. The christian right in US politics. Oxford Research Encyclopedia of Politics, 2019.
  • DUGIN, Alexander; CARVALHO, Olavo de. Os Estados Unidos e a nova ordem mundial: um debate entre Alexander Dugin e Olavo de Carvalho. Campinas, SP: Vide Editorial, 2012.
  • KETCHAVER, Karen. Father Charles E. Coughlin: the radio Priest of the 1930’s. Theological Librarianship, v. 2, n. 2, 2009.
  • LARUELLE, Marlene. Aleksandr Dugin: A Russian version of the European radical right? Occasional Papers, n. 294, 2006.
  • LUGG, Charles. The Christian Right: a cultivated collection of interest groups. Educational Policy, v. 15, n. 1, p. 41-57, 2001. Disponível em: <https://doi.org/ 10.1177%2F0895 904801015001003>.
    » https://doi.org/ 10.1177%2F0895 904801015001003
  • WILCOX, Clide; ROZELL, Mark J.; GUNN, Roland. Religious coalitions in the New Chris­tian Right. Social Science Quarterly, v. 77, n. 3, p. 543-558, 1996.
  • ZÚQUETE, José Pedro. The Identitarians: the movement against Globalism and Islam in Europe. Notre Dame, IN: University of Notre Dame Press, 2018.
  • 1
    Quando se fala em democracia de massa, se quer dizer apenas regimes multipartidários dotados de eleições periódicas. Não se discute aqui o teor e a profundidade da poliarquia nos países em questão.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    13 Abr 2022
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2022

Histórico

  • Recebido
    26 Set 2021
  • Aceito
    07 Out 2021
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