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O lugar de psicologia social na formação dos psicólogos

The place of social psychology in the formation of psychologists

Resumos

Este trabalho pretendeu contribuir para o ensino da Psicologia Social no Brasil ao levantar os conteúdos e práticas do ensino dessa disciplina em cursos de psicologia de instituições localizadas em todas as regiões do país. A pesquisa consistiu no levantamento do material referente ao ensino da Psicologia Social, através de ementas, programas, de questionários e bibliografia indicada. 51 professores da disciplina Psicologia Social responderam a um questionário, e as informações referentes a ementas e programas foram coletadas junto às instituições. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, organizados em tabelas e submetidos a testes estatísticos. O ensino de Psicologia Social se dá através de conceitos descritivos/fenômenos, onde são valorizados os temas da área, em detrimento das correntes teóricas, as práticas e os métodos que foram menos referidos/enfatizados. Interpretamos esses resultados como busca de "sensibilização" dos alunos do curso de Psicologia para os problemas sociais relacionados com a Psicologia Social.

ensino; psicologia social; formação de psicólogos


This paper aimed at contributing to the education in Social Psychology in Brazil, raising the teaching contents/practices of such topic in courses of psychology in institutions located in all the regions of the country. The research consisted of the survey of diverse material related to the teaching of Social Psychology, through summaries, programs and questionnaires and the recommended bibliography. 51 professors of Social Psychology answered the questionnaire; and other information regarding summaries and programs was collected in institutions. The data was submitted to content analysis, organized in tables and statistically tested. The teaching of psychology is carried out drawing on descriptive concepts/phenomena, where topics of the field are more valued to the detriment of theoretical trends; hence practices and methods were less mentioned/emphasized. The results are interpreted as a search to raise psychology course students' awareness of the social problems related to social psychology.

teaching; social psychology; formation of psychologists


O lugar de psicologia social na formação dos psicólogos

The place of social psychology in the formation of psychologists

Ligia Claudia Gomes de SouzaI; Edson Alves de Souza FilhoII

IFaculdades Integradas Maria Thereza e Universidade Salgado de Oliveira, Niterói, Brasil

IIUniversidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

RESUMO

Este trabalho pretendeu contribuir para o ensino da Psicologia Social no Brasil ao levantar os conteúdos e práticas do ensino dessa disciplina em cursos de psicologia de instituições localizadas em todas as regiões do país. A pesquisa consistiu no levantamento do material referente ao ensino da Psicologia Social, através de ementas, programas, de questionários e bibliografia indicada. 51 professores da disciplina Psicologia Social responderam a um questionário, e as informações referentes a ementas e programas foram coletadas junto às instituições. Os dados foram submetidos à análise de conteúdo, organizados em tabelas e submetidos a testes estatísticos. O ensino de Psicologia Social se dá através de conceitos descritivos/fenômenos, onde são valorizados os temas da área, em detrimento das correntes teóricas, as práticas e os métodos que foram menos referidos/enfatizados. Interpretamos esses resultados como busca de "sensibilização" dos alunos do curso de Psicologia para os problemas sociais relacionados com a Psicologia Social.

Palavras-chave: ensino; psicologia social; formação de psicólogos.

ABSTRACT

This paper aimed at contributing to the education in Social Psychology in Brazil, raising the teaching contents/practices of such topic in courses of psychology in institutions located in all the regions of the country. The research consisted of the survey of diverse material related to the teaching of Social Psychology, through summaries, programs and questionnaires and the recommended bibliography. 51 professors of Social Psychology answered the questionnaire; and other information regarding summaries and programs was collected in institutions. The data was submitted to content analysis, organized in tables and statistically tested. The teaching of psychology is carried out drawing on descriptive concepts/phenomena, where topics of the field are more valued to the detriment of theoretical trends; hence practices and methods were less mentioned/emphasized. The results are interpreted as a search to raise psychology course students' awareness of the social problems related to social psychology.

Keywords: teaching; social psychology; formation of psychologists

Introdução

Este trabalho surgiu do interesse em investigar o ensino da disciplina de Psicologia Social nos cursos de Psicologia que, atualmente, se encontra presente em todos os seus currículos. Essa presença é observada já nos primeiros currículos de Psicologia, mesmo naqueles formulados antes da regulamentação da profissão em 1962.

Objetivando retratar a realidade contemporânea, iremos retroceder na história da Psicologia Social, a fim de entendermos como se deu a definição do campo profissional do psicólogo social na realidade brasileira. Esse processo que se iniciou com a chegada de especialistas estrangeiros nas décadas de vinte e trinta para lecionarem os primeiros cursos de Psicologia Social, passou pela determinação da disciplina de Psicologia Social no curso de Psicologia e pelo aumento da inserção de psicólogos em atividades voltadas para o campo social e, finalmente, chegou até o processo de determinação do Conselho Federal de Psicologia, ao conferir à Psicologia Social o título de especialidade da Psicologia.

O ensino da disciplina na América foi iniciado pelo primeiro curso universitário de Psicologia Social ministrado pelo professor F. A. Ross, na Universidade de Stanford, durante a última década do século XIX (Bernard, 1946). Já no Brasil, o ensino da Psicologia Social surgiu dentro do campo da ciência médica e jurídica no final do século XIX, pois os primeiros trabalhos científicos de psicologia foram apresentados nas faculdades de Medicina e de Direito. Do mesmo modo apareceram os primeiros trabalhos de doutoramento que versavam sobre temas da Psicologia Social. É importante salientar que esses pioneiros na exposição geral da Psicologia Social no país são médicos: Raul Briquet (1887-1953) e Arthur Ramos (1903-1949). Entretanto, a disciplina foi realmente impulsionada a partir das reformas do ensino, a partir dos ideais escolanovistas, realizadas na década de 20. Essas reformas valorizaram o ensino de Psicologia e de Sociologia, a partir de então inseridos nas escolas brasileiras. A importância da fase inicial do ensino da Psicologia Social foi destacada por Bomfim (2004), ao defender que os primeiros cursos de Psicologia Social "estiveram estreitamente vinculados à construção do pensamento em Psicologia Social no Brasil" (p. 36). Não obstante a importância dessa fase, foi somente na década seguinte que surgiram os primeiros cursos no campo da Psicologia Social no Brasil; o primeiro foi ministrado na "Escola Livre de Sociologia e Política", em São Paulo, por Raul Briquet (1933-1934). Seu curso de Psicologia Social para o nível superior, sucedido pela publicação da obra Psicologia Social, de 1935, o colocaram numa posição de destaque na história do ensino da Psicologia Social. Nessa fase destaca-se a influência dos professores Etienne Souriau, André Ombredaner, Jean Maugüé, Paul Arbousse-Bastide e Claude Lévi-Strauss, além de Donald Pierson, Roger Bastide e Otto Klineberg. A década de trinta é considerada por Bonfim (2003) como o período em que "A Psicologia Social galgava, aos poucos, o status de uma disciplina científica, passando a ser ensinada no ensino superior." (p. 57). Porém, pode-se notar desde essa época inicial a tendência de oscilação entre as disciplinas de Psicologia e Sociologia, movimento que marcará a história da Psicologia Social até o presente, sendo fonte de criatividade bem como de certo impasse e bloqueio, conforme desenvolveremos subsequentemente (Doise, 1976, 1982; Howitt et al., 1989; Ibáñez, 1993; Montero, 1994; Moscovici, 1970, 1989; Paez, Valencia, Morales, Sarabia, & Ursua, 1992).

Durante a década de cinquenta foram desenvolvidas as primeiras teses de doutorado em Psicologia Social, sob a orientação de Annita Cabral. Nessa fase também se destacaram as relevantes contribuições de Pierre Weil, Aniela Ginsberg, Nilton Campos e Eliezer Schneider. Essa fase foi marcada também pela tradução de manuais que determinaram os rumos do ensino de Psicologia Social.

A partir da criação dos primeiros cursos de Psicologia no Brasil, houve uma aproximação da Psicologia e da Psicologia Social. Inicialmente lecionada para estudantes de ciências jurídicas e econômicas e médicas, a Psicologia Social na década de cinquenta estreitou sua relação com a Psicologia ao ser inserida como disciplina básica desde os primeiros currículos propostos para o curso de Psicologia.

Em consequência, a produção passou a se concentrar nos cursos de Psicologia, reunindo o material até então disseminado nos ensaios, nas sistematizações dos cursos ministrados em Escolas de Sociologia, de Filosofia ou de Ciências Econômicas e políticas e nas associações científicas.

Bomfim (2003) destacou o papel da obrigatoriedade da disciplina Psicologia Social nos cursos de Psicologia na delimitação de espaço institucional privilegiado para o campo psicossocial. Essa aproximação alterou a característica do corpo docente da área, antes formado por profissionais das áreas de Ciências Sociais e Políticas, e a Psicologia Social passou a ser lecionada, com o passar do tempo, por psicólogos. Assim, a Psicologia Social se inseriu oficialmente no campo da psicologia, tornando-se um ramo teórico e de investigação da segunda. O estabelecimento de campos mais delimitados e o aumento do número de psicólogos dedicados ao ensino superior afastaram profissionais de outros campos da ciência social.

A partir de 1962, os cursos passaram a ser regidos pelas novas normas estabelecidas, levando os cursos de psicologia no país a investirem na contratação e no aperfeiçoamento de professores de Psicologia Social. Essa fase inicial da disciplina foi retratada por Kruger (1986), que salientou as afinidades da produção desse período com a Psicologia Social desenvolvida por autores norte-americanos. Essa tendência foi notada por Ozella (1991), ao relatar o início de sua atividade docente no campo da Psicologia Social, ocorrido no início da década de setenta, quando, segundo o autor, os manuais traduzidos na década de cinquenta permaneciam fundamentando seu ensino. O autor acrescenta que o conceitual básico oferecido contava com os temas: Percepção Social, Motivação Social, Comunicação Social, Atitudes e Mudança de Atitudes, Crenças e Valores, Preconceitos e Estereótipos, Papéis Sociais e Socialização.

Nesse sentido, Sá (2007) analisou o quadro bibliográfico da disciplina no início da década de setenta, ressaltando as traduções brasileiras de livros como os de D. Krech, R. Crutchfield e E. Ballachey (1969), Solomon Asch (1971) e Fritz Heider (1970), além de textos de metodologia, como o de Leon Festinger e Daniel Katz (1974), e livros de caráter monográfico, como o de Daryl Bem (1973). Para Sá, as obras de autores europeus, como Jean Stoetzel (1976), Jean Maisonneuve (1977) e Serge Moscovici (1978) também tinham um lugar na formação.

A crise na Psicologia Social ocorrida no hemisfério norte a partir da década de sessenta refletiu-se na Psicologia recém-desenvolvida. Para Sá (2007), a "crise da psicologia social" dos anos 70, nos Estados Unidos, produziu também repercussões transformadoras no Brasil. Tal como apontou Lima (2008), os principais movimentos de contraposição à psicologia social cognitiva nessa época foram: a perspectiva de Silvia Lane e o setor de psicologia social da UFMG, que reunia as reflexões, experiências e a busca de novos interlocutores, como Lapassade e Lourau. O autor aponta a análise institucional, a psicologia social comunitária e a teoria das representações sociais como caminhos que a psicologia social pôde tomar após o período de crise. Tratava-se também de formular teorias que permitissem uma articulação entre dimensões cognitivas, afetivas e comportamentais e aquelas de natureza mais sociológica, antropológica, política, entre outras (Doise, 1976, 1982). Entretanto, essas teorias foram absorvidas pelo currículo lentamente.

Algumas dificuldades foram sentidas no ensino da Psicologia nas décadas de setenta e oitenta no que tange à orientação dos grupos de professores da disciplina. Esse quadro envolveu principalmente os professores de Psicologia Social com orientação política de esquerda. Tem-se como exemplo o fato de que, na época da ditadura militar, quando o currículo do curso de Psicologia estava sendo estruturado, a disciplina "Psicologia Comunitária" estava presente; contudo, naquela época, seus objetivos foram manipulados pelo governo, que pretendia, com isso, o desenvolvimento de técnicas que possibilitassem a manipulação de massas.

Desde a década de oitenta a disciplina Psicologia Comunitária tem sido reivindicada, tendo em vista seu crescimento expressivo nos anos oitenta, sinalizando um novo compromisso com segmentos sociais excluídos. Tal iniciativa aumentou a capacidade do profissional de transitar por diferentes locais de trabalho.

Atualmente, a área de psicologia social vive uma situação de dúvida e ampliação de busca de recortes de objeto a considerar, de formulações teóricas a serem feitas, de métodos de trabalho e modos de inserção profissional. Assim, da crise de relevância ao fim do regime militar, houve uma retomada de contribuições vindas das ciências sociais para a Psicologia Social, até então consideradas suspeitas ou desconsideradas. Com a ampliação da democracia política no país, cresceu o reconhecimento acadêmico em relação aos potenciais dos fatores psicossociais e psicossociológicos para a compreensão humana. Mas os grupos de pesquisa e ensino de Psicologia Social ainda estão numa fase de consolidação de suas atividades, com poucas revistas especializadas no país e uma influência fora do ambiente acadêmico menor do que se poderia esperar. Nesse sentido, é necessário lembrar que cresceu muito mais a demanda de estudantes de Psicologia por uma formação profissional clínica e de saúde do que por aquela voltada para os problemas sociais em geral, que ainda se restringe à atividade acadêmica. Aparentemente, as buscas de articulações e interdisciplinaridades feitas até a atualidade não foram suficientes para ampliar a influência da Psicologia Social na sociedade. Esse fato implica certa dificuldade entre os professores da área de Psicologia Social, que não contam com o envolvimento e interesse suficientes dos estudantes.

Método

Essa pesquisa descritiva objetivou levantar dados sobre o ensino da Psicologia Social nos cursos de Psicologia brasileiros através de um questionário aplicado em uma amostra de 51 professores das disciplinas Psicologia Social, pertencentes a universidades das diversas regiões brasileiras, seguindo os procedimentos éticos na pesquisa.

Também coletou material de ementas, de programas e da bibliografia utilizada pelos professores. As ementas, os programas e os questionários aplicados nos professores de Psicologia Social do curso de Psicologia foram solicitados via e-mail e por carta a todas as universidades que possuem o curso de Psicologia no país.

A amostra foi formada por professores de instituições públicas e privadas localizadas em vários estados do país, distribuída do seguinte modo: região Norte: 2 professores (PA 1, AM 1), região Nordeste: 7 professores (PE 2, CE 2, RN 2, BA 1), região Centro-Oeste: 5 professores (DF 3, GO 2), Região Sudeste: 21 professores (SP 9, RJ 4, MG 8), região Sul: 16 professores (RS 10, PR 3, SC 3), totalizando, assim, cinquenta e um participantes. A amostra se formou com 16 professores de instituições públicas e 35 de instituições privadas. Os professores responderam a questões sobre a psicologia social, enviando um total de setenta e um programas, pois alguns professores lecionam duas ou mais disciplinas de psicologia social. O material foi dividido em 19 programas de Psicologia Social, 21 de Psicologia Social I, 22 de Psicologia Social II e 9 de Psicologia Social III. A amostra se formou com 14 professores do sexo masculino e 37 do sexo feminino.

Procedimento de coleta e análise de dados

As respostas dos participantes e os materiais coletados pelas cartas e e-mails e consulta aos sites foram submetidos à análise de conteúdo temática, segundo os princípios de Bardin (2000), dos quais foram categorizadas as unidades temáticas de significados. Os resultados foram organizados em tabelas nas quais constam as frequências e as porcentagens, acompanhadas do nível de significância no teste qui-quadrado.

Como premissas da Psicologia Social entendem-se suas definições gerais, seus objetos, suas histórias, suas relações com outras ciências, pressupostos paradigmáticos e epistemológicos, entre outros aspectos, como os valores. As correntes teóricas se referem às correntes conceituais/abordagens da psicologia social que foram mais especificadas, dentre elas a psicologia social crítica, psicologia sócio-histórica, teorias cognitivas, construcionismo social, psicossociologia, a teoria de Lewin. Em relação aos conceitos descritivos/fenômenos se encontram percepção social, atitudes, cognição social, crenças, ideologia, consciência, alienação, atividade, os processos grupais, as representações sociais. Na categoria métodos trata-se dos aspectos da pesquisa e intervenção em psicologia social, e na categoria aplicações entram as práticas e atuações da psicologia social.

Resultados

As disciplinas foram divididas entre o modelo desmembrado - quando eram apresentadas como duas ou três disciplinas, como por exemplo: "Psicologia Social I", "Psicologia Social II", "Psicologia Social III" - e o modelo em bloco - quando havia apenas uma disciplina "Psicologia Social" oferecida por um ano. Esse recorte foi definido a partir do levantamento das disciplinas da área de Psicologia Social, realizado nos currículos dos cursos de Psicologia brasileiros. Nessa análise emergiu de forma clara o diferencial dos dois modelos de organização das disciplinas, sendo ambos representativos da organização do ensino dessa área.

As 87 ementas das disciplinas Psicologia Social coletadas encontravam-se distribuídas em: 15 de Psicologia Social, 35 de Psicologia Social I, 27 de Psicologia Social II e 10 de Psicologia Social III. Apesar dessa peculiaridade do ensino de psicologia social no país, consideramos as ementas separadamente, sem levar em consideração o fato de que no currículo poderiam ser parte da formação oferecida pela instituição.

A análise do material indicou que as ementas das disciplinas da área da Psicologia Social valorizam os conceitos descritivos/fenômenos. Dentre os elementos presentes nessa categoria, pôde-se observar o destaque do estudo do fenômeno das representações sociais, da identidade, das atitudes e do processo grupal.

Programas

Esse material se refere aos programas das disciplinas que constam nos sites e no material enviado pela universidade, e se diferencia do material dos questionários, pois o último foi enviado diretamente pelos professores. É necessário dizer que as universidades investigadas nessa coleta são distintas daquelas cujos professores enviaram diretamente seu material. A amostra foi formada por 39 programas das disciplinas de Psicologia Social lecionadas nos cursos de Psicologia no Brasil.

Os programas das disciplinas da área de Psicologia Social analisados indicaram que os conceitos descritivos/fenômenos se destacaram. Dentre os elementos presentes nessa categoria, pôde-se observar o destaque do estudo da identidade social, da influência social, das representações sociais, da percepção social e das atitudes.

Entrevistas

A amostra foi formada por professores de instituições públicas e privadas localizadas em vários estados do país, totalizando 51 participantes. A amostra se formou com 16 professores de instituições públicas e 35 de instituições privadas. Os professores responderam a questões sobre a Psicologia Social, enviando um total de 71 programas, pois alguns professores lecionam duas ou mais disciplinas de Psicologia Social. O material foi dividido em 19 programas de Psicologia Social, 21 de Psicologia Social I, 22 de Psicologia Social II e nove de Psicologia Social III.

As respostas dos professores também seguiram a tendência observada nas análises apresentadas anteriormente, ou seja, um destaque dos conceitos descritivos/fenômenos. Os principais elementos que apareceram nessa categoria foram: identidade, ideologia, o processo grupal, as representações sociais, a relação indivíduo/sociedade.

Análise da bibliografia indicada pelos programas e pelos questionários

Esse levantamento foi realizado a partir do material indicado pelos professores em suas respostas aos questionários e pela consulta aos programas das disciplinas.

A bibliografia levantada demonstra as principais tendências do fundamento teórico utilizado pelos professores das disciplinas da área. Os resultados das respostas dos professores e do programas levantados convergem e apontam uma fundamentação bibliográfica respaldada pela psicologia sócio-histórica, seguida por socioconstrutivista e sociocognitiva, ainda que tenha havido certa discrepância desta última fundamentação entre os programas e os questionários. Enfim, observamos certa associação entre a fundamentação sócio-histórica e o uso de itens que surgiram na categoria conceitos descritivos/fenômenos citados pelos entrevistados. Dentre os temas dessa perspectiva, destacaram-se: o advento da Psicologia Social Crítica, alienação, consciência, ideologia.

Discussão

O levantamento das disciplinas Psicologia Social, cujo objetivo foi apresentar um quadro dessa área acadêmica (suas teorias e práticas), mostrou que, dentro da perspectiva generalista atual do curso de Psicologia, elas estão posicionadas em todos os cursos no ciclo básico. A disciplina, geralmente oferecida no limite máximo do sexto período, se encontra distanciada do momento em que o aluno procura se inserir no mercado.

As reflexões a respeito do levantamento do modo de organização do ensino da Psicologia Social, cujo objetivo foi entender a organização teórica e prática do ensino da área, serão apresentadas a partir do material coletado por ementas, programas e entrevista. Os dados indicaram que houve regularidades entre os materiais obtidos.

As correntes teóricas se distribuíram de forma equilibrada nas ementas, mas, quando são avaliados os materiais dos programas e das entrevistas, observa-se a tentativa dos professores em lidar com a diversidade teórica da Psicologia, observada pelo grande espectro de teorias que surgiram nas respostas.

Os conceitos descritivos/fenômenos se distribuíram de forma equivalente na maior parte do material coletado. Essa foi a categoria que obteve as maiores frequências em todos os materiais avaliados, indicando que o ensino da disciplina Psicologia Social se organiza a partir de tópicos da área.

Os conceitos descritivos/fenômenos da área apresentados nas disciplinas na maioria analisam a influência dos estímulos sociais no indivíduo, assim como as diferentes categorias de indivíduos se comportam quando eles são confrontados com um problema ou com outra pessoa e os fenômenos globais que resultam da interdependência de diversos sujeitos em sua relação com um ambiente comum, físico ou social. Já os métodos apresentaram baixa frequência, quando comparados às outras categorias, em todas as análises.

A discussão do material analisado separadamente por ementas, programas e entrevistas será apresentada a seguir, com o objetivo de ressaltar as semelhanças e as diferenças entre os dados.

As ementas das disciplinas Psicologia Social representam o aspecto mais institucional, uma vez que foram formuladas com base no padrão do currículo indicado pelos órgãos de gestão da educação superior e distribuídas por todas as instituições de ensino superior no país.

A análise do material coletado pelas ementas das disciplinas da Psicologia Social mostrou uma variação grande quanto aos aspectos investigados, indicando que muitas perspectivas da Psicologia Social se encontraram contempladas nos diversos cursos investigados.

As correntes teóricas convergiram nas disciplinas investigadas, apontando uma concentração em algumas perspectivas. Dentre as teorias do campo da Psicologia Social destacaram-se: a psicologia social crítica, a psicologia sócio-histórica e a psicologia social cognitiva. Essa constatação pode ser ratificada pela distribuição dos conceitos descritivos/fenômenos nas áreas da psicologia social cognitiva, na psicologia social materialista-dialética e na psicologia social sócio-histórica.

Os métodos e as práticas tiveram baixa representatividade quando comparados a outras categorias. Os baixos índices de métodos e das práticas podem indicar que os aspectos de aplicação da Psicologia Social não são valorizados na determinação do conteúdo das disciplinas. Entretanto, dentre as práticas citadas, destacaram-se aquelas relacionadas à intervenção do campo da psicologia social comunitária.

Os programas representam um misto entre a disciplina, definida pelas instituições a partir das ementas, e o aspecto particular do professor.

Essa reflexão sobre o material decorre do fato de esse, em grande parte, ter sido enviado pelas instituições e retirado do material disponível nos sites das instituições.

Diante da grande diversidade observada nos materiais, ficou claro que o desafio da disciplina Psicologia Social é acolher as diferenças presentes na área e apresentar ao estudante de psicologia um panorama amplo dessa perspectiva.

Essa disciplina representa uma valorização das temáticas trabalhadas pelos próprios professores; ela é mais personalizada, principalmente, pelo fato de ser oferecida em poucos cursos, uma vez que a maior tendência foi a da Psicologia Social ser apresentada em duas disciplinas.

As entrevistas com os professores significaram a oportunidade de estar mais próximo às práticas didáticas cotidianas dos professores no campo da Psicologia Social. Esse contato proporcionou um mapeamento da área, que permitiu a comparação dos itens analisados nas ementas e programas.

A disciplina Psicologia Social I apresentou grande variedade de premissas, confirmando seu perfil introdutório e sua variedade.

O levantamento das correntes teóricas nas entrevistas pode explicitar as abordagens da Psicologia Social que estão presentes em suas aulas. Essa análise mostrou que há uma tendência dos professores para enfatizarem: a psicologia social crítica, a psicologia social sócio-histórica, a teoria das representações sociais e as teorias cognitivas. Essa tendência se confirmou quanto aos conceitos descritivos/fenômenos mencionados em maior frequência pelos professores que os relacionam às teorias da psicologia social cognitiva, materialismo dialético, processos grupais e representações sociais.

Nesse levantamento pôde-se observar a tendência geral dos professores de apresentarem a disciplina a partir dos conceitos descritivos/fenômenos da Psicologia Social. Em contrapartida, as aplicações apresentaram baixa representatividade nas disciplinas, o que pode estar indicando que a perspectiva pragmática não é valorizada em detrimento do aspecto mais teórico. Apesar da baixa frequência entre os métodos, houve convergência dos elementos apresentados. Essa tendência confirma aquelas apresentadas pelas ementas e pelos programas.

As aplicações preconizadas pelos professores de Psicologia Social estão relacionadas à intervenção nos problemas da comunidade/intervenção social, à pesquisa, à ideia de que a Psicologia Social aplica-se a qualquer contexto.

Essa investigação buscou responder à questão: "O que é social em Psicologia Social?". Essa análise foi realizada a partir da explicitação das tendências encontradas nas premissas e nas correntes teóricas. Dentre as premissas, pôde-se observar a tendência de valorizar o aspecto histórico da área nas ementas, programas e nas entrevistas, ao levantar as origens através dos principais eventos que permitiram a emergência da Psicologia Social como uma ciência.

A análise das correntes teóricas indicou que as perspectivas sócio-históricas, as teorias sociocognitivas, a psicologia social-crítica foram aquelas que mais se destacaram dentre as citadas em programas e entrevistas. Essas tendências de variação nas perspectivas teóricas adotadas pelos professores foram confirmadas pela análise da bibliografia das disciplinas.

A análise da bibliografia das disciplinas Psicologia Social coletada nas entrevistas e nos programas (847 livros) apresenta uma perspectiva confirmatória da diversidade do campo.

O material levantado indicou a presença de 61,39% de publicações brasileiras e 38,61% de publicações estrangeiras. Destas últimas - a maior parte traduzida - fazem parte, principalmente, os manuais clássicos de Psicologia Social que estiveram presentes nas bibliografias dos programas e das entrevistas. Esse levantamento constatou que a maioria do material se constituiu de obras nacionais. A alta representatividade dessa categoria pode estar relacionada ao crescimento das publicações da Psicologia Social de autores brasileiros nos últimos anos, porém a circulação de informações e a propagação do conhecimento da área ainda encontram certa dificuldade na sua produção. Outra constatação foi a tendência majoritária desse ensino ocorrer através de livros, sendo esses a principal fonte de informação das disciplinas. Um fato que deve ser levado em consideração é a baixa frequência (inferior a 5%) de artigos de revistas científicas. A partir dos dados, pôde-se inferir que, na configuração atual do ensino da Psicologia Social, os livros são as maiores fontes de informação da área.

A análise permitiu a identificação das tendências majoritárias presentes na bibliografia proposta pelos programas e pelas entrevistas. Dentre as tendências, destaca-se a abordagem sócio-histórica, seguida pela abordagem socioconstrucionista e pela abordagem sociocognitiva. Esses dados confirmam as tendências explicitadas pelas premissas, correntes teóricas e pelos conceitos descritivos/fenômenos.

A emergência da perspectiva social crítica não havia sido prevista pela investigação. De fato existem tendências, mas esse resultado não confirmou a premissa de que os temas pertinentes aos modelos da psicologia social cognitiva e da psicologia social socioconstrutivista seriam os mais relevantes. A perspectiva da psicologia social crítica ou psicologia social materialista-dialética se mostrou como a principal tendência entre programas e entrevistas. A psicologia social crítica, nessa investigação, foi dissociada da psicologia social sócio-histórica. Essa distinção ficou clara em todo o material, mas principalmente nas entrevistas dos professores.

A análise do conjunto dos dados relativos ao ensino da Psicologia Social indicou que a ênfase da disciplina é menor nas teorias, métodos e práticas/aplicações e maior nas premissas e conceitos descritivos/fenômenos. Como as premissas se caracterizaram como os aspectos introdutórios das disciplinas e os conceitos descritivos/fenômenos se caracterizaram como o modo de apresentação da maior parte dos conteúdos, podemos afirmar que a disciplina, tal como vem sendo ensinada, tem tido um caráter mais de "sensibilização" dos estudantes para tópicos e problemas sociais enfrentados pela Psicologia Social, mais do que assumir o ensino de um conjunto de teorias e métodos existentes. Nesse sentido, observamos que as teorias mencionadas surgiram associadas aos conceitos descritivos/conceitos, porém com menor ênfase.

Considerações finais

A formação de novos profissionais no campo da Psicologia é um tema aberto a novas considerações, posto que é uma construção coletiva que ocorre no cotidiano das aulas dos diversos cursos de Psicologia em nosso país. É salutar que a formação gere outros questionamentos; assim poderemos conseguir avançar na direção de um modelo que amplie as perspectivas da sociedade frente às possibilidades de aplicação do saber psicológico, e isso depende da ampliação da perspectiva daqueles que ingressam e que concluem os cursos nas diferentes universidades.

Especificamente, quanto ao ensino da Psicologia Social, essa investigação mostrou que a organização teórica e prática dessas disciplinas que o fundamentam estão presentes em todos os cursos brasileiros. Através da análise das ementas, programas, bibliografias e questionários verificou-se que as disciplinas se voltam para os conceitos descritivos/fenômenos e, em menor proporção, para as aplicações e métodos de pesquisa da área. Em contrapartida, o ensino da Psicologia Social voltado para uma prática deveria investir nas aplicações e na pesquisa.

Na investigação, os objetivos foram aprofundar nossos conhecimentos sobre as práticas docentes na área da Psicologia Social e observar um panorama sobre o ensino da Psicologia Social atualmente. Nesse momento em que o psicólogo tem se inserido em equipes profissionais onde é convidado, a todo o momento, a contribuir com suas posições técnicas em atuações coletivas e quando as práticas grupais são priorizadas, a partir de um modelo de atendimento e intervenção coletivo, a perspectiva da Psicologia Social tem um papel importante na construção das práticas profissionais desse psicólogo, assim como na construção de suas perspectivas teóricas.

Na medida em que os psicólogos reconhecerem essas práticas como legítimas de sua profissão, ou seja, como sendo pertencentes à sua área, sua perspectiva pode se ampliar e fazer com que isso aumente a qualidade de sua atuação. Os novos saberes levarão a novos fazeres, nos quais uma perspectiva mais aberta às novas demandas poderá estar presente. Assim, cabe um questionamento quanto à não-inclusão de questões relacionadas ao indivíduo em Psicologia Social, que não se reduzem aos aspectos cognitivos gerais.

O campo da Psicologia Social, em sua pluralidade, pode indicar caminhos. Essa área de saber pode ocupar um papel na integração em um novo espaço que a Psicologia venha a ocupar na sociedade.

Recebido em: 19/08/2008

Revisão em: 13/11/2008

Aceite final em: 16/04/2009

Ligia Claudia Gomes de Souza é Doutora em Psicologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro – UFRJ. Professora das Faculdades Integradas Maria Thereza e da Universidade Salgado de Oliveira. Endereço para correspondência: Av. Dom Hélder Câmara, 9290 apt. 401 Bloco 1 Piedade Rio de Janeiro RJ. Email: claudiapsisocial@gmail.com

Edson Alves de Souza Filho é Doutor em Psicologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, Paris. Professor da UFRJ. Endereço para correspondências: UFRJ - Instituto de Psicologia. Av. Pasteur, 250, Campus da Praia Vermelha, Cep: 22.290-240. Email: edsouzafilho@gmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    07 Maio 2010
  • Data do Fascículo
    Dez 2009

Histórico

  • Recebido
    19 Ago 2008
  • Revisado
    13 Nov 2008
  • Aceito
    16 Abr 2009
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