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Sílvia Lane: o homem em movimento

I – A Estética De Uma Vida

Sílvia Lane: o homem em movimento

Antônio da Costa Ciampa

Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, Brasil

A inevitabilidade da morte é a única certeza que todos nós podemos ter, como uma contingência da vida.

Contudo, muitos dos que, como eu, convivemos com Sílvia Lane, podemos aceitar uma outra certeza, a certeza de que nascemos para começar e não de que nascemos para morrer pois, como diz Hanna Arendt, há "um começo que vem ao mundo quando nascemos . . . começando algo novo, por nossa própria iniciativa" (" A condição humana" , 1983, p. 190). O sentido que essa autora atribui ao agir retrata como Sílvia Lane agia durante toda sua vida: tomar iniciativa, iniciar, imprimir movimento a algo.

Sílvia Lane e Hanna Arendt, cada uma a seu modo, falaram do homem em movimento, preocupadas com a existência de homens concretos não de um abstrato Homem (com maiúscula) mas de homens que, dentro da história, vivem em sociedade e habitam o mundo, reconhecendo e enfatizando que essa existência sempre tem relação com a política.

Sempre vi a Sílvia começando algo, algo que ela sempre concluía de forma que o final fosse um novo começo.

Não me parece que aqui seja lugar para falar de suas valiosas e numerosas realizações, pois muito haveria que falar, mesmo porque meu primeiro contato com ela foi em 1965. Durante mais de quatro décadas tive o privilégio de, com ternura e carinho, fruir de sua amizade e camaradagem, enquanto, com admiração e respeito, muito aprendia com ela, primeiro como aluno, depois como orientando e, finalmente, como colega.

Não há como destacar a importância que a Sílvia teve e continua tendo ainda hoje para mim, sem parecer que estou exagerando. Ela me ajudou muito e ainda ajuda quando necessário a acreditar que há uma vida que vale a pena ser vivida, uma vida que seja a constante e permanente luta pela emancipação humana.

Se eu falo de mim é apenas para evidenciar o que considero sempre foi muito próprio da Sílvia, ou seja, ao mesmo tempo em que sempre estava começando algo, ela estimulava os outros a também começarem algo por sua própria iniciativa. Creio que isso revela o sentido profundamente humano e fortemente democrático que ela sempre procurou imprimir às suas ações: criar condições que aumentassem a autonomia do outro, para permitir o desenvolvimento de relações mais libertárias e igualitárias com ele.

Há mais de vinte anos ela teve a iniciativa de lançar o livro O homem em movimento. Ele foi marco de uma grande transformação da Psicologia Social brasileira. Ele hoje pode ser visto, ao mesmo tempo, como uma orientação e como um desafio.

A orientação básica é ter sempre o objetivo de contribuirmos para uma psicologia voltada para os problemas concretos de nossa realidade, tornando-nos participantes do esforço de transformação da sociedade brasileira. Neste sentido, valoriza tanto a atividade de pesquisa empírica, como a de sistematização teórica, propondo uma psicologia que sempre considere a questão da linguagem como fundamental, no estudo da ati-vidade, da consciência, da afetividade e da identidade, "não esquecendo jamais que estas categorias estão em mútua interdependência" , como afirma em " Novas veredas da Psicologia Social" (1995, p. 59). Conclui isso de forma que o final se torna um novo começo.

Assim, o desafio é não abandonar a concepção, que lançou há mais de vinte anos, de homem em movimento, de tal modo a continuarmos a nos perguntar como isso pode ser feito hoje.

Já que, infelizmente, a Sílvia não está mais entre nós, se queremos manter vivo seu verdadeiro espírito o que seria uma forma de imortalidade devemos enfrentar esse desafio de continuarmos a buscar novas respostas à questão de como desenvolver uma psicologia voltada para os problemas concretos de nossa realidade atual.

Sua recusa a qualquer forma de dogma fica evidente numa frase que sempre valorizou e gostava de repetir: porque não? Entendo que a maior homenagem que podemos prestar à Sílvia Lane é agir como ela agiu durante toda sua vida: tomar iniciativa, iniciar, imprimir movimento a algo, sempre com o foco no homem em movimento, que ela sempre encarnou de forma emblemática.

Antonio da Costa Ciampa é doutor em Psicologia Social. Professor Associado de Pós-graduação em Psicologia Social da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP). Endereço para correspondência: PUC-SP, Setor de Pós Graduação em Psicologia Social. Rua Monte Alegre, 984, Perdizes São Paulo, SP. acciampa@pucsp.br

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Out 2007
  • Data do Fascículo
    2007
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