Acessibilidade / Reportar erro

A participação política de jovens no contemporâneo e seus desafios

Contemporary political participation of youth and its challanges

RESENHA

A participação política de jovens no contemporâneo e seus desafios

Contemporary political participation of youth and its challanges

Amana Rocha MattosI; Marcos Ribeiro MesquitaII

IUniversidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, Brasil

IIUniversidade Federal de Alagoas, Maceió, Brasil

Resenha de Mayorga, C., Castro, L. R., & Prado, M. A. M. (Eds.). (2012). Juventude e a experiência da política no contemporâneo. Rio de Janeiro: Contra Capa Editora.

Nos últimos anos, as relações dos jovens com a política, e as formas com que esse diálogo se dá, vêm gerando discussões e estudos cada vez mais necessários; expressão de um tempo em que a própria concepção da política vem sendo transformada, problematizada. As pesquisas reunidas na coletânea Juventude e a experiência da política no contemporâneo (Mayorga, Castro, & Prado, 2012) dedicam-se a compreender as formas pelas quais a política vem se constituindo, fazendo-se presente de distintas maneiras para os jovens na atualidade. As experiências e práticas de participação atuais que trazem para o centro do debate questões relacionadas à desobediência civil, à democracia direta; os protestos e manifestações de caráter internacionalizado, a ocupação de espaços públicos e a reivindicação por novos canais de intermediação entre sociedade civil e Estado, por um lado; e as possibilidades de diálogo entre os campos da política e da cultura, por outro, são alguns sinais da necessidade de uma discussão sobre o conceito de política para além de sua ideia tradicional.

De maneira geral, na discussão das diferentes pesquisas nos capítulos, a experiência política coloca-se como questão para os grupos estudados no momento em que esses jovens reconhecem-se ou entendem-se como marcados por posições de defasagem em relação aos adultos ou a determinados grupos sociais: seja em relação aos adultos do movimento rural, às professoras, às classes média e alta que têm acesso aos bens e serviços da cidade... É preciso reconhecer que o lugar de subordinação do jovem em nossa sociedade se reproduz em diferentes contextos, mas não parece suficiente para, em si mesmo, mobilizar uma luta política, principalmente porque a posição hierarquicamente inferior, tutelada e supostamente imatura do jovem encontra-se naturalizada e não-problematizada na maioria das relações. Entretanto, sua sobreposição com outros tipos de opressão e/ou discriminação acentua a invisibilidade dos jovens, permitindo que uma possível reação ganhe corpo, inclusive coletivamente.

Assim, vemos que, para que a experiência e ação políticas sejam deslanchadas, não basta a condição de "ser jovem". Outras marcas que ponham em cena a tensão e a disputa do sensível, para usar a expressão de Jacques Rancière, precisam se fazer presentes (i.e., os sujeitos precisam se afirmar e se reconhecer por outras características, por outros vínculos) para que a mobilização ou mesmo a fala coletiva compareçam. É o entendimento por parte do jovem da heterodesignação de si como "filho", "aluno", "pobre", "favelado" e a consequente reapropriação desse lugar que permitem os deslocamentos necessários à ação do sujeito.

É importante frisar que a noção de "política" relacionada às práticas e ações dos sujeitos pesquisados não apareceu como termo utilizado pela maior parte dos grupos para definir o que de fato fazem. Ao contrário, em várias circunstâncias a expressão foi empregada pelos jovens para fazer referência a algo a ser por eles evitado nas ações coletivas: como sinônimo de política partidária ou das políticas públicas dos governos. Com essas, a relação - quando acontece - é sempre tensa e marcada por descrédito. Há, por parte de uma parcela significativa de jovens, uma descrença associada à política institucional seja pelos desgastes dos partidos políticos e suas dinâmicas, seja pela percepção de que a via eleitoral e a democracia formal não têm sido suficientemente eficazes como forma de garantir direitos e uma vida digna.

Além disso, muitos dos capítulos destacam o não reconhecimento dos jovens nos espaços constituídos da política institucional e uma forte demarcação e controle dos processos de participação juvenil. Isso ocorre tanto por uma desconfiança geracional dos mais velhos quanto por questões da própria dinâmica da política. Os autores falam que muitos jovens percebem o quanto a política institucional impacta suas vidas, mas não conseguem impactá-la a partir de suas demandas e anseios. Isso se expressa de diferentes maneiras: às vezes, na forma como são tratados alguns dos movimentos de juventude, outras no modo como são construídas e executadas as diversas políticas públicas de juventude, que mais controlam, regulam e engessam as práticas dos jovens e menos emancipam. Nesse sentido, a formação de coletivos (organizados ou espontâneos) se coloca como uma alternativa para aqueles que não se identificam com os processos hierarquizados da política institucional.

Ao contrário da política, que não se colocou como temática própria das falas e ações dos grupos pesquisados, a questão da participação foi mais presente. Entretanto, a noção de participação dos jovens esteve recorrentemente marcada por um caráter normativo e subalternizante dos mesmos, seja ao ser convocada pela escola, pelo governo ou pelos movimentos sociais, seja ao ser mencionada pelos jovens, ao atenderem a esse chamado institucionalizado, já mapeado e regrado.

Ao ser convocada, a participação, como o "dar a voz" aos jovens - nesse sentido normatizante e de naturalização das defasagens hierárquicas -, pressupõe a manutenção do lugar em que o jovem se encontra. Por isso é importante diferenciar essa participação do que foi discutido em diferentes textos como "enunciação de si", "falas dissidentes", "vocalização de experiências e incômodos", enfim, de uma perturbação da ordem sensível. Aqui, não se trata de uma escuta que autoriza a voz dos jovens, mas de uma voz que perturba justamente por não se adequar ao que se espera daqueles que a articulam.

Por sua marcação como sujeito entre o tutelado e o legítimo, por sua diferença etária, o jovem traz em sua condição a possibilidade desta perturbação. Como não se trata de uma diferenciação natural, essa pode ser e é colocada em questão, subjetivamente, nas relações mais próximas, ou coletivamente, em ações nas quais esse lugar de objetificação é explicitado em causas comuns.

Mas promover essa perturbação significa explicitar o não-lugar do jovem no domínio da política, da produção da sociedade, do mapeamento dos lugares legítimos e autorizados. E isso não é fácil. Mesmo quando os jovens, ao falarem, põem em questão sua tutela, não parece ser fácil fazê-lo sustentando o conflito. É o caso dos grupos de hip hop trazidos por Menezes, Costa e suas equipes, que exaltam o ideal de harmonia como condição para a ação coletiva. Nesses grupos, o enfrentamento da sociedade que insiste em silenciar o jovem da periferia só pareceu ser possível ao se assegurar que o conflito não iria invadir os limites do próprio grupo. Já nos grupos de discussão conduzidos por Castro e equipe, a dificuldade em lidar com a tensão e a desestabilização dos lugares hierárquicos promovida pelo debate pôde ser percebida nos risos e brincadeiras que se seguiam às falas indignadas dos jovens. São exemplos de como a problematização da ordem estabelecida não se faz sem dificuldades subjetivas.

O fato de que os grupos não se referiram à política como algo próprio ou central de seu exercício exigiu que os autores utilizassem noções de política que gerassem diálogos produtivos com as falas e ações dos jovens, permitindo que estas pudessem ser pensadas como de fato ou potencialmente políticas.

Como autores que discutem a política que se fizeram presentes transversalmente nos textos, destacam-se Jacques Rancière e Chantal Mouffe. Ao marcarem a política pela presença do conflito e do embate, esses autores problematizam a busca pelo consenso como objetivo final da experiência política.

Uma questão reportada pelos textos de um modo geral foi a discussão em torno de como a política se apresenta para os jovens no que se refere às suas experiências de organização coletiva. Ora trazida através de um debate sobre as práticas de jovens no campo da política institucional, ora a partir da análise de diferentes vivências em coletivos mais autônomos, esse tema parece importante no sentido de apontar possibilidades de compreensão - pelos jovens - da ação política na atualidade e de por onde eles têm realizado e/ou privilegiado suas práticas de participação.

Na análise realizada pelos autores, os desafios estão postos para os diferentes modelos. Se a política institucional demonstra sua importância no sentido de pautar processos de negociação e luta da sociedade civil frente ao Estado, via representação e outros canais disponíveis na trama da democracia formal, os coletivos mais autônomos parecem dizer que a construção de outros modelos se faz necessária para a constituição de uma política que considere experiências mais horizontalizadas onde tenham um poder de intervenção maior.

É nesse campo de tensão entre os modelos de organização - e compreensão da política - que diferentes grupos e movimentos juvenis se articulam e se reposicionam frente às demandas que surgem. Para alguns jovens, através da via institucional, a participação adquire forma e, em algumas circunstâncias, possibilita a conquista de autonomia, como é o caso da experiência apresentada por Mayorga, Prado e suas equipes. Foi através de um processo de crítica ao instituído e um posicionamento de afirmação que os jovens participantes da Comissão de Juventude da Federação de Trabalhadores Rurais na Agricultura do Estado de Minas Gerais (FETAEMG), não sem conflitos ou resistências, brigaram por um espaço de legitimidade no sindicato.

A compreensão desta via como possibilidade de intervenção política passa, portanto, por diferentes dimensões de reconhecimento que vão da insatisfação com as desigualdades sociais, raciais e de gênero, que deve guiar os movimentos de reivindicação, até a participação no campo do controle social e na reclamação de políticas públicas específicas.

É preciso destacar que os grupos estudados eram muito diferentes entre si, indo desde grupos que se delinearam em função das oficinas ou do recorte de pesquisa estabelecido (como nas escolas, os jovens do movimento rural ou das garotas do movimento hip hop) até grupos que se identificam e militam como tal (coletivos de hip hop, Movimento Passe Livre). Assim, cabe nos perguntarmos se o fato de o grupo ser institucionalizado ou já ser organizado como um coletivo contribui para a potência política dos deslocamentos produzidos em suas ações e discussões. Se, por um lado, a organização prévia do grupo oferece meios para a construção de uma identidade coletiva, através da qual os jovens podem se afirmar enunciando suas questões por uma fala coletiva, a institucionalização também oferece riscos, no sentido de silenciar certas diferenças, trazendo a necessidade de determinados acordos e compromissos que se impõem à discussão e às causas iniciais.

Uma questão que permanece após a leitura dos textos, ao utilizarmos o referencial de Rancière para pensar a política como partilha litigiosa do sensível, seria: o que nos permite chamar uma ação, ou experiência, de política? Isso porque, numa situação de embate, as mudanças na ordem sensível - efetivas ou vislumbradas como possíveis - não são necessariamente permanentes, e podem desaparecer após o enfrentamento ou a ação. Tomemos como exemplo os questionamentos dos jovens sobre a falta de professores ou sobre o uso de uniforme nas escolas, trazidos por Castro e sua equipe, ou os deslocamentos subjetivos em relação à circulação restrita nas grandes cidades produzidos pelas intervenções estéticas dos jovens pesquisados por Maheirie, Zanella e suas equipes. A desestabilização da ordem - mesmo que da ordem percebida - já seria um indicador da dimensão política dessa ação, ainda que ela não estenda seus efeitos após sua ocorrência? Não queremos com isso adotar uma perspectiva utilitarista (que afirma que uma ação é política/eficaz se "serve para" modificar permanentemente a realidade), mas nos perguntar sobre o estatuto da noção mesmo de política nas diferentes experiências discutidas no livro.

Pensar a experiência política da juventude hoje foi tarefa que permitiu aos autores a discussão de aspectos distintos das ações e questões trazidas pelos jovens, mas, principalmente, permitiu pensar o lugar do jovem e da política em nossa sociedade - e percebe-se que é aí que residem as grandes diferenças nas posições dos autores, enriquecendo a obra. Nesse sentido, Juventude e a experiência da política no contemporâneo é uma produção que ressalta embates, conflitos e diferentes perspectivas sobre o fazer coletivo e potencialmente político de jovens hoje.

Recebido em: 24/06/2013

Aceite em: 24/06/2013

Amana Rocha Mattos é Professora Adjunta do Instituto de Psicologia da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. Endereço: Rua São Francisco Xavier, 524, sala 10019, bloco F, Maracanã. Rio de Janeiro/RJ, Brasil. CEP 20550-012 Email: amanamattos@gmail.com Marcos Ribeiro Mesquita é Professor Adjunto do Instituto de Psicologia da Universidade Federal de Alagoas. Email: marcosmesquita@hotmail.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Ago 2013
  • Data do Fascículo
    2013
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revistapsisoc@gmail.com