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"Cabeça vazia, oficina do diabo": concepções populares do termo ocupação e a terapia ocupacional

Empty head, devil's workshop": the popular conceptions of the term occupation and occupational therapy

Resumos

A proposta deste estudo é discutir os significados do termo ocupação e as implicações na terapia ocupacional, na perspectiva de futuros profissionais da área, utilizando-se como referência fundamentos da Teoria de Representações Sociais. Para atingir tais objetivos, foi realizada pesquisa qualitativa, utilizando como instrumento o grupo focal, com o provérbio "cabeça vazia, oficina do diabo" como provocador da discussão. Participaram da pesquisa 26 alunos de graduação de Terapia Ocupacional.Os dados, analisados através de análise do discurso, apontaram regularidades discursivas que delinearam três categorias: (1) ócio, tempo livre, (2) valores associados à ocupação e (3) ocupação e a terapia ocupacional. Para os estudantes, esse termo foi valorado positivamente quando associado ao provérbio, porém, rejeitado quando associado à terapia ocupacional. A rejeição da associação do termo à profissão afasta a terapia ocupacional do domínio público, do senso comum e busca sua demarcação no discurso científico.

provérbios; terapia ocupacional; ocupação; tempo livre; ócio


Based on the proposal of discussing the meanings of the term occupation and the implications for occupational therapy, from the point of view of future professionals, qualitative study was undertaken, using as the focus group, with the saying "empty head, devil's workshop" as provocative discussion. The research involved 26 undergraduate students of Occupational Therapy. The data, analyzed through discourse analysis, pointed out discursive regularities which have outlined three categories: (1) leisure, free time, (2) values associated with the occupation and (3) occupation and Occupational Therapy. For students this term was valued positively when coupled TO the proverb, however, rejected when associated TO Occupational Therapy. The rejection of the association of the term to preclude the occupa tional therapy profession in the public domain, common sense and points in the direction of a demarcation in the scientific discourse.

proverbs; occupational therapy; occupation; leisure; idleness


ARTIGOS

"Cabeça vazia, oficina do diabo": concepções populares do termo ocupação e a terapia ocupacional

Empty head, devil's workshop": the popular conceptions of the term occupation and occupational therapy

Teresinha Cid Constantinidis

Universidade Federal do Espírito Santo, Vitória, Brasil

RESUMO

A proposta deste estudo é discutir os significados do termo ocupação e as implicações na terapia ocupacional, na perspectiva de futuros profissionais da área, utilizando-se como referência fundamentos da Teoria de Representações Sociais. Para atingir tais objetivos, foi realizada pesquisa qualitativa, utilizando como instrumento o grupo focal, com o provérbio "cabeça vazia, oficina do diabo" como provocador da discussão. Participaram da pesquisa 26 alunos de graduação de Terapia Ocupacional.Os dados, analisados através de análise do discurso, apontaram regularidades discursivas que delinearam três categorias: (1) ócio, tempo livre, (2) valores associados à ocupação e (3) ocupação e a terapia ocupacional. Para os estudantes, esse termo foi valorado positivamente quando associado ao provérbio, porém, rejeitado quando associado à terapia ocupacional. A rejeição da associação do termo à profissão afasta a terapia ocupacional do domínio público, do senso comum e busca sua demarcação no discurso científico.

Palavras- chave: provérbios; terapia ocupacional; ocupação; tempo livre; ócio.

ABSTRACT

Based on the proposal of discussing the meanings of the term occupation and the implications for occupational therapy, from the point of view of future professionals, qualitative study was undertaken, using as the focus group, with the saying "empty head, devil's workshop" as provocative discussion. The research involved 26 undergraduate students of Occupational Therapy. The data, analyzed through discourse analysis, pointed out discursive regularities which have outlined three categories: (1) leisure, free time, (2) values associated with the occupation and (3) occupation and Occupational Therapy. For students this term was valued positively when coupled TO the proverb, however, rejected when associated TO Occupational Therapy. The rejection of the association of the term to preclude the occupa tional therapy profession in the public domain, common sense and points in the direction of a demarcation in the scientific discourse.

Keywords: proverbs; occupational therapy, occupation, leisure, idleness.

Através do provérbio "cabeça vazia, oficina do diabo" são discutidos os significados populares da ocupação e o do ócio e as implicações na terapia ocupacional, no que diz respeito à complexidade da circunscrição de sua atuação e fundamentação. Para fazer essa discussão, inicialmente, foi feita uma explanação sobre o valor discursivo dos provérbios como enunciados que refletem o saber coletivo e a ideologia social. Em um segundo momento, foi discutido o provérbio "cabeça vazia, oficina do diabo", a contraposição do ócio à ocupação, para, posteriormente, relacionar o termo "ocupação" à história e fundamentação da terapia ocupacional. Nesse percurso, é explicitada a hipótese de que o referido termo tem sido substituído pelo termo atividade pelos terapeutas ocupacionais. A partir daí, é apresentada pesquisa com alunos de graduação de terapia ocupacional, buscando-se verificar quais significados atribuem ao termo ocupação e como o relacionam à terapia ocupacional. O texto é finalizado com considerações no sentido de contribuir para a produção de conhecimentos na área.

Os provérbios e a sabedoria popular

Os provérbios são enunciados facilmente reconhecíveis e memorizáveis, são manifestações originadas na sabedoria popular, constituindo-se como formas de expressão coletiva, consagrados pelo uso. Têm um caráter consensual que se deve, sobretudo, a sua atemporalidade, a seu caráter de verdade imutável (Obelkevich, 1997). Refletem e são refletidos na vida sociocultural, fazendo parte da história social, das produções culturais transmitidas de geração em geração.

Cada geração traz a herança de objetos e fenômenos criados pelas gerações precedentes. Ela apropria-se de produções (linguagem, pensamento ou aquisição de um saber) que se cristalizaram, encarnaram no mundo social a partir de um processo histórico em função de suas características objetivas. Segundo Leontiev (2004), o saber e o pensamento de uma geração formam-se a partir da apropriação dos resultados da atividade cognitiva das gerações precedentes. Assim, a transmissão da experiência cultural se dá através da educação. Lauand (2000) aponta que o provérbio perpetua uma forma de pensar e veicula valores de forma sutil, sem deixar explícitos os objetivos ou os métodos empregados, sendo agente privilegiado da educação invisível. Segundo o autor, os provérbios utilizam o saber popular, condensando a experiência sobre a realidade do homem.

Na citação proverbial há uma formulação impessoal, o enunciador incorpora no seu discurso uma palavra que não é sua, mas do senso comum, e não refere aos seres presentes no universo da enunciação, ou o faz indiretamente, de maneira ambígua e proveitosa para as intenções do locutor. Os sentidos veiculados pelo provérbio estão na memória coletiva e, em geral, são interpretações de cunho moralista sobre o mundo. Fazendo parte de uma sabedoria anônima, os provérbios veiculam uma experiência coletiva, um saber coletivo ou uma ideologia social.

Aqui vale fazer um parêntese, para analisar o valor discursivo do provérbio, baseando-se nas propostas de análise discursiva de Fiorin (2007). Entende-se discurso como: "combinações de elementos linguísticos usados pelos falantes com o propósito de exprimir seus pensamentos, de falar do mundo exterior ou de seu mundo interior, de agir sobre o mundo." (Fiorin, 2007, p. 11). Segundo esse autor, o discurso tem mecanismos internos de estruturação que são relativamente autônomos em relação às formações sociais; por outro lado, está sujeito às suas coerções. O discurso seria, ao mesmo tempo, determinado e autônomo. O autor explica que o enunciador organiza sua estratégia discursiva em função de um jogo, utilizando-se de discurso direto ou indireto. No discurso indireto ouvimos a palavra de outro pela voz narrada. Já o discurso direto caracteriza-se pela preservação integral do discurso relatado, criando um sentido de verdade, pois o locutor repete o discurso do outro. Nesse mecanismo de discurso direto é possível receber e veicular quaisquer conteúdos, mas esses são determinados pela estrutura social. O provérbio faz parte do mecanismo do discurso direto. No discurso encontra-se o campo de manipulação consciente e o da determinação inconsciente. Pode-se concluir que, ao utilizar um provérbio, o locutor tenta criar efeitos de sentido de verdade, tentando convencer seu interlocutor. Esse seria o campo da manipulação consciente. Por outro lado, no campo das determinações inconscientes, o provérbio, fazendo parte de uma produção discursiva, estaria no conjunto de elementos semânticos usado no discurso de uma dada época, constituindo a maneira de ver o mundo de uma dada formação social. "O homem aprende como ver o mundo pelos discursos que assimila e, na maior parte das vezes, reproduz esses discursos em sua fala." (Fiorin, 2007, p. 35).

Brunelli (2006) afirma que o significado de um provérbio depende não só do que é dito em si, mas também da situação em que ele é usado. Os significados mudam com o tempo e podem variar em relação ao espaço. Fazem parte de um tipo de comunicação que só pode ser entendida se contextualizada na sociedade onde é produzida. Além disso, Fiorin (2007) destaca que dois discursos podem trabalhar com os mesmos elementos semânticos e revelar duas visões de mundo diferentes, pois o falante pode dar valores distintos aos elementos semânticos que utiliza. Burke e Porter (1997) trazem o seguinte exemplo para ilustrar como os provérbios são variáveis em relação à cultura: O provérbio "pedra que rola não cria limo" é utilizado na Escócia para incentivar a mobilidade e na Inglaterra, ao contrário, é usado para desencorajá-la.

Obelkevich (1997) aponta que, apesar de serem bastante utilizados na escrita, os provérbios constituem gênero marcadamente oral, fazendo parte, portanto, da tradição oral. Trindade (2005) destaca que a tradição oral é resistente aos avanços da comunicação, à força difusora da palavra escrita e das transmissões televisuais, mantendo-se como fonte essencial da socialização dos conhecimentos, apesar de aparentemente suplantadas por esses meios.

"Cabeça vazia, oficina do diabo": o ócio x ocupação

O provérbio "cabeça vazia, oficina do diabo" é muito utilizado para se referir à falta de ocupação resultando em maus pensamentos e suas consequências, além de valorizar a ocupação, o preenchimento do ócio. Reflete uma visão de mundo em que o ócio é visto como ameaçador da moral. Dessa forma, o ócio desorganizador, que traz a delinquência, a loucura, deve ser preenchido pela ocupação organizadora.

O tempo livre associado ao ócio resguarda valores negativos através dos tempos. Incorporou ao longo da história o valor maléfico, promotor do enfraquecimento das virtudes. Montaigne (1996) ressalta a importância da ocupação como combate ao ócio, nocivo ao espírito:

Nas terras ociosas, embora ricas e férteis, pululam as ervas selvagens e daninhas, e para aproveitá-las cumpre trabalhá-las e semeá-las a fim de que nos sejam úteis. Assim também vemos que as mulheres produzem sozinhas fluxos de matérias sem consistência, mas, para que engendrem em condições favoráveis, necessário se faz fecundá-las com a boa semente. Assim igualmente os espíritos: se não os ocupamos com certos assuntos que os absorvam e disciplinem, enveredam ao léu, sem peias, pelo campo da imaginação. (Montaigne, 1996, p.53)

No mundo capitalista, com a supervalorização do trabalho, da produção, há uma incompatibilidade absoluta com o ócio. Porém, vale destacar que a valorização do ócio tem entrado em discussão atualmente. Domenico de Masi (2005) mostra como alternativa à crise que se estabeleceu em torno do trabalho (advento de novas tecnologias, desemprego, etc.), o alargamento do tempo livre ou diminuição da jornada de trabalho. Para o autor, quanto maior o tempo livre, maior será a criatividade. Defende a ideia do ócio criativo, no qual estudo, trabalho e jogo acabam coincidindo. Da mesma forma, Maria Rita Kehl (2004, citada por Pontes, 2007), valoriza o ócio para crianças, brincando com esse mesmo provérbio, dizendo que o diabo que se engendra numa cabeça vazia é o capetinha do faz-de-conta, do devaneio, da pura alegria de viver. Ao contrário, o diabo da agenda cheia é o diabo da angústia.

Em relação à ocupação, valorizada pelo provérbio citado, é interessante notar que as definições de alguns dicionários (Ferreira, 1986; Houaiss, 2009) trazem em primeiro lugar a referência ao ato de ocupar ou de apoderar-se de algo, ou seja, posse. Em pesquisa de busca na internet, na grande maioria dos sítios indicados para o termo ocupação, traz essa mesma conotação: ocupação de territórios, terras, instituições. Nos poucos sítios que referem conotação diferente ao termo, predomina a ocupação do tempo livre. Assim, a conotação dada ao termo ocupação, na língua portuguesa, traz a ideia de tomar posse, de preencher um espaço vago ou de preencher um espaço de tempo (tempo livre). Relacionando essa discussão com o provérbio analisado, a ocupação vem tomar posse da cabeça vazia, assim como fazem os maus pensamentos (oficina do diabo), dominando o corpo e a mente pela ação, disciplinando-o e elevando o espírito. A ocupação dominando as paixões, os sentimentos e os sentidos, para preservar a razão, que é hierarquicamente superior a essas outras instâncias e delas separada.

Essa construção do conhecimento a respeito da ocupação e do ócio, apresentada até aqui, é de domínio do senso comum. Esse tipo de conhecimento se dá sem padronização e sem sistematização, correspondendo a uma forma de pensamento mais natural, próprio dos diálogos da vida cotidiana (Perrussi, 1995). Para Moscovici (1985), a elaboração dos atos sociais característicos do senso comum (atos de fala, atos mentais e ação prática) não depende de determinações e delimitações institucionais da sociedade. No entanto, no mundo moderno há uma distinção entre a existência de um pensamento reprodutor de um senso comum e a existência de um pensamento normatizado, produtor de um pensamento científico e sistemático que traz explicações formais para a sociedade. Em relação a esse tipo de pensamento, o senso comum é plural, genérico e pretensamente livre. Em relação à ocupação, é no pensamento formalizado, científico, que a Terapia ocupacional tem a intenção de se inscrever.

Terapia Ocupacional: ocupação ou atividade?

A ocupação para o saber popular - elaborado pelo senso comum, a partir das ações do cotidiano - muitas vezes é vista como moralizante, em contraponto ao ócio desorganizador, assim como ilustra o provérbio "cabeça vazia oficina do diabo". É dentro dessa perspectiva que surge a terapia ocupacional.

A "Escola do Tratamento Moral", proposta pelo movimento alienista, foi precursora da terapia ocupacional. A estratégia do tratamento moral era o isolamento de pessoas acometidas por doenças mentais em hospitais psiquiátricos, para empreender uma terapêutica que as reconduzisse a um papel socialmente aceito. Tinha como eixo o trabalho/ocupação; a ocupação trazia a aprendizagem da ordem, da regularidade e da disciplina, mantendo a ordem no hospital psiquiátrico. Assim, a terapêutica ocupacional foi introduzida como parte integrante dessa forma de tratamento (De Carlo & Bartalotti, 2001).

Porém, com o processo de reforma psiquiátrica e a emergência da saúde mental, a terapia ocupacional tem sua ação norteada por outros referenciais que fazem forte contraposição ao tratamento moral e a todas as modalidades de ocupação do tempo ocioso. Também no campo da reabilitação, emergem outras práticas que vão de serviços altamente baseados em técnicas e tecnologias assistivas até serviços voltados a comunidades carentes, indo além das atividades meramente ocupacionais, características do início da profissão. Independente da área de atuação, o que se nota é a desapropriação do termo ocupação.

Eda Tassara (1993) aponta que a terapia ocupacional, pelo seu próprio nome, já se afirma como uma "tecnologia que faz uso de ciências ou conhecimentos científicos para atuação em um campo específico de problemas. Essa área de problemas dentro da qual ela se insere se define pela função 'ocupação'" (Eda Tassara, 1993, p.46). Segundo a autora, dessa implicação surge um grande problema, pois a função ocupação é de definição pouco objetiva. A função "ocupação" está comprometida com o cotidiano, dependendo da cultura, do momento histórico, do sistema de valores de verdade que está disciplinando as decisões do sujeito analista, com a experiência do senso comum. Daí decorrem os problemas de caracterização desse termo, pois todos acham que sabem o que significa, pois está no senso comum achar que se sabe o que é ocupação. A grande questão da terapia ocupacional, segundo a autora, é a complexidade da circunscrição do problema sobre o qual ela vai atuar, já que "ocupação" é um termo ambíguo. Assim, a terapia ocupacional é uma tecnologia que se estrutura sobre uma problemática que requer ciência que não depende só da análise das técnicas terapêuticas, mas da definição do termo "ocupação" e esse termo está diretamente ligado ao senso comum, o que traz uma noção intuitiva da profissão. No senso comum encontramos a ideia de que fazer algo pode afastar ou evitar sentimentos indesejados.

A terapia ocupacional, no entanto, define o fazer humano, a ação, o cotidiano, como objeto da profissão e busca, através de articulação de conhecimentos interdisciplinares, uma demarcação no discurso científico. O investimento em consolidar a fundamentação da terapia ocupacional acontece em diferentes momentos da história da profissão. Enquanto a literatura americana converge o campo para o estudo da ocupação, no Brasil há uma variedade de discursos que não enveredam para esse campo propriamente dito, mas para o estudo do cotidiano (Drummond, 2007). A análise do cotidiano na terapia ocupacional fundamenta-se no contexto sócio-histórico, na cultura e nos processos de subjetivação do sujeito.

A incorporação do conceito de cotidiano na produção teórica e no discurso da prática traz implícita uma mudança radical na proposição teórico-metodológica da terapia ocupacional. A ação da terapia ocupacional, segundo a perspectiva crítica, funda-se na retomada histórica e contextualizada do sujeito e sua inserção participante no coletivo. (Galheigo, 2003, p.108)

Ainda que a terapia ocupacional no Brasil, atualmente, esteja mais voltada ao cotidiano e sua complexidade de análise, continua implicada com a função e utilização do termo ocupação. O nome da profissão terapia ocupacional traz todos os valores e ideologias relacionados a esse termo. Terapia Ocupacional, Occupational Therapy, é o nome da profissão adotado, na atualidade, em todo o continente americano e em países de influência anglo-americana como África do Sul, Austrália, Nova Zelândia e Japão (Soares, 2007). Além desses, podemos citar alguns países europeus como Portugal, Espanha e Inglaterra, que adotam essa mesma nomenclatura.

Apesar de o termo ocupação estar explicitado no nome da profissão, pode ser substituído pelo termo atividade na sua definição. Como exemplo, temos a definição da profissão formulada pelo curso de terapia ocupacional da USP - Universidade de São Paulo (2003, citado por Soares, 2007):

É um campo de conhecimentos e de intervenção em saúde, educação e na esfera social, reunindo tecnologias orientadas para a emancipação e autonomia das pessoas que, por razões ligadas a problemática específica, físicas, sensoriais, mentais, psicológicas e/ ou sociais, apresentam, temporariamente ou definitivamente, dificuldade na inserção e participação na vida social. As intervenções em Terapia Ocupacional dimensionam-se pelo uso de atividades, elemento centralizador e orientador, na construção complexa e contextualizada do processo terapêutico. (Soares, 2007, p. 3)

A Federação Mundial de Terapia Ocupacional divulgou em 2005, 40 definições de terapia ocupacional, colhidas junto aos países membros (W.F.O.T., 2005). Em 16 dessas definições são utilizados termos relacionados à ocupação, tais como: ocupação humana, ocupação profissional, ciência ocupacional, habilidades ocupacionais. As outras 24 definições não utilizam o termo referido, utilizando o termo atividade.

Seria a não utilização do termo pelos terapeutas ocupacionais, resultado de tentativa de romper com a conotação do senso comum que leva à "estereotipação da profissão", reduzindo-a ao ato de ocupar o tempo no combate ao ócio? Como futuros terapeutas ocupacionais relacionam o termo ocupação com a profissão?

Estudantes de terapia ocupacional: entre a qualificação profissional e o senso comum

Para Forgas (1981, citado por Alexandre, 2004), a "moderna" Psicologia Social é orientada por postulados baseados numa visão do homem como ser pensante e processador de informações geradas no meio social. Para o autor, nosso conhecimento é colorido por valores, motivações e normas de nosso ambiente social; e as ideias, conhecimentos e representações são criadas e recriadas tanto em nível social quanto individual.

Partimos do ponto em que o estudante de terapia ocupacional ingressa no curso, com um acervo social de conhecimentos a respeito da ocupação, que são produtos do momento histórico, de sua socialização em um determinado segmento social. Esse estudante, portanto, pode trazer conhecimentos a respeito de ocupação que podem ter a conotação de ocupação de tempo para combater o ócio, como sugere o provérbio citado, por exemplo.

No entanto, no decorrer do curso, entra em processo de formalização de conhecimentos a respeito do fazer humano, da ação, do cotidiano, de um saber científico a respeito do tema ocupação, que são objetos de estudo da Terapia Ocupacional. Entra em contato com a utilização terapêutica da ocupação que se opõe à função meramente de ocupar, no sentido popular do termo. Além disso, conhece a história da profissão e todo o processo de busca de fortalecimento profissional que, dentre outras formas, se dá através de alcançar certo status científico.

Diante disso, como se dá o processo de reinterpretação desse conhecimento a respeito da ocupação, um termo ligado ao senso comum, que permite uma localização e manejo no campo social, um pensamento prático, que pode diferenciar-se com as concepções atuais da terapia ocupacional? Como esses estudantes utilizam suas concepções prévias desse termo na interpretação e produção de conhecimento formalizado no âmbito científico a respeito da ocupação humana, para sua futura profissão?

Não se trata de propor uma clivagem entre ciência e senso comum, mas de abarcar o conhecimento do homem comum, no sentido de desvelar a teia de significados que sustenta a realidade social (Spink, 1993). No nosso caso, trata-se de entender a relação entre o conhecimento popular a respeito da ocupação - elaborado a partir do senso comum- e a terapia ocupacional.

Os estudantes, que estão nesse processo de confrontação direta das duas posições, fazendo um consenso entre elas, suas reinterpretações do termo, mostram-se como participantes privilegiados aos propósitos da pesquisa.

Percurso metodológico

Partindo da proposta de entender quais os significados que alunos de graduação de terapia ocupacional dão ao termo ocupação e como o associam à sua futura profissão, o método qualitativo mostrou-se o mais adequado. Ser um estudo que busca a compreensão do processo pelo qual as pessoas constroem significados, conhecer suas vivências e desenvolver teorias relativas a esse fenômeno, tal como se propõe esta pesquisa, são algumas das características da pesquisa qualitativa (Minayo, 2002).

Para coleta de dados, foi utilizado o grupo focal, instrumento que enfatiza a compreensão dos problemas do ponto de vista dos grupos populacionais. Baseia-se na tendência humana de formar opiniões e atitudes na interação com outros indivíduos, contrastando, nesse sentido, com dados colhidos em questionários fechados ou entrevistas individuais, onde o indivíduo é convocado a emitir opiniões sobre assuntos que talvez nunca tenha pensado anteriormente (Lervolino & Pelicioni, 2001).

O grupo focal se apoia na interação entre seus participantes na coleta dos dados, a partir de tópicos que são colocados pelo pesquisador. O material obtido é a transcrição da discussão do grupo focada em um tópico específico (Carlini-Cotrim, 1996).

Participaram da pesquisa 26 alunos de graduação de Terapia Ocupacional, distribuídos entre 3º, 5º e 7º períodos do curso. A realização dos grupos focais foi na faculdade onde os estudantes fazem o curso de terapia ocupacional. A explanação da proposta da pesquisa foi feita pela pesquisadora, no final de aulas dos diferentes períodos. Os alunos que concordaram livremente em participar voluntariamente da pesquisa, permaneceram em sala de aula, onde foi realizado o grupo focal. Tendo em vista a população estudada, na realização da coleta de dados seguimos as diretrizes e normas para pesquisas envolvendo seres humanos, do Conselho Nacional de Saúde, regulamentadas pela Resolução 196/96 (Ministério da Saúde, 1996).

Vinte e quatro estudantes eram do sexo feminino e dois do sexo masculino. A média de idade era de 20 anos. Os participantes foram divididos em três grupos, de acordo com o período cursado.

Cada grupo participou de sessão única com duração de 50 minutos e teve como moderador do grupo, a pesquisadora. Os grupos de estudantes realizaram discussão, tendo como provocadores desse processo o referido provérbio. O provérbio "Cabeça vazia...", como vimos, permite sentidos relacionados à ocupação, ao ócio, trazendo o senso comum ao primeiro plano. Para responder aos objetivos do estudo, os estudantes foram motivados a discutir o referido provérbio em dois momentos. Em um primeiro momento, através de associações livres; e em um segundo momento, foi solicitada a análise do ponto de vista de futuros terapeutas ocupacionais. As sessões foram gravadas e, posteriormente, transcritas.

Os dados foram analisados através de análise do discurso. A análise do discurso preocupa-se em compreender os sentidos que o sujeito manifesta através do seu discurso (Orlandi, 1999).

É importante ressaltar, mais uma vez, que os enunciados partiram de jovens estudantes de terapia ocupacional que já tiveram experiências em discussões sobre ocupação, atividade humana e sobre a terapia ocupacional.

Resultados e discussão

Os estudantes, independente do período em que se encontram, associam o termo ocupação a um sistema de valores, quando falam do lugar onde predomina o senso comum, de pessoas comuns, ao comentarem o provérbio, e a um sistema de valores diverso quando se expressam do ponto de vista de futuros terapeutas ocupacionais, que corresponderia a uma visão de especialista da área. Partimos da premissa de que esses estudantes estão entre o nível pessoal de qualificação e o senso comum. Dessa forma, reproduziriam dois universos de conhecimento reconhecidos pela sociedade (Moscovici, 1985), por um lado, de especialistas na área de saber sobre a ocupação e, por outro lado, com a liberdade individual de se expressarem sobre o assunto e de se agruparem a partir de suas ideias em comum.

As regularidades discursivas apontaram para a separação em três categorias: (1) o ócio, o tempo livre, (2) valores associados à ocupação e (3) ocupação para o terapeuta ocupacional. As unidades de sentido da primeira categoria referiram-se a aspectos negativos do ócio, prejudiciais à saúde mental do sujeito. Na segunda categoria, as unidades de sentido incluídas referiram-se a aspectos positivos da ocupação na relação do sujeito com o meio social. O afastamento da terapia ocupacional do termo ocupação foi a unidade de sentido analisada na terceira categoria. Alguns trechos de falas dos estudantes foram apresentados para ilustração da discussão, por serem significativos em relação ao discurso coletivo dos participantes.

O ócio, o tempo livre

Antes de falarem sobre a ocupação, trazem o ócio para o primeiro plano. Os dados evidenciam a confirmação do significado do ócio associado ao malefício, segundo o senso comum. O ócio é alvo de desejo, mas é perigoso. Como negativo da ocupação, deixa o pensamento solto, sem freios, levando ao vazio, ao nada, à perda de direcionamento, de rota a ser seguida, de referência. Leva ao acaso, à perda do domínio das ações. Como ilustração, temos trecho de fala de um dos participantes: "Se você fica sem fazer nada, fica pensando em caraminhola, se perde. Eu vejo muito isso... Todo mundo fica sonhando com o 'fare niente', mas quem fica mais ocioso é quem fica mais perdido, sem referência, sem identidade, sei lá...".

O vocábulo identidade origina-se do latim idem, a mesma, e traz a noção de estabilidade, contrapondo -se à processualidade. O fazer nada leva à perda da identidade, parece evidenciar a processualidade da vida, os territórios de existência que são sempre finitos, que se renovam. Rolnik (1997) destaca que a desestabilização causada pelo inusitado da vida, que nos convoca a mudanças, não flui da mesma forma para todas as pessoas. A interrupção dessa processualidade é uma tendência atual no mundo contemporâneo e a modalidade mais comum de interrupção é o que a autora chama de "toxicomania de identidade", que se prolifera em qualquer ponto do planeta - independentemente de país, classe social, sexo, faixa etária, cor de pele, raça, etnia, religião, ideologia e assim por diante. Ter uma identidade é uma forma de anestesiar-se, de manter certa estabilidade, um suposto equilíbrio diante dos efeitos da processualidade da vida. A ocupação pode ser uma forma de manter a suposta identidade.

Podemos pensar ocupação como trabalho e sua articulação com a identidade. Na nossa sociedade o papel de trabalhador ocupa papel de destaque entre os papéis sociais representativos do eu (Segabinazzi, 2007). Quando acontece a falta de trabalho, a identidade de trabalhador entra em crise, colocando em crise o sujeito.

Enriquez (1999) ressalta a importância da instauração da temporalidade, fundamental para o ser humano, que advém com o trabalho e sua organização. Para o autor: "Quando não temos temporalidade, não sabemos mais quem nós somos nem o que temos a fazer" (Enriquez, 1999).

Em relação a essa discussão, transcrevemos as seguintes falas dos participantes:

Gente, é só ver o pessoal que se aposenta. A maioria fica bem um tempo, depois não sabem lidar com o tempo livre e acabam se deprimindo... É aí que vão pensar na vida, no que não fizeram, deixaram de fazer, do pouco tempo pra fazer o que desejam...".

Passam por avaliação a condição atual de vida, pontos de fixação do passado, projeções para a vida futura. O tempo livre pode ser sinônimo de tempo vazio: "É, tem alguns aposentados que conseguem preencher o tempo vazio e se dão bem, mas tem alguns que se dão mal..., preenchem o tempo vazio com o rancor, com culpa, com falta de perspectiva..., sem futuro..."

Seu excesso leva à loucura, à depressão, pois abre espaço para o pensamento, para o encontro consigo mesmo, com a incerteza da vida, uma tomada de consciência de si e do mundo. "E aquelas histéricas do século XVIII, XIX? Ficavam sem fazer nada, no máximo um bordadinho, esperando o casamento... Era uma 'piração' total, a mulherada pirava..."

O tempo livre se refere às ações humanas sem que ocorra necessidade externa, é quando o homem pode fazer uso de seu tempo com total liberdade (Aquino e Martins, 2007).

A liberdade pode desestabilizar porque pode colocar o mundo individual fora da ordem ditada pelo mundo externo, sendo possível criar sua própria ordem.

Sanidade significa ordem, hierarquia, totalização, supremacia organizativa da consciência individual, do "gênio". A loucura sobrevém quando esta hierarquia é subvertida, quando a consciência perde o controle sobre essa totalidade, quando um dos elementos particulares foge à subordinação original. A contradição se dá entre o particular e o universal. (Pelbart, 2009, p.47)

Essa ordem singular pode abalar o controle necessário, a capacidade organizativa da consciência sobre o mundo externo. Na aceleração da vida cotidiana, onde tempo parece cada vez mais valioso, não ter o que fazer, não ter como preencher o tempo, coloca o sujeito diante do vazio e isso traz consequências para a saúde mental.

Vocês já viram aqueles mendigos, moradores de rua? Não sei se é louco porque é morador de rua ou é morador de rua porque é louco... A impressão que eu tenho é que a falta de perspectiva, o não fazer nada, não ter nada, estar diante de um vazio é que leva a loucura dessas pessoas.

Valores associados à ocupação

Os valores positivos atribuídos à ocupação se aproximam em significação aos atribuídos pelo senso comum. Ao contrário do ócio, a ocupação reforça os contornos identitários, dando um direcionamento à existência. Além disso, destacam que o estar ocupado pode equivaler a sentir-se útil, e esse sentimento pode ser o eixo orientador de pessoas em situações de vulnerabilidade diversas.

A ocupação é importante... vê esse pessoal desocupado, perdido. Eles têm tirado o pessoal das ruas e incluindo eles em atividades legais, que tem a ver com o contexto deles. Tem muita ONG, muito programa social que trabalha com jovens e que coloca esses meninos em atividades produtivas, artísticas... eles acabam se encontrando... Tem muita experiência aí dando certo.

Enriquez (1999) aponta que a inserção no trabalho leva à inserção num sistema social mais completo, podendo ter investimentos políticos e ser verdadeiramente cidadãos. O sentir-se útil leva a um reforço positivo na auto-imagem, a uma valorização de si mesmo.

No ônibus, outro dia, tinha um desses caras, ex-drogados... ex- dependentes, quero dizer... Desses que vendem canetinhas, balincITAÇÃOhas, pra uma instituição de recuperação. O rapaz falava que a ocupação tinha sido a salvação dele, que a instituição tinha dado um trabalho para ele, uma ocupação, e só quando ele se sentiu útil é que ele conseguiu sair do vício.

No entanto, a ocupação, o trabalho realizado, deve ser valorizado por quem o executa e pela sociedade. Deve haver o sentimento de que o trabalho tem sentido e valor por si mesmo, levando ao reconhecimento e valorização do trabalhador (Mendes & Tamayo, 2001).

Também não dá pra fazer qualquer coisa, né? Dependendo do que se faz... Pensa naquelas fábricas, produção em série. Aquilo é saudável? Assim como aquelas atividades de separar arroz do feijão e depois misturar de novo e começar tudo de novo. Olha lá o que a gente tá falando aqui...

A ocupação também aparece articulada ao ser produtivo, a ter uma postura ativa diante da vida, como condição necessária para o bem-estar, para a saúde: "Tem esse provérbio aí [se referindo ao provérbio "cabeça vazia...] e tem também o 'quem canta seus males espanta' e eu acho que é por aí mesmo... tem que fazer alguma coisa, ser ativo, ser produtivo, pra se sentir bem." "A verdade é que a ocupação é fundamental para a saúde. Eu tô pensando em ocupação como uma atitude ativa diante da vida. Tá vendo como nossa profissão é importante? Não dá pra ficar sem fazer nada, que adoece [risos]".

Aparece um pequeno movimento no sentido de definir saúde associada à ocupação, ainda que sem aprofundamento da questão. Tais enunciados indicam uma noção de saúde que vai além da ausência de doença, que desloca o olhar para sujeitos ativos, "em sua potência de criação da própria vida" (Campos, 2007).

Ocupação e a terapia ocupacional

"A gente vê claramente: onde tem um serviço de T.O. estruturado, na saúde mental, nas enfermarias de crise, a gente não vê tanta loucura, tanto grito, tanta angústia..."

Em um primeiro momento, aparece a ocupação valorizada como meio de colocar ordem no caos da loucura. Essa visão da ocupação se aproxima do tratamento moral e pode ser considerada conservadora em relação aos avanços da terapia ocupacional em saúde mental. Esse movimento, precursor da profissão, é combatido dentro do movimento de reforma no campo da saúde mental.

A ocupação ordena, organiza a mente e o ambiente, porém nesse processo pode oprimir, abafar conteúdos necessários a elaborações de conflitos:

Este provérbio traz a ocupação como essencial, mas não é bem assim. Ocupar a cabeça pra não pensar besteira? Besteira pra quem, cara pálida? Às vezes a gente tem que pensar, que elaborar e não adianta colocar uma ocupação para abafar esse processo. Ele tá gritando porque tá desocupado? Do que estamos falando...? Ocupação pode ser opressão...

Apesar da associação do termo ocupação com saúde, bem-estar, eixo-orientador de pessoas em vulnerabilidade, organizador do mundo interno e externo de pessoas com transtorno mental, ele é rejeitado quando associado explicitamente à terapia ocupacional. A ocupação banaliza a profissão: "Ocupação... eu não gosto deste termo. Parece que é qualquer coisa... O pessoal fala: 'Ah, sei, terapia ocupacional para ocupar os velhinhos', 'pra ocupar os doidos'. Parece que qualquer um pode fazer o que a gente faz..."

Associado à profissão, o termo perde sua valoração positiva atribuída anteriormente. O termo ocupação desmistifica a profissão, colocando-a no domínio popular, banalizando suas intervenções e toda sua fundamentação:

É, parece que banaliza a profissão. A gente vê na televisão, nos programas, nos comerciais: 'eu já fiz minha terapia ocupacional de hoje', 'faça você mesmo a sua terapia ocupacional'. O pessoal não sabe o que tá por trás, o quanto é pensado na relação, na atividade... Ocupação é fazer qualquer coisa pra não pensar bobeira, é que nem o provérbio... Isto não é T.O...

A terapia ocupacional é reduzida ao seu objeto e daí simplificada, perdendo, ao olhar popular, toda sua complexidade e amplitude técnica, teórica e de campo de intervenção. Assim, na visão desses estudantes, esse termo desvaloriza a profissão, levando a uma falta de (re)conhecimento de sua atuação pela população em geral: "Ocupação...prefiro atividade. Aliás acho que deveria mudar o nome da T.O.. Este nome detona com a gente. Acho que... sei lá, tinha que mudar o nome."

Essa negação da associação do termo à profissão afasta a terapia ocupacional do domínio público, do senso comum e busca uma demarcação da Terapia Ocupacional dentro do discurso científico:

A utilização de atividades na promoção e cuidado à saúde para o bem-estar das pessoas, isto é científico... A gente se utiliza de várias ciências pra nossa prática, para aquele momento em que tem uma pessoa com uma demanda, a outra que sabe como ajudá-lo nessa demanda e a atividade. Pode parecer, pra quem tá de fora, um simples bordado, mas tem uma ciência por trás...

Aparece a confrontação da ciência com o senso comum, como dois campos de conhecimento de universos, objetivos e propósitos diferentes. Cria-se uma distância entre o saber popular e o saber dentro da racionalidade científica.

No contexto atual, o pensamento dos profissionais de saúde está voltado para considerar conhecimento como aquilo cientificamente comprovado, aquilo que a literatura afirma como verdade, muitas vezes se opondo ou desprezando o senso comum, passando a negar ou tratar como erro o modo como as pessoas comuns, do saber popular, entendem e explicam o mundo, a criar abismos epistemológicos questionáveis (Rios, Franchi, Silva, Amorim, & Costa, 2007).

No entanto, devemos atentar ao fato de que a ciência progride a partir de dificuldades que emergem no dia a dia das pessoas. O senso comum é terreno fértil para nossos pensamentos e nossas ações.

Considerações finais

O termo ocupação dá margem a uma série de interpretações, e o provérbio "cabeça vazia, oficina do diabo" indica a expressão coletiva da conotação do termo, como foi discutido neste trabalho. Para os estudantes de terapia ocupacional, esse termo foi valorado positivamente quando associado ao provérbio, porém, quando associado à terapia ocupacional ele é rejeitado. Os resultados mostram que o termo é aceito quando o enunciado parte do senso comum e recusado quando parte da terapia ocupacional, indicando para esta uma busca de demarcação no discurso científico.

Porém, Arruda afirma: "Se considerarmos que a ciência não acontece dentro de uma bolha, isolada da sociedade, podemos perceber como o quadro que a cerca incidirá também sobre a sua produção..." (Arruda, 2002, p.129). Dessa forma, mesmo que esses estudantes neguem ou evitem a associação do termo à profissão, a terapia ocupacional tem suas intervenções dimensionadas pela ocupação, tem seu campo de estudo relacionado ao cotidiano, lidando com subjetividades, sistema de valores e verdades ligados à ocupação normatizadora e ao ócio desorganizador, como nos indica o provérbio aqui analisado.

A terapia ocupacional não se reduz à ocupação, mas a ocupação e toda a representação que ela comporta estão contidas na terapia ocupacional, seja na sua história, no campo ou meio de intervenção. Acreditamos que um movimento de apropriar-se do termo, analisando-o de forma crítica, ou até mesmo tentando superá-lo de forma explícita, situando-o na teia de significados que sustenta a realidade da terapia ocupacional no discurso científico, possa ser um meio interessante para produzir novos conhecimentos na área.

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Recebido em: 12/09/2010

Revisão em: 20/04/2012

Aceite em: 14/06/2012

Teresinha Cid Constantinidis é Professora do Curso de Terapia Ocupacional da Universidade Federal do Espírito Santo. Mestre em Psicologia Social pela USP e Doutora em Psicologia pela UFES. Endereço: R. Moacir Avidos, 156. Vitória/ES, Brasil. CEP 29055-350. Email: teracidc@uol.com.br

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Jan 2013
  • Data do Fascículo
    2012

Histórico

  • Recebido
    12 Set 2010
  • Aceito
    14 Jun 2012
  • Revisado
    20 Abr 2012
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