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Condutas de mediadores em processos de decisão coletiva como condição para uma educação emancipatória na Economia Solidária

Behavior of mediators in group decision processes as condition to an emancipatory education in solidary economy

Resumos

Este estudo teve por objetivo identificar comportamentos e propriedades de comportamentos de mediadores em processos de incubação de empreendimentos solidários relevantes para promover processos de tomada de decisão compatíveis com princípios cooperativistas. A coleta de dados foi realizada por meio de filmagens de reuniões dos membros de uma cooperativa de costura, em que participaram aproximadamente 20 cooperadas e um mediador. Os dados obtidos indicaram ocorrência dos seguintes comportamentos do mediador: apresentar informações para as cooperadas de maneira clara, completa e objetiva; promover a participação das cooperadas (solicitando manifestações, dando a palavra e apresentando perguntas) e propor encaminhamentos para os assuntos discutidos. Apresentou, na maioria das vezes, uma função de facilitador do processo de tomada de decisão, ao promover participação dos membros neste processo e uma apropriada formação das sócias para a autonomia do grupo.

Processo de decisão em grupo; contingências comportamentais em organizações cooperativas; comportamentos de mediadores


The purpose of this study was to identify the behavior and the dimensions of behavior of mediators of incubation processes of solidarity entrepreneurships relevant in promoting decision making processes compatible with the principles of cooperativism. The data were collected in meetings of a sewing cooperative which were recorded on video. About 20 members and one mediator were present in the meetings. The results indicated the occurrence of the following behaviors of the mediator: presenting information in a clear, complete and objective manner to the participants; promoting the participation of the participants (asking for manifests, giving word and presenting questions) and proposing motions for the matters discussed. For most of the time, the mediator was a facilitator in the process of decision making, promoting the participation of members of the organization in this process and an appropriate formation of these members in forming the group's autonomy.

Group decision process; behavioral contingencies in cooperative organizations; behavior of mediators


Condutas de mediadores em processos de decisão coletiva como condição para uma educação emancipatória na Economia Solidária

Behavior of mediators in group decision processes as condition to an emancipatory education in solidary economy

Fabiana Cia; Ana Lúcia Cortegoso

Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, Brasil

RESUMO

Este estudo teve por objetivo identificar comportamentos e propriedades de comportamentos de mediadores em processos de incubação de empreendimentos solidários relevantes para promover processos de tomada de decisão compatíveis com princípios cooperativistas. A coleta de dados foi realizada por meio de filmagens de reuniões dos membros de uma cooperativa de costura, em que participaram aproximadamente 20 cooperadas e um mediador. Os dados obtidos indicaram ocorrência dos seguintes comportamentos do mediador: apresentar informações para as cooperadas de maneira clara, completa e objetiva; promover a participação das cooperadas (solicitando manifestações, dando a palavra e apresentando perguntas) e propor encaminhamentos para os assuntos discutidos. Apresentou, na maioria das vezes, uma função de facilitador do processo de tomada de decisão, ao promover participação dos membros neste processo e uma apropriada formação das sócias para a autonomia do grupo.

Palavras-chave: Processo de decisão em grupo; contingências comportamentais em organizações cooperativas; comportamentos de mediadores.

ABSTRACT

The purpose of this study was to identify the behavior and the dimensions of behavior of mediators of incubation processes of solidarity entrepreneurships relevant in promoting decision making processes compatible with the principles of cooperativism. The data were collected in meetings of a sewing cooperative which were recorded on video. About 20 members and one mediator were present in the meetings. The results indicated the occurrence of the following behaviors of the mediator: presenting information in a clear, complete and objective manner to the participants; promoting the participation of the participants (asking for manifests, giving word and presenting questions) and proposing motions for the matters discussed. For most of the time, the mediator was a facilitator in the process of decision making, promoting the participation of members of the organization in this process and an appropriate formation of these members in forming the group's autonomy.

Keywords: Group decision process; behavioral contingencies in cooperative organizations; behavior of mediators.

As considerações de Freire (por exemplo, 1976), acerca do papel de dominação das práticas educacionais vigentes no Brasil no século XX, bem como suas contribuições para uma educação emancipatória para pessoas de classes sociais desprivilegiadas, geraram intervenções e estudos que constituem patrimônio de dimensão e valor consideráveis para qualquer contexto em que haja uma efetiva preocupação com a formação de cidadãos. Por todo o mundo, educadores e pesquisadores dedicam-se a compreender e a traduzir, em ações concretas, as proposições deste autor, inspiradoras de trabalhos que buscam superar as distorções de práticas educacionais inadequadas que ainda caracterizam a educação disponível na primeira metade de década do século XXI, e não apenas no Brasil.

A formulação de princípios, no âmbito da educação ou em qualquer outro sistema social, constitui uma condição necessária, mas não suficiente, para orientar condutas humanas na direção de mudanças, principalmente quando são mudanças de práticas culturais tão bem estabelecidas e controladas por poderosas agências, como é o caso da Educação. Assim, mesmo quando existe, por parte de indivíduos e de instituições, forte disposição para agir orientado por princípios de valor social inequívoco, resta ainda o desafio de transformar conhecimento existente em condutas humanas capazes de produzir as mudanças desejáveis, e de produzir conhecimento para que isto possa ocorrer. A análise de Botomé (1994) sobre questões relacionadas ao discurso que, muito freqüentemente, substitui o educar nas instituições de ensino, indica, com clareza e contundência, alguns dos problemas que dificultam o aproveitamento de conhecimento já existente sobre a conduta humana e sobre os processos de ensinar e aprender para a construção de uma Educação socialmente relevante e eficaz.

Papel fundamental tem ocupado a Educação no âmbito da Economia Solidária, tal como definida pelo Fórum Brasileiro de Economia Solidária ([FBES], 2005) e pela Secretaria Nacional de Economia Solidária ([SENAES], 2004), que vem representando, desde a metade da década de 1990, importante alternativa de geração de trabalho e renda para populações excluídas, por meio da constituição de empreendimentos de trabalho coletivos e autogestionários. Agentes e agências de fomento à Economia Solidária têm, reiteradamente, afirmado a Educação como ferramenta central no processo de formação e consolidação destas organizações populares, e desenvolvido recursos educacionais compatíveis com princípios orientadores desta proposta de organização para o trabalho e para a sociedade.

Empreendimentos solidários são organizações de trabalho coletivo nos quais os trabalhadores são donos de seu próprio negócio. Singer (2000, entre outros), pesquisador e administrador público que tem se dedicado intensamente à Economia Solidária, além de caracterizar sob vários pontos de vista este campo, ressalta que as cooperativas de produção são as formas mais típicas e conhecidas deste tipo de empreendimento, embora não a única. Sob a orientação de um conjunto de princípios (livre acesso e adesão voluntária; controle, organização e gestão democrática pelos sócios, participação econômica dos associados, autonomia e independência, educação, capacitação e formação para os sócios; cooperação entre cooperativas e compromisso com a comunidade, de acordo com Rech, 2000), os membros dos empreendimentos, como donos, devem se preparar para realizar a gestão destas organizações e, como trabalhadores, devem se capacitar constantemente para que apresentem alto nível de qualificação dos produtos e serviços que oferecem (Albuquerque, & Pimentel, 2004; Rios, 1989; Sato, 1999).

No âmbito dos empreendimentos de Economia Solidária é prevista educação permanente para o cooperativismo, garantindo um desenvolvimento integral e cooperativo do quadro de sócios, e a construção de uma capacidade própria para gerar conhecimento e poder, por meio da institucionalização de mecanismos de autocontrole confiáveis e da sistematização de programas de treinamento e capacitação gerencial. O segredo do sucesso dos empreendimentos solidários é a autoconfiança dos trabalhadores, cultivada permanentemente por meio da educação cooperativa que permite criar e gerir os negócios de modo comunitário e trabalhar sem intermediação (Rios, 1989; Sato, 1999).

As iniciativas de Economia Solidária no Brasil vêm sendo impulsionadas, nas duas últimas décadas, a partir de ações de organizações da sociedade civil (organizações não governamentais, movimentos sociais, igrejas, incubadoras de cooperativas populares, etc.), que apóiam iniciativas associativas comunitárias, constituição e articulação de cooperativas populares, redes de produção e comercialização e feiras de cooperativismo e economia solidária, entre outras. Ao longo do tempo, as agências passaram a articular a organização de vários fóruns locais e regionais de Economia Solidária e, mais recentemente, foi criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (SENAES, 2004).

Como resultado da sistematização das atividades de uma incubadora universitária de empreendimentos solidários ocorridas de 1998 a 2005, Cortegoso et al. (2005) elaboraram uma descrição do "método de incubação" em vigor, entendido como referencial para produção de conhecimento, ensino e intervenção profissional relacionado à Economia Solidária. Tal método consiste de um conjunto tentativo de classes de comportamentos organizacionais (Glenn, & Mallot, 2005), descritas em termos das classes de respostas esperadas diante de determinadas condições antecedentes que sinalizam a necessidade ou conveniência destas respostas ou oportunizam sua ocorrência, bem como dos resultados, efeitos ou produtos desejáveis destas respostas, considerando o objetivo final a ser alcançado em relação a cada grupo e condições já identificadas como relevantes para alcançar estes resultados (respostas mais específicas, procedimentos, recursos, etc.), com base no conceito de comportamento operante, sistematizado por Botomé (1981).

Fazem parte desta proposta de método de incubação classes de comportamentos relativas à capacitação dos participantes de grupos atendidos pela incubadora reafirmando, entre outros aspectos:

1. Relevância de formação destes indivíduos em diferentes dimensões (no mínimo para a Economia Solidária, para a gestão administrativa e para o trabalho técnico).

2. Compromisso da incubadora de criar condições para que esta formação ocorra: (a) de modo permanente, em todas as oportunidades de interação com estes indivíduos, (b) a partir de estratégias diversificadas, por meio de regras, mas também e, em algumas situações, principalmente, a partir de modelos, de conseqüências e de sinalizações facilitadoras de discriminações em relação a aspectos do ambiente e de seu próprio agir.

3. Perspectiva de autonomia do grupo e plena cidadania de seus membros.

4. Reciprocidade do processo educativo, entendendo que a interação é produtora de formação também para os formadores.

5. Reconhecimento da responsabilidade de gerar, específica, proposital e planejada, condições para aprendizagem dos participantes do processo (inclusive a sua própria), como parte fundamental do papel de educador.

O desafio de produzir (e adaptar) conhecimento e tecnologia compatíveis com uma proposta de pedagogia libertadora e com os princípios da Economia Solidária, bem como tornar este conhecimento acessível a quem dele necessita, tem exigido o desenvolvimento de atividades de pesquisa de diferentes tipos e níveis, incluindo sistematização de processos de intervenção para exame, estudos sistemáticos para investigar relações específicas entre variáveis relevantes nestes contextos, e exame de aspectos da realidade que apresentam relação com as dificuldades e objetivos da Economia Solidária, capazes de propiciar melhor compreensão sobre os fenômenos envolvidos na educação permanente como forma de apoio para empreendimentos coletivos e cooperativos de trabalho. Este estudo pertence a esta última categoria, ao examinar aspectos da atuação de indivíduos que, ao desenvolver processos de incubação de empreendimentos solidários, podem contribuir para que sejam constituídos e consolidados empreendimentos "solidários de natureza popular, organizados para o trabalho coletivo, que funcionem de forma autônoma, com capacidade para identificar suas próprias necessidades e providenciar para que sejam atendidas, inseridos no mercado e no contexto mais amplo da Economia Solidária e com características gradualmente mais compatíveis com princípios de Economia Solidária" (Cortegoso et al., 2005).

O processo de tomada de decisões em grupo com garantia de participação democrática de todos os sócios é de fundamental importância para que as melhores decisões, do ponto de vista coletivo, possam ser tomadas, com um mínimo de conflito, por meio de processos facilitados (Boog, 1995; Fleury, 2002; March, 1994; Robbins, 2000). A mediação desta aprendizagem tem ficado, freqüentemente, a cargo daqueles que assumem o papel de apoiadores destes empreendimentos, por meio de participação direta em atividades do grupo, particularmente em reuniões. Principalmente nas etapas iniciais de organização dos grupos, a participação destes mediadores, em reuniões decisórias dos membros do grupo em formação, é freqüente e central para que os participantes consigam dialogar sobre questões pertinentes à constituição de um empreendimento, processar problemas, e tomar decisões (Valêncio, Shimbo & Eid, 1998).

Esta não é uma tarefa simples de ser implementada. Práticas culturais incompatíveis com esta proposta, estimuladas e mantidas em uma sociedade altamente individualista e competitiva, compõem os repertórios individuais de participantes de empreendimentos solidários, bem como de outros atores deste cenário. Histórias de vida com experiências profissionais em organizações tradicionais, hierárquicas, com nítida divisão entre os que decidem e os que trabalham, ou com ausência de experiências estruturadas de trabalho de pessoas que estiveram sempre à margem do mercado de trabalho, mesmo que informal, constituem a realidade mais freqüentemente encontrada como ponto de partida para o desenvolvimento de complexas competências necessárias para garantir qualidade técnica do trabalho, gestão administrativa, e manutenção de relações igualitárias entre os sócios destes empreendimentos.

Neste contexto, promover aprendizagem coletiva para garantir processos de tomada de decisões democráticos, no âmbito de empreendimentos solidários, constitui um dos mais fundamentais desafios para aqueles que assumem o fomento deste tipo de organização. Tendo como estratégia fundamental no processo de incubação o atendimento direto a pessoas interessadas em constituir empreendimentos solidários de natureza popular, ou a grupos já organizados para esta finalidade, isto é feito por meio da oferta de subsídios e acompanhamento do processo de tomada de decisão e implementação de atividades pelos indivíduos atendidos, com participação dos responsáveis pela incubação em todas as etapas do trabalho, incluindo avaliação de resultados. Desta forma, é principalmente por meio da conduta de mediadores em processos de incubação que o conhecimento disponível, nos diferentes âmbitos de capacitação pretendidos, é tornado acessível para o grupo, constituindo então a principal ferramenta de ação das agências de fomento ligadas às universidades. Que propriedades estão presentes no repertório destes indivíduos? Quais propriedades são desejáveis, e devem ser geradas como parte do processo de capacitação interna destas equipes? Este estudo busca apresentar respostas, ainda que parciais, a questões como estas, a partir do exame da ação de um destes agentes ao mediar processos de tomada de decisão em um empreendimento solidário em formação.

Método

Participantes

Foram examinados, neste estudo, comportamentos de um profissional de nível superior (mediador), membro de equipe de trabalho de uma incubadora universitária de cooperativas populares (da Universidade Federal de São Carlos – UFSCar), licenciado em Química, coordenador executivo do processo de incubação de uma cooperativa de costura e artesanato, que acompanhava o grupo desde o início deste processo de incubação, aproximadamente 18 meses antes da coleta de dados, que se deu em meados de 2001, ao participar de reuniões dos membros desta cooperativa, sediada em uma cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo. Como membro de uma incubadora universitária de cooperativas populares, o mediador tinha experiência acumulada de aproximadamente quatro anos na incubação de diferentes tipos de empreendimentos solidários, quando da coleta de dados, bem como de participação em movimentos populares, como educador. Participaram do estudo, ainda, as cerca de 20 mulheres sócias do empreendimento, sendo aproximadamente um quarto do grupo constituído de costureiras com prática nesta atividade como profissionais autônomas, duas com prática em artesanato, e as outras que atuavam apenas como auxiliares e aprendizes de costura. Além do mediador e das sócias, esteve presente às reuniões uma pesquisadora, estudante universitária responsável pelo projeto, que realizou as filmagens.

Local da coleta de dados

A coleta de dados ocorreu em uma sala ampla, utilizada para a realização deste tipo de reunião do grupo, situada em prédio de um complexo educacional mantido por uma ordem religiosa para atendimento a jovens, no qual a cooperativa estava sediada e as cooperadas realizavam as suas atividades.

Instrumentos

Foram utilizados filmadora, fitas VHS e protocolo de registro de informações.

Procedimento de coleta de dados

Os dados foram coletados em nove reuniões ordinárias do empreendimento, por meio de filmagem integral destas reuniões, consentida pelos participantes. Foram considerados, para análise de informações sobre comportamentos do mediador, três episódios de tomada de decisão (Episódio 1: composto por quatro sessões; Episódio 2: composto por três sessões e Episódio 3: composto por duas sessões), cada um deles correspondente a um tema ou problema que requeria do grupo tomar decisões. Antes de iniciar as filmagens a partir dos quais foram obtidos os dados apresentados neste estudo, a pesquisadora obteve consentimento livre e esclarecido das cooperadas e do mediador, tendo sido filmadas duas sessões iniciais não consideradas na análise de dados, pela maior possibilidade de impacto da presença da pesquisadora e da filmagem. Para cada um dos episódios, foi realizada transcrição literal das manifestações verbais dos presentes à reunião, ocorridas no período em que os assuntos correspondentes ao episódio foram debatidos pelo grupo. As características gerais destes episódios estão indicadas na Tabela 1.

O episódio um corresponde a um processo de discussão e tomada de decisão sobre quais, dentre diferentes tipos de contratos que o grupo poderia fazer seriam os mais oportunos para o grupo naquele momento, sendo aquele que envolveu o maior número de situações de discussão e a maior duração em relação aos demais episódios. O episódio dois referiu-se a decisões sobre encaminhamentos a serem feitos em relação à manutenção ou não da diretoria da cooperativa, envolvendo conduta de membro desta diretoria, desenvolveu-se em três situações de discussão e teve o maior número de cooperadas presentes em relação aos demais episódios. Além disso, este episódio diferiu dos demais em relação à natureza do assunto, que era organização interna, enquanto que nos outros as questões discutidas foram de ordem econômica, e forma de tomada de decisão, que se deu por meio de votos, enquanto que nos outros dois casos a decisão se deu por meio de consenso.

O episódio três (em que a decisão considerada referiu-se ao preço a ser cobrado por serviço que seria feito) diferiu dos demais episódios pelo maior número de alternativas surgidas, envolvendo o menor número de situações de discussão e o menor número de cooperadas presentes, quando comparado aos demais.

Procedimento de análise de dados

A partir dos textos transcritos literalmente, foram elaboradas categorias de análise relativas a comportamentos e propriedades de comportamentos do mediador que, do ponto de vista da pesquisadora, e considerando conhecimento disponível sobre os fenômenos e processos envolvidos (comportamento humano, processos grupais, processo de incubação de empreendimentos solidários etc) poderiam ser relevantes em relação aos resultados finais pretendidos, ou seja: ocorrência de processos de tomada de decisão democráticos, com participação ampla dos membros e favorecedoras de autonomia para o grupo. Em relação à atuação do mediador, foram propostas categorias de análise indicadas a seguir, enfatizando aspectos funcionais da sua conduta verbal.

Em relação à classe de comportamentos "Apresentar informações sobre assunto ou tema em foco", cada ocorrência do comportamento foi classificada quanto a: (a) Momento em que a informação foi apresentada (antes, durante, após o assunto ser examinado); (b) Grau de clareza na apresentação da informação (clara, parcialmente clara, obscura); (c) Grau em que a apresentação era completa (completa, parcialmente incompleta – com insuficiência de justificativas, conseqüências ou elementos para compreensão – e incompleta); (d) Objetividade na apresentação da informação (objetiva, parcialmente objetiva, subjetiva).

Em relação ao comportamento "Promover a participação dos membros", assim considerado quando o mediador se manifestava de forma a sinalizar a conveniência, necessidade ou oportunidade para participação de um membro específico ou de membros em geral, ou ainda de modo a facilitar a participação de um membro específico ou membros em geral, as manifestações do mediador foram classificadas como: dar a palavra a um indivíduo específico ou ao grupo, solicitar manifestação, esclarecimento, opinião de um indivíduo ou do grupo, eliminar condições concorrentes à participação de um indivíduo ou do grupo ou apresentar alternativas, encaminhamentos, assuntos para serem examinados ou decididos.

Em relação a este comportamento, foram indicadas, ainda, ocorrência ou não de condutas de pessoas presentes no grupo que, tendo seguido imediatamente estas manifestações, pudessem ser consideradas como "resultados da conduta do mediador", da seguinte forma: Nenhum resultado observável em relação à participação; resultado compatível ou consistente com o que poderia ser esperado da condição criada pelo mediador ou resultado incompatível, inconsistente ou diverso do que poderia ser esperado como decorrente da condição criada pelo mediador. Quando não era possível distinguir, no contexto, ações dos presentes que pudessem estar relacionadas à conduta de interesse do mediador, o registro foi de não observado.

Em relação ao comportamento "Liberar conseqüências para comportamentos dos membros", correspondente a manifestações do mediador que constituíam conseqüências potencialmente relevantes para instalação, manutenção, eliminação ou modificação de comportamentos dos membros do grupo, estas foram classificadas quanto a: (a) Tipo de comportamento apresentado pelo mediador (discordar de manifestação, corrigir manifestação, completar manifestação, concordar com manifestação, ampliar manifestação, restringir manifestação, justificar manifestação, esclarecer manifestação, apresentar pergunta, responder pergunta, propor encaminhamento, solicitar manifestação de outros, mudar ou propor mudança de assunto); (b) Momento em que o mediador liberou conseqüências (durante a ocorrência do comportamento conseqüenciado, imediatamente após a conduta, com atraso); (c) Tipo de comportamento ao qual se refere à conseqüência (apresentar pergunta, expressar opinião, conversar em paralelo, dar informação, desculpar-se); (d) Contingência provavelmente estabelecida para o comportamento-alvo do participante, em função da ação do mediador (reforçadora, punitiva, extinção, neutra).

Cada uma das manifestações do mediador durante os episódios considerados foi classificada, ainda, quanto à Função preponderante desempenhada pelo mediador, de acordo com as seguintes categorias: (a) Facilitador (indicar condutas desejáveis dos membros nas atividades da cooperativa; (b) Membro: apresentar comportamentos esperados de membros de uma cooperativa); (c) Educador (criar condições para que os indivíduos identifiquem comportamentos desejáveis e indesejáveis de membros ou características desejáveis e indesejáveis de comportamentos e para que apresentem comportamentos adequados); (d) Consultor (apresentar informações especializadas ou pareceres baseados em seu conhecimento técnico na área em questão); (e) Assessor (participar da implementação ou do acompanhamento de atividades em desenvolvimento pelo grupo); (f) Audiência (manter-se em silêncio diante de manifestações dos membros do grupo presentes).

A classificação das manifestações do mediador, de acordo com as categorias propostas, foi feita por dois observadores independentes, tendo sido alcançado um índice de 75% de concordância entre estes observadores. Os dados aqui apresentados correspondem às classificações feitas pela pesquisadora que realizou as filmagens.

Resultados e discussão

Propriedades de comportamentos de técnico responsável por processo de incubação em situações de tomada de decisão em empreendimento solidário

Na Tabela 2 pode ser vista uma síntese das propriedades de três comportamentos do mediador, identificadas a partir das situações observadas, tendo sido incluídas, nesta tabela, apenas aquelas categorias, dentre as propostas, em que foi observada pelo menos uma ocorrência.

Comportamento do mediador em cada episódio de tomada de decisão

No Episódio 1, quanto a apresentar conseqüências para condutas das cooperadas, ocorreu alta incidência de apresentação de perguntas (após manifestação dos participantes) e proposição de encaminhamentos (a partir destas manifestações), bem como, embora com menor incidência, solicitação de manifestação e esclarecimento de manifestação dos outros. É possível supor que a ocorrência destes comportamentos do mediador esteja relacionada à natureza do assunto debatido, escolha de contratos de trabalho mais oportunos para o grupo, tendo cabido a cooperadas responsáveis por coleta de informações, apresentá-las. Ao emitir tais comportamentos, o mediador auxilia as cooperadas no processo de tomada de decisão racional, tal como propõem Fleury (2002) e Robbins (2000), quando apresenta perguntas que levam a uma melhora na qualidade das informações apresentadas e à identificação de lacunas de informações a serem então obtidas e favorece a compreensão e a avaliação de cada alternativa em discussão. É possível supor que tenha cabido ao mediador, nestas circunstâncias, apresentar perguntas sobre os contratos para melhor esclarecimento das informações apresentadas pelas cooperadas, inexperientes no desenvolvimento destas atividades, propor encaminhamentos a partir das informações coletadas e apresentadas pelas cooperadas e, ainda, solicitar manifestações de outros membros que não haviam participado da coleta de informações. É possível supor que tais condutas tivessem a função de promover e encorajar a participação de todas as cooperadas em um processo cujos resultados eram de interesse coletivo, contribuindo para o aumento da autonomia do grupo por meio da capacitação dos membros (tal como ressaltam Sato, 1999; Valêncio et al., 1998), e em todas as oportunidades possíveis (Cortegoso et al., 2005).

No Episódio 1, em particular, o comportamento das cooperadas mais freqüentemente seguido de liberação de conseqüências do mediador foi expressar opinião, apresentado em alta freqüência por pelo menos uma parte das cooperadas, exatamente aquelas que dispunham de informações sobre as propostas de venda de seus produtos. Dispor de informações é, reconhecidamente, uma condição favorecedora do decidir adequadamente, sendo que, para avaliar todas as alternativas possíveis, é fundamental que sejam transmitidas todas as informações disponíveis sobre cada uma, como destacam autores como Cooke e Kernaghan (1987), Robbins (2000) e Schwartz e Levin (1990), entre outros.

No Episódio 2 foi possível identificar apresentações parcialmente claras e parcialmente incompletas de informações pelo mediador, sendo estas, predominantemente, relativas a um membro da diretoria ausente na reunião. Esta condição pode ter levado o mediador a omitir informações por cuidados éticos. O processo de tomada de decisão, por sua vez, pode ter sido dificultado, neste episódio, pela falta de clareza em relação a algumas informações, tal como já apontado em outros contextos (Del Prette, & Del Prette, 1999; Fleury, 2002; March, 1994). A falta de clareza do mediador, ao transmitir informações, pode ter ocorrido porque tratou-se de um episódio em que as cooperadas tinham que decidir se mudariam a diretoria vigente e os membros dessa diretoria não estavam presentes. Diante disso, houve vários conflitos, e o mediador sugeriu que a forma de decisão sobre o assunto seria por votação.

Em relação ao mediador promover a participação das cooperadas, foi possível notar que o Episódio 2 foi o único em que ele deu a palavra para as cooperadas como forma de promover a participação. É possível supor que, dada à gravidade das decisões envolvidas, e suas conseqüências para o grupo, o mediador tenha se empenhado em promover a participação de todos os membros do grupo no processo, atuando especificamente em relação a alguns deles, possivelmente àqueles com menor grau de manifestação espontânea.

Os comportamentos específicos do mediador ao liberar conseqüências para as condutas das cooperadas que apresentaram maior incidência, no Episódio 2 (apresentar perguntas, propor encaminhamentos, esclarecer manifestações e responder perguntas) podem estar vinculados à alta incidência de apresentação de perguntas pelas cooperadas, que também freqüentemente expressaram opinião ao apresentar suas respostas, e se engajaram em conversas paralelas, com vários pequenos grupos falando simultaneamente. Neste episódio, o assunto abordado era relativo a encaminhamentos sobre a diretoria, como condição para o processo de regularização da cooperativa e, como quem tinha as informações técnicas a respeito dos processos legais era o mediador, muitas perguntas foram formuladas a este respeito – e conseqüenciadas principalmente pelas respostas apresentadas pelo mediador. Além disso, as cooperadas demonstraram grande agitação, ao reagir a informações sobre comportamento de um membro da diretoria que estava ausente, sendo as conversas paralelas entre as cooperadas relativas principalmente a este aspecto.

No Episódio 3 é possível destacar, particularmente, o desempenho do mediador quanto à natureza da contingência provavelmente estabelecida para os comportamentos que receberam conseqüências por parte do mediador, com maior incidência de conseqüências potencialmente reforçadoras do que o que foi observado nos outros episódios. A utilização deste tipo de procedimento, considerando o conhecimento disponível sobre o papel das conseqüências para o comportamento humano, parece importante para aumentar a probabilidade de ocorrência do comportamento seguido pelas conseqüências, que neste caso era o das cooperadas obterem informações a respeito de preços de produtos que seriam oferecidos pelo empreendimento. Sendo assim, o comportamento do mediador pode ser considerado como facilitador do próprio processo de tomada de decisão, ao motivar as cooperadas para agir (buscar informações cada vez melhores e mais completas) e para tomar a decisão de forma autônoma. De fato, vários estudos apontam para a importância de conseqüências positivas para comportamentos de interesse em um grupo, como condição para que seus participantes apresentem tais comportamentos e estejam motivados para executar suas tarefas mais apropriadamente, de acordo com os princípios da instituição em que trabalha, conforme indicam Borges e Alves (2001) e Robbins (2000).

Quanto às características gerais dos episódios de tomada de decisão, foi possível verificar que, ao longo dos episódios considerados, houve uma redução no número de sessões necessárias para decidir, o que permite supor uma capacidade crescente do grupo para o processo de tomada de decisão, pois este passou a fazê-lo mais rapidamente. Segundo Hill (1982) e Schwartz e Levin (1990), as decisões em grupo têm a desvantagem de consumir mais tempo do que as individuais. No entanto, têm vantagem de serem mais eficazes, particularmente em empreendimentos autogestionários. Sendo assim, o grupo pode se capacitar para o processo de tomada de decisão e diminuir o tempo para que a mesma ocorra, atenuando este tipo de desvantagem.

Outra característica a ser destacada é quanto aos procedimentos utilizados para tomada de decisão nestes episódios, que foi consenso, nos Episódios 1 e 3, e votação, com decisão por maioria simples, no Episódio 2. De acordo com os princípios cooperativistas, bem como com estudos sobre procedimentos para tomada de decisão em grupo, o consenso é uma forma de decisão vantajosa para gerar coesão em grupos, e votação só deveria ocorrer após terem sido esgotadas as alternativas para alcançar um consenso (Albuquerque, 1999; Rios, 1989; Sato, 1999; Scopinho, & Martins, 2003; Valêncio et al., 1998). É possível supor que a decisão por maioria pode se justificar, também, quando o assunto envolvido não é excessivamente polêmico ou fundamental para o grupo, ou seja, qualquer que seja a decisão, não decorrerão dela reações capazes de colocar em risco o bom funcionamento do grupo ou o alcance dos objetivos. No caso do Episódio 2, em que o procedimento para decisão diferiu dos outros, também a natureza do assunto discutido era diferente, referindo-se à regularização do empreendimento em função de eleição de diretoria. Neste caso, as cooperadas tinham prazo curto para tomar a decisão necessária, o que pode ter resultado na forma de decisão ser por meio de votos. Para Chiavenato (1997) e Robbins (2000), as organizações impõem prazos para as decisões e estas condições criam pressões de tempo para os tomadores de decisões, tornando difícil reunir todas as informações desejáveis antes de fazer uma escolha final. O tempo restrito pode, assim, ser um aspecto desfavorecedor de um adequado processo de tomada de decisão, particularmente no caso do consenso, um processo constituído de negociação e aprofundamento de discussão.

Comportamentos gerais do mediador

Em relação às informações apresentadas pelo mediador no decorrer dos episódios, este as apresentou, na maioria das vezes, de forma clara, completa e objetiva. A completicidade e clareza com que as informações são transmitidas num processo de tomada de decisão foram apontadas por March (1994) como uma das condições para chegar a uma decisão com maior probabilidade de acerto. Além disso, a garantia de que todas as cooperadas compreendessem as informações transmitidas, um esforço perceptível do mediador no decorrer das discussões, parece constituir condição facilitadora de um processo de tomada de decisão esclarecido. Ao formular perguntas às cooperadas, por exemplo, o mediador atuava de modo a corrigir uma comunicação deficiente no grupo (possivelmente relacionada com a pouca experiência das participantes nestes processos e com a própria situação de oferecer informações precisas), que poderia retardar o processo de decisão, comprometer sua qualidade ou a colaboração dos membros do grupo, causando má compreensão – e desentendimentos – entre eles (Del Prette, & Del Prette, 1999; Fleury, 2002; Robbins, 2000).

A forma que o mediador utilizou, com maior freqüência, para promover a participação das cooperadas no processo de discussão, foi solicitar informações e apresentar alternativas de encaminhamento. Sendo assim, o mediador permitiu que as cooperadas enumerassem todas as alternativas viáveis e conseguissem antever prováveis conseqüências de cada alternativa. Estas são condições apontadas por March (1994) como relevantes para que um grupo alcance a melhor decisão possível, dentre as alternativas existentes. Além disso, a maioria dos resultados dessa promoção foi compatível com os objetivos relacionados ao funcionamento de um grupo autogestionário. A atuação do mediador ao garantir a participação de todas as cooperadas no processo de tomada de decisão, além de imprimir uma característica democrática a este processo, pode fazer com que as cooperadas sintam-se mais motivadas a concretizarem a decisão final, seja ela qual for. Segundo Hill (1982) e Schwartz e Levin (1990) um dos pontos fortes da tomada de decisão em grupo é que todos membros que participam da decisão irão apoiá-la e será mais provável que a decisão se concretize.

Os tipos de conduta que o mediador apresentou, com maior freqüência, ao liberar conseqüências para as condutas das cooperadas, foram apresentar perguntas e propor encaminhamentos, sendo que o momento em que ele apresentou essas condutas foi, na maioria das vezes, imediatamente após a conduta das cooperadas, condição em que estas conseqüências podem, de fato, interferir na probabilidade de ocorrência futura dos comportamentos que seguem. Essas condutas do mediador vão ao encontro das características do sistema cooperativo, uma vez que o mediador é responsável por garantir a participação de todas as cooperadas e por indicar e conduzir encaminhamentos para facilitar as condutas das mesmas (Valêncio et al., 1998).

O tipo de conduta das cooperadas para o qual o mediador liberou conseqüências em maior freqüência foi expressar opinião, sendo que a contingência provável estabelecida para as condutas das cooperadas que receberam conseqüências do mediador foi aquele tipo definido, neste contexto, como neutra; em apenas dois episódios, e em baixa freqüência, foram observadas conseqüências consideradas como potencialmente reforçadoras. Conseqüências definidas como potencialmente punitivas neste estudo foram observadas em todos os episódios. Considerando a gravidade das conseqüências que podem advir, para o comportamento humano, do uso do controle coercitivo, intensamente examinado por Sidman (1994), entre outros, tais conseqüências devem ser evitadas, mesmo sendo brandas, como parecem ter sido neste caso. No caso das condutas das cooperadas no processo de tomada de decisão, e considerando os objetivos do processo de incubação, seria esperado que o mediador providenciasse maior número de conseqüências positivas, quando as cooperadas expressassem opiniões, dessem informações ou apresentassem perguntas, pois esses comportamentos adequados das cooperadas podem sofrer a influência de ausência ou insuficiência de reforçamento (Catania, 1998). Da mesma forma, é necessário que o próprio grupo se capacite para liberar conseqüências reforçadoras para comportamentos de seus membros, que sejam considerados desejáveis para o bom funcionamento do empreendimento, cabendo ao mediador promover também este tipo de competência no grupo.

Considerando a dinâmica de uma situação coletiva de discussão, a seqüência natural dos diálogos, nos quais, por exemplo, perguntas feitas são respondidas de forma imediata e satisfatória, esta condição pode ser suficiente para manter o comportamento de perguntar. No entanto, comportamentos desejáveis, mais complexos, inexistentes ou pouco freqüentes no repertório dos participantes, podem requerer procedimentos mais específicos e uma atenção maior do mediador para que passem a existir e sejam mantidos, justificando a preocupação com a baixa ocorrência de conseqüências potencialmente reforçadoras para comportamentos das participantes liberadas pelo mediador, sendo este um possível aspecto a ser aprimorado em sua atuação no processo de incubação, uma vez que ausência, insuficiência ou inadequação de conseqüências para condutas adequadas pode afetar negativamente a motivação e a capacitação das cooperadas para participar das reuniões e das atividades do empreendimento.

O mediador apresentou, em todos os episódios, uma função predominantemente de facilitador do processo de tomada de decisão por parte do grupo, exibindo, para isto, diferentes comportamentos. Um tipo de papel que, considerando o estágio inicial de organização do grupo, é compatível com a proposta de método de incubação proposto pela agência que o mediador representa, no acompanhamento do grupo (Cortegoso et al., 2005). Comportamentos mais típicos das funções de assessor e consultor, observadas em todos os episódios, embora com baixa freqüência, são fundamentais e devem, de acordo com esta proposta, terem sua freqüência aumentada, simultaneamente à redução de seu papel de facilitador, que deverá ser assumido por membros do próprio grupo, conforme estes se tornem mais preparados e seguros, principalmente considerando a ocorrência de modelagem de condutas relevantes para o processo de tomada de decisão no âmbito do empreendimento que parece ser propiciada pela atuação do mediador. No caso do Episódio 2, em que o mediador apresentou um maior número de intervenções caracterizadas como de assessoria ou consultoria do que nos outros, o fato dele ser responsável pelas informações técnicas relacionadas ao processo de legalização do grupo pode estar relacionado a estes resultados.

Considerações Finais

Os resultados obtidos neste estudo permitiram, mais do que avaliar o desempenho de um moderador do processo de incubação de empreendimentos solidários, identificar, com maior precisão, comportamentos deste tipo de ator da Economia Solidária e propriedades destes comportamentos que podem ser relevantes para alcançar resultados desejáveis para este tipo de empreendimento. O exame do desempenho deste moderador em particular, permitiu identificar a presença de comportamentos de moderação e formular relações entre estes comportamentos e suas propriedades, e processos de tomada de decisão em grupo compatíveis com a autogestão, bem como com o desenvolvimento de repertórios de membros deste tipo de empreendimento consistentes com sua natureza auto-gestionária. Apresentar informações de forma completa, clara e objetiva, por exemplo, constitui condição importante para que membros de um grupo em formação possam melhor identificar como lidar com as situações que enfrentam, particularmente no caso de tomada de decisões. A experiência acumulada deste moderador em particular, que além de experiência acumulada em relação ao processo de incubação de empreendimentos solidários, detinha também experiência com outras situações que envolvem trabalho coletivo e promoção de emancipação e autonomia e do próprio conjunto de mulheres com quem trabalhava, constituiu importante ponto de partida para oferecer algumas respostas para a pergunta sobre qual o repertório desejável para pessoas que, como ele, têm a responsabilidade pelo apoio a segmentos da população que se dispõem a trabalhar sob a orientação dos princípios e características da Economia Solidária.

A análise de propriedades relevantes do comportamento de agentes educativos, tal como definidos por Cortegoso (1994), identificando aspectos de seu repertório comportamental, e efeitos que seus comportamentos podem produzir em relação a condutas de seus aprendizes, permite detectar "tendências" em relação aos resultados que podem decorrer do processo de ensino-aprendizagem. Além disso, este tipo de análise permite compreender quais comportamentos do agente educativo são geradores de relações facilitadoras ou desfavorecedoras para que sejam atingidos os objetivos pretendidos neste processo que, neste caso, refere-se ao desempenho dos membros de um grupo para constituir e gerir um empreendimento coletivo de trabalho, particularmente quanto à tomada de decisão.

As conclusões acerca da influência de condutas de mediadores sobre processos de tomada de decisão em grupo sofrem a natural limitação das circunstâncias em que os dados foram coletados. Um maior número de reuniões e coleta de dados em outros empreendimentos auto-gestionários, inclusive em fases diferentes do processo de incubação, são desejáveis para confirmar e ampliar conclusões sugeridas pelos dados obtidos neste estudo. É fundamental, ainda, ampliar o estudo em relação a outros mediadores e a outros grupos de cooperativas, de modo a obter dados mais abrangentes sobre propriedades de comportamentos destes agentes educativos que podem influir sobre a qualidade de processos de tomada de decisão e sobre a formação de indivíduos para este processo, no âmbito do cooperativismo, assim como verificar a influência do gênero (do mediador e dos cooperados) nesse processo.

É possível considerar, ainda, que a presença de observadores externos, sendo ou não realizadas filmagens, pode constituir interferência na maneira das pessoas observadas se comportarem. Neste sentido, os dados não possibilitam afirmar que o participante apresenta os comportamentos observados em outras situações de mediação junto a este ou a outros grupos, mas permitem afirmar que pode apresentá-los, dado que demonstrou competências que puderam ser observadas, com vantagens sobre outras formas de coleta de dados que se limitam ao relato verbal dos participantes. Os dados obtidos constituem contribuição relevante para a capacitação de mediadores para atuar junto a grupos em processo de incubação, ao favorecer indicações objetivas de comportamentos importantes ao lidar com este processo e propriedades destes comportamentos que podem contribuir para a formação de pessoas efetivamente capacitadas para a prática cooperativista e para lidar com processos de tomada de decisão coletivas, de um modo geral.

Recebido: 07/05/2006

1ª revisão: 04/10/2006

Aceite final: 28/02/2007

Fabiana Cia é Psicóloga, Mestre e Doutoranda em Educação Especial, pela Universidade Federal de São Carlos. Endereço para correspondência: Rua Humberto Manelli, 116, Jardim Gibertoni, São Carlos, SP, 13560-649. fabianacia@hotmail.com

Ana Lúcia Cortegoso é Docente da Universidade Federal de São Carlos – Departamento de Psicologia. Mestre em Educação Especial e Doutora em Psicologia da Educação. Endereço para correspondência: Rua Antonio Fiorentino, 58, Jardim Ricetti, São Carlos, SP, 13570-020. Telefone: (16) 3411-0704. rezecorte@linkway.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Out 2007
  • Data do Fascículo
    Ago 2007

Histórico

  • Recebido
    07 Maio 2006
  • Revisado
    04 Out 2006
  • Aceito
    28 Fev 2007
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