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Psicologia e Políticas Públicas em HIV/AIDS: algumas reflexões

Psychology and Public Policy in HIV/AIDS: some reflections

Resumos

A epidemia da aids é considerada um fenômeno de largas proporções e, por seu caráter pandêmico e gravidade, representa um grande problema de saúde pública, carecendo de políticas públicas mais humanizadas e eficientes. A Psicologia, ao considerar a subjetividade e os princípios éticos relacionados aos direitos humanos, configura-se como agente fundamental na elaboração de políticas públicas efetivas no contexto da aids. Este estudo intenta levantar uma discussão sobre a inserção da Psicologia neste campo e o que pode ser feito no sentido de promover uma reflexão por parte dos(as) psicólogos(as) sobre suas práticas, viabilizando novos olhares e intervenções. Para tanto, foi realizada uma revisão teórica não-sistemática sobre a temática. A partir disso, concluiu-se que a Psicologia pode desempenhar relevante papel na elaboração e execução de políticas públicas em HIV/aids e atuar para além de uma prática assistencial, que colabore para a promoção dos direitos humanos e o exercício da cidadania.

psicologia; políticas públicas; aids


The AIDS epidemic is considered a phenomenon of large proportions and for its character and severity pandemic represents a major public health problem and would require public policies more humane and efficient. Psychology, considering the subjectivity and ethical principles related to human rights, appears as the key agent in developing effective public policies in the context of AIDS. This study intends to rise up a discussion about the inclusion of psychology in this field and what can be done to promote a reflection on the part of (the) psychologists (as) about their practices, allowing for new perspectives and interventions. On this purpose, we performed a non-systematic literature review on the subject. From this, it was concluded that psychology can play a relevant role in the development and implementation of public policies on HIV/AIDS and act beyond a healthcare practice that contributes to the promotion of human rights and citizenship.

psychology; public policies; aids


Psicologia e Políticas Públicas em HIV/AIDS: algumas reflexões

Psychology and Public Policy in HIV/AIDS: some reflections

Juliana Perucchi; Fernanda Deotti Rodrigues; Laíse Navarro Jardim; Lara Brum de Calais

Universidade Federal de Juiz de Fora, Juiz de Fora, Brasil

RESUMO

A epidemia da aids é considerada um fenômeno de largas proporções e, por seu caráter pandêmico e gravidade, representa um grande problema de saúde pública, carecendo de políticas públicas mais humanizadas e eficientes. A Psicologia, ao considerar a subjetividade e os princípios éticos relacionados aos direitos humanos, configura-se como agente fundamental na elaboração de políticas públicas efetivas no contexto da aids. Este estudo intenta levantar uma discussão sobre a inserção da Psicologia neste campo e o que pode ser feito no sentido de promover uma reflexão por parte dos(as) psicólogos(as) sobre suas práticas, viabilizando novos olhares e intervenções. Para tanto, foi realizada uma revisão teórica não-sistemática sobre a temática. A partir disso, concluiu-se que a Psicologia pode desempenhar relevante papel na elaboração e execução de políticas públicas em HIV/aids e atuar para além de uma prática assistencial, que colabore para a promoção dos direitos humanos e o exercício da cidadania.

Palavras-chave: psicologia; políticas públicas; aids.

ABSTRACT

The AIDS epidemic is considered a phenomenon of large proportions and for its character and severity pandemic represents a major public health problem and would require public policies more humane and efficient. Psychology, considering the subjectivity and ethical principles related to human rights, appears as the key agent in developing effective public policies in the context of AIDS. This study intends to rise up a discussion about the inclusion of psychology in this field and what can be done to promote a reflection on the part of (the) psychologists (as) about their practices, allowing for new perspectives and interventions. On this purpose, we performed a non-systematic literature review on the subject. From this, it was concluded that psychology can play a relevant role in the development and implementation of public policies on HIV/AIDS and act beyond a healthcare practice that contributes to the promotion of human rights and citizenship.

Keywords: psychology; public policies; aids.

Introdução

O presente artigo propõe uma reflexão sobre alguns aspectos da inserção da Psicologia no campo de HIV/aids, no sentido de averiguar como se deu a inclusão da esfera subjetiva nas discussões e deliberações neste contexto. Trata-se de um ensaio teórico oriundo das reflexões e revisões de literatura provenientes de três pesquisas científicas desenvolvidas em nível de mestrado1 1 As pesquisas têm como objetivo investigar os discursos e os dispositivos de saber/poder que constituem as políticas públicas em saúde no Brasil voltadas à questão da AIDS na infância, no envelhecimento e no discurso midiático. , que contemplam, como problemática, diferentes perspectivas referentes às políticas públicas em HIV/aids no Brasil.

A Psicologia, reconhecida como contribuidora no âmbito das intervenções em saúde, insere-se no contexto do HIV/aids evidenciando o ser humano em sua integralidade - um sujeito que sofre para muito além da doença que porta. Esse olhar possibilitou romper com uma compreensão parcial do processo saúde-doença, que valorizava apenas a organicidade das patologias e que responsabilizava, quase que exclusivamente, o sujeito portador da doença.

Essa abertura para um olhar ampliado em saúde se deu através do diálogo da Psicologia com outras áreas e, sobretudo, pela possibilidade da Psicologia se posicionar nesse contexto, problematizando sua própria inserção nesse âmbito. Entretanto, antes disso foi imprescindível que o psicólogo que pretendesse desenvolver trabalhos nesse campo tivesse a compreensão de como funciona o sistema de saúde como um todo e, principalmente, a dinâmica das políticas públicas de saúde que norteiam este trabalho. Isso permitiu uma visão global do sistema de saúde e o engajamento do profissional com questões mais amplas, como as relacionadas à qualidade de vida das pessoas.

Portanto, pretende-se levantar, a partir das argumentações a serem apresentadas, uma discussão a respeito da inserção da Psicologia no debate acerca das políticas públicas em HIV/aids, de modo a compreender como se deu a entrada do psicólogo nesse campo, quais as especificidades de suas contribuições e, ainda, o que pode ser feito pela Psicologia no sentido de promover uma reflexão por parte dos profissionais de saúde sobre suas práticas e viabilizar a possibilidade de criação de novos olhares e intervenções neste âmbito.

Num primeiro momento será contextualizada a história da aids, em seguida, a entrada da Psicologia no campo das políticas públicas em DST/HIV/aids e sua atuação e, por último, uma reflexão acerca da Psicologia, frente às políticas públicas em HIV/aids no Brasil.

Retomando a contextualização histórica da aids

A epidemia da aids no mundo tornou-se um ícone de grandes questões que afligem a todos, como direitos humanos, qualidade de vida, políticas de medicamentos e propriedade industrial (Parker & Camargo Jr., 2000). Por seu caráter pandêmico e sua gravidade, a aids representa um dos maiores problemas de saúde pública da atualidade.

De acordo com informações do Boletim Epidemiológico de DST/aids do Ministério da Saúde (2010), desde a identificação do primeiro caso de aids no Brasil, em 1980, até junho de 2009, já foram identificados, aproximadamente, 544.846 casos da doença.

A síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) foi reconhecida no início dos anos 80, nos EUA e, sua chegada ao Brasil aparece oficialmente em 1982 (Dhalia, Barreira, & Castilho, 2000). Seu surgimento no Brasil coincide com o declínio do regime militar, e esse fato traz algumas particularidades, tendo em vista o cenário sociopolítico no qual a aids se insere.

A crise econômica e a dívida externa brasileira – proveniente dos empréstimos internacionais que colocaram o Brasil em uma posição de dependência econômica no âmbito do capitalismo global - aguçaram os problemas existentes na estrutura do sistema de saúde pública no país, o que fez com que a capacidade do governo de responder aos problemas ocasionados pela aids ficasse limitada (Silva, Oliveira, Nikaido, Lourenço, & Teixeira, 2002).

Desde o surgimento da doença, muitos estigmas e preconceitos acerca da sexualidade e da vida privada das pessoas foram se constituindo, tendo esses adquirido grandes proporções, repercutindo fortemente ainda hoje. No início da epidemia, os indivíduos afetados caracterizaram-se, em sua maioria, por serem do sexo masculino, terem elevado nível socioeconômico e pertencerem às categorias de transmissão homossexuais/bissexuais, além de receptores de sangue e usuários de drogas injetáveis. Foram instituídos, assim, os chamados "grupos de risco" (Meneghin, 1996).

Porém, a partir de 1990, constatou-se uma transição do perfil epidemiológico resultando em significativas mudanças, como a heterossexualização, a feminização, a pauperização, a interiorização (Parker & Camargo Jr., 2000) e, ainda, o envelhecimento da epidemia (Saldanha & Araújo, 2006), ou seja, a doença disseminou-se e mudou o seu perfil. Tais alterações trouxeram a necessidade de uma revisão no conceito de "grupos de risco", uma vez que a epidemia deixou de atingir determinados segmentos populacionais sobre particular risco. A partir disso, o conceito de "comportamento de risco" foi empregado para caracterizar práticas de sexo desprotegido e/ou o uso de drogas injetáveis sem os cuidados necessários (Meneghin, 1996).

No entanto, ambos os conceitos já não mais conseguem abranger a complexidade das relações políticas, sociais e econômicas acerca da aids, fazendo-se necessária uma nova compreensão que não culpabilize exclusivamente o indivíduo e suas práticas. O conceito de "vulnerabilidade" surge, então, como uma tentativa de abarcar tais especificidades que, segundo Parker (1996), altera a concepção da própria epidemia, anteriormente baseada num modelo epidemiológico de risco, para uma reorientação das ações de intervenção no sentido de incluir as mediações históricas e estruturais responsáveis pelo aumento da vulnerabilidade das populações ao HIV/aids.

Segundo Solano (2000), a resposta do Estado perante a epidemia da aids, nos seus primeiros anos, limitou-se à atuação das secretarias de saúde das unidades federadas mais afetadas, principalmente São Paulo. Tal limitação exigiu que a sociedade civil se organizasse no sentido de criar estratégias de enfrentamento à epidemia e de controle social das ações governamentais.

Nesse sentido, as Organizações Não-Governamentais (ONGs) tiveram um papel fundamental na luta frente à epidemia da aids no Brasil. As primeiras ONGs, também chamadas de ONG/aids, apareceram no cenário da doença a partir de 1985, sendo entendidas como lugares de sociabilidade, de pressão política e de contribuição na renovação das formas de assistência social, promovendo estratégias de inclusão (Ramos, 2004).

Em 1986, foi criado o Programa Nacional de DST e Aids - hoje, a Coordenação Nacional de DST/Aids -, com a incumbência institucional de coordenar, elaborar normas técnicas e formular políticas públicas em sua área de abrangência (Solano, 2000). Em 1988, foi criado o Sistema Único de Saúde (SUS), e iniciou-se o fornecimento, pelo Ministério da Saúde, de medicamentos para profilaxia e tratamento das infecções oportunistas, comuns às pessoas vivendo com HIV/aids. Costa-Couto (2007) considera que as premissas do SUS de participação e controle social, de integralidade da atenção à saúde e de universalidade do acesso ao sistema foram vitais para a configuração das respostas à epidemia da aids no Brasil.

Com essas medidas, houve avanços em relação ao combate ao HIV no país e foram designados direitos às pessoas vivendo com o vírus. Foram estabelecidas importantes leis federais de forte impacto, como a Lei 7.649 de 1988, que obriga o cadastramento dos doadores de sangue e a realização de exames laboratoriais no material, com o intuito de prevenir a propagação de doenças; a Lei 7.670 de 1988, que estende às pessoas vivendo com HIV benefícios referentes à licença para tratamento de saúde, aposentadoria, reforma militar, FGTS e outros; e a Lei 7.713 do mesmo ano, em seu art. 6º , inc. XIV, que isenta o portador do vírus HIV de pagamento do imposto de renda sobre os proventos recebidos (Ministério da Saúde, 1995).

No entanto, em setembro de 1988, o governo federal anunciou a redução de 30% dos recursos destinados aos programas de aids, deixando o Programa Nacional do Ministério da Saúde sem fundos suficientes para os medicamentos básicos e a testagem do sangue. Em consequência disso, começou a surgir no Brasil uma resposta crítica a esse quadro, havendo uma maior mobilização por parte da população brasileira, principalmente através das ONGs (Solano, 2000).

Em 1992 ocorreu a reorganização do Programa Nacional de Aids do Ministério da Saúde e o estabelecimento de nova parceira com os ativistas do movimento social. Foram criados pelo Ministério da Saúde, em 1993, os Serviços de Atendimento Especializados (SAEs), com custos econômicos e sociais menores que o atendimento hospitalar convencional.

Já em 1996, após ampla divulgação na mídia mundial da existência de novas drogas, a terapia antirretroviral começou a ser oferecida gratuitamente aos cidadãos brasileiros soropositivos. Atualmente, o país destaca-se com o maior programa de oferta de medicamentos antirretrovirais do mundo, com cerca de 140 mil pessoas vivendo com HIV/aids em tratamento, sem custo para os pacientes, e com monitoramento clínico e laboratorial (Reis, 2006). Estima-se que no período entre 1996 e 2002 houve uma redução de 50% na mortalidade e de 70% da morbidade dos casos de aids no país (Ministério da Saúde, 2007).

Outras estratégias importantes foram implantadas posteriormente, como a disponibilização de medidas profiláticas para a prevenção da transmissão vertical do HIV, através da Portaria nº 2104, de 2002, ampliando as ações para todas as gestantes; a política de vigilância com realização de estudos em grupos populacionais específicos; as formulações particulares da redução de danos do uso indevido de drogas injetáveis; a oferta gratuita de preservativos masculinos; e o suporte diagnóstico, como os Centros de Testagem e Aconselhamento (Fonseca, 2005).

Marques (2002) considera que, diante da urgência do problema, as ações tomadas pelo governo para responder à epidemia da aids foram pouco avaliadas, apesar da tradição brasileira em fazer análises críticas das políticas públicas em geral. Dessa forma, a análise da construção das respostas políticas frente ao surgimento do vírus no Brasil constitui-se como um importante e vasto espaço de considerações e pesquisa.

Dentro desse contexto, a inserção da Psicologia no âmbito das políticas públicas de forma geral, e mais especificamente em HIV/aids, surge como um relevante campo de pesquisa, atuação e construção do conhecimento.

A entrada da Psicologia no campo das Políticas Públicas em HIV/aids

Com a redemocratização do Brasil, na década de 80, ocorreram importantes mudanças no cenário político da sociedade brasileira. Em 1988 foi instituída a Constituição Federal do Brasil, que proporcionou diversos direitos, leis e garantias, principalmente em relação à saúde, educação, cultura e políticas públicas (Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais, s.d.).

O cenário de formulação e implementação de políticas públicas no Brasil vem se constituindo de diálogos entre vários setores da sociedade, entre eles o governo, os profissionais envolvidos e a sociedade civil, fortemente representada pelas ONGs. De acordo com Araújo e Sampaio (2006), esse processo se dá em meio a muitos jogos de poder, intenções coletivas e pessoais, disponibilidades de recurso financeiro, entre outros aspectos, que vão definir estratégias e ações.

Nesse contexto, a Psicologia pode desempenhar um papel fundamental. É imprescindível que os(as) psicólogos(as), em suas diversas áreas de atuação, estejam atentos às implicações geradas por suas práticas e reflitam permanentemente sobre como tornar seus trabalhos mais potentes, na construção de políticas que sejam realmente públicas e eficientes.

Por muitos anos a Psicologia teve uma atuação política direcionada aos interesses de determinados grupos sociais, e não aos coletivos, o que colaborou, muitas vezes, para a patologização de questões de ordem social. Contudo, nos últimos anos a Psicologia tem sofrido mudanças e, ainda que muitos profissionais continuem atuando com práticas privatizantes, esta ciência vem se inserindo na esfera das políticas públicas com admiráveis contribuições.

Houve dois marcos legais no Brasil que influenciaram a Psicologia e promoveram uma maior inserção do(a) psicólogo(a) no âmbito das políticas públicas. Foram eles: a Lei 8.080 em 1990, que criou o SUS, e o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) em 1990. Ambos convidaram a Psicologia Brasileira não somente para a atuação nas políticas públicas, como também para a construção e implementação das leis e das políticas (CRP-MG, s.d.).

Em 1994 foi realizado I Congresso Nacional Constituinte da Psicologia, que trouxe repercussões duradouras e transformadoras no cenário das políticas públicas. Nesse Congresso, advieram deliberações importantes referentes à criação de instâncias decisórias, como o Congresso Nacional de Psicologia (CNP), os Congressos Regionais e Pré-Congressos. Em 1996, foi realizado o II Congresso Nacional de Psicologia, o qual serviu como base para a fundação mais sólida da Psicologia no âmbito da formação e do exercício profissional. Fundou-se também a Assembléia das Políticas Administrativas e Financeiras do Sistema Conselhos (APAF). Ainda aconteceram as III, IV e V edições, e em 2007, o VI Congresso Nacional Constituinte de Psicologia, que deram seguimento ao debate, na tentativa de ultrapassar limites em busca da ampliação do papel da Psicologia na sociedade (CRP-MG, s.d.).

No contexto da aids, considerando o conceito de políticas públicas oferecido por Araújo e Sampaio (2006, p.1), de que estas são "respostas a determinados problemas sociais, formadas a partir das demandas e tensões geradas na sociedade", pode-se compreender como a epidemia da aids tornou-se um relevante alvo de políticas públicas, tendo em vista o grande impacto causado pela epidemia na saúde pública. A aids também possui características significativas nesse contexto, uma vez que, como apontam González e Saforcada (2006), os critérios básicos para a justificação de uma política são o impacto econômico e social do fenômeno, sua prevalência, a possibilidade de ser exercido economicamente e seus critérios de ação.

A entrada da Psicologia nesse debate é de suma importância, uma vez que os(as) psicólogos(as) podem desempenhar relevante papel na elaboração de políticas públicas eficientes voltadas à aids, além de avaliarem ações provenientes das diretrizes dos programas dos governos federal, estadual e municipal (CREPOP, 2008).

De acordo com o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP, 2008), desde as primeiras políticas instituídas no campo da aids, estava incluída a atuação de psicólogos(as) dentro das equipes multidisciplinares de atenção integral à saúde. Essa inserção ocorreu em três dimensões diferentes, que são: a atuação na formulação das políticas e programas; a execução das ações; e avaliação e acompanhamento destas. Sendo imprescindível, nesse contexto, que o(a) psicólogo(a) conheça e construa referenciais ético-políticos que abarquem a complexidade do campo em que atua. Ainda segundo o CREPOP:

As ações desenvolvidas (pelos psicólogos) devem estar pautadas não somente nos aspectos técnicos e científicos da profissão, mas também em princípios ético-políticos que visem a garantir a atenção à saúde de todos, principalmente em relação às populações mais vulneráveis; o diálogo com outras disciplinas/saberes, a defesa dos direitos humanos, a luta contra todo e qualquer tipo de discriminação social e o respeito aos princípios éticos na relação profissional-usuário de saúde são igualmente fundamentais (CREPOP, 2008, pp. 19-20).

Considera-se, portanto, a entrada da Psicologia no campo das Políticas Públicas em DST/HIV/aids orientada para a atuação na formulação das políticas e programas, a execução das ações, bem como a avaliação e o acompanhamento destas. Tais trabalhos, promovidos por equipes multidisciplinares de atenção integral à saúde, contribuem para a consolidação do trabalho da Psicologia no campo da saúde.

O que a Psicologia tem feito

Dentro desta ótica de inserção da Psicologia no campo das políticas públicas, torna-se necessário pensar sua atuação não somente envolvendo os aspectos técnicos e científicos de suas ações, mas também perceber os princípios éticos que norteiam o seu posicionamento político diante das situações que se envolve.

Uma pesquisa nacional2 2 Realizada pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) do Conselho Federal de Psicologia. sobre as práticas dos(as) psicólogos(as) no campo das DST/aids aponta para a necessidade de se discutir a atuação do psicólogo e, para além disso, sua formação e capacitação para atuar como participante ativo na formulação de políticas, especialmente em campos proeminentes como o da problemática da aids.

De acordo com a pesquisa citada, as ações dos psicólogos(as) se voltam em grande parte para a atenção às necessidades psicossociais específicas de pessoas que vivem em diferentes contextos e sociedades com políticas de governo diversas. Nesse complexo cenário em que as diferenças e iniquidades se sobressaem, é preciso que os(as) profissionais da psicologia estejam atentos aos contextos e singularidades de seu trabalho (CREPOP, 2008).

Contextualizar a atuação da Psicologia na saúde, nas políticas públicas e mais especificamente em HIV/aids, leva a pensar que referenciais esta especialidade utiliza para formular e executar suas ações. De acordo com Spink (2007), a Psicologia se caracteriza como uma área com aplicações práticas na saúde, mas que vem traçando um caminho recente nesse âmbito. Seu campo de atuação na saúde, inicialmente se restringia às atividades exercidas em consultórios, abordando a perspectiva de um indivíduo abstrato, um campo relacionado à Psicologia Clínica tradicional e à atuação em hospitais e ambulatórios de saúde mental, com forte referência em paradigmas da Psiquiatria.

Esse referencial também encontra sustentação na formação dos(as) psicólogos(as), na qual são encontradas falhas no que concerne à simples transposição de um modelo clínico, para um campo tão diverso como a saúde. Por esse fato, problematizar a atuação e o conhecimento em áreas específicas, como o trabalho em HIV/aids, se torna relevante, visto que é necessário que o profissional busque recursos para além de sua formação, visando conhecer a demanda que se apresenta e reformular suas possibilidades de atuação e de posicionamento crítico (CREPOP, 2008).

Partindo desse pressuposto, alguns marcos legais orientam a prática profissional da Psicologia e também podem servir como sustentação para a elaboração de políticas que atendam de forma mais humanizada às demandas da sociedade. Se nos pautarmos pelo Código de Ética Profissional do Psicólogo (Conselho Federal de Psicologia, 2005) e pelo Decreto nº 53.464 (1964), que regulamenta a Lei 4.119, que dispõe sobre a profissão de psicólogo, veremos que tal formação se orienta por princípios éticos diretamente relacionados aos direitos humanos.

De acordo com CREPOP (2008), as convenções sobre direitos humanos são de fundamental importância no âmbito da Psicologia e para a definição de políticas públicas de forma geral. Dentre estas, estão: a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), o Estatuto da Criança e do Adolescente (1989), a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação contra a Mulher (1979), o Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1996), o Pacto Internacional sobre Direitos Econômico, Sociais e Culturais (1996) e a Convenção sobre a Eliminação de todas as formas de discriminação racial (1965).

O Código de Ética Profissional do Psicólogo (Conselho Federal de Psicologia, 2005), em seus "Princípios Fundamentais", nos traz que "O psicólogo baseará o seu trabalho no respeito e na promoção da liberdade, da dignidade, da igualdade e da integridade do ser humano, apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos" (p.07). Pautado nesses princípios, o trabalho do(a) psicólogo(a) no âmbito da aids também deve zelar por tais prerrogativas, principalmente em se tratando de uma situação em que "sujeitos portadores de HIV/aids" são produzidos e, na grande maioria das vezes, discriminados por sua condição.

Outros dois pontos desses princípios fundamentais do Código de Ética também chamam atenção, quando apontam que "O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural" (CFP, 2005, p. 7) e que "O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática" (p. 7). Tais pontos remetem então a uma possibilidade de atuação da Psicologia, não somente prática, mas também colaboram para um posicionamento político desta, já que ao psicólogo(a) é dada uma responsabilidade crítica diante da realidade em que atua e também metodológica, de construção de um conhecimento e transmissão de discursos.

Nas resoluções nº 018/20023 3 As resoluções citadas podem ser encontradas no site do CFP (www.pol.org.br). , sobre a atuação dos(as) psicólogos(as) quanto ao preconceito e à discriminação racial, e nº 001/1999, sobre as normas de atuação do(a) psicólogo(a) em relação à orientação sexual, a posição de uma profissão que não deve coadunar com situações de discriminação também se mostra clara. Dentro desse panorama, a aids torna-se um campo de trabalho que condiz em muito com os princípios que norteiam a prática psicológica, por necessitar de ações que atendam as vulnerabilidades associadas a ela e também por abordar políticas que tratam diretamente de aspectos como questões de gênero, moral, preconceito e iniquidades sociais. Torna-se relevante, portanto, problematizar o que a Psicologia tem realizado em termos de prática profissional, mas principalmente sua posição no debate acerca de políticas públicas de HIV/aids.

Os(as) psicólogos(as) que atuam junto à população vivendo com HIV/aids e seus familiares desenvolvem um papel relevante no que diz respeito à identificação de vulnerabilidades, à promoção dos direitos humanos e, principalmente, ao olhar sobre a subjetividade do indivíduo que vive e convive com HIV/aids em uma sociedade com tantas dificuldades de acesso aos direitos e exercício da cidadania. Portanto, é fundamental que a posição desse profissional seja entendida, de forma que a inserção no campo da saúde seja também uma inserção no sistema de saúde brasileiro, em seus programas, em aspectos epidemiológicos, assim como o conhecimento acerca de temas específicos relacionados ao HIV, como o contexto em que a epidemia se insere, o trabalho e militância das ONGs/aids, a singularidade do acometimento biológico da infecção e os variados aspectos sociais que a envolvem.

No âmbito da prática, algumas estratégias de intervenção são consideradas possíveis de serem realizadas e de relevância no campo da aids, como por exemplo: o aconselhamento, o plantão psicológico, as ações de educação em saúde, a distribuição de preservativos compondo ações de prevenção, grupos e oficinas, o acompanhamento terapêutico, o atendimento à familia, a avaliação psicodiagnóstica, a assistência domiciliar, discussões entre equipes multidisciplinares, interconsultas, trabalhos de adesão ao tratamento, ensino e pesquisa.

A relevância de tais estratégias de intervenção atualmente já se encontra consolidada, principalmente em se tratando de pessoas vivendo com HIV e aids, que, muitas vezes, ocupam lugares discriminados, produzidos pela via dos discursos perpetrados em nossa sociedade. Portanto, abrir espaço para uma prática que considera a escuta como ferramenta de valor no trabalho para uma assistência mais humanizada, já não se trata mais de uma possibilidade de atuação, mas sim de uma necessidade clara quando se pensa em integralidade do atendimento e melhoria da qualidade de vida das pessoas atendidas (CREPOP, 2008).

No entanto, o que se torna foco aqui é a necessidade de se (re)pensar um posicionamento por parte da Psicologia e dos(as) psicólogos(as) em geral, no qual a proposição de ações e a problematização de questões políticas também faça parte do arcabouço de possibilidades de atuação. De acordo com o CREPOP (2009), um aspecto que chamou a atenção no relato dos(as) psicólogos(as) entrevistados(as) foi a concepção que esses têm sobre políticas públicas, sendo essas apresentadas de variadas formas no discurso dos(as) participantes.

Ainda de acordo com os resultados da pesquisa, grande parte dos(as) psicólogos(as) que atuam no campo das DST/aids exercem cargo de coordenação e de gestão, estando envolvidos(as) na elaboração e implementação de programas nesse âmbito (CREPOP, 2008). Dentro desse contexto, vale refletir, portanto, sobre quais discursos tais profissionais estão (re)produzindo, tendo em vista suas diversas formas de compreender as políticas e o seu papel perante elas.

O discurso é aqui entendido sob o referencial teórico de Foucault (2003), como um conjunto de enunciados que opera no interior do mecanismo geral do poder, capaz de construir lugares e "produzir" sujeitos. Nessa perspectiva, torna-se relevante pensar o lugar que a Psicologia vem sendo chamada a ocupar em nossa sociedade, muitas vezes abordando somente a ótica da assistência e deixando de executar uma postura propositiva e política.

De acordo com Dimenstein (2001), é preciso que os(as) psicólogos(as) incorporem "uma nova concepção de prática profissional, associada ao processo de cidadanização, de construção de sujeitos com capacidade de ação e de proposição" (p. 63). Pautando-se pelos princípios do SUS, por exemplo, o(a) psicólogo(a) se viu tendo que trabalhar com conceitos como prevenção e promoção de saúde, o que, segundo o CREPOP (2009), são exemplos de ações que se relacionam diretamente com a tentativa de colocar as políticas públicas em prática neste campo.

As ações de prevenção, no entanto, assumem significativa posição no âmbito da aids, como, por exemplo, a intensa relação entre prevenção e o uso de preservativo. Nesse contexto, pensar tais ações também como uma possibilidade de elaborar o cuidado sobre si torna-se uma necessidade e perspectiva de trabalho do(a) psicólogo(a), propondo políticas que não contribuam para a legitimação da culpabilização, mas sim para a construção de possibilidades de transformação (Araújo & Sampaio, 2006; CREPOP, 2008).

Em meio aos discursos, que constroem as políticas de saúde e permeiam suas ações, há de se ter cuidado com a produção de sujeitos nesses espaços. É preciso questionar as verdades legitimadas pelos mecanismos de poder e (re)pensar os discursos que atravessam e constituem as estratégias governamentais de políticas públicas na área da saúde, voltadas à problemática da aids de modo geral, refletindo acerca das reais necessidades instaladas em nossa população e fazendo com que as políticas públicas se aproximem de fato do que se propõem a responder.

A Psicologia frente às políticas públicas em HIV/aids no Brasil

A partir desses apontamentos, o que se pode pensar sobre a ciência psicológica, enquanto profissão, inserida nas discussões referentes às políticas públicas em HIV/aids no Brasil? Quais seriam as especificidades do olhar psicológico acerca das interfaces dessas políticas com os direitos humanos, as questões éticas e a discriminação social? O que teria a Psicologia a oferecer para a (re)formulação de políticas públicas voltadas para este campo de intervenção e pesquisa?

Segundo Dimenstein (2001), historicamente, a Psicologia, muitas vezes, esteve "míope" diante da realidade social, das necessidades e do sofrimento da população, levando os(as) profissionais a cometerem muitas distorções teóricas, práticas descontextualizadas e etnocêntricas, o que acarretou uma psicologização dos problemas sociais, na medida em que não eram capacitados(as) para perceber as especificidades culturais de cada sujeito.

Somado a isso, desde a inserção da Psicologia no campo da saúde, o modelo clínico assistencialista, voltado principalmente para o setor de atendimentos privados e dentro de uma perspectiva curativista, ganhou cada vez mais espaço e tornou-se o paradigma hegemônico da Psicologia. Isso porque, desde a constituição do campo da Saúde Pública no final do século XVIII, marcada pelo investimento político da medicina, os discursos em saúde se fundaram no "naturalismo médico, que, invocando cientificidade, legitimou a crescente medicalização do espaço social" (Birman, 2005, p. 12).

Birman (2005) acrescenta que as epidemias representaram o campo privilegiado para a produção, reprodução e diversificação dessa medicalização, contribuindo para o fortalecimento correlato do poder da medicina. Destaca que "a recente epidemia de AIDS revela mais uma vez esse processo, que se repete desde o século XIX no Ocidente: em nome do discurso da ciência, legitimam-se práticas de marginalização de diferentes segmentos sociais" (p. 12).

Tal legitimidade desse discurso naturalista universalizante, sustentado pelas descobertas biológicas, silencia toda e qualquer consideração de ordem simbólica e histórica na compreensão das condições das populações a que se destinam as práticas sanitárias (Birman, 2005). Como reflexo desse saber e prática cristalizados, a diversidade dos desafios encontrados no setor saúde foi desconsiderada em virtude de técnicas que deveriam ser "aplicadas" a qualquer preço. O resultado disso foi um sujeito dividido em partes pelas especialidades, atendido precariamente em suas necessidades, marginalizado e não compreendido em sua complexidade.

A reflexão sobre o conceito de integralidade, uma das diretrizes básicas do Sistema Único de Saúde, vem a somar nesta discussão, uma vez que "mesmo quando diretamente ligada à aplicação do conhecimento biomédico, não é atributo exclusivo nem predominante dos médicos, mas de todos os profissionais de saúde" (Mattos, 2001, p. 39).

Assim, para que de fato ocorra uma transformação dos(as) psicólogos(as) em agentes de mudança, é necessário repensar sobre o lugar da Psicologia, historicamente designado, e sobre as práticas voltadas para o âmbito da saúde pública e seus desdobramentos em termos de compromisso social, hoje almejado pela categoria. (Dimenstein, 2001).

Dessa forma, torna-se fundamental refletir sobre o compromisso social subjacente às práticas da Psicologia no campo de debates das políticas públicas em HIV/aids. Dimenstein (2001) questiona o que seria um profissional comprometido com o trabalho em saúde. Pode-se pensar que esse compromisso implicaria um posicionamento crítico frente às questões em saúde, partindo de reflexões sobre o cotidiano deste trabalho e uma ação estrategicamente planejada. Para tanto,

só um sujeito situado no seu tempo histórico e em relação aos determinantes culturais, políticos e econômicos que condicionam seu modo de estar no mundo poderá transformar, desejar, ousar a mudança, sair do conformismo, reverter a lógica que sustenta o imobilismo, isto é, comprometer-se, ser um ser da práxis (Dimenstein, 2001, p. 59).

Ainda segundo Dimenstein (2001), o(a) psicólogo(a) no contexto da saúde coletiva precisa incorporar uma nova concepção da prática profissional, sempre articulada ao processo de cidadanização, que favoreça a construção de sujeitos com capacidade de ação e proposição. Essa modalidade de intervenção implica ao(à) psicólogo(a) o rompimento com o corporativismo, com as práticas isoladas e com a identidade profissional hegemônica, vinculada à prática clínica/psicoterapêutica.

Somente a mudança desse perfil profissional da Psicologia, numa perspectiva de compromisso social e em conformidade com o ideário do sistema público de saúde e de seus usuários, permitirá ao(à) psicólogo(a) ocupar um novo lugar no âmbito da saúde, voltado para as deliberações sobre HIV/aids. Os sujeitos acometidos pela epidemia necessitam de atenção para além do diagnóstico e cuidados de seus sintomas; precisam de apoio no caminho de reconstrução de suas vidas. Esse poderia ser pensado como o maior desafio para os profissionais de saúde engajados na causa das pessoas vivendo com HIV/aids.

Nesse sentido, o trabalho do(a) psicólogo(a) nesse contexto, numa perspectiva ampliada do processo saúde/doença, deverá promover a capacidade de intervenção transformadora pessoal e coletiva dos sujeitos sobre a vida cotidiana. Diante da fragilidade, as intervenções devem colaborar para a apropriação e para a produção de novos sentidos ao sujeito e sua inserção num processo coletivo de engajamento na luta por melhores condições de vida e de saúde. Assim, a intervenção psicológica, numa leitura mais abrangente do âmbito da saúde, deverá considerar a historicidade dos processos envolvidos e vincular o sujeito à sociedade e ao contexto sócio-histórico em que está inserido (CREPOP, 2008).

Birman (2005) ressalta que um dos efeitos que a noção de saúde coletiva promove é a reestruturação do campo da Saúde Pública, pela ênfase que atribui à dimensão histórica e aos valores investidos nos discursos sobre o normal, o anormal, o patológico, a vida e a morte. Portanto, a noção de saúde coletiva representa uma inflexão decisiva para o conceito de saúde, justamente porque contextualiza as percepções, diagnósticos e, consequentemente, o planejamento das ações.

Assim, para a construção de uma Psicologia afinada aos preceitos da saúde coletiva, torna-se necessária a criação de novas práticas que considerem, por exemplo, a articulação entre corpo e subjetividade no processo do adoecer; como o usuário do sistema de saúde se constitui como sujeito histórico; como os processos corporais são criados e significados pelo sujeito ao mesmo tempo em que expressam o processo coletivo, social e cultural; o usuário como parceiro em um processo de construção da realidade e das subjetividades; e, por fim, a instituição de saúde como uma instituição social que responde a demandas e interesses de grupos da sociedade (CREPOP, 2008).

A publicação do CREPOP destaca as deliberações da Psicologia no contexto das políticas públicas em DST/aids. Suas referências tiveram por objetivo fornecer subsídios para o posicionamento político da Psicologia, partindo da proposta de trabalho em consonância com políticas públicas e, em consequência, com os conceitos e princípios historicamente construídos a partir do diálogo entre sociedade civil organizada e os gestores (CREPOP, 2008).

Faz-se necessário ressaltar que tais referências têm por finalidade assessorar as discussões da categoria, garantir os princípios éticos e norteadores da profissão, além de possibilitar a elaboração de parâmetros compartilhados e legitimados pela participação crítica e reflexiva, sem, no entanto, estabelecer critérios e normalizações rígidas para o trabalho dos(as) psicólogos(as) nesse campo (CREPOP, 2008). Desse modo, tal documento é oferecido "não para ser seguido como uma norma rígida, mas para ser tomado como uma referência sólida e cuidadosa a fim de fortalecer as discussões e as experiências práticas da Psicologia brasileira no âmbito dessa temática tão cara e delicada". (CREPOP, 2008, p.11).

Esse documento marca, assim, a contínua busca de consolidação da Psicologia no contexto da saúde, fortalecendo os laços da recente aproximação da Psicologia com o campo das políticas públicas, numa perspectiva de garantia dos direitos humanos e de fortalecimento da cidadania por meio do controle social e de um Estado responsável, do qual participam os vários segmentos da sociedade organizada, como os profissionais da Psicologia (CREPOP, 2008).

Através da construção coletiva de parâmetros profissionais consistentes para a Psicologia no contexto das políticas públicas em HIV/aids, poderá ser viabilizado um trabalho sério, ético, político e comprometido com a realidade desses sujeitos.

Considerações finais

Há algum tempo a Psicologia vem ensaiando passos para se tornar uma área do conhecimento mais plural, aberta aos variados campos possíveis de atuação e trabalhando para que a transposição de paradigmas não seja a única forma encontrada para o seu fazer. No entanto, é preciso que os(as) profissionais que se dedicam a essa especialidade também estejam empenhados em buscar um novo lugar para suas práticas.

A partir dessa perspectiva, avaliar o que tem sido feito por psicólogos e psicólogas no Brasil, com pesquisas como as que o Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas tem realizado, adquirem fundamental relevância, na medida em que nos levam a perceber o lugar ocupado pela Psicologia em nossa sociedade e os discursos que constroem a posição do psicólogo nos seus vários campos de atuação.

Nesse contexto, a inserção da Psicologia na temática da aids, tanto no âmbito da atuação prática como na construção do conhecimento científico, vem corroborar a necessidade de uma reflexão sobre o olhar destinado a determinados segmentos e a importância de se (re)pensar a "produção de sujeitos" a partir das políticas públicas, diretrizes e ações desenvolvidas.

Nesse sentido, um posicionamento propositivo vem consolidar ações práticas no campo da Psicologia, como um olhar voltado às subjetividades, mas também abrir espaço para questionamentos e análises críticas acerca das estratégias governamentais que produzem e são produzidas pela sociedade. Como ressalta Dimenstein (2001), o compromisso profissional precisa deixar de ser percebido somente como uma questão burocrática, ao passo que tal compromisso envolve "ações/reflexões cuja intencionalidade prática e política é produzir cidadania ativa, sociabilidade e novas subjetividades" (p. 62).

O presente artigo, no entanto, não se propõe a apontar caminhos pré-estabelecidos, ou mesmo encontrar respostas para todos os seus questionamentos, mas sim, através de uma discussão teórica, problematizar temáticas de relevância social e que possuem desdobramentos diretos na vida dos indivíduos. Com isto, esperamos que novas análises e reflexões possam surgir, colaborando para o fortalecimento do debate acerca do fazer da Psicologia e do campo das políticas públicas, especialmente no que concerne à temática da aids.

Neste ensaio, procurou-se demonstrar que a Psicologia, antes com seu campo restringido à assistência, tem atualmente ferramentas importantes para consolidar seu posicionamento crítico e político, especialmente no que se refere à aids. Problematizar e propor estratégias governamentais que ultrapassem discursos de culpabilização e preconceito e que de fato garantam direitos integrais também se torna a prática de uma Psicologia que se preocupa com o coletivo e assume papel propositivo na área da saúde.

Notas

Recebido em: 29/06/2010

Revisão em: 21/11/2010

Aceite em: 25/05/2011

Juliana Perucchi é Professora Adjunta da Universidade Federal de Juiz de Fora. Endereço: Rua Antonio José Martins, 140/ 409. Morro da Glória. Juiz de Fora/ MG, Brasil. CEP 36036-050. Email: jperucchi@hotmail.com

Fernanda Deotti Rodrigues, Laíse Navarro Jardim e Lara Brum de Calais são Mestrandas da Universidade Federal de Juiz de Fora.

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  • 2
    Realizada pelo Centro de Referência Técnica em Psicologia e Políticas Públicas (CREPOP) do Conselho Federal de Psicologia.
  • 3
    As resoluções citadas podem ser encontradas no site do CFP (www.pol.org.br).
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Mar 2012
    • Data do Fascículo
      2011

    Histórico

    • Recebido
      29 Jun 2010
    • Revisado
      21 Nov 2010
    • Aceito
      25 Maio 2011
    Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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