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A psicóloga da ação política

A psicóloga da ação política

Nem toda vida pode ser comemorada ou celebrada com afeto, carinho, admiração e vontade de continuar seu legado, só a daqueles que foram protagonistas de uma vida digna e livre, compartilhada generosamente, como o foi a vida de Sílvia Lane.

Cada um de nós que se interessa pela psicologia social brasileira teve uma história com Sílvia, um momento, um texto, um instante, uma frase que afetou o coração, potencializando a alma e o corpo, porque sua sabedoria era toda sentimento e emoção, aliada à firmeza de idéias e determinação na intencionalidade política. Seu sorriso comunicativo, contagiante, convidava ao diálogo; acreditava na competência dos colegas, dos alunos e na importância da psicologia brasileira, pela qual era apaixonada, e no papel da sua universidade (PUC-SP), onde trabalhou até os últimos dias de sua vida.

A psicóloga da ação política não só criou um corpo teórico-metodológico, mas tirou a psicologia social brasileira do anonimato internacional, dando-lhe visibilidade. Seu sólido conjunto de idéias é hoje conhecido fora do Brasil como Escola Crítica de São Paulo, louvada, junto com a Psicologia da Libertação de Martin-Baró, como centralidade da psicologia latino-americana, pensamento ativo de resistência às ditaduras que grassaram neste continente nas décadas de 70 e 80. Seus textos são referências obrigatórias em boa parte dos países de língua espanhola e no Brasil, tanto que, em julho de 2001, durante o XXVII Congresso Interamericano de Psicologia, a mestra foi agraciada com o prêmio outorgado pela SIP – Sociedade Interamericana de Psicologia, aos pesquisadores que mais contribuíram à Psicologia Latino-Americana.

O que é igualmente importante, Sílvia viveu em total acordo com os valores éticos presentes em sua teoria: dignidade pessoal, compaixão e amizade nas relações, uma vocação ética indestrutível, independência de pensamento, compromisso social e intransigência com injustiças. Por tudo isso, foi tão admirada em vida, uma admiração que atravessa gerações de psicólogos. Nos encontros científicos, era assediada por jovens estudantes emocionados, querendo tirar fotos ao seu lado e obter sua dedicatória. Muitos iam aos eventos apenas para conhecê-la e ouvi-la.

Carismática, empolgava o auditório com suas aulas e palestras, que acabavam por se tornar lugares de criação coletiva, em que cada um podia refletir a respeito de si e do outro, enquanto se discutia psicologia, filosofia e política, e se deixar afetar pelo prazer que Sílvia sentia por estar com estudantes e pesquisadores. Este é o "Estilo Laneano" , uma forma de vibrar em comum, de ser afetado por uma presença transformadora, potencializadora.

Quem conviveu com Sílvia tem o dever de fazer com que esses momentos se multipliquem, mesmo sem a sua presença física, e que sejam compartilhados com a solidariedade, amizade e também com o poder de indignação sem rancor, que ela nos ensinou sentir.

Sílvia Tatiana Maurer Lane, nascida em 1930, faleceu em 29 de abril de 2006. A ABRAPSO, associação fundada por ela e por colegas que comungavam a vontade de construir uma psicologia social voltada à realidade brasileira, foi presidida por Sílvia, se não efetivamente, sempre no pensamento de cada um de seus sócios. Assim, não poderíamos deixar de manifestar o sentimento de respeito por esta grande mestra da psicologia social brasileira, que formou toda uma geração de pesquisadores, professores e psicólogos que passaram a ver a psicologia e suas possibilidades de atuação sempre vinculadas à nossa realidade.

Este número especial da revista Psicologia & Sociedade, periódico da ABRAPSO, pretende que a homenagem à Sílvia Lane seja uma comemoração ao estilo laneano, o que significa rememorar idéias, teorias, e fatos do cotidiano, para que mais pessoas possam ser afetadas por eles e os levem adiante, não como cópia e sim como inspiração, superando idéias e sempre criando outras para reafirmar a essência ética em relação à qual Sílvia era intransigente. Compõe-se de três partes que, interligadas, visam apresentar a guerreira na vida cotidiana e profissional, a pesquisadora de tempo integral, compromissada com a ciência e a ética, a artista em busca do belo.

Na primeira parte encontram-se depoimentos através dos quais se podem conhecer as nuances mais importantes do modo de ser e estar no mundo de Sílvia, seja através de sua própria fala, seja através das pessoas que com ela conviveram: alunos e colegas, testemunhando seu modo de ser como docente, e sua ação de permanente militância. Na segunda parte estão artigos que refletem e sistematizam a sua teoria. Finalmente, a terceira parte agrupa textos que utilizam seu referencial.

Esperamos que este tributo à memória de Sílvia propicie reminiscências de seu trabalho e de sua vida a todos os que com ela conviveram e permita que outros a conheçam e compartilhem de seu exemplo.

Bader Burihan Sawaia,

Maria Helena Coelho

e Ana Maria Jacó-Vilela

Editoras Convidadas

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2007
  • Data do Fascículo
    2007
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