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Política de enfrentamento à violência doméstica em Portugal: desafios da sua implementação em municípios urbanos e rurais

Policy to fight domestic violence in Portugal: challenges on its implementation in urban and rural municipalities

Resumo

A violência doméstica é um problema social persistente em diferentes países do mundo. Portugal não é exceção a esta tendência e por isso tem desenvolvido diversos programas de enfrentamento deste problema, apostando numa abordagem territorializada, embora com sucesso limitado considerando as ainda elevadas cifras. Ao recorrer ao Modelo Integrado de Implementação de Soren Winter como framework teórica, este estudo pretende identificar os principais desafios da implementação da política de enfrentamento da violência doméstica em dois municípios portugueses, um urbano e outro rural, tentando, com isso, perceber se existem diferenças significativas entre estes dois contextos. Para tal, recorreu-se à análise de documentos oficiais e de entrevistas com atores implementadores. A análise dos dados permite perceber que os principais desafios são a existência de equipas de técnicos no terreno em número insuficiente e instável e, por vezes, sem formação adequada, bem como a pouca mobilização dos “grupos-alvo” fruto da cultura patriarcal e de “pressão de vizinhança”. Por outro lado, a estratégia territorializada, a definição de planos nacionais e locais e a estruturação de redes de atores são identificados como fatores-chave de algum sucesso.

Palavras-chave:
Violência doméstica; Implementação de políticas públicas; Contexto socioeconómico; Territorialização; Portugal

Abstract

Domestic violence is a persistent social problem in several countries in the world. Portugal is not an exception to this trend and has therefore been developing several programs to deal with this problem, adopting a territorialized approach. However, these programs have been having limited success considering the still high figures. Using the Integrated Model of Implementation from Soren Winter as a theoretical framework, this study aims to identify the main challenges in the implementation of the policy to deal with domestic violence in two Portuguese municipalities, one urban and one rural, thus trying to understand if there are significant differences between them. Thereunto, we analyzed official documents and interviews with implementing actors. The analysis enables us to understand that the main challenges are the existence of teams of street-level workers in an insufficient and unstable number and sometimes without proper training, as well as little mobilization from the “target groups” due to a patriarchal culture and neighbors’ pressure. On the other hand, the territorialized approach, the definition of national and local plans and the articulation of networks of actors are identified as key factors for some successes.

Keywords:
Domestic violence; Public policy implementation; Socioeconomic context; Territoriali­zation; Portugal

Introdução

A violência doméstica, nomeadamente a perpetrada sobre mulheres1 1 Importa referir que o uso do termo violência doméstica não é isento de disputas, sendo criticado por alguns autores por exprimir uma ideia de neutralidade de género, como se todos os membros de um agregado familiar fossem afetados de modo indiferenciado por este tipo de violência, menorizando, assim, que a mulher é habitualmente a vítima (Guerra & Gago, 2020). Neste artigo utilizaremos o termo violência doméstica por ser aquele mais comum na discussão pública em Portugal, embora considerando a questão do género e todos os preconceitos, violências e opressões a que as mulheres são expostas e submetidas de modo diferenciado, especialmente em relação aos homens. , é um problema persistente nas sociedades em diferentes países do mundo, afetando pessoas de diferentes classes, culturas, orientações sexuais, etnias e idades (Eige, 2019, p. 11; WHO, 2019, p. 4), tendo-se tornado particularmente sensível no contexto dos confinamentos decorrentes da pandemia relacionada ao Covid-19 (Malta et al., 2021MALTA, Renata; ANEAS, Tatiana; LISBOA, Aline; VIEIRA, Iasmin. Crise dentro da crise: a pandemia da violência de gênero. Sociedade e Estado, v. 36, n. 3, p. 843-866, 2021. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/s0102-6992-202136030001>.
https://doi.org/10.1590/s0102-6992-20213...
).

Em face de sua (ainda) elevada prevalência, esta temática tem estado na agenda pública e política de diversos países, sobretudo por efeito da pressão de movimentos feministas e de mulheres, bem como de organismos internacionais, conduzindo à emergência ou à consolidação de políticas públicas de proteção às vítimas e à responsabilização dos agressores (Dias, 2017DIAS, Isabel. Matrizes teóricas da violência de género. In: NEVES, Sofia; COSTA, Dália (coords.). Violências de género. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas, 2017., p. 23; Magalhães et al., 2015MAGALHÃES, Maria. J.; CASTRO, Yolanda. R.; CRUZ, Angélica. L.; FORTE, Ana. I. C. Nos caminhos da violência de género e doméstica. In: TORRES, Anália, SANT’ANA, Helena; MACIEL, Diana (orgs.). Estudos de género numa perspetiva interdisciplinar. Lisboa: Mundos Sociais, 2015., p. 49).

Portugal não é exceção a esta tendência. A identificação da violência doméstica2 2 De acordo com o art. 152 do Código Penal Português, comete crime de violência doméstica “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: i. ao cônjuge ou ex-cônjuge; ii. a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; iii. a progenitor de descendente comum em primeiro grau; ou iv. a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; v. a menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas i, ii, e iii, ainda que com ele não coabite.” , enquanto problemática social, e seu consequente enfrentamento deu-se, sobretudo, a partir da década de 1980 (Dias, 2000______. A violência doméstica em Portugal: contributos para a sua visibilidade. Atas do IV Congresso Português de Sociologia. Coimbra: Associação Portuguesa de Sociologia, 2000. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/19973>.
https://repositorio-aberto.up.pt/handle/...
). A importância dedicada a este assunto no país tem vindo a aumentar desde então, ao ponto de a violência doméstica ter passado a ser crime público em 2000 e de Portugal ter sido o primeiro país a ratificar, em 2013, a Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência Contra as Mulheres e a Violência Doméstica (ou Convenção de Istambul).

Mais recentemente, neste domínio de políticas em Portugal merece destaque o designado VI Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (PAVMVD, 2018-2021), o qual priorizava a territorialização, colocando os municípios enquanto parceiros estratégicos no enfrentamento da violência doméstica. Merecedora de destaque é ainda a Rede Nacional de Apoio às Vítimas de Violência Doméstica (RNAVVD), que tem vindo a ser desenvolvida nos últimos anos sob coordenação da Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG)3 3 A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) é um serviço central da administração direta do Estado, cuja principal função é fomentar e efetivar a igualdade entre mulheres e homens. Disponível em: <https://www.cig.gov.pt/a-cig/atribuicoes/>. e que é atualmente composta por cerca de 250 estruturas dedicadas ao atendimento de vítimas, acolhimento de emergência e casas abrigo, bem como serviços públicos genéricos de diferentes domínios (tais como a segurança social, a saúde, a justiça, a segurança, o emprego).

Apesar destes esforços, a violência doméstica continua a ser um dos crimes mais participados em Portugal quando nos referimos à violência praticada contra cônjuges ou análogos (SSI, 2019, p. 50; 2021, p. 50). No mesmo sentido, um estudo da Agência dos Direitos Fundamentais da União Europeia (FRA) dava conta que Portugal era o país da União Europeia com o valor mais elevado de mulheres inquiridas que percecionavam a violência no país como frequente ou muito frequente (FRA, 2014, p. 38).

Em face deste quadro, importa analisar quais domínios têm dificultado (e também facilitado) o processo de implementação da política pública de enfrentamento da violência doméstica, bem como a eventual importância dos contextos territoriais (rural versus urbano) neste processo.

Por forma a cumprir estes objetivos, e tendo por base teórica o Modelo Integrado de Implementação de Soren Winter (2012WINTER, Soren. Introduction. In: GUY PETERS, B.; PIERRE, Jon. (orgs.). The Sage Handbook of Public Administration. London: Sage, 2012.), procedeu-se ao estudo4 4 Este artigo baseia-se na dissertação de mestrado de Lorena Villa, orientada por Luis F. Mota, disponível em: <https://ria.ua.pt/handle/10773/ 30918>. comparativo das dinâmicas e dos desafios de implementação da política de enfrentamento da violência doméstica em dois municípios localizados num mesmo distrito da região Centro de Portugal5 5 Os municípios e o distrito não foram identificados de forma a garantir o anonimato das pessoas entrevistadas. , cujos números de violência doméstica são expressivos (SSI, 2019). Para tanto, procedeu-se à análise de legislação e documentação oficial nacional e local, bem como à realização de entrevistas com diferentes atores implementadores dos dois municípios.

Dito isto, este artigo estrutura-se da seguinte forma: primeiramente, realizamos uma revisão da literatura sobre os temas da implementação de políticas públicas e da violência doméstica; seguidamente, apresentamos a estratégia metodológica utilizada; em terceiro lugar, analisamos os resultados dos dois estudos de caso; e, finalmente, uma secção com a discussão de resultados e de reflexões finais.

Implementação de políticas públicas: fatores críticos para o seu sucesso e estratégia metodológica

A implementação de políticas públicas é o processo no qual a solução política escolhida para responder a um problema ganha materialidade. Ao considerar o amplo número de atores e de ações envolvidos no processo de implementação de políticas, esta é uma das mais desafiantes fases (ou subprocessos) do processo de políticas públicas (Mota, 2020MOTA, Luís. Estudos de implementação de políticas públicas: uma revisão da literatura. Sociologia, Problemas e Práticas, v. 92, p. 133-150, 2020. Disponível em: <https://doi.org/10.7458/SPP20209211728>.
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, p. 134; Lascoumes & Le Galès, 2007LASCOUMES, Pierre; LE GALÈS, Patrick. Sociologie de l’action publique. Paris: Armand Colin, 2007.; Sousa, Batista & Helal, 2022SOUSA, Jessica; BATISTA, Leonardo; HELAL, Diogo. Sobre implementação de políticas públicas: uma revisão sistemática da literatura e agenda de pesquisas. Sociedade e Estado, v. 37, n. 2, p. 457-487, 2022. Disponível em: <https://doi.org/10.1590/s0102-6992-202237020004>.
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).

O Modelo Integrado de Implementação de Winter (2012WINTER, Soren. Introduction. In: GUY PETERS, B.; PIERRE, Jon. (orgs.). The Sage Handbook of Public Administration. London: Sage, 2012.), um dos mais reconhecidos neste domínio científico, dá conta disso mesmo ao indicar que o sucesso da implementação de políticas públicas depende de um conjunto de clusters de variáveis, nomeadamente:

  • ◽ o processo de formulação da política, sobretudo uma discussão pouco conflituosa e com uma teoria da mudança sólida;

  • ◽ o desenho da política, com alocação de recursos financeiros e humanos em quantidade suficiente;

  • ◽ as relações interorganizacionais e organizacionais, com uma boa coordenação entre os diferentes atores envolvidos e os diferentes níveis de uma mesma organização;

  • ◽ a gestão, com um modelo adequado ao contexto de implementação;

  • ◽ o comportamento dos(as) “agentes de terreno” (street-level wor­kers), que deverão estar em número suficiente, ter a formação adequada e não terem uma carga de trabalho excessiva;

  • ◽ o comportamento dos beneficiários, que deverão reconhecer a política como legítima e adequada e ter um comportamento cooperante;

  • ◽ o contexto socioeconómico, especificamente estabilidade socioeconómica, sem um ambiente de crise económica e instabilidade social;

  • ◽ o feedback, com um processo de monitorização de resultados e de aprendizagem adequado e consequente.

Nesta lista de fatores merecem particular destaque as relações interorganizacionais, considerando que a política pública objeto de análise deste trabalho é implementada num contexto claramente interorganizacional. Assim, importa referir que as designadas “redes” ou “parcerias” de governação têm bastantes vantagens, tais como a promoção de sinergias entre diferentes organismos, mas também podem gerar vários problemas, notadamente aqueles relacionados com a coordenação entre atores ou a accountability (Mota & Bittencourt, 2019MOTA, Luís; BITTENCOURT, Bernadete. Governação pública em rede: contributos para a sua compreensão e análise (em Portugal e no Brasil). Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, v. 31, n. 2, p. 199-219, 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2019.147567>.
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, p. 203). Assim, importa ter em consideração fatores como as relações anteriores entre atores, mas sobretudo as dinâmicas de liderança e de desenho organizacional (Mota & Bittencourt, 2019, p. 207-208).

Merece ainda destaque o papel dos designados “agentes do terreno” (ou street-le­vel bureaucrats), cuja atuação é determinante, já que, como refere Michael Lipsky (1980LIPSKY, Michael. Street level bureaucracy: dilemmas of the individual in public services. New York: Russell Sage Foundation, 1980.), as atividades que desenvolvem são as políticas que os beneficiários realmente recebem, sobretudo em políticas como aquela que está em estudo.

Este trabalho pretende estudar a implementação da política pública de enfrentamento à violência doméstica (contra as mulheres) em contexto local em Portugal, com destaque para os principais desafios e fatores-chave para uma implementação bem-sucedida, tentando identificar eventuais diferenças advindas do contexto territorial (urbano ou rural) no qual a política é implementada.

Para cumprir estes objetivos, foram analisadas as diferentes variáveis que constam do Modelo Integrado de Implementação de Winter, framework selecionada para o presente estudo: desenho da política; relações organizacionais e interorganizacionais e mecanismos de gestão; trabalho desenvolvido pelos “agentes do terreno”; comportamento dos beneficiários; e, feedback. Ao considerar as análises destes fatores e um questionamento direto a entrevistados, identificamos ainda os principais fatores facilitadores e inibidores da implementação.

Em relação aos objetos empíricos de estudo, os dois municípios analisados foram selecionados de maneira intencional por serem os mais representativos dentro do universo da região escolhida, em termos dos critérios para classificar áreas urbana e rural6 6 A classificação utilizada nesta investigação para definição de áreas rurais e urbanas é a que consta no Relatório técnico tipologia de áreas urbanas 2014 (INE, 2014). O concelho urbano analisado foi escolhido por ter o maior número de habitantes residentes em áreas classificadas como predominantemente urbanas da sub-região em causa, e o município rural foi selecionado por apresentar o maior número de habitantes residentes em áreas classificadas como predominantemente rurais. .

Ressalta-se que este estudo tem um caráter qualitativo e indutivo, utilizou o método de estudo de caso comparativo para perseguir o objetivo geral e que a recolha de dados foi realizada mediante análise documental e entrevistas semiestruturadas7 7 Importa destacar os constrangimentos de agendamento e realização de entrevistas motivadas principalmente pelo contexto de pandemia, o que condicionou a disponibilidade de diversas pessoas, sobretudo profissionais da área da saúde. . Na esfera documental, foi realizada análise dos seguintes instrumentos: VI Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica 2018-2021 e Lei 112/09, que auxiliaram no estudo da variável “desenho da política”.

Por outro lado, foram realizadas, entre os meses de junho e outubro de 2020, dez entrevistas semiestruturadas com responsáveis pela gestão e/ou trabalhadores(as)8 8 Importa referir que se optou por não se entrevistar vítimas de violência doméstica -beneficiários(as) -, de modo a não solicitar que estas revivessem experiências traumáticas e tivessem de expor as suas vidas junto a pessoas alheias aos serviços de acompanhamento. Assim sendo, a variável comportamento dos grupos-alvo foi acedida por intermédio da perceção dos técnicos entrevistados. de alguns equipamentos de âmbito local que compõem a RNAVVD. No município urbano foram entrevistados trabalhadores dos seguintes equipamentos: estrutura de atendimento as vítimas; Polícia de Segurança Pública (PSP) e Guarda Nacional Republicana (GNR); serviço de apoio ao imigrante; e Câmara Municipal. No município rural, foram entrevistados trabalhadores dos seguintes equipamentos: estrutura de atendimento as vítimas; GNR e Câmara Municipal. Representantes da CIG foram também entrevistados.

A problemática da violência doméstica e as políticas para o seu enfrentamento (em Portugal)

Tal como referido na Introdução, o problema da violência doméstica tem assumido importância crescente na agenda pública e política em Portugal. Isso posto, vale ressaltar que Portugal percorreu um longo caminho até às respostas atuais à violência doméstica. Madalena Duarte (2011DUARTE, Madalena. Violência doméstica e sua criminalização em Portugal: obstáculos à aplicação da lei. Sistema Penal e Violência, v. 3, n. 2, p. 1-12, 2011. Disponível em: <https://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/sistemapenaleviolencia/article/view/9842>.
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, p. 2) argumenta que esse processo foi particularmente lento no país, sobretudo devido ao período ditatorial (1926-1974).

Com efeito, foi somente após a Revolução de 1974 e o decorrente estabelecimento de direitos e deveres iguais para marido e mulher no campo jurídico, que as mulheres começaram a gozar de um novo estatuto social (Costa, 2010COSTA, Dália. A intervenção em parceria na violência conjugal contra as mulheres: um modelo inovador? Tese (Doutorado em Sociologia), Universidade Aberta, Lisboa, 2010. Disponível em: <https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/1813>.
https://repositorioaberto.uab.pt/handle/...
, p. 159-160). No entanto, a submissão da mulher nas relações conjugais permaneceu, assim como a violência à qual as mesmas eram submetidas, sem que fossem tecidas críticas aos perpetradores (Silva, 1991SILVA, Luísa. F. O direito de bater na mulher - violência interconjugal na sociedade portuguesa. Análise Social, v. 26, n. 111, p. 385-397, 1991.).

A identificação da violência doméstica enquanto problema social passível de intervenção em Portugal deu-se, assim, sobretudo a partir da década de 1980, sendo intensificada na década de 1990, quando se iniciou a elaboração dos Planos Nacionais contra a Violência Doméstica (Gomes et al., 2016GOMES, Conceição; FERNANDO, Paula; RIBEIRO, Tiago; OLIVEIRA, Ana; DUARTE, Madalena. Violência doméstica: estudo avaliativo das decisões judiciais. Lisboa: CIG, 2016. Disponível em: <https://www.cig.gov.pt/2017/05/nova-publicacao-cig-violencia-domestica-estudo-avaliativo-das-decisoes-judiciais/>.
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, p. 51). Alguns fatores-chave para esse reconhecimento foram a ação de organizações da sociedade civil, a sensibilização da opinião pública através dos meios de comunicação social, bem como a movimentação de profissionais como pediatras, assistentes sociais, magistrados ou psicólogos (Dias, 2000______. A violência doméstica em Portugal: contributos para a sua visibilidade. Atas do IV Congresso Português de Sociologia. Coimbra: Associação Portuguesa de Sociologia, 2000. Disponível em: <https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/19973>.
https://repositorio-aberto.up.pt/handle/...
).

No tocante à produção de legislação para prevenção e punição deste tipo de crime, pode-se destacar o Código Penal de 1982, que passou a penalizar o autor de maus-tratos ou sobrecarga dirigidos a menores, subordinados ou entre cônjuges (Gomes et al., 2016GOMES, Conceição; FERNANDO, Paula; RIBEIRO, Tiago; OLIVEIRA, Ana; DUARTE, Madalena. Violência doméstica: estudo avaliativo das decisões judiciais. Lisboa: CIG, 2016. Disponível em: <https://www.cig.gov.pt/2017/05/nova-publicacao-cig-violencia-domestica-estudo-avaliativo-das-decisoes-judiciais/>.
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, p. 50). Anos mais tarde, foram também aprovadas as primeiras leis que formaram a “base do sistema social de proteção às vítimas” (Gomes et al., 2016, p. 51), particularmente a Lei 61/91, que visava garantir proteção às mulheres em situação de violência, e a Lei 129/999 9 A Lei 129/99 foi posteriormente revogada e substituída pela Lei 104/2009, que depois foi alterada pela Lei 121/2015. , que versava sobre o regime aplicável ao adiantamento pelo Estado da indemnização devida às vítimas de violência conjugal.

Outro marco importante ocorreu por meio da Lei 7/2000, que consagrou a natureza pública do crime de maus-tratos ao cônjuge, ou a quem com ele conviver em condições análogas às dos cônjuges. No século XXI merecem ainda destaque o desenvolvimento e a aplicação de sucessivos planos nacionais contra a violência doméstica e de género, o primeiro dos quais com a vigência 1999-2002 e que surgiu no contexto do quinquagésimo aniversário da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Entre 2018 e 2021, esteve em vigor o sexto desses planos, enquadrado na Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação (2018-2030), que se destacava pela sua aplicação territorializada.

A importância do contexto local tem sido, com efeito, apontada como um importante fator de compreensão de maior ou menor incidência do problema da violência doméstica ou, pelo menos, de maior ou menor eficácia das políticas de enfrentamento deste problema. De facto, alguns estudos realizados noutros países indicam que o enfrentamento da problemática da violência doméstica tende a ser mais desafiante em contextos rurais, considerando a situação de maior isolamento das vítimas, de menor anonimato e de maior tradicionalismo social, bem como da frequente menor oferta de serviços públicos e sociais (Grossi et al., 2014GROSSI, Patrícia. K.; COUTINHO, Ana Rita; BARROS, Thais; CUNHA, Marister; PICCOLI, Gisele; GASPAROTTO, Geovana; DUARTE, Joana. A rede de atendimento à mulher em situação de violência no meio rural: desafios para a intervenção profissional. Anais do Seminário Regional Políticas Públicas, Intersetorialidade e Família: formação e intervenção profissional. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2014. Disponível em: <http://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/8150>.
http://repositorio.pucrs.br/dspace/handl...
, p. 6; Wendt et al., 2015WENDT, Sarah; CHUNG, Donna; ELDER, Alison; BRYANT, Lia. Seeking help for domestic violence: exploring rural women’s coping experiences - State of knowledge paper. Alexandria, AU: Australia’s National Research Organisation for Women’s Safety, 2015. Disponível em: <http://www.anrows.org.au/publication/seeking-help-for-domestic-violence-exploring-rural-womens-coping-experiences-state-of-knowledge-paper/>.
http://www.anrows.org.au/publication/see...
, p. 5 e 11; Peek-Asa et al., 2011, p. 1748).

A aplicação do VI Plano Nacional contra a Violência Doméstica, a considerar muito especificamente o contacto com os contextos locais, é, assim, o objeto de análise empírica deste artigo.

Processo de implementação local da política de enfrentamento da violência doméstica contra a mulher em Portugal

A secção de análise dos resultados divide-se em cinco subsecções: desenho da política, versando sobre planos de nível nacional e de nível municipal; relações interorganizacionais e mecanismos de gestão; agentes do terreno; grupos-alvo; e, por fim, feedback. Acrescem duas secções sobre a identificação dos fatores facilitadores e inibidores da implementação desta política nos dois municípios.

Desenho da política

A Lei 112/2009, conhecida como Lei da Violência Doméstica, volta-se especificamente para a prevenção, proteção e assistência às vítimas deste tipo de crime, englobando mulheres, crianças, homens, idosos e pessoas com deficiência. Esta lei abrange diversas ações que incluem o atendimento e apoio das vítimas, prevenção do crime, cuidados em saúde e sensibilização do público da área educacional (art. 3º), pressupondo, desse modo, a articulação entre várias políticas públicas. A lei destaca ainda a necessidade da existência de planos nacionais contra a violência doméstica, que devem ser elaborados pelo governo e implementados em articulação com outras políticas setoriais e a sociedade civil (art. 4º). Ainda cabe pontuar que a referida lei versa sobre o apoio que deve ser ofertado, por meio da celebração de protocolos, às autarquias que desenvolvam ou desejem desenvolver projetos ou expandir a rede de apoio às vítimas de violência doméstica (art. 80).

Ao atender à lógica da territorialização, importa destacar dois tipos de protocolos10 10 Disponível em: <https://www.cig.gov.pt/area-portal-da-violencia/violencia-contra-as-mulheres-e-violencia-domestica/protocolos/>. na área da violência doméstica e de género. O primeiro deles, celebrado em dezembro de 2013, com aditamento em junho de 2018, entre a CIG e o Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana (IHRU), que tem o objetivo de atribuir fogos de habitação para arrendamento às vítimas de violência doméstica que sejam sinalizadas pelas estruturas integradas na RNAVVD em todo Portugal continental. O segundo protocolo trata igualmente da atribuição de fogos de habitação social, ou outros fogos a serem arrendados a preços baixos, prioritariamente a vítimas de violência doméstica, ou ainda, quando essas possibilidades não puderem ser concretizadas, auxiliar as vítimas na busca de imóveis nos municípios. Tal protocolo faz parte da busca por uma política de habitação articulada com a RNAVVD e foi celebrado entre a CIG e a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) em fevereiro de 2019. Os municípios analisados neste trabalho manifestaram interesse na iniciativa.

Por fim, importa mencionar o VI Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica (PAVMVD) - 2018-2021, que, aquando da investigação empírica, se encontrava em vigor. Este plano é de abrangência nacional, coordenado pela CIG e possuía seis objetivos estratégicos:

  • ◽ prevenir, buscando erradicar a tolerância social às manifestações de violência contra as mulheres, violência de género e violência doméstica, consciencializar sobre os seus efeitos e promover uma cultura de não violência, de igualdade e não discriminação e de direitos humanos;

  • ◽ apoiar e proteger, alargando e consolidando a intervenção;

  • ◽ intervir junto aos agressores, potencializando uma cultura de responsabilização;

  • ◽ qualificar profissionais e serviços para a intervenção;

  • ◽ investigar, monitorizar e avaliar as políticas públicas;

  • ◽ prevenir e combater as práticas tradicionais nefastas, particularmente a mutilação genital feminina e os casamentos infantis.

Já na esfera municipal - e segundo informações recolhidas em entrevista com o representante da Câmara Municipal -, o município urbano não dispunha de um Plano Municipal de Ação para Intervenção na Violência Doméstica. Contudo, as ações de enfrentamento da problemática no território e os equipamentos existentes para tal constavam do “Diagnóstico Social e Plano de Desenvolvimento Social 2019-2021”, nomeadamente: referência ao centro de atendimento às vítimas de violência doméstica no quadro dos equipamentos sociais para intervenção no município; e atribuição de habitações, em regime de arrendamento apoiado, a vítimas deste crime.

Ademais, o “diagnóstico social” enumerava as respostas sociais de emergência, as casas de abrigo existentes no município, as respostas policiais e as medidas voltadas às vítimas com deficiência e idosas. Das estruturas de intervenção responsáveis pela implementação da política pública de enfrentamento da violência doméstica supramencionadas, no município urbano existiam a PSP, GNR, Serviço de Apoio ao Imigrante, Casas de Abrigo, resposta de acolhimento de emergência, IEFP, Instituto da Segurança Social, 16 equipamentos de saúde com capacidade de respostas às vítimas de violência doméstica mulheres, Câmara Municipal e estrutura de atendimento, Núcleo de Atendimento às Vítimas de Violência Doméstica (NAVVD). Este último equipamento, apesar de localizado no município urbano, tinha âmbito de atuação distrital, com alguns de seus técnicos prestando apoio a outras redes concelhias.

Em contraponto, o município rural contava com um Plano Municipal de Ação para Intervenção na Violência Doméstica, elaborado anualmente, que previu atividades para o ano de 2020, tais como acompanhamento psicossocial e psicológico das vítimas de violência doméstica, formação de recursos humanos com conhecimentos específicos na área e divulgação de material guia para as escolas. Adicionalmente, o município rural dispõe das seguintes estruturas de implementação para o enfrentamento da violência doméstica: GNR; Instituto da Segurança Social; Instituições Particulares de Solidariedade Social; Corpo de Bombeiros; grupos sociocaritativos; Centro de Saúde; e Núcleo de Apoio à Vítima. Importa referir que a rede local do município rural era formada por dois núcleos: a rede restrita, formada pelo Centro de Saúde, a Câmara Municipal e Núcleo de Apoio à Vítima (NAV) (estrutura de atendimento); e a rede alargada, formada também pelas Instituições Particulares de Solidariedade Social (IPSS), locais que dispõem de resposta de atendimento e acompanhamento, a GNR, os Bombeiros e os grupos sociocaritativos.

Em relação ao desenho da política, as pessoas entrevistadas foram questionadas acerca da importância do VI Plano Nacional e em que medida este orientava as ações a serem desenvolvidas nas instituições. A partir das respostas, pode-se concluir que este instrumento era compreendido e impactava, embora de forma diferenciada, as práticas dos técnicos e, consequentemente, a implementação.

O entrevistado da CIG, em sua condição de supervisão técnica das respostas à violência doméstica existentes, enxergava o plano também como um guia das ações a serem executadas localmente. Ele acredita que, desta forma, é possível verificar se os procedimentos executados nas redes estão em conformidade com as orientações para o enfrentamento do fenómeno e se as medidas do Plano têm tido respostas locais.

Já os entrevistados do município urbano, por exemplo, referiram o plano como um orientador das ações a serem desenvolvidas nos serviços, destacando que a sua própria existência reforça a necessidade de atenção a esta problemática, tal como se observa no excerto seguinte:

As atividades dinamizadas no âmbito do NAV e dos seus projetos de reforço têm sempre por base ou planos nacionais contra a violência doméstica e de género e, atualmente, a Estratégia Nacional para a Igualdade e a Não Discriminação 2018-2030 “Portugal + Igual” [...] (entrevistado do NAVVD do município urbano).

Por sua vez, os trabalhadores do município rural fizeram igualmente menção ao plano como guia no desenvolvimento das ações locais, realidade que se aplica tanto à estrutura de atendimento quanto à GNR, uma vez que os agentes desta corporação buscavam a adoção de procedimentos diferenciados com as vítimas, por forma a dar cumprimento ao plano. O representante da Câmara Municipal acrescentou que o Plano Nacional inspirava, em alguns momentos, a elaboração do Plano Municipal, fazendo com que alguns dos objetivos deste último se alinhassem com os objetivos do primeiro. Ainda assim, este trabalhador acredita que o Plano Municipal é o mais importante orientador das ações desenvolvidas no concelho rural.

Nós, claro, temos sempre em consideração o Plano Nacional, mas também temos consciência que as regiões são diferentes entre si, correto? [Nome do município ocultado] tem as suas particularidades. O concelho vizinho que é [nome do município]... estamos aqui tão próximos, mas é uma realidade com outras características e nós ajustamos sempre à nossa realidade (entrevistado da estrutura de atendimento do município rural).

Relações interorganizacionais e mecanismos de gestão

Em relação à variável “relações organizacionais e interorganizacionais”, que envolve diferentes níveis de compromisso e coordenação, pontua-se que os entrevistados de ambos os municípios mencionaram diferentes formas de articulação institucional e interinstitucional, tais como encaminhamentos em rede, contactos telefónicos, formações na temática da violência doméstica ofertadas por um serviço da rede a outros, reuniões, ou participações em congressos. Neste sentido, não foram observadas quaisquer diferenças que pudessem ser atribuídas ao contexto.

Tal como reportado no excerto seguinte, destaca-se o apoio oferecido às demais redes concelhias pelo NAVVD do município urbano, já que este, sendo de âmbito distrital, desenvolve atividades em outros serviços locais de atendimento às vítimas a fim de alinhar as práticas a serem executadas pelos diversos pontos da rede.

O NAV, através de reuniões de supervisão e formação, concede apoio/orientação a Redes Concelhias que atuam na área da violência doméstica em diversos pontos do distrito de [nome do distrito ocultado], permitindo uma atuação e uma concertação de procedimentos e práticas entre diversos interventores na violência doméstica de áreas como a saúde, educação, justiça, forças de segurança, autarquias, instituições particulares de solidariedade social e outras entidades dessas redes, com vista a garantir a informação, o atendimento e encaminhamento, a partilha e discussão de situações, permitindo a eficaz proteção das pessoas vítimas (entrevistado do NAVVD do município urbano).

Além disso, os trabalhadores asseguraram dispor de grande abertura para contatar os parceiros sempre que necessário, como se pode perceber no excerto abaixo:

Nós temos na rede restrita, como mencionei há pouco. As reuniões mensais que já estão definidas no início de cada ano e, sempre que for necessário, também fazemos reuniões extraordinárias e há um contacto muito próximo entre os técnicos. Com a rede alargada, temos uma reunião anual com os parceiros. No entanto, também não temos qualquer dificuldade em estabelecer este contacto mais próximo sempre que necessário. As pessoas estão disponíveis e nós não temos qualquer problema em, de facto, contactar para qualquer necessidade da nossa parte (entrevistado da estrutura de atendimento do município rural).

Quanto aos mecanismos de gestão, no período de realização das entrevistas, o município urbano tentava estruturar uma gestão de rede local, sendo que o NAVVD assumiria a função de entidade coordenadora desta rede. Um dos entrevistados pontuou que a demanda surgiu em virtude da necessidade de melhor organizar o trabalho, de modo que os esforços dos parceiros envolvidos na implementação da política, que são em número elevado, fossem mais bem direcionados.

Já no município rural, ainda que exista a figura de um coordenador de rede, a gestão desta é, segundo seu coordenador, levada a cabo de forma mais partilhada, com envolvimento e compromisso de todos os membros.

Agentes do terreno

No tocante ao trabalho desenvolvido pelos agentes do terreno, um dos maiores empecilhos mencionados pelos trabalhadores do município urbano diz respeito à escassez de recursos, especialmente humanos, para o desenvolvimento do trabalho. A PSP afirmou, por exemplo, tentar lidar com essa questão realocando recursos para que os objetivos do trabalho sejam atingidos. O NAVVD defrontava-se, por sua vez, igualmente com essa adversidade, já que faltavam recursos financeiros regulares que garantissem fixação de pessoal no equipamento, tal como é expresso no seguinte excerto:

Os maiores entraves reportam-se à não existência de um quadro permanente da equipa do NAV e que está dependente de verbas provenientes de projetos (Poise) e uma única verba fixa (e redutora) que permite apenas a contratação de um(a) técnico(a) afeto ao NAV (entrevistado do NAVVD do município urbano).

Os trabalhadores também citaram como dificuldades à realização do trabalho a própria natureza violenta do crime, que impacta a forma como as vítimas procedem à denúncia, muitas vezes experimentando dificuldades em relatar o que aconteceu, o que faz com que os agentes tenham de adotar diferentes procedimentos para se ajustarem às situações, algo relatado pela PSP do município urbano.

Os trabalhadores da GNR do município rural tinham igualmente de lidar com a escassez de recursos no atendimento às vítimas de violência doméstica, segundo relato do agente entrevistado, o que aponta para semelhanças entre os municípios na análise dessa variável, além da ausência de um número maior de agentes capacitados especificamente na área da violência doméstica e que atuem no posto territorial deste município.

Neste caso específico eu fiz uma formação. Outros colegas meus não. Eu fiz esta formação para depois estar mais habilitado, quer a receber as denúncias em si, quer depois proceder às tais diligências de inquérito. Mas outros colegas meus, e que podem receber uma denúncia ou podem se deslocar a alguma situação de violência doméstica, que é o que acontece diariamente, infelizmente não terão as mesmas capacidades que eu porque não tiveram a formação que eu tive (entrevistado da GNR do município rural).

Já os técnicos da estrutura de atendimento às vítimas do município rural acreditam não haver constrangimentos com relação aos recursos, estando o serviço adequado à realidade local atual. Afirmaram, porém, experienciar dificuldades na concretização de atividades com a população externa ao serviço, especialmente se o evento se relacionar especificamente à violência doméstica. Os profissionais acreditavam e atribuíam esta dificuldade de adesão a fatores de ordem cultural que ainda prevaleciam no município e que se relacionam com a problematização da violência doméstica e seu consequente enfrentamento, o que dificulta a busca de auxílio pelas vítimas que não desejam se expor.

Grupos-alvo

Diretamente relacionado ao trabalho dos agentes do terreno importa ainda referir o comportamento dos grupos-alvo. No município urbano, o entrevistado da Câmara Municipal referiu notar um aumento no número de denúncias de crimes de violência doméstica, ainda que as forças de segurança tenham feito observações referentes a dificuldades relacionadas ao comportamento das vítimas no momento da denúncia. A GNR deste município referiu ainda a questão do conservadorismo que ainda existe na sociedade portuguesa e que impede que muitas mulheres prossigam com as denúncias da violência doméstica sofrida, o que se configura também como um dificultador do trabalho desenvolvido pelos profissionais deste organismo, tal como referido no seguinte excerto:

Como é óbvio, nós não ficamos contentes de haver mais casos de violência doméstica. O que eu acho que há é mais consciência das pessoas para denunciar isso, porque não é normal a violência [...] (entrevistado na Câmara Municipal do município urbano).

Já no município rural, a GNR asseverou que as vítimas frequentemente não recorrem aos acompanhamentos disponíveis na rede após a denúncia.

Nós podemos encaminhar também. Nós normalmente temos padronizado já uma lista de contactos úteis para a vítima caso ela necessite. [...] e muitas vezes até informamos e as vítimas acabam por prescindir (entrevistado da GRN do município rural).

Outra característica dos grupos-alvo que surgiu na fala dos trabalhadores deste concelho, mais especificamente na do representante da Câmara Municipal, refere-se à baixa adesão destes sujeitos às atividades comunitárias direcionadas à violência doméstica. O entrevistado atribuiu essa baixa adesão a “uma mentalidade rural” ainda presente no concelho e a um possível medo dos participantes em relação ao que outros munícipes possam vir a pensar caso sejam vistos inseridos nestas atividades.

Feedback

No que se refere aos mecanismos de feedback, no caso do município urbano, foram relatados os seguintes instrumentos: uso de questionários avaliativos e contatos diretos aquando da realização de eventos voltados às equipas técnicas de outros serviços; avaliação do comportamento das vítimas durante o processo de acompanhamento; reuniões; e, registos relacionados aos atendimentos realizados. No caso específico da GNR, o feedback relaciona-se com a resposta recebida quanto aos processos encaminhados para a esfera judicial, já que são informados se uma acusação prossegue ou não.

No município rural, a GNR também referiu o feedback recebido pela autoridade judiciária que a informa acerca do encaminhamento dos casos. Além disso, a observação do comportamento das vítimas, os registos dos atendimentos realizados e os questionários de avaliação também foram ferramentas citadas neste concelho.

Diante do exposto, conclui-se que não existiam diferenças relevantes em termos de contexto quanto aos mecanismos de feedback nos municípios estudados.

Fatores facilitadores

Quanto aos fatores facilitadores da implementação, no município urbano foram referidos a proximidade institucional como auxiliar na elaboração de respostas locais mais concertadas, fator trazido pelo entrevistado do serviço de apoio ao imigrante, que também acrescentou que o facto de a IPSS, que oferta o serviço do qual faz parte, possuir outras responsabilidades em outras áreas de políticas sociais auxilia o trânsito das vítimas pelas instituições.

Eu creio que, se calhar, os facilitadores serão a proximidade institucional entre técnicos. O facto de conhecermo-nos todos bem faz com que as respostas a nível local, as reuniões em que estamos presentes e que permitem essa partilha de experiências, a partilha das respostas, a partilha de situações complexas em que depois pode definir qual articulação é que será a ideal entre dois ou mais serviços (entrevistado do serviço de apoio ao imigrante do município urbano).

A PSP ressaltou também como fator facilitador a forma atual de recrutamento das equipas, que é realizado por meio da própria esquadra, já que favorece a contratação de agentes que tenham identificação com o tipo de trabalho executado. Outro fator identificado pela PSP foi a existência de procedimentos já formalizados que devem ser adotados no trato com as vítimas, os quais derivam tanto da legislação portuguesa quanto da própria polícia.

Por sua vez, a GNR mencionou como fatores facilitadores o apoio advindo de outras instituições e as parcerias já instituídas entre esta instituição e outros órgãos pertencentes à rede local, com destaque para o NAVVD, bem como os instrumentos técnicos existentes, já que ajudam na recolha e organização da informação aquando do acolhimento das vítimas.

Já o NAVVD citou os protocolos de cooperação com outros organismos, pois propicia que os objetivos institucionais sejam ajustados visando um melhor atendimento. O apoio cedido e recebido de outros serviços da rede local também foi elencado como fator facilitador.

Por fim, o representante da Câmara Municipal pontuou o facto de atualmente existirem mais técnicos alocados aos serviços para atendimento das vítimas, além de notar uma maior consciencialização social acerca do problema e da necessidade das denúncias, tal como foi referido no excerto seguinte:

Mais técnicos a acompanhar as vítimas. Primeiro, maior consciencialização das pessoas que isto tem que ser denunciado. [...] portanto, a primeira coisa é as pessoas terem consciência que têm que denunciar e não terem vergonha nenhuma em denunciar, pedirem ajuda. E depois claro que, a partir do momento em que há mais pessoas a fazerem isso, as instituições têm que estar munidas de mais técnicos para ajudarem as vítimas a encararem a sua nova vida (entrevistado da Câmara Municipal do município urbano).

Já no município rural, a estruturação de uma rede de organizações que responde à problemática da violência doméstica de forma articulada em nível local foi elencado como um fator facilitador. Além disso, a disponibilidade de recursos materiais para a prossecução do trabalho na estrutura de atendimento às vítimas, o trabalho em equipa aliado ao comprometimento técnico e a estabilidade do município em termos económicos foram igualmente destacados como facilitadores.

Facilita um trabalho de equipa, a equipa ser uma equipa e não ser cada um com seu trabalho, com sua capelinha. Mas somos uma equipa, temos que trabalhar em equipa, nos sentirmos à vontade de pedir ajuda quando precisamos também, de nos entreajudarmos, no apoio que nos damos uns aos outros. Facilita sabermos que aqui, a nível de recursos mais materiais, não sentimos grande limitação (entrevistado do equipamento de atendimento direto às vítimas do município rural).

A territorialização proposta pelo Plano Nacional também foi abordada nas entrevistas, buscando compreender qual a perceção dos trabalhadores com relação a esse processo e se eles creem que este vem ocorrendo. Os entrevistados do município urbano admitiram que os territórios têm necessidades e visões diferenciadas sobre o fenómeno da violência. No município rural, os trabalhadores também afirmaram que a territorialização vem acontecendo, destacando o papel da autarquia neste processo. Para ilustrar essa assertiva, mencionaram a elaboração do Plano Municipal de Ação para Intervenção na Violência Doméstica e algumas ações locais levadas a cabo pela rede.

Fatores inibidores

No tocante aos fatores dificultadores da implementação, no município urbano surgiu novamente, na fala dos profissionais das forças de segurança, a dificuldade das vítimas na efetivação das denúncias por variados motivos que incluem medo, dependência financeira, dificuldade de se provar determinados tipos de violência, como a psicológica, eficácia restrita de algumas medidas de proteção e a demora nos processos judiciais.

Há sempre uma diferença muito grande entre o mundo possível e o mundo ideal. No mundo ideal a vítima dir-nos-ia logo no momento, com clareza e sem medo, o que se passava. Muitas das vezes isso não é possível porque ela está unida ao agressor com um laço muito forte: frequentemente partilham casa, partilham filhos. [...] depois vê-se ali amarrada ao agressor que é o sustento da casa, por vezes tem filhos menores e, portanto, os filhos só podem ser mantidos pelo trabalho do agressor. [...] No mundo ideal, nós também teríamos sempre mais meios do que os que temos. No mundo ideal, os processos seriam resolvidos de forma mais rápida. No mundo ideal, os processos não demoravam alguns anos (entrevistado da PSP do município urbano).

Estes trabalhadores ainda mencionaram o conservadorismo da sociedade portuguesa e a carga de trabalho excessiva dos agentes. Os técnicos do NAVVD apontaram, entre outros aspetos, a falta de pessoal como fator inibidor, tal como abordado anteriormente.

O entrevistado da Câmara Municipal pontuou ainda a dificuldade em publicitar a violência que ocorre no ambiente doméstico, enquanto o técnico e o gestor do NAVVD falaram acerca da variação no número de técnicos disponíveis para o serviço e a complexidade que existe em estruturar uma rede de intervenção que atue efetivamente de modo conjunto e com agregação e partilha de saberes.

O maior desafio é a existência de uma rede de intervenção na violência doméstica que atue de forma harmonizada, que permita a concentração de esforços dos vários agentes do terreno. É importante ainda a capacitação das entidades locais para essa resposta mais eficiente e concertada (entrevistado da gestão do NAVVD do município urbano).

No município rural a dificuldade em realizar denúncias relativas ao crime de violência doméstica também foi referida, aliada à perceção do representante da Câmara Municipal com relação à parca sensibilização das vítimas para a existência da rede local por parte das forças de segurança, apesar da GNR afirmar realizar este trabalho. O entrevistado acredita que as forças de segurança deveriam estar mais bem capacitadas para atuar em relação à realidade da violência doméstica, apesar de reconhecer o esforço no sentido de haver mais ações nesse sentido e que isso é um problema de dimensões nacionais, não restrito ao concelho rural.

O que trava? Isso tem a ver com fatores sociais que já estão inseridos na sociedade que é aquele preconceito em denunciar porque certamente que há muitas pessoas que têm conhecimento de situações e não denunciam mesmo, apesar de saber que é um crime público. Esse é o maior entrave a esse tipo de situação (entrevistado da GNR do município rural).

Discussão dos resultados e notas finais

A violência doméstica tem sido - como verificámos ao longo deste artigo - uma questão social que tem merecido uma forte intervenção pública em Portugal. Contudo, esta continua a ser um problema bastante evidente no país, o que fez com que este artigo se dedicasse a analisar o que poderá estar a falhar na implementação da política de enfrentamento deste problema, tentando igualmente perceber se existem diferenças significativas entre municípios urbanos e rurais.

Em relação ao fator do desenho da política, foi possível observar que existem diversos instrumentos legislativos e planos de ação nacionais, bem como protocolos, que, de acordo com os entrevistados, se afirmam como bastante importantes para o processo de implementação, indo, assim, ao encontro da expectativa de Soren Winter (2012WINTER, Soren. Introduction. In: GUY PETERS, B.; PIERRE, Jon. (orgs.). The Sage Handbook of Public Administration. London: Sage, 2012.). Neste quadro merece destaque o VI Plano de Ação para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e à Violência Doméstica 2018-2021, que influenciava efetivamente a implementação em ambos os concelhos analisados. A diferença entre municípios neste campo aparece no facto de o município rural desenvolver um plano local para o enfrentamento da questão, o que não acontecia no município urbano.

No que se refere às relações interorganizacionais, o que pode ser verificado a partir do conteúdo das entrevistas é que a implementação da política pública de enfrentamento da violência doméstica, especialmente pela complexidade do fenómeno, exige esforço de diversas instituições, as quais necessitavam de cooperação e ação conjunta para que as vítimas pudessem ter garantido o apoio necessário. Tal como referido na literatura, este cenário torna a implementação uma tarefa particularmente complexa, já que os atores envolvidos no processo possuem rotinas variadas e podem ter uma linguagem particular, específica de suas áreas de atuação, o que faz com que a necessária cooperação entre atores não seja espontânea, mas tenha de ser construída (Mota & Bittencourt, 2019MOTA, Luís; BITTENCOURT, Bernadete. Governação pública em rede: contributos para a sua compreensão e análise (em Portugal e no Brasil). Tempo Social: Revista de Sociologia da USP, v. 31, n. 2, p. 199-219, 2019. Disponível em: <https://doi.org/10.11606/0103-2070.ts.2019.147567>.
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). Tal enunciado poderá ser confirmado nesta investigação em face da diversidade das instituições participantes da RNAVVD. Ainda assim, essas instituições, por integrarem uma rede nacional possuem já algum entendimento comum sobre qual o seu papel. Adicionalmente, o município rural decidiu alargar a sua rede local e clarificar/estreitar as relações entre atores através do plano municipal referido. Contudo, algumas pessoas entrevistadas pontuam a necessidade de haver uma melhor articulação entre organizações.

Quanto ao trabalho desenvolvido pelos agentes do terreno, ambos os municípios experienciavam dificuldades relacionadas à escassez de recursos humanos e materiais em alguma das estruturas implementadoras e os entrevistados falaram acerca de como tentam contornar tais condições. Esta conclusão está, assim, alinhada com as conclusões de Winter (2012WINTER, Soren. Introduction. In: GUY PETERS, B.; PIERRE, Jon. (orgs.). The Sage Handbook of Public Administration. London: Sage, 2012., p. 233) quando afirma que os agentes do terreno desempenham suas funções em ambientes marcados pela multiplicidade de demandas e escassez de recursos e lidam com isso tentando eleger prioridades e racionar recursos.

Com relação ao comportamento dos grupos-alvo, inferiu-se que a cultura patriarcal e os rebatimentos dela na realidade concreta impactam as mulheres rurais de maneira mais intensificada, ainda que o aspeto conjuntural adverso e que interfere na busca por auxílio possa, segundo os entrevistados, ser identificado em ambos os municípios. Tal assertiva pode ser confirmada por intermédio do discurso dos trabalhadores dos serviços quando afirmam ter dificuldade em captar público em atividades voltadas a comunidades nas quais existe maior exposição das possíveis vítimas, o que foi atribuído a uma “mentalidade rural” ainda presente no concelho. Esta conclusão alinha-se, portanto, com o referido por Patrícia Grossi e equipa (2014GROSSI, Patrícia. K.; COUTINHO, Ana Rita; BARROS, Thais; CUNHA, Marister; PICCOLI, Gisele; GASPAROTTO, Geovana; DUARTE, Joana. A rede de atendimento à mulher em situação de violência no meio rural: desafios para a intervenção profissional. Anais do Seminário Regional Políticas Públicas, Intersetorialidade e Família: formação e intervenção profissional. Porto Alegre: Editora PUCRS, 2014. Disponível em: <http://repositorio.pucrs.br/dspace/handle/10923/8150>.
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, p. 10), que destacam que a busca por atendimento de mulheres vítimas de violência doméstica em áreas rurais é prejudicada pelo medo do estigma pela comunidade, aliado à vergonha em escancarar a situação de violência na qual estão inseridas.

Por fim, em relação aos mecanismos de feedback, destacamos a existência de questionários de avaliação de atividades e reportes do resultado dos processos por parte dos tribunais. Contudo, não foi feito destaque a qualquer processo de reflexão sustentada e periódica sobre as práticas.

A partir desta análise, é possível concluir que um dos principais fatores que mais impactam negativamente a implementação da política em estudo são o desenho da política (poucos recursos alocados), aliado a uma certa falta de recursos humanos e a instabilidade das equipas, sentida por exemplo na GNR, no NAVVD, bem como atrasos nos processos judiciais que possivelmente se devem igualmente ao reduzido número de funcionários. Adicionalmente, merece destaque também o impacto negativo de variáveis relacionadas com os grupos-alvo, sobretudo a prevalência da cultura patriarcal na sociedade, que faz com que poucas pessoas participem nas atividades de sensibilização da comunidade e com que muitas vítimas desistam dos processos criminais e de serem acompanhadas.

Por outro lado, os fatores facilitadores apontados são a proximidade institucional entre as equipas, a crescente capacitação que os “agentes do terreno” dispõem, bem como os processos de territorialização desta política, na medida em que diferentes contextos têm diferentes necessidades, sendo os atores locais os mais conhecedores dessas especificidades.

Diante do descrito, percebe-se que a dimensão das relações interorganizacionais e dos “agentes do terreno” são, com efeito, fundamentais para o sucesso de políticas públicas, sobretudo em contextos de implementação tão complexos e multidimensionais como este do combate à violência doméstica. Com efeito, aquilo que as políticas públicas que as vítimas de violência doméstica experienciam não são o “mundo ideal” - para citar as palavras de um entrevistado - definido no Plano Nacional, mas aquelas que os “agentes do terreno” são capazes de lhes disponibilizar, tendo em atenção as limitações de recursos humanos, de formação e articulação existentes.

Ao considerar este quadro, será importante que os legisladores considerem um reequacionamento da política de enfrentamento da violência doméstica, apostando no reforço de recursos humanos e na profissionalização das equipas, sendo igualmente importante haver planos municipais de definição clara de responsabilidades.

Estas conclusões ganham expressão se tivermos em consideração que um município mais rural e menor conseguia aparentemente ter uma resposta mais eficaz e coordenada, ao contrário do que seria de esperar.

Apesar destas conclusões, consideramos que a implementação desta política carece de muitos mais estudos, que poderão analisar outros estudos de caso, aumentando assim a validade das nossas conclusões. De igual modo, poderá ser ainda necessário analisar com maior detalhe a intervenção desenvolvida por cada tipo de ator em específico.

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  • WENDT, Sarah; CHUNG, Donna; ELDER, Alison; BRYANT, Lia. Seeking help for domestic violence: exploring rural women’s coping experiences - State of knowledge paper. Alexandria, AU: Australia’s National Research Organisation for Women’s Safety, 2015. Disponível em: <http://www.anrows.org.au/publication/seeking-help-for-domestic-violence-exploring-rural-womens-coping-experiences-state-of-knowledge-paper/>.
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  • WINTER, Soren. Introduction. In: GUY PETERS, B.; PIERRE, Jon. (orgs.). The Sage Handbook of Public Administration. London: Sage, 2012.
  • WORLD HEALTH ORGANIZATION (WHO). Respect women: preventing violence against women. Geneva, CH: World Health Organization, 2019. Disponível em: <https://www.unwomen.org/-/media/headquarters/attachments/sections/library/publications/2019/respect-women-preventing-violence-against-women-en.pdf?la=en&vs=5901>.
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  • 1
    Importa referir que o uso do termo violência doméstica não é isento de disputas, sendo criticado por alguns autores por exprimir uma ideia de neutralidade de género, como se todos os membros de um agregado familiar fossem afetados de modo indiferenciado por este tipo de violência, menorizando, assim, que a mulher é habitualmente a vítima (Guerra & Gago, 2020). Neste artigo utilizaremos o termo violência doméstica por ser aquele mais comum na discussão pública em Portugal, embora considerando a questão do género e todos os preconceitos, violências e opressões a que as mulheres são expostas e submetidas de modo diferenciado, especialmente em relação aos homens.
  • 2
    De acordo com o art. 152 do Código Penal Português, comete crime de violência doméstica “quem, de modo reiterado ou não, infligir maus tratos físicos ou psíquicos, incluindo castigos corporais, privações da liberdade, ofensas sexuais ou impedir o acesso ou fruição aos recursos económicos e patrimoniais próprios ou comuns: i. ao cônjuge ou ex-cônjuge; ii. a pessoa de outro ou do mesmo sexo com quem o agente mantenha ou tenha mantido uma relação de namoro ou uma relação análoga à dos cônjuges, ainda que sem coabitação; iii. a progenitor de descendente comum em primeiro grau; ou iv. a pessoa particularmente indefesa, nomeadamente em razão da idade, deficiência, doença, gravidez ou dependência económica, que com ele coabite; v. a menor que seja seu descendente ou de uma das pessoas referidas nas alíneas i, ii, e iii, ainda que com ele não coabite.”
  • 3
    A Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género (CIG) é um serviço central da administração direta do Estado, cuja principal função é fomentar e efetivar a igualdade entre mulheres e homens. Disponível em: <https://www.cig.gov.pt/a-cig/atribuicoes/>.
  • 4
    Este artigo baseia-se na dissertação de mestrado de Lorena Villa, orientada por Luis F. Mota, disponível em: <https://ria.ua.pt/handle/10773/ 30918>.
  • 5
    Os municípios e o distrito não foram identificados de forma a garantir o anonimato das pessoas entrevistadas.
  • 6
    A classificação utilizada nesta investigação para definição de áreas rurais e urbanas é a que consta no Relatório técnico tipologia de áreas urbanas 2014 (INE, 2014). O concelho urbano analisado foi escolhido por ter o maior número de habitantes residentes em áreas classificadas como predominantemente urbanas da sub-região em causa, e o município rural foi selecionado por apresentar o maior número de habitantes residentes em áreas classificadas como predominantemente rurais.
  • 7
    Importa destacar os constrangimentos de agendamento e realização de entrevistas motivadas principalmente pelo contexto de pandemia, o que condicionou a disponibilidade de diversas pessoas, sobretudo profissionais da área da saúde.
  • 8
    Importa referir que se optou por não se entrevistar vítimas de violência doméstica -beneficiários(as) -, de modo a não solicitar que estas revivessem experiências traumáticas e tivessem de expor as suas vidas junto a pessoas alheias aos serviços de acompanhamento. Assim sendo, a variável comportamento dos grupos-alvo foi acedida por intermédio da perceção dos técnicos entrevistados.
  • 9
    A Lei 129/99 foi posteriormente revogada e substituída pela Lei 104/2009, que depois foi alterada pela Lei 121/2015.
  • 10
    Disponível em: <https://www.cig.gov.pt/area-portal-da-violencia/violencia-contra-as-mulheres-e-violencia-domestica/protocolos/>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Out 2023
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2023

Histórico

  • Recebido
    05 Set 2022
  • Aceito
    05 Jun 2023
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