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Análise de repertórios discursivos sobre profissões e o sexo: um estudo empírico na cidade de João Pessoa

Analysis of discursives repertories about professions and gender: an empirical study in João Pessoa

Resumos

O presente estudo buscou observar as representações elaboradas socialmente sobre o sexo como determinante do exercício das atividades profissionais. Foram entrevistadas 221 pessoas da cidade de João Pessoa (sendo 133 mulheres - 60,2%), entre 17 e 79 anos (M=2,3; DP=1,25), com escolaridade de nível superior. Por meio de uma entrevista semi-estruturada, os participantes citaram profissões/atividades consideradas adequadas a cada sexo, e se posicionaram diante de questões como características das profissões apropriadas para os homens e para as mulheres e o sexo como determinante para as escolhas profissionais. Observou-se que foram citadas aproximadamente 80 profissões caracterizadas como femininas e 130 como masculinas. A análise dos repertórios discursivos, realizada por meio do ALCESTE, apresentou em sua maioria uma caracterização diferenciada das atividades vistas como masculinas e femininas. Os resultados demonstraram a existência de uma segmentação entre os perfis profissionais de homens e mulheres para o campo de trabalho.

profissões; representações; sexo; papéis sociais


The present study aimed to observe the representations socially elaborated on gender as a determinant in professional activities. Two hundred and twenty-one (221) undergraduate and graduated people from the city of João Pessoa , with ages ranging from 17 to 79 years old (M=2.3; SD=1.25), were interviewed. Among them, one hundred and thirty-three (133 or 60.2%) were women. Through a semi-structured interview, the participants mentioned professions or activities, which are considered adequate to each sex. They had the possibility to opine on aspects like the characteristics of professions appropriated for men and women distinctively, and how the sex played an important role to determine the professional choices. It was observed that the participants mentioned approximately 80 professions characterized as being feminine, and 130 characterized as being masculine. The analysis of the discursive repertoires, made through the ALCESTE software, reports different characterizations of activities seen as being masculine, and those seen as being feminine ones. The results demonstrate the existence of segmentation between the professional profiles of men and women for the work field.

professions; representations; gender/sex; social roles


Análise de repertórios discursivos sobre profissões e o sexo: um estudo empírico na cidade de João Pessoa* * O presente estudo compreende parte da tese de doutorado da primeira autora, sob orientação do terceiro autor; conta com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Os autores agradecem a essa instituição.

Analysis of discursives repertories about professions and gender: an empirical study in João Pessoa

Raquel Pereira BeloI; Tâmara Ramalho de SouzaII; Leoncio CaminoII

IUniversidade Federal do Piauí, Parnaíba, Brasil

IIUniversidade Federal da Paraíba, João Pessoa, Brasil

RESUMO

O presente estudo buscou observar as representações elaboradas socialmente sobre o sexo como determinante do exercício das atividades profissionais. Foram entrevistadas 221 pessoas da cidade de João Pessoa (sendo 133 mulheres - 60,2%), entre 17 e 79 anos (M=2,3; DP=1,25), com escolaridade de nível superior. Por meio de uma entrevista semi-estruturada, os participantes citaram profissões/atividades consideradas adequadas a cada sexo, e se posicionaram diante de questões como características das profissões apropriadas para os homens e para as mulheres e o sexo como determinante para as escolhas profissionais. Observou-se que foram citadas aproximadamente 80 profissões caracterizadas como femininas e 130 como masculinas. A análise dos repertórios discursivos, realizada por meio do ALCESTE, apresentou em sua maioria uma caracterização diferenciada das atividades vistas como masculinas e femininas. Os resultados demonstraram a existência de uma segmentação entre os perfis profissionais de homens e mulheres para o campo de trabalho.

Palavras-chave: profissões; representações; sexo; papéis sociais.

ABSTRACT

The present study aimed to observe the representations socially elaborated on gender as a determinant in professional activities. Two hundred and twenty-one (221) undergraduate and graduated people from the city of João Pessoa , with ages ranging from 17 to 79 years old (M=2.3; SD=1.25), were interviewed. Among them, one hundred and thirty-three (133 or 60.2%) were women. Through a semi-structured interview, the participants mentioned professions or activities, which are considered adequate to each sex. They had the possibility to opine on aspects like the characteristics of professions appropriated for men and women distinctively, and how the sex played an important role to determine the professional choices. It was observed that the participants mentioned approximately 80 professions characterized as being feminine, and 130 characterized as being masculine. The analysis of the discursive repertoires, made through the ALCESTE software, reports different characterizations of activities seen as being masculine, and those seen as being feminine ones. The results demonstrate the existence of segmentation between the professional profiles of men and women for the work field.

Keywords: professions; representations; gender/sex; social roles.

Introdução

O patriarcalismo é uma das estruturas sobre as quais se assentam as sociedades contemporâneas e demonstra, na maioria delas, a capacidade de influenciar a dinâmica social (Castells, 2000). Tal construção possui um dinamismo tão articulado e constante que acaba parecendo aos indivíduos algo universal e natural. Entretanto, partindo-se de uma visão sociológica, observa-se que toda essa construção é o resultado de um sistema de significação que pode ser chamado de "cultura ocidental moderna", e suas consequências aparecem, de forma visível, nas questões relativas ao sexo (Heilborn, 1999).

Nos últimos anos, entretanto, algumas dessas culturas têm se tornado mais consciente da multiplicidade Belo, R. P., Souza. T. R. e Camino, L. "Análise de repertórios discursivos sobre profissões e o sexo: um estudo empírico na cidade de João Pessoa" de papéis sociais nelas existentes. Apesar das mudanças, existem interpretações resistentes ao tempo. Uma delas é a caracterização dos papéis destinados a ambos os sexos, resultado de um sistema de significados capaz de moldar a percepção dos indivíduos para aceitarem os fenômenos que ocorrem à sua volta. Em muitas dessas chamadas "culturas ocidentais modernas", por exemplo, as pessoas aprendem desde cedo concepções como a de que as meninas são dóceis, enquanto os meninos devem ser assertivos. Daí, são reforçadas as diferenças sob a forma de estereótipos sexistas relativos aos mais diversos aspectos (Heilborn, 1999); o trabalho é um deles.

Concebido por alguns autores como fonte de realização pessoal, elemento de apropriação da autonomia e central na constituição identitária dos indivíduos, o trabalho foi ao longo da história se formalizando em diferentes tipos de trabalho. Essa formalização fez com que o trabalho produtivo passasse a ser visto como masculino e o trabalho doméstico como feminino, já que o cuidar é concebido como uma ação natural da mulher (Araújo & Scalon, 2005).

Historicamente, observa-se que, em função da consolidação do capitalismo no século XIX, inúmeras mudanças ocorreram em prol da organização do trabalho. Nas primeiras décadas do século XX, as mulheres que trabalhavam na produção fabril tinham uma jornada de trabalho que variava de 10 a 14 horas, exercendo as tarefas que, do ponto de vista das relações de trabalho, estavam sempre subordinadas a um chefe masculino (Picanço, 2005). Além disso, sem a proteção da lei contra as péssimas condições de trabalho, essas mulheres tinham as piores remunerações, e a grande maioria delas sofria assédio sexual por estarem associadas às imagens de perdição moral, de degradação e de prostituição (Rago, 1997).

Portanto, a inserção das mulheres no mercado de trabalho, que teve início no século XIX e alcançou seu estabelecimento no século XX, apenas em 1932 conquistou a igualdade de salário e a proibição dos trabalhos arriscados determinados pela legislação (Stein, 2000). Posteriormente, nos anos 80 e 90, quando o quadro econômico passa por uma estagnação com elevadas taxas de inflação e gera uma queda na taxa dos empregos formais (Galeazzi, 2001), os efeitos recaem principalmente na mão de obra feminina; mesmo assim, as taxas de participação feminina seguiram aumentando (Pochmann, 1999).

Hoje em dia, quando a mulher vai à busca de trabalho, se depara com uma realidade de salários mais baixos, cargos de menor prestígio (Bruschini & Rosemberg, 1982; Cardoso, 1980) e menores oportunidades de desenvolvimento e ascensão ocupacional (Galeazzi, 2001), visto que existe ainda um quadro bastante variado de estereótipos que caracterizam as mulheres como menos capacitadas, ocasionando, por exemplo, padronizações referentes aos tipos de profissões consideradas masculinas e femininas.

Embora tal discriminação seja economicamente real, na maioria das vezes não se admite publicamente que ela exista: fala-se disso como um fato ultrapassado, não se admite ou não se percebe que as situações discriminatórias contra as mulheres ainda moldam as ações dos indivíduos. Portanto, pode-se dizer que essa discriminação se apresenta de maneira sutil, pouco reconhecível à primeira vista e geralmente acompanhada de um discurso justificador.

No presente trabalho, buscando-se compreender os elementos constituintes dessa dinâmica, as construções teóricas a respeito do preconceito serão tidas como caminho de elaboração, já que o preconceito implica uma relação social que se constrói a partir do modo como o indivíduo se relaciona com um outro diferente, negando ou desvalorizando a identidade desse outro e supervalorizando sua própria identidade. Além disso, as representações não são apenas fotografias exatas da realidade, mas construções mentais organizadas a partir de um conjunto de crenças, expectativas e valores anteriormente aprendidos (Camino & Pereira, 2000; Ismael, Maciel, & Camino, 1996). A partir do conhecimento desse pressuposto teórico, o presente estudo pretende investigar as concepções construídas socialmente a respeito dos papéis masculinos e femininos no contexto de trabalho, estudando tal problemática a partir de sua realidade social e concebendo os indivíduos como personagens ativos que constroem e compartilham suas próprias representações.

Natureza da Discriminação, do Preconceito e dos Estereótipos

Segundo Gordon Allport (1954), o primeiro a traçar as principais perspectivas de análise, o preconceito consiste em uma antipatia baseada numa generalização errada e inflexível, que pode ser apenas sentida ou abertamente expressa e que pode ser dirigida a um grupo como um todo ou a um indivíduo por ser membro de tal grupo. O fato de conceber o preconceito como uma espécie de defeito cognitivo, uma generalização falha e inflexível que se expressa através de sentimentos e/ou comportamentos hostis contra um indivíduo (Allport, 1954) ou como uma antipatia sentida como emoção e externalizada no comportamento (Adorno, Frenkel-Brunswik, Levinson, & Sanford, 1950) reflete as principais preocupações da psicologia entre as décadas de 30 e 50: a busca por estruturas universais e a valorização de elementos mais individuais ou psicológicos (Lima, 2002).

Nas décadas de 60 e 70, um dos problemas priorizados pela psicologia social foi o de entender a persistência do racismo em sociedades formalmente democráticas (Duckitt, 1992). Foi nesse contexto que as explicações do preconceito deslocaram-se do eixo das diferenças individuais para o eixo dos fatores relacionados às influências culturais, às relações intergrupais e às normas sociais (Rokeach, 1960). Daí, o preconceito passa a ser definido como atitude negativa com relação a um grupo ou a uma pessoa baseando-se num processo de comparação social em que o grupo do próprio indivíduo é usado como ponto positivo de referência, sendo a discriminação a sua forma de expressão (Jones, 1972).

A partir dos anos 80, as teorias sobre o preconceito acompanharam o desenvolvimento de duas vertentes na Psicologia Social: a Psicologia Social Psicológica e a Psicologia Social Sociológica (Álvaro & Garrido, 2003). As proposições que se desenvolveram na primeira vertente estão ligadas à teoria da Cognição Social e enfatizam os fatores psicológicos intra-individuais, particularmente os aspectos cognitivos conscientes ou automáticos do processo de categorização, e que produzem automaticamente a acentuação da similaridade no interior dos grupos e a diferenciação entre os grupos. Nessa dinâmica, é focalizado o processo de favorecimento ao seu próprio grupo e de diminuição do grupo oposto (Tajfel, 1981).

Já as teorias constituintes da vertente da Psicologia Social Sociológica situam o preconceito nos processos sociais de exclusão e inclusão social e procuram explicar as formas concretas de discriminação, a partir de conflitos sociais e embates ideológicos que se desenvolvem em torno dos conflitos (Billig, 1991). Trabalhando nessa perspectiva, Camino e colaboradores (Camino & Ismael, 2004; Camino & Pereira, 2000; Camino, Silva, & Machado, 2004; Camino, Silva, Machado, & Pereira, 2001) focalizam as novas formas de expressão do preconceito, partindo da visão de que esse é uma construção social, fruto das interações e contingências situacionais.

Dessa maneira, é pontuada a passagem da discriminação manifesta - que supõe a crença na inferioridade do grupo discriminado, com as relações pautadas visivelmente nas diferenças de poder - para as novas formas mais sutis de discriminação em decorrência do conjunto de restrições institucionais que se desenvolveram a partir da 2º Guerra Mundial. Disso, passam a se expandir comumente expressões disfarçadas de discriminação que concordam com as práticas institucionais, ao mesmo tempo em que no ambiente íntimo as atitudes preconceituosas continuam conservadas e enraizadas, visto que as novas formas de expressão não refletem uma mudança, mas apenas uma concordância às novas normas.

Diante de observações como essas, o presente estudo buscou observar as concepções preconceituosas construídas socialmente a respeito dos papéis masculinos e femininos no contexto de trabalho. O tema será abordado numa perspectiva ampla, psicossocial, e não mais na perspectiva individual clássica. Além disso, por meio desta investigação, espera-se considerá-lo não como uma tendência psicológica universal, mas como uma forma de consciência social, que se desenvolve em situações históricas concretas.

Método

Objetivo

O interesse principal neste estudo foi analisar discursos e representações utilizadas ao descrever as características profissionais em função do sexo. Nesse sentido, fez-se uso de uma entrevista semi-estruturada que buscou abordar aspectos a respeito das atividades profissionais vistas como mais apropriadas para ambos os sexos.

Amostra

Trabalhou-se com uma amostra não probabilística acidental, composta por respondentes da população geral com nível superior de escolaridade, em curso ou concluído. A delimitação em relação ao nível de escolaridade se deu em função da intenção de saber até que ponto a formação escolar superior dos respondentes poderia aparecer como um fator de desmistificação referente à segmentação sexual das atividades profissionais. Foram entrevistadas 221 pessoas da cidade de João Pessoa, sendo 88 homens (39,8%) e 133 mulheres (60,2%), com idades compreendidas entre 17 e 79 anos (M=2,3; DP=1,25).

Procedimento

As entrevistas foram realizadas através de abordagens em lugares públicos, como ruas, praças e praias. Algumas foram feitas também com alunos da Universidade Federal da Paraíba. Durante a abordagem, era explicado que a pesquisa buscava investigar opiniões em relação a vários assuntos de relevância social a fim de contribuir para a produção científica na área da Psicologia Social, esclarecendo que não existiam respostas certas nem erradas. Caso concordasse, o respondente tinha acesso a um termo de Consentimento livre e Esclarecido no qual ele poderia assinar para oficializar sua participação.

Entrevista

Foi elaborada uma entrevista semi-estruturada com o intuito de conhecer os diversos posicionamentos a respeito das características dos trabalhos vistos como próprios dos homens e das mulheres. De uma forma geral, a entrevista levava os respondentes a se posicionarem diante de elementos como as características das profissões próprias para mulheres e homens; possibilidade de ascensão em profissões vistas como não apropriadas para ambos os sexos. Além disso, os respondentes deveriam listar profissões/atividades consideradas pela sociedade como femininas ou masculinas, e era solicitado em seguida que eles comentassem a sua concepção a respeito dessa percepção social. A entrevista requeria também informações sociodemográficas, como idade, sexo e estado civil.

Resultados

As entrevistas, em função das questões apresentadas, foram analisadas por meio de dois softwares diferentes. A questão em que os respondentes mencionaram as profissões vistas como mais apropriadas para os homens e para as mulheres foi analisada por meio do SPSS versão 15.0, apenas com o objetivo de conhecer a frequência das atividades mais citadas. As questões que demandavam respostas abertas foram analisadas por meio do ALCESTE - Analyse Lexicale par Context d'um Ensemble de Segments de texte. Nessas, os respondentes escreviam suas respostas na própria entrevista e depois todas foram digitadas e armazenadas já nos moldes exigidos pelo próprio software.

Levantamento das Profissões Citadas

Inicialmente, procurou-se analisar as profissões mais citadas pela amostra. Em resposta à questão: "Geralmente se fala que existem algumas profissões mais adequadas para mulheres e outras que seriam mais restritas aos homens. Por favor, liste abaixo aquelas que as pessoas consideram como mais apropriadas para as mulheres e aquelas que consideram como mais apropriadas para os homens", foram encontradas aproximadamente 80 profissões caracterizadas como femininas e 130 como masculinas. Durante as análises, as profissões mencionadas foram agrupadas de acordo com a semelhança e, em seguida, foram calculadas as frequências. Dessa forma, tornou-se possível visualizar as 5 profissões/atividades mais citadas como apropriadas para ambos os sexos, como pode ser visto na tabela 1.

Análise Lexical dos Discursos

Como já comentado anteriormente, a fim de analisar os repertórios produzidos pelos respondentes foi utilizado o ALCESTE , que se trata de um método qualitativo e quantitativo de dados textuais desenvolvido na França por Reinert em 1990 e que permite investigar a distribuição de vocabulário em textos diversos realizando um exame preciso de grande número de dados. tais dados são denominados de Corpus. No caso da presente pesquisa, o Corpus será constituído pelas respostas dadas para as questões apresentadas.

O ALCESTE trabalha com nomenclaturas próprias essenciais à compreensão da análise estatística construída que são as seguintes (Menandro, 2004):

U.C.I. = Unidade de Contexto Inicial - as divisões naturais do texto ou Corpus que se vai analisar; U.C.E. = Unidade de Contexto Elementar - são frases dimensionadas das redações pelo programa: a repartição do Corpus; CLASSE ou categoria - a representação de um tema extraído do texto analisado. Cada classe é representada por várias U.C.E.'s.

No presente estudo, a fim de uma melhor compreensão do material trazido pela amostra, algumas formas de apresentação se fizeram necessárias: (1) o Dendograma, com suas classes e seus eixos sendo apresentados com o percentual do discurso em relação ao conteúdo total de discursos daquele agrupamento; (2) uma tabela composta pelas palavras mais representativas do contexto de cada classe organizadas em ordem decrescente em função do grau de significância do Qui-quadrado.

Todas as respostas foram analisadas em conjunto, resultando em apenas 01 (um) Corpus que ficou constituído por três classes distintas entre si e compostas pela representação contextual de cada grupo de palavras.

As questões foram as seguintes: Para você, existem profissões/atividades que são mais apropriadas para os homens e para as mulheres? Sim ( ) depende ( ) Não ( ). Por quê?; Qual é a ideia que vem à sua mente quando você pensa nas profissões/atividades próprias para as mulheres?; Para você, existe uma natureza própria dos homens e das mulheres, que lhes tornariam aptos a exercer com maior facilidade algumas profissões/atividades ao invés de outras?; Você acha que é possível tanto aos homens como às mulheres ascenderem em profissões que não são vistas como apropriadas para ambos? Por quê?

Na análise lexical, as quatro perguntas da entrevista constituíram o Corpus que resultou em três Classes, o que sugere uma boa concentração dos vocábulos formadores dos discursos. Em relação à frequência, as Classes apresentaram uma representatividade equilibrada dos repertórios analisados: 34% (79 U.C.E.`s) = Classe 3; 33,6% (78 U.C.E.`s) = Classe 1 e 32,3% (75 U.C.E.`s) = Classe 2. Uma melhor visualização pode ser feita observando o Dendograma encontrado na Figura 1. Dessa forma, o Corpus ficou constituído por 221 U.C.I.`s e 470 U.C.E`s, e destas últimas foram aproveitadas 49,36% de seu conteúdo, resultando em 232 U.C.E.`s.


A maior parte das UCE`s da Classe 1 foram produzidas por respondentes que responderam Sim e depende à primeira questão da entrevista, como pode ser observado na tabela 2.

O foco dessa Classe são as justificativas dadas às diferenças existentes entre as profissões apropriadas para os homens e para as mulheres. De forma mais detalhada, observa-se que o verbo exigir refere-se às características necessárias para que as atividades escolhidas por homens e mulheres possam ser exercidas/desempenhadas de forma mais adequada. Os termos força/resistência física, paciência, delicadeza, sensibilidade e organização indicam as características que apenas os homens (força/resistência física) e apenas as mulheres (paciência, delicadeza, sensibilidade e organização) possuem e que os diferenciam no exercício da profissão, levando-os a desenvolver com maior facilidade algumas atividades e outras não. Algumas respostas transcritas de forma literal demonstram isso:

Sujeito - 276: "Profissões que exigem sensibilidade, calma, doçura, habilidade manual e delicadeza são mais femininas. Profissões que exigem força física e resistência física naturalmente favorecem a homens, isto é fisiológico".

Sujeito - 25: "Algumas atividades são desempenhadas melhor por mulheres pelo senso de organização que, geralmente, possuem mais que os homens. Outras são realizadas com mais concentração pelos homens. São mais femininas aquelas que exigem mais organização que força e concentração".

Na terceira Classe do Corpus, as palavras sugerem que nesse grupo a noção guia é uma capacidade semelhante entre homens e mulheres para o exercício das atividades profissionais. Entretanto, tal semelhança será alcançada por meio de uma prática frequente, já que homens e mulheres apresentam diferenças em relação a algumas características necessárias ao exercício de algumas profissões. Para uma melhor observação, ver a tabela 3.

Disso, foi possível observar que a palavra mulher apareceu relacionada à tendência atual desse grupo se inserir no mercado de trabalho nos mais diversos cargos. Nesse sentido, a expressão intelectual aparece como uma característica comum a ambos os sexos, e o termo exercer é mencionado fazendo referência à mesma capacidade que mulheres e homens possuem para se desenvolver no mercado de trabalho. Por outro lado, como um diferenciador entre homens e mulheres, apareceu a expressão público, já que apenas elas terão uma maior facilidade em desenvolver atividades que exigem relacionamento social. Alguns exemplos dos discursos produzidos:

• Sujeito - 86:

Pois tanto as mulheres quanto os homens têm a mesma capacidade, no âmbito intelectual, para desenvolver o mesmo trabalho. Para a mulher vem a ideia de delicadeza e melhor tratamento com o público. Não, a partir do treino e/ou adestramento todos podem exercer com facilidades as atividades estabelecidas.

• Sujeito - 93:

"Eu acho que tem profissões que precisa de certo jeito, ou seja, têm coisas que as mulheres fazem melhor que os homens... Sim, depende da profissão, mas hoje as mulheres estão buscando seu espaço no mercado de trabalho..."

Por fim, a segunda classe do Corpus teve em sua maior parte as repostas produzidas por respondentes que responderam Não à primeira questão da entrevista, como pode ser observado na tabela 4.

O que pode ser pontuado de dominante nas respostas da Classe 2 é que elas expressam uma possibilidade de ascensão tanto de homens e mulheres em qualquer profissão escolhida, já que o sexo não terá interferência no exercício das atividades profissionais. Abaixo estão descritos exemplos dos discursos constituintes da Classe 2 vistos como representativos.

• Sujeito - 03:

"Acredito que a ascensão depende muito mais da capacidade individual de exercer tal profissão, independente do sexo".

• Sujeito - 251:

"Sim, porque o crescimento em uma profissão depende muito mais do nível do conhecimento e da competência de cada pessoa, independente de ser chegada mais a mulher ou ao homem".

Nessa Classe, as UCE`s significativas organizaram-se, sobretudo, ao redor de expressões que demonstraram não existir diferenças entre homens e mulheres para o exercício das diversas atividades profissionais. O vocábulo independente aparece fazendo referência à ascensão/realização profissional de homens e mulheres que vai depender da vontade, da dedicação, do empenho e do interesse de cada pessoa, e não em função do sexo. A expressão necessidade também aparece como elemento determinante na escolha da profissão, tanto relacionada ao bem-estar como em relação ao bom desempenho profissional.

Discussão

Segundo dados do Relatório de Desenvolvimento Humano, da ONU (1995, citado por Brito, 2000), as mulheres de todas as regiões do mundo são responsáveis por 53% do trabalho total (remunerado e não-remunerado) nos países em desenvolvimento e 51% nos países industrializados; cerca de 2/3 do trabalho feminino são atividades não-remuneradas, e a carga horária diária do trabalho da mulher é em média 13% maior que a dos homens. Ainda assim elas são, na maioria das vezes, relacionadas apenas às atividades que requerem cuidado.

No presente estudo, pode-se dizer que essa realidade se apresentou por meio da representação de quais são os tipos de profissões vistas como mais adequadas para os homens e para as mulheres, visto que, no caso das mulheres, as profissões mais citadas sugeriram a imagem de uma mulher tida como mais delicada, doméstica e preocupada com a qualidade de vida das outras pessoas, enquanto que o polo das profissões vistas como masculinas esteve mais relacionado à necessidade de força física para a sua realização.

Em relação aos discursos construídos, é importante ressaltar que as impressões observadas dizem respeito às representações expressadas em função das questões elaboradas para a entrevista. Tal estrutura é vista aqui não como uma forma de limitação do tema, mas como um fio condutor da pesquisa, o que permite tomar consciência de que as representações encontradas dizem respeito às concepções subjacentes às questões elaboradas. Nesse caso, o que se observou foi a utilização de termos que faziam referência à divisão entre as profissões vistas como adequadas para os homens ou para as mulheres, ao serem apresentadas justificativas para a existência de diferenças entre as profissões tidas como masculinas e como femininas. Por outro lado, alguns comentários faziam referência à possibilidade do sucesso profissional de cada indivíduo não depender de seu sexo, mas sim do empenho e do interesse de cada pessoa. Essas ideias parecem propor a possibilidade de mulheres e homens exercerem bem as mesmas atividades profissionais; entretanto, ao mesmo tempo pontuam que, para isso, é necessário um maior esforço e uma maior dedicação para serem bem-sucedidos em atividades que não são vistas como apropriadas para o seu sexo.

Levando-se em conta que toda amostra tinha formação escolar de nível superior, pode-se dizer que tal formação não apareceu como um ponto de desmistificação para a existência de trabalhos concebidos como mais e/ou menos adequados para ambos os sexos. A segmentação entre atividades vistas como masculinas e femininas sugere aqui fazer parte de um sistema de significados capaz de moldar a percepção dos indivíduos para aceitarem os fenômenos que ocorrem à sua volta, como diz Heilborn (1999), e essa construção acaba não sofrendo interferência de algumas diferenças dos indivíduos, como se imaginou previamente na elaboração do presente estudo. É como se, estando os indivíduos submersos neste tecido ideológico, suas justificativas, mesmo variando, apenas circundam as ideias produzidas dentro desse universo e acabam propagando uma discriminação disfarçada e concordante com práticas que não refletem mudança, mas apenas novas formas de justificar a realidade.

Tal realidade, entretanto, não foi admitida pelo presente estudo como uma tendência psicológica universal, mas como uma das muitas formas de consciência social, que nesse caso se desenvolve em sintonia com as situações históricas concretas do grupo entrevistado. Portanto, pesquisas futuras nesse campo podem trazer novas conclusões a respeito do tema.

Nota

Recebido em: 21/08/2008

Revisão em: 11/11/2008

Aceite final em: 25/06/2009

Raquel Pereira Belo é doutora em Psicologia Social pela Universidade Federal da Paraíba, Professora da Universidade Federal do Piauí. Endereço: Universidade Federal do Piauí, Campus Min. Reis Velloso, Departamento de Psicologia. Av. São Sebastião, 2819. Reis Velloso. Parnaíba/PI. CEP 64202-020. Email: quelbelo@hotmail.com

Tâmara Ramalho de Souza é Psicóloga, Graduada pela Universidade Federal da Paraíba. Email: tam_sousa@yahoo.com.br

Leoncio Camino é Pós-Doutor em Psicologia pela Université Catholique de louvain, Bélgica. Professor da Universidade Federal da Paraíba. João Pessoa/PB. Email: leocamino@uol.com.br

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  • *
    O presente estudo compreende parte da tese de doutorado da primeira autora, sob orientação do terceiro autor; conta com bolsa da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). Os autores agradecem a essa instituição.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Revisado
      11 Nov 2008
    • Recebido
      21 Ago 2008
    • Aceito
      25 Jun 2009
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