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As retóricas contemporâneas e a significação da educação inclusiva

Educational inclusion under the sign of contemporary rhetoric

Resumos

O presente estudo investiga a filiação de uma parcela significativa dos discursos que advogam pela "Educação Inclusiva" às tendências retóricas dos discursos contemporâneos que, antes de constituírem uma efetiva forma de resistência diante dos dispositivos de exclusão social e escolar, contribuem para a configuração do campo da alteridade em educação sob o signo previsível do estereótipo. Nesse sentido, faremos uso de uma análise crítica com o objetivo de dissolver as figuras retóricas que mascaram, a partir de eufemismos e discursos vazios e "politicamente corretos", os reais dispositivos de exclusão que se encontram na base de grande parte dos empreendimentos pedagógicos.

inclusão escolar; retóricas contemporâneas; alteridade


This study investigates the relation between a significant amount of the discourse which advocates "Inclusive Education" and the rhetorical trends of contemporary discourse which, rather than constituting an effective form of resistance against social and educational exclusion devices, contributes to the configuration of the field of alterity in education under the predictable sign of stereotype. In this sense, a critical analysis will be done aiming to clarify the rhetorical figures which mask, with the use of euphemism and empty, "politically correct" discourse, the actual exclusion devices which reside at the base of a good many pedagogical enterprises.

educational inclusion; contemporary rhetoric; alterity


As retóricas contemporâneas e a significação da educação inclusiva

Educational inclusion under the sign of contemporary rhetoric

Pablo Severiano Benevides

Universidade Federal do Ceará, Sobral, Brasil

RESUMO

O presente estudo investiga a filiação de uma parcela significativa dos discursos que advogam pela "Educação Inclusiva" às tendências retóricas dos discursos contemporâneos que, antes de constituírem uma efetiva forma de resistência diante dos dispositivos de exclusão social e escolar, contribuem para a configuração do campo da alteridade em educação sob o signo previsível do estereótipo. Nesse sentido, faremos uso de uma análise crítica com o objetivo de dissolver as figuras retóricas que mascaram, a partir de eufemismos e discursos vazios e "politicamente corretos", os reais dispositivos de exclusão que se encontram na base de grande parte dos empreendimentos pedagógicos.

Palavras-chave: inclusão escolar; retóricas contemporâneas; alteridade.

ABSTRACT

This study investigates the relation between a significant amount of the discourse which advocates "Inclusive Education" and the rhetorical trends of contemporary discourse which, rather than constituting an effective form of resistance against social and educational exclusion devices, contributes to the configuration of the field of alterity in education under the predictable sign of stereotype. In this sense, a critical analysis will be done aiming to clarify the rhetorical figures which mask, with the use of euphemism and empty, "politically correct" discourse, the actual exclusion devices which reside at the base of a good many pedagogical enterprises.

Keywords: educational inclusion; contemporary rhetoric; alterity.

Na medida em que podem se apresentar amparados pelas mais diversas perspectivas e apontando para os mais distintos propósitos, os discursos acerca da inclusão escolar consistem numa parcela significativa de toda uma literatura que aborda as políticas públicas em educação. Muito embora diversas tendências persistam em situar a educação como uma das formas de possível resistência do homem em relação aos fenômenos de alienação e exclusão sociais, essas por vezes acabam por julgar que a própria escola nada mais faria do que a reprodução desses dispositivos de exclusão social (Perrenoud, 1996). Isso parece ter por correlato precisamente uma semelhança entre a lógica de funcionamento das políticas públicas de inclusão escolar e os mecanismos responsáveis pelas mais distintas formas de aparição das políticas com o propósito de inclusão social. Que implicações comporta tal constatação?

No que tange às políticas de integração social, autores como Castel, Belfiore-Wanderley e Belfiore-Wanderley (2004) e Santos (2007) irão considerar que essas atuam, muitas vezes, mediante mecanismos de ocultamento do caráter sistêmico das formas de manutenção das desigualdades sociais. Nesse sentido, a noção de "exclusão" remeteria a um ato que poderia ter como seu reverso as políticas de "inclusão", e com isso se apagaria o fato de que a própria constituição do corpo social nas sociedades capitalistas dá-se mediante uma exclusão estrutural. Contudo, uma vez entendida como um ato contingente à formação social capitalista, a "exclusão" poderia ser, de algum modo, compensada mediante políticas de inclusão dirigidas aos grupos marginalizados. Conforme salientam os autores supracitados, esse quadro se apresenta, contudo, como possível de ser sanado mediante a intervenção de especialistas, técnicos e experts nas mais distintas áreas – planejamento urbano, medicina, pedagogia, etc. – que deteriam o conhecimento necessário para atuar em prol do foco populacional em questão (desabrigados, loucos, marginais, sem-terra, etc.). Por fim, aliado à necessidade de sanar os mecanismos de exclusão mediante intervenções técnicas, faz-se também um apelo de cunho voluntarista à "boa vontade" de nossos governantes, ou ainda de nós mesmos, para que possamos – seja mediante políticas públicas compensatórias, seja sob forma de clamor pela caridade e altruísmo relativos à dor do próximo – minimizar os efeitos dos dispositivos de exclusão social.

Que tipos de semelhanças estruturais existem entre essas políticas compensatórias que agem supostamente em prol de uma inclusão social e aquelas que levantam a bandeira da educação inclusiva? Que características singulares caracterizariam as formações discursivas que, no campo educacional, militariam em prol da inclusão de alunos com "necessidades educativas especiais"? Estas duas questões servirão de mola propulsora para a exposição subsequente, a partir da qual levantaremos as principais tendências discursivas da educação inclusiva na circunstância em que se encontram filiadas ao que Duschatzky & Skilar (2001) entenderam por "retóricas sobre a diversidade" – que não seriam nada mais do que "palavras suaves ... eufemismos que tranquilizam nossas consciências ou produzem a ilusão de que assistimos a profundas transformações sociais e culturais simplesmente porque elas se resguardam em palavras da moda" (p.120).

A identidade dos "outros" – um objeto vazio

Veiga Neto (2001), em seu texto "Incluir para excluir", irá inicialmente indagar sobre a razão pela qual incomodamo-nos com o ato de nomear de "anormal" o aluno que hoje dizemos portar "necessidade educativa especial". Nesse sentido, o autor irá apontar para uma determinada formação discursiva feita a partir de deslizes linguísticos – do "anormal" ao "deficiente" e desse ao "portador de necessidade educativa especial". Configuraria essa mudança de termos uma forma de lidar com a alteridade, em educação, distinta das formas tradicionais de exclusão social ou, ao contrário, não passaria de mais um avatar das "retóricas da moda" (Duschatzky & Skliar, 2001, p. 119) que invadem as formações discursivas contemporâneas sobre a educação?

Conforme salienta Raiça (1990), a "Educação Especial" refere-se a uma área específica da educação geral responsável pela promoção de um atendimento individualizado ao aluno que, por razões de ordem física, intelectual ou emocional, não consegue se adaptar aos programas destinados às séries do ensino regular. A esse aluno chamamos de portador de necessidades educativas especiais ou, conforme nos adverte Prieto (2005), relembrando a alteração instituída pela Resolução no. 2 de 2001, portador de necessidade acentuada de aprendizagem – nomeação que substitui legalmente a anterior, a saber: portador de deficiência.

Percebamos, entretanto, que a própria formulação da noção "portador de necessidades educativas especiais" não implica que aqueles que estejam designados sob esse título possuam em comum mais do que o fato de não conseguirem se adaptar ao ensino regular. Nesse sentido, Ferre (2001) indagará o propósito subjacente a essas "características definitórias de identidade" (p. 201) no sentido de configurar "identidades especiais"; Duschatzky & Skilar (2001) perguntarão "quem são os outros?" (p. 119) aos quais a educação especial pretende dirigir-se, e Veiga Neto (2001) questionará a existência de alguma correlação significativa entre uma identidade anormal – linguisticamente nomeada – e um objeto anormal.

Todos esses questionamentos partem de uma percepção comum relativa às modalidades de configuração da alteridade pelos discursos e práticas educacionais. Essa consiste exatamente na não-positividade do objeto que o discurso pretende configurar ou, em outras palavras, na ausência de qualquer traço específico que reúna sob características semelhantes esses alunos. Consequência desta vacuidade é exatamente a crise epistemológica, filosófica e política pela qual passa a temática da "Educação Inclusiva" que, paradoxalmente, tem suas raízes veiculadas às tentativas de erigir um saber médico-pedagógico ao qual corresponderia um conjunto de práticas terapêuticas-educativas compensatórias a incidir sobre a alteridade em educação (Rampelotto, 2004). Salientamos, neste processo, ainda, a ênfase nas figuras de linguagem – as retóricas – que agem em conformidade com esses saberes e técnicas, com a finalidade de velar, de forma mais sutil e precisa, os dispositivos de exclusão que se encontram na base de tais empreendimentos. Esse papel da linguagem, entendido como exercício de uma função retórica, será explicitado mais adiante.

Nesse momento, convém salientar que, à medida que o debate acerca da "educação inclusiva" invade boa parte da literatura relativa à área educacional, a pergunta que devemos ter por base antes de qualquer consideração sobre a questão da inclusão deverá incidir sobre os processos de constituição dessa alteridade à qual as propostas de educação inclusiva visam dirigir-se, e não sobre a pretensa natureza dessa alteridade. Nas palavras de Duschatzky & Skliar (2001), o que está em jogo são as formas de "tradução e representação da alteridade" (p.122), na medida em que a tradução implica uma forma de trazer à linguagem familiar um termo que nos causa, nessa linguagem, estranhamento e desconforto.

Assim sendo, os autores acima referidos identificarão três formas preponderantes de tradução da alteridade nos discursos educacionais e culturais contemporâneos. Trata-se de tendências discursivas que funcionam como modalidades de narração da diversidade sob o signo das "retóricas da moda", laço estabelecido entre saber e poder que configuram os novos "regimes de verdade", no interior dos quais se estruturam e ganham força as novas proposições e práticas orientadas à captura da alteridade em educação.

"o outro como fonte de todo o mal" nos impele à xenofobia (ao sexismo, à homofobia, ao racismo etc.). Por sua vez, o discurso multiculturalista corre o risco de fixar os sujeitos a únicas ancoragens de identidade, que é como condená-los a não ser outra coisa senão aquilo que se é, a abandonar a pretensão de todo o laço coletivo. E, por último, a tolerância pode instalar-nos na indiferença e no pensamento frágil. (Duschatzky & Skilar, 2001, p.137).

A fim de analisarmos o modo como os discursos que advogam pela causa da inclusão escolar filiam-se às retóricas da moda, vejamos como a formação discursiva "o outro como fonte de todo o mal" assemelha-se ao discurso multiculturalista, cuja aparição no cenário educacional faz-se com cada vez mais frequência.

Em seu texto "O nome dos outros. Narrando a alteridade na cultura e na educação" (2001), Duschatzky e Skliar evidenciarão a modalidade "o outro como a fonte de todo o mal" como a referência discursiva que apresenta de forma mais explícita e sem rodeios os dispositivos de exclusão. Isso dirá respeito precisamente à instauração de oposições binárias no campo social e à transposição de todos os males a um dos polos dessa oposição. Os pares "são – louco"; "heterossexual – homossexual"; "cidadãos de bem – marginais"; "alunos regulares – alunos deficientes", para citar alguns exemplos, consistem nos efeitos dessa política de partição do corpo social em duas metades – e, quanto a isso, é importante que não percamos de vista que "aquele que opera a dicotomia, ou seja, quem parte, 'é aquele que fica com a melhor parte'" (Veiga Neto, 2001, p.113). Assim sendo, essa partição alude tanto ao caráter paranoico da estruturação da função do "eu", na medida em que todos os males passam a ser atribuídos ao "outro" (Veiga Neto, 2005), como também a uma operação ideológica que dissolve a heterogeneidade do social, transpondo para fora desse a causa de todos os seus males (Duschatzky & Skilar, 2001).

Ora, o próprio ato de configuração da alteridade será simultâneo à constituição subjetiva – do mesmo modo como os processos de produção da subjetividade pelos dispositivos pedagógicos constituem aquilo que é representado como alteridade. Larrosa, em seu texto "Tecnologias do Eu e Educação" (2002), ao discorrer sobre as cinco formas do dispositivo pedagógico – ver-se, expressar-se, narrar-se, julgar-se e dominar-se – evidenciará que essas só podem atuar mediante "operações de seleção e distorção" (p. 72), a partir das quais será determinado o que o sujeito vê de si, expressa de si e narra sobre si, para que possa julgar-se segundo determinados critérios e fazer determinadas coisas consigo mesmo.

Tais procedimentos, na medida em que possuem um sentido reflexivo, findam por produzir a própria existência de um sujeito apto a governar o que lhe "aparece" ao entorno, enquanto componentes de sua borda – a saber, a subjetividade. Nesse sentido, o lidar "consigo mesmo", passa a ser reabsorvido por significações ao mesmo tempo terapêuticas e educativas e, portanto, como eixo norteador da consecução dos principais objetivos da Psicologia e da Educação.

Assim sendo, esse aprendizado sobre si implicará um aprendizado sobre como lidar com o outro de si – e, sob esse aspecto, a Educação, o maior "campo minado de metanarrativas" (Silva, 2002), apresenta-se, juntamente com a Psicologia, como o terreno mais fértil para seu desenvolvimento e aprimoramento. Isso ocorre na medida em que aquilo que é selecionado pelos mecanismos ópticos, discursivos e jurídicos passa a ser representado como parte integrante da subjetividade e o que escapa aos mecanismos de seleção, distorção e captura do "eu duplicado" é representado como exterior ao sujeito –, configurando os campos possíveis para a aparição da alteridade. Deste modo,

a alteridade do outro permanece como reabsorvida em nossa identidade e a reforça mais ainda; torna-a, se é possível, mais arrogante, mais segura e mais satisfeita de si mesma. A partir desse ponto de vista o louco confirma nossa razão; a criança, nossa maturidade; o selvagem, nossa civilização; o marginalizado, nossa integração; o estrangeiro, nosso país; o deficiente, nossa normalidade. (Larrosa & Perez De Lara, 1988, citados por Duschatzky & Skliar, 2001).

As semelhanças entre essa estrutura prática e discursiva – "o outro como fonte de todo o mal" – e o discurso multiculturalista em educação nos esclarecerão a razão de tomarmos, neste trabalho, boa parte dos discursos que advogam pela educação inclusiva como compondo parte significativa das "retóricas da moda" em educação. Discorreremos agora, portanto, como o mecanismo da retórica faz-se presente na perspectiva multiculturalista que, implícita ou explicitamente, sustenta boa parte da literatura sobre a "Educação Inclusiva".

A tradução dos "outros" pelas figuras da retórica

Para ilustrar o que subjaz como princípio fundamental das concepções multiculturalistas, Duschatzky & Skliar (2001) dirão que essas se encontram assentadas sobre o "mito da consistência cultural" ou "mito da consistência interna" (p.127), que amparam, ainda, boa parte da perspectiva filosófica filiada ao relativismo cultural. O mito é anunciado pelos autores da seguinte forma:

A partir desta perspectiva, as culturas representam comunidades homogêneas de crenças e estilos de vida ... como se por acaso as culturas se estruturassem independentemente de relações de poder e hierarquia. ... O mito da consistência interna supõe que cada cultura é harmoniosa, equilibrada, auto-satisfatória. ... Essa ideia descansa na suposição de que as diferenças são absolutas, textuais, plenas e que as identidades se constroem em únicos referenciais sejam agora étnicos, de gênero, de raça, de religião, classe social etc. Nesse contexto a diversidade cultural se transforma ... em uma categoria ontológica (Duschatzky & Skliar, 2001, p.127).

Segundo essa perspectiva, aquilo que é considerado como a "outra" cultura, a "outra" raça, ou mesmo o "outro" sexo passa a ser encerrado dentro de determinados padrões de estereótipos. Esses, contudo, não aparecem explicitamente como significando um déficit – os índios menos esclarecidos, os negros menos capazes, as mulheres menos racionais – mas, ao contrário, sob o outro polo da oposição binária recairão uma série de atribuições que visam a compensar os dispositivos iniciais de exclusão e partição. Assim, a mesma lógica de constituição da alteridade persiste; contudo, agora maquiada por alguns véus que, antes de serem simultâneos a uma nova forma de considerar a alteridade, contribuem para a manutenção dos mesmos dispositivos de exclusão. Como exemplo, podemos nos referir ao próprio uso do termo "especial" para designar algo que, isento de retórica, se entende por "deficiente", ou mesmo o uso do termo "melhor idade" para designar uma fase da vida que, em verdade, é cada vez mais desvalorizada em prol dos valores de estética, potência e flexibilidade tão veiculados pela publicidade e identificados à figura do jovem.

A denúncia de que essas modalidades discursivas consistem antes em retóricas do que em formas de resistência nos permitirá compreender como processos que alimentam os dispositivos de exclusão passam a ser, inversamente, significados como processos de inclusão. Sobre isso, Veiga Neto (2005), em seu texto "Quando a inclusão pode ser uma forma de exclusão", irá considerar que as políticas de inclusão se dirigem à finalidade de capturar esses sujeitos tidos como estranhos, esquisitos, anormais – os "outros" – a fim de estabelecer sobre eles mecanismos de normalização e homogeneização ou, nas palavras de Duschatzky e Skliar, traduções dessas alteridades. Ora, talvez de forma ainda mais explícita do que ocorre no corpo social em geral, a necessidade de captura encontra-se praticamente onipresente nos discursos e práticas educacionais. Nesse sentido, Gadelha (2007) salienta a aversão que a pedagogia possui em relação ao estranho, ao desterritorializado, ao não-representado, e chega mesmo a afirmar que todo empreendimento pedagógico tende à normalização, à territorialização, à captura e à representação.

Assim sendo, não consiste em um mero acaso o fato de as políticas de inclusão ganharem uma força especial no contexto escolar/educacional. Como mesmo salientava Foucault (1977) em Vigiar e Punir, "uma relação de fiscalização, definida e regulada, está inserida na essência da prática do ensino: não como peça trazida ou adjacente, mas como um mecanismo que lhe é inerente e que multiplica sua eficiência" (p.158). Portanto, não consistirá em equívoco considerar que as propostas de inclusão escolar tendem, para utilizar a metáfora foucaultiana, a estender o Panóptico de Bentham sobre territórios considerados ainda mais inacessíveis. Com isso, os dispositivos de visibilidade recaem, no campo educacional, sobre "os outros", capturando o que dirão serem suas mais distintas deficiências, com um propósito muito claro: compreendê-la, representá-la e produzir um saber sobre ela.

Em seu texto "Identidade, diferença e diversidade: manter viva a pergunta", Ferre (2001) irá estabelecer a correlação entre os processos que se empenham em produzir a existência de "identidades especiais" e a necessidade de produção de uma identidade do profissional que lida com os sujeitos incluídos sob essa categoria. Nesse sentido, a autora irá considerar que a produção desse saber, na medida em que se compromete com a produção do estatuto de normalidade daquele que produz o pretenso saber, oscila entre a vacuidade e a arbitrariedade moral. Isso ocorre na circunstância em que imperativos do tipo "educar na diversidade respeitando a identidade de cada um, aceitar a diferença a partir da igualdade entre os seres humanos" (Ferre, 2001, p.197) passam a indicar retóricas vazias, facilmente assimiláveis e possíveis de serem ditas por qualquer um sem a assunção maiores compromissos. Consistem, portanto, em "frases de manual ... vazias, eufemísticas e adaptáveis a qualquer enfoque que se queira dar à educação hoje" (Ferre, 2001, p.197) – o que faz com que o uso dos termos "identidade", "diferença" e "diversidade" consistam, no contexto educacional, em "tópicos vazios" que frequentemente precipitam-se no acervo literário das retóricas da moda de forma a englobar boa parte dos discursos militantes pela educação inclusiva.

Se isso caracteriza a vacuidade dessas proposições no que diz respeito a "como" lidar com essa alteridade, facilmente perceberemos o caráter moral quando perguntamos "que" alteridade é essa - na pergunta de Duschatzky e Skliar (2001), "quem são os outros" -. Isso se torna evidente na medida em que toda a produção de saberes por parte dos experts na Educação Especial consiste num corpo de intervenções técnicas feitas a partir de diagnósticos pretensamente científicos que escondem a necessidade de afirmação da identidade normalizada (e normalizante) do profissional – o que é realizado sob o signo da "segurança, arrogância e simplismo" (Ferre, 2001, p. 202).

Ora, onde podemos efetivamente encontrar essas modalidades discursivas acima expostas? Que formulações acerca da alteridade essas teriam a nos oferecer? Certamente, encontraremo-las em qualquer circunstância em que o conceito operatório de normalização (Portocarrero, 2004) fizer-se presente nos discursos que advogam pela importância da inclusão escolar daqueles que são tidos (e capturados) como "os outros". O movimento mainstreaming – na medida em que opera a ênfase não nas diferenças, mas as semelhanças existentes entre os alunos –, apoiado por autores como Raiça (1990), evidencia-se como estando a serviço daquilo que a própria autora chama de ajustamento social satisfatório e, portanto, aponta para a finalidade das políticas de inclusão escolar conforme entendem Queiroz e Ramos (1979), a saber, a transformação do deficiente em membro útil da sociedade em que vivemos.

Não nos enganemos quanto à tonalidade dos termos utilizados: as figuras da retórica certamente produzirão novas palavras, realizando verdadeiras torções na linguagem cotidiana que se precipita na busca de uma cientificidade moral, na tentativa de dar a aparência de que esses dispositivos de normalização e captura pertencem a concepções muito específicas em Educação, e já superadas. O que um exame atento das figuras retóricas deverá evidenciar a nós é que o rompimento com os dispositivos de exclusão e normalização encontram-se presentes em uma quantidade bem menor na literatura sobre Educação Inclusiva do que poderíamos supor à primeira vista.

Reflexões finais

Se, portanto, a retórica consegue contornar os meios sob distintos caminhos, ao que tudo indica o ponto de chegada converge sobre os mesmos propósitos dos discursos (cada vez mais raros) que revelam explicitamente os mecanismos de exclusão. Ao traçar o percurso inverso dos deslizes linguísticos que convertem os anormais em "portadores de necessidades educativas especiais", perdemos, portanto, a "proteção linguística dada por algumas figuras de retórica" (Veiga, 2001, p.108) e nos deparamos explicitamente com a violência que opera sob as mais distintas facetas a partir dos dispositivos de exclusão social. E sentimos aí um incômodo estranho ao nomeá-"los" de "anormais" – signo de um pressentimento, de uma intuição ou de uma leve sensação da violência que se encontra submersa nesses discursos e que tende a aparecer quando as figuras retóricas começam a desaparecer. Talvez por essa razão a escola – lócus privilegiado para a produção do germe responsável pela futuras formas de exclusão sociais – se empenhe tanto em realizar esse trabalho compensatório. É possível que em nenhum outro lugar a alteridade se apresente de forma tão invasiva – talvez precisamente porque os dispositivos necessários para a própria constituição dessas instituições tenham ocorrido de forma a excluí-la com tanta eficácia, de modo que todo contato com a alteridade dê-se mediante estranhamento e invasão, significados pela retórica como "inclusão".

Em que medida, então, as propostas que advogam pela educação inclusiva agem de forma compensatória, reativa – como uma resposta politicamente correta aos mecanismos de exclusão social – e sob que aspectos apresenta-se, ao contrário, como forma de resistência aos mecanismos tradicionais de exclusão? Ora, se entendemos que "a condição libertadora de qualquer discurso teórico é uma questão de investigação histórica, não de proclamação teórica" (Sawicki, 1988, citado por Gore, 2002, p.9), resta-nos concluir pela necessidade de uma investigação que incida sobre o funcionamento dos discursos que advogam pela educação inclusiva (em suas mais distintas aparições). Para tal faz-se necessário, antes, o passo que intentamos realizar neste trabalho – a saber, tirar os obstáculos que as retóricas da moda cravam sobre a pele dos discursos e práticas educacionais. Mediante isso, talvez percebamos a violência com a qual instauramos nossos regimes de verdade, a partir dos quais se faz possível incluir ou excluir alguém em função da arbitrariedade de nossos valores tão semeados pelas práticas educativas. Assim, poderemos, talvez, desestabilizar os processos que definem nitidamente os limites entre a subjetividade e a alteridade; assim, quem sabe, as tipologias e os estereótipos portadores de "boas" e folclóricas intenções no trato com o "outro" cedam lugar à estranheza diante daquilo que, em nós mesmos, sempre nos pareceu sempre mais íntimo e próprio.

Recebido em: 24/07/2009

Aceite final em: 27/08/2009

Pablo Severiano Benevides é Graduado em Psicologia, Mestre em Filosofia e Doutorando em Educação Brasileira pela Universidade Federal do Ceará. Professor Assistente I do curso de Psicologia da Universidade Federal do Ceará – Campus Sobral. Endereço: Avenida Geraldo Rangel, n. 754, ap. 505. Sobral/CE, Brasil. CEP 62042-240. Email: pabloseveriano@hotmail.com

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2011
  • Data do Fascículo
    Ago 2011

Histórico

  • Aceito
    27 Ago 2009
  • Recebido
    24 Jul 2009
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