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Editorial da Edição Especial 1

Editorial da Edição Especial 1

Analisar o trabalho no contexto deste início de século XXI é pensar em multiplicidade, multicausalidade, transversalidade. Trata-se de um fenômeno complexo, cada vez mais multifacetado e heterogêneo, exemplo disso é ser referido como o "mundo do trabalho". Sua compreensão pressupõe fazer escolhas e problematizar questões centrais que possam avançar na construção do conhecimento na área. Essa tem sido a trajetória do Núcleo de Estudos Trabalho e Constituição do Sujeito (NETCOS),1 1 O NETCOS é um grupo de pesquisa inserido no diretório de grupos do sistema Latttes do CNPq e faz parte do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Além das duas professoras, autoras deste texto, integram o NETCOS alunos de graduação em Psicologia e de pós-graduação em Psicologia e Administração. coordenado por nós, também organizadoras deste número especial da Revista Psicologia & Sociedade, intitulado Trabalho e Constituição do Sujeito na Contemporaneidade.

Como parte das atividades de ensino, pesquisa e extensão, desenvolvidas no NETCOS, temos buscado dialogar com pesquisadores de diferentes instituições, no Brasil e em outros países, sobre as vicissitudes do trabalho no contexto contemporâneo, com destaque para a constituição dos sujeitos nesse contexto. A publicação deste número especial é um dos resultados deste diálogo, com a publicação de artigos elaborados por integrantes do GT "Trabalho e processos organizativos na contemporaneidade", da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Psicologia – ANPEPP.2 2 São integrantes do GT os professores: Leny Sato – Coordenadora (USP), Maria Chalfin Coutinho – Sub-Coordenadora (UFSC); Dulce H. P. Soares (UFSC), Fabio de Oliveira (PUC/ USP), Isabel C. Borsoi (UFC), Rosemeirie Scopinho (UFSCar), Suzana R. Tolfo (UFSC), Vera Navarro (USP/RP). Contamos, ainda, com a participação outros pesquisadores inseridos em diferentes universidades brasileiras e no exterior. A contribuição de todos se expressa na qualidade dos artigos produzidos.

Quais abordagens sobre seres humanos estão historicamente presentes em diferentes concepções de trabalho? Quais as transformações, as continuidades e os dilemas do trabalho na contemporaneidade? Que implicações o trabalho na sociedade contemporânea traz para as identidades e os sentidos e significados atribuídos por trabalhadores àquilo que fazem? E como as mudanças no contexto do trabalho são identificadas em processos de demissão ou de construção do projeto profissional? O trabalho realizado em cooperativas e em feiras livres representa uma "nova" forma de trabalhar? E como pensar a saúde no trabalho com tantas demandas, incertezas e complexidade?

Todas as interrogações acima têm como foco central a preocupação em compreender o trabalho e/ou os sujeitos na perspectiva da sociedade contemporânea. Para tanto, este volume da Revista Psicologia & Sociedade, apresenta treze artigos, tratam-se de ensaios teóricos e/ou resultados de investigações produzidas pelos autores.

No primeiro artigo, teórico, denominado Seres humanos, trabalho e utopias, Iúri Luna resgata o conceito de trabalho, na perspectiva marxiana, e visões de outros autores selecionados, para problematizar as diferentes concepções de homem e os projetos sociais, em especial as utopias, neles fundamentados. Deste modo, busca caracterizar pesquisas que contribuem para entender a atual configuração do mundo do trabalho e a situação dos trabalhadores. No segundo artigo Dilemas do trabalho no capitalismo contemporâneo Vera Navarro e Valquíria Padilha também partem da concepção marxiana de trabalho, para identificar as principais transformações ocorridas, durante o século XX, no processo de trabalho (do taylorismo ao toyotismo), bem como suas conseqüências para a classe trabalhadora. A análise dessas mudanças levou às autoras a apontarem a continuidade do "...caráter capitalista do modo de produção e com seu complexo plano ideológico de controle da subjetividade do trabalhador."

No terceiro artigo, Transformações no modelo industrial, "novos" trabalhos e nova temporalidade, Cássio de Aquino continua a discussão sobre as mudanças no trabalho contemporâneo, tendo como elemento chave a transformação da temporalidade. À estabilidade temporal, característica do modelo industrial, sucede o tempo diversificado e diluído das novas jornadas de trabalho, com implicações para os sujeitos trabalhadores. Em Identidade e trabalho na contemporaneidade: repensando articulações possíveis, Maria Coutinho, Edite Krawulski e Dulce Soares discutem os conceitos "identidade" e "trabalho", com base em diferentes perspectivas teóricas. Tendo como referência a análise do contexto produtivo contemporâneo, as autoras observam que, mesmo com dificuldades, os sujeitos mantêm a construção dos processos identitários.

Em seqüência está o artigo Sentidos e significados do trabalho: explorando conceitos, variáveis e estudos empíricos brasileiros, de Suzana Tolfo e Valmíria Piccinini, que revisa a literatura sobre esta temática ainda pouco explorada. As autoras verificam que nos estudos brasileiros predominam as variáveis identificadas pelo Grupo MOW (1987) e que são a centralidade do trabalho, as normas sociais do trabalho e os resultados valorizados do trabalho. O sexto artigo O trabalho e seus sentidos, de Estelle Morin, Maria José Tonelli e Ana Luisa Pliopas, relata os resultados iniciais de uma pesquisa realizada com jovens executivos brasileiros, que demonstraram o quanto o trabalho é essencial na vida das pessoas e está relacionado à própria sobrevivência. Foram identificados como valores fundamentais para um trabalho com sentido: a variedade na natureza das tarefas, a aprendizagem, a autonomia, o reconhecimento e a segurança.

Outro estudo empírico é apresentado em Implicações de programas de enxugamento para ex-trabalhadores de empresas estatais, no qual Suzana Tolfo e Maria Coutinho apresentam os resultados de uma análise comparativa sobre as implicações psicossociais de programas de enxugamento e privatização para ex-trabalhadores de duas empresas estatais, identificando o intenso sofrimento psicológico associado às mudanças e aos desligamentos. Dentro do mesmo contexto de reestruturação de empresas públicas, Gisele Sestrein e Dulce Soares investigaram ex-trabalhadores de uma instituição bancária estatal que aderiram a um Programa de Demissão Incentivada (PDI), produzindo o artigo Projeto Profissional: o redimensionamento da carreira em tempos de privatização. As autoras apontam a desvinculação entre os projetos profissionais do sujeitos e a instituição como decorrência dos PDI e das ameaças de privatização.

A questão do cooperativismo e a análise do cotidiano em diferentes formas organizativas foram retomadas em três artigos deste volume. No primeiro Os sentidos do cooperativismo de trabalho: as cooperativas de mão-de-obra à luz da vivência dos trabalhadores, Fábio de Oliveira sintetiza uma investigação, sobre sentidos do trabalho, realizada junto a trabalhadores de diferentes tipos de empreendimentos cooperativos. O autor destaca as diferenças, no que tange aos sentidos do cooperativismo, entre a cooperativa de mão-de-obra, marcada pela precarização do trabalho, enquanto que nas cooperativas de trabalho este sentido é associado aos dilemas da autogestão. No artigo Sobre cooperação e cooperativas em assentamentos rurais, Rosemeire Scopinho discute processo organizativo e as contradições entre os sentidos atribuídos à cooperação e às cooperativas. Tendo como referência trabalhadores inseridos em assentamentos rurais organizados pelo Movimento Sem Terra (MST), no estado de São Paulo, a autora identifica as semelhanças e diferenças em relação aos sentidos tradicionais de cooperativismo rural. Leny Sato nos apresenta, no texto Processos cotidianos de organização do trabalho na feira livre, um estudo realizado em uma feira livre da cidade de São Paulo. A partir de uma discussão sobre o lugar ocupado pelas feiras livres no processo de urbanização de países subdesenvolvidos, a autora apresenta o estudo etnográfico realizado e analisa os processos organizativos e as redes de relações sociais estabelecidas no cotidiano da feira.

As relações entre os processos de saúde e doença e o trabalho são analisadas em dois artigos desta coletânea. Em Da relação entre trabalho e saúde à relação entre trabalho e saúde mental Izabel Cristina Borsoi retoma as discussões sobre o "mundo do trabalho" e suas transformações no atual contexto, problematizando as implicações das formas e condições de trabalho vigentes para a saúde, em especial a saúde mental, do trabalhador. Tomando como referência diferentes abordagens sobre saúde/doença mental e trabalho, a autora enfatiza a necessidade de avanços teóricos e práticos nos conhecimentos produzidos. No mesmo campo, Maria da Graça Jacques considera no texto O nexo causal em saúde/doença mental no trabalho: uma demanda para a psicologia o necessário estabelecimento de relações causais entre o trabalho e determinados quadros psicopatológicos, tal como estabelece a legislação brasileira. Mesmo reconhecendo o "reducionismo que a relação causal produz", a autora aponta as possibilidades que a incorporação do nexo causal descortina para o exercício profissional da psicologia em diferentes campos.

Apresentamos neste número especial algumas facetas para compreensão do trabalho e dos sujeitos no contexto contemporâneo. Apesar das diferenças e peculiaridades de cada artigo, a abertura à escuta, ao diálogo e ao olhar crítico para as articulações entre o objetivo e subjetivo no contexto produtivo contemporâneo estão presentes em todos. Convidamos os leitores a outras escutas, diálogos e olhares possíveis.

Maria Chalfin Coutinho e Suzana da Rosa Tolfo

Editoras Convidadas

Notas

  • 1
    O NETCOS é um grupo de pesquisa inserido no diretório de grupos do sistema Latttes do CNPq e faz parte do Departamento e do Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal de Santa Catarina. Além das duas professoras, autoras deste texto, integram o NETCOS alunos de graduação em Psicologia e de pós-graduação em Psicologia e Administração.
  • 2
    São integrantes do GT os professores: Leny Sato – Coordenadora (USP), Maria Chalfin Coutinho – Sub-Coordenadora (UFSC); Dulce H. P. Soares (UFSC), Fabio de Oliveira (PUC/ USP), Isabel C. Borsoi (UFC), Rosemeirie Scopinho (UFSCar), Suzana R. Tolfo (UFSC), Vera Navarro (USP/RP).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      20 Set 2007
    • Data do Fascículo
      2007
    Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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