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Portador de hanseníase: impacto psicológico do diagnóstico

Hansen's disease patients: psychological impact of the diagnosis

Portador de lepra: impacto psicológico del diagnóstico

Resumos

A hanseníase, na atualidade, ainda representa um problema de saúde pública que pode causar no indivíduo consequências psicossociais. Objetiva-se, neste trabalho, identificar os impactos psicológicos provocados no paciente após o diagnóstico da hanseníase. Os sujeitos envolvidos constituem-se por cinco indivíduos em tratamento no CREDEN-PES de Governador Valadares-MG, com faixa etária entre 36 e 70 anos. Realizaram-se entrevistas não estruturadas e gravadas. Os dados foram analisados segundo Análise de Conteúdo de Bardin e categorizados em: acolhimento; informação sobre a doença; reação ao diagnóstico e cotidiano do hanseniano. Percebeu-se que as reações após o diagnóstico foram amenizadas pelo acolhimento e informação dos profissionais de saúde, e isso afeta diretamente o cotidiano do paciente. Portanto, concluiu-se que o diagnóstico da hanseníase causa no indivíduo impactos psicológicos, por se tornar um obstáculo físico, social e pessoal.

hanseníase; diagnóstico; consequências psicossociais


Hansen's disease is still a public health problem that can cause social and psychological consequences for individuals. The aim of this work is to identify the psychological impacts provoked in the patient after the diagnosis of the Hansen's disease. The subjects involved are constituted by five individuals in treatment in CREDEN-PES Governador Valadares, Minas Gerais state, in the age group of 36-70 years. Unstructured interviews were accomplished and they were recorded. The data were analyzed according to Bardin's Analysis of Content and categorized into: reception, information about the disease, reaction to the diagnosis and routine of hansen's disease. It was noticed that the reactions after the diagnosis were softened for the health professionals' reception and information, and this affects directly the daily living of the patient. Thus, it was concluded that Hansen's disease diagnosis causes psychological impacts in the individual, for it turning itself a physical, social and personal obstacle.

hansen's disease; diagnosis; psychosocial consequences


La lepra sigue siendo un problema de salud pública que puede causar consecuencias psicosociales individuales. En este trabajo, se buscó la identificación de los impactos psicológicos en los pacientes después del diagnóstico de la lepra. Los sujetos involucrados están formados por cinco personas en tratamiento en CREDEN-PES de Governador Valadares, Minas Gerais, con edades comprendidas entre 36 y 70 años. No hubo entrevistas estructuradas grabadas. Los datos fueron analizados mediante el análisis de contenido de Bardin y se clasifican en: recepción; información acerca de la enfermedad; reacción para el diagnóstico y rutina de la lepra. Se observó que las reacciones después del diagnóstico fueron mitigados por el anfitrión y la información para los profesionales de la salud, y esto afecta directamente a la vida cotidiana del paciente. Se concluyó que el diagnóstico de la lepra provoca efectos psicológicos en el individuo, para convertirse en obstáculos físicos, sociales y personales.

lepra; diagnóstico; consecuencias psicosociales


ARTIGOS

Portador de hanseníase: impacto psicológico do diagnóstico

Portador de lepra: impacto psicológico del diagnóstico

Hansen's disease patients: psychological impact of the diagnosis

Mariana Guimaraes Bicalho Silveira; Adilson Rodrigues Coelho; Suely Maria Rodrigues; Marina Mendes Soares; Gustavo Nogueira Camillo

Universidade Vale do Rio Doce, Governador Valadares/MG, Brasil

RESUMO

A hanseníase, na atualidade, ainda representa um problema de saúde pública que pode causar no indivíduo consequências psicossociais. Objetiva-se, neste trabalho, identificar os impactos psicológicos provocados no paciente após o diagnóstico da hanseníase. Os sujeitos envolvidos constituem-se por cinco indivíduos em tratamento no CREDEN-PES de Governador Valadares-MG, com faixa etária entre 36 e 70 anos. Realizaram-se entrevistas não estruturadas e gravadas. Os dados foram analisados segundo Análise de Conteúdo de Bardin e categorizados em: acolhimento; informação sobre a doença; reação ao diagnóstico e cotidiano do hanseniano. Percebeu-se que as reações após o diagnóstico foram amenizadas pelo acolhimento e informação dos profissionais de saúde, e isso afeta diretamente o cotidiano do paciente. Portanto, concluiu-se que o diagnóstico da hanseníase causa no indivíduo impactos psicológicos, por se tornar um obstáculo físico, social e pessoal.

Palavras-chave: hanseníase; diagnóstico; consequências psicossociais.

RESUMEN

La lepra sigue siendo un problema de salud pública que puede causar consecuencias psicosociales individuales. En este trabajo, se buscó la identificación de los impactos psicológicos en los pacientes después del diagnóstico de la lepra. Los sujetos involucrados están formados por cinco personas en tratamiento en CREDEN-PES de Governador Valadares, Minas Gerais, con edades comprendidas entre 36 y 70 años. No hubo entrevistas estructuradas grabadas. Los datos fueron analizados mediante el análisis de contenido de Bardin y se clasifican en: recepción; información acerca de la enfermedad; reacción para el diagnóstico y rutina de la lepra. Se observó que las reacciones después del diagnóstico fueron mitigados por el anfitrión y la información para los profesionales de la salud, y esto afecta directamente a la vida cotidiana del paciente. Se concluyó que el diagnóstico de la lepra provoca efectos psicológicos en el individuo, para convertirse en obstáculos físicos, sociales y personales.

Palabras clave: lepra; diagnóstico; consecuencias psicosociales.

ABSTRACT

Hansen's disease is still a public health problem that can cause social and psychological consequences for individuals. The aim of this work is to identify the psychological impacts provoked in the patient after the diagnosis of the Hansen's disease. The subjects involved are constituted by five individuals in treatment in CREDEN-PES Governador Valadares, Minas Gerais state, in the age group of 36-70 years. Unstructured interviews were accomplished and they were recorded. The data were analyzed according to Bardin's Analysis of Content and categorized into: reception, information about the disease, reaction to the diagnosis and routine of hansen's disease. It was noticed that the reactions after the diagnosis were softened for the health professionals' reception and information, and this affects directly the daily living of the patient. Thus, it was concluded that Hansen's disease diagnosis causes psychological impacts in the individual, for it turning itself a physical, social and personal obstacle.

Keywords: hansen's disease; diagnosis; psychosocial consequences.

Introdução

Conhecida desde antigas civilizações, a doença de pele, até então chamada lepra, carregou consigo diversos preconceitos, discriminação, sofrimento, rejeição e isolamento. Teve a sua nomenclatura mudada por intervenção do governo brasileiro de acordo com a Lei nº 9.010, 1995, que legislou proibindo a utilização do termo "lepra" em documentos oficiais da Administração centralizada e descentralizada da União e dos Estados-membros. A partir de então, o termo designativo para a doença passou a ser "hanseníase" em homenagem a Gerhard Armauer Hansen (1841-1912), médico norueguês que descobriu, em 1873, o micróbio causador da infecção (Lopes, 2004).

Segundo Ornellas (1997), a substituição da nomenclatura foi uma tentativa de neutralizar o impacto estigmatizante do nome lepra. O objetivo foi afastar as ligações históricas que o termo carrega e, com isso, contribuir para diminuir o preconceito.

A hanseníase é uma doença de pele que ainda é considerada um grave problema de saúde pública, principalmente nos países denominados de "terceiro mundo". Ela se define por ser uma doença infectocontagiosa, de evolução lenta, que se manifesta sobretudo através de sinais e sintomas dermatológicos: lesões na pele e nos nervos periféricos, em especial nos olhos, mãos e pés.

A principal via de eliminação do bacilo, pelo indivíduo doente de hanseníase, e a mais provável porta de entrada no organismo passível de ser infectado são as vias aéreas superiores. No entanto, para que a transmissão do bacilo ocorra, é necessário um contato direto com a pessoa doente não tratada. O agente etiológico da hanseníase é denominado bacilo de Hansen ou Mycobacterium leprae (Ministério da Saúde, 2008).

Conforme Araújo (2003), as manifestações clínicas da hanseníase são muito variáveis e estão relacionadas com o grau de imunidade do paciente frente ao Mycobacterium , as quais se classificam como: Paucibacilar: até cinco lesões cutâneas (Indeterminada e Tuberculoide); e Multibacilar: mais que cinco lesões cutâneas (Dimorfa e Virchowiana).

A Indeterminada é a forma inicial da doença com poucas lesões. Os limites são imprecisos, algumas vezes nítidos, medindo de 1 a 5 cm de diâmetro; na Tuberculoide evidenciam-se micropápulas que se desenvolvem em pele aparentemente normal ou sobre manchas do grupo indeterminado; a Dimorfa se diferencia pela imprecisão das bordas e tonalidades da cor, que é acastanhada; aVirchowiana se manifesta por numerosas lesões mal delimitadas, dano neural progressivo mais tardio e doença sistêmica (Araújo, 2003).

Antes mesmo de sofrer o preconceito e a discriminação resultante do estigma da doença, o paciente passa pelo choque do diagnóstico, que lhe causa algumas reações psicológicas confusas, tais como afastamento social, vergonha de si, medo da morte, ou seja, um autoestigma, devido à falta de informação a respeito da doença e do preconceito que ela carrega. Sendo assim, é notável a dificuldade de compreensão e aceitação da doença por parte dos pacientes (Baialardi, 2007).

Considerando a relevância do tema, o presente artigo visa responder à seguinte questão: quais os impactos psicológicos provocados no paciente após o diagnóstico da hanseníase? Acredita-se que os resultados deste trabalho poderão contribuir para a difusão de medidas educativas por parte dos serviços de saúde e auxiliar a equipe multiprofissional a intervir junto ao paciente que acabara de receber o diagnóstico de hanseníase.

Revisão de literatura

Contexto Histórico da Hanseníase

A maioria dos historiadores contemporâneos referem-se à lepra como originária da Índia no século XV a. C., mas há indícios da doença na China, aproximadamente no ano 2.600 a. C. (Ghidella, 2003 citado por Lopes, 2004).

Na Idade Média, era comum o indivíduo acometido pela doença ser afastado do convívio social e da própria família (Junqueira & Oliveira, 2002). Tais práticas hoje já não são mais exercidas, mas o preconceito ainda continua. Muitos pacientes preferem não contar para seus familiares e amigos sobre sua doença, com receio de serem isolados e abandonados.

Situação epidemiológica da Hanseníase no Brasil

A hanseníase é considerada um grave problema de Saúde Pública no Brasil pela alta incidência e prevalência em alguns estados e municípios brasileiros. De acordo com Simões e Delello (2005), ela atinge um número superior a quinhentas mil pessoas, grande parte em idade produtiva, influenciando, assim, negativamente o trabalho, a formação da família e a integração social delas.

Segundo Silveira e Silva (2006), o Brasil detém o segundo lugar no mundo, em números absolutos, de casos de hanseníase, somente perdendo para a Índia, e apresenta altos níveis endêmicos com distribuição variada nas regiões. Existem estados, como Minas Gerais, Roraima, Mato Grosso e Maranhão, que possuem altas taxas de prevalência (acima de 20 casos/10.000 hab.).

Andrade (2010)1 1 Andrade, A. R. C. (2010). Situação epidemiológica de Minas Gerais. Trabalho apresentado no 5º Simpósio Brasileiro de Hansenologia. Belo Horizonte, Minas Gerais. analisou a taxa de detecção por macrorregional de saúde em 2009 e afirmou que a taxa de detecção do Leste Mineiro é "muito alta" (20,00 a 39,99/100.000 hab.), sendo que o restante do estado apresenta taxa "média" (2,00 a 9,99/100.000 hab.) em algumas regiões e "alta (10,00 a 19,99/100.000 hab.)" em outras. Porém, devido ao esforço do Ministério da Saúde, mesmo com esses grandes números, a taxa de prevalência em Minas Gerais diminuiu cerca de 22 vezes nos últimos 22 anos, e a taxa de detecção vem decrescendo nos últimos 8 anos.

Nesta perspectiva, Miranzi, Pereira e Nunes (2010) afirmam que, apesar dos bons índices verificados em Minas Gerais, isso não significa que a doença será erradicada por completo e ações de combate à eliminação da hanseníase devem continuar intensificadas nos municípios.

Situação epidemiológica da Hanseníase em Governador Valadares – MG

O município de Governador Valadares vem exibindo altas taxas de prevalência e detecção de hanseníane ao longo dos anos. Em 2000 apresentou coeficiente de detecção geral de 96 casos/100.000 habitantes e 30 casos/100.000 habitantes em pessoas menores de 15 anos (Lana et al, 2002 citado por Morais, 2010), valores que colocam o município como hiperendêmico. No período de 2001 a 2006 foram diagnosticados 1.873 casos novos de hanseníase no município. A maior parte dos diagnósticos foi feita por encaminhamento e demanda espontânea (Morais, 2010).

No ano de 2010, foram diagnosticados 131 casos de hanseníase no Centro de Referência em Doenças Endêmicas e Programas Especiais -Dr. Alexandre Castelo Branco (CREDEN-PES) em Governador Valadares.

A hanseníase neste município constitui-se um grave problema de saúde pública em virtude das suas características epidemiológicas, avaliadas por altas taxas de detecção observadas nos últimos anos (Lana et al., 2002).

Estigma e Discriminação

Goffman (1988) destaca que os gregos tinham bastante conhecimento de recursos visuais e criaram o termo estigma para se referirem a sinais corporais com os quais se preocupavam evidenciar alguma coisa de extraordinário ou mau sobre o status moral de quem os apresentava. Atualmente, o termo é amplamente usado de maneira um tanto semelhante ao sentido literal original, contudo é mais aplicado à própria desgraça do que à sua evidência corporal. Goffman (1988) também enfatiza a questão do indivíduo "desacreditável", que tem um estigma que não é conhecido nem imediatamente perceptível, em contraste com o "desacreditado", que tem um estigma visível ou conhecido pelos demais.

O indivíduo "desacreditado" sofre incisivamente o peso do seu estigma, sendo alvo de curiosidades ao ter que responder questões sobre si, não tendo a opção de poder esconder seu estigma. Já o "desacreditável' pode escolher se quer ou não quer que os outros fiquem sabendo qual é o seu estigma. Tal situação permite que, na maioria das vezes, a doença só seja revelada para familiares e amigos próximos, passando-se como "normal" para os demais (Goffman, 1988).

Antes de receberem o diagnóstico da hanseníase, por um tempo de duração variável, os doentes passam a conviver com a suspeita de terem esta doença e com o peso do estigma da "lepra". Ser diagnosticado como hanseniano traz muitas vezes consigo o risco de esgarçamento e até ruptura dos vínculos dos doentes com suas famílias, com a comunidade em que vivem e com seu trabalho (Figueiredo, 2006).

Nesta mesma perspectiva, Belchior (2004) diz que o diagnóstico tem função simbólica da nomeação dos sintomas. E muitas vezes o paciente encontra-se angustiado por estar doente e não saber do quê. Neste sentido, o diagnóstico deveria ser um alívio, ou melhor, uma suavização dessa angústia, mas em pacientes hansenianos tem-se percebido que o efeito é o contrário do esperado. Fato este que tem sido observado por desencadear um forte impacto momentâneo que se estende aos demais convívios sociais do adoentado.

Os sentimentos relacionados a esta doença milenar, como o medo, a vergonha, a culpa, a exclusão social, a rejeição e a raiva estão internalizados no psiquismo de seus portadores. O estigma e o preconceito permanecem no imaginário dos indivíduos, pois estão enraizados em nossa cultura, causam grande sofrimento e dor aos portadores de hanseníase (Baialardi, 2007).

O impacto do diagnóstico

O estudo de Almeida, Rodrigues, Sousa, Silva e Carmo (2006) faz referência ao impacto do diagnóstico da hanseníase em usuários que se sentiram fragilizados ao receberem o diagnóstico da doença, o que trouxe o desejo de morrer, estigma, exclusão social, isolamento da família e mudanças nos seus hábitos.

Oliveira (1990) aponta que as reações de tristeza, preocupação, insegurança, medos, entre outros, devem ser identificadas e compreendidas pelos profissionais que lidam com o hanseniano, bem como devem eles intervir e criar oportunidades para o paciente externar suas fantasias. Ao permitir que o paciente externalize os falsos conceitos que tem sobre a doença, o profissional pode esclarecer as dúvidas e diminuir a distância entre a crença e a ciência, construindo socialmente um novo conhecimento.

O impacto do diagnóstico da hanseníase no trabalho está relacionado principalmente por representar um "perigo" aos demais trabalhadores. Pelos medos, transtornos e angústias que pode causar, os portadores da doença correm o risco de ser despedidos quando a moléstia se manifesta e se torna pública no local do trabalho. Fato este que os torna mais temerosos de revelar que estão doentes. (Belchior, 2004).

Portanto, fica claro que o diagnóstico da hanseníase é um momento difícil para o doente. É necessário que os profissionais da saúde estejam preparados para minimizar o impacto dessa situação, esclarecendo as dúvidas, nomeando o não nomeado, a fim de tranquilizar o paciente que tal doença tem cura.

Metodologia

Abordagem do Estudo

Trata-se de um estudo com abordagem qualitativa. A pesquisa qualitativa utiliza métodos comuns à antropologia e etnografia, através da observação e de estudo de casos. As técnicas envolvem um agrupamento dos resultados de um pequeno grupo de estudo, em que se compilam as características culturais relevantes a serem estudadas, em profundidade, havendo um maior envolvimento do pesquisador com sua amostra. Nesta pesquisa, deve-se estar atento ao processo de escuta (Santos, 1999).

Contexto de Investigação

O município onde o estudo foi realizado está localizado na região leste do estado de Minas Gerais, a 324 km da capital Belo Horizonte, e constitui-se uma referência regional para atendimento à saúde. Governador Valadares possui uma área territorial de 2.348,10 km², com população estimada em 263.278 habitantes (Ministério da Saúde, 2009).

O contexto de investigação desde estudo consistiu de indivíduos cadastrados no Centro de Referência em Doenças Endêmicas e Programas Especiais Dr. Alexandre Castelo Branco (CREDEN-PES) da Secretaria Municipal de Saúde de Governador Valadares – MG. O CREDEN-PES atende pacientes de Governador Valadares e provenientes dos municípios da microrregião.

O atendimento clínico no CREDEN-PES é realizado por uma equipe multidisciplinar formada por: um gestor (coordenador), um psicólogo, quatro médicos dermatologistas, dois enfermeiros, um farmacêutico, dois fisioterapeutas, um terapeuta ocupacional, dois técnicos de enfermagem, um assistente social, um bioquímico, dois auxiliares de laboratório, dois visitadores sanitários, dois técnicos administrativos (recepcionistas) e dois funcionários de serviços gerais.

Conforme as diretrizes de funcionamento e gestão, o serviço é centralizado no atendimento de portadores de hanseníase, tuberculose e leishmaniose. Os casos suspeitos de hanseníase que são atendidos nas Unidades Básicas de Saúde do município de Governador Valadares são encaminhados ao CREDEN-PES por meio de um relatório médico.

Com o diagnóstico confirmado e após avaliação médica, é prescrito o tratamento preconizado pelo Ministério da Saúde (Ministério da Saúde, 2008), levando em consideração o peso como medida antropométrica do paciente, para instauração da dose do fármaco a ser administrado. O paciente recebe a cartela mensal do medicamento para uso diário e a dose autoministrada uma vez por mês no CREDEN-PES.

Durante todo o processo, são realizadas orientações por médicos, fisioterapeutas, psicólogo e enfermeiros sobre a doença: transmissão, formas clínicas, exames complementares, tratamento e efeitos adversos à medicação, critérios de alta e necessidade de acompanhamento pelo médico. Todos os procedimentos são registrados em prontuário do paciente.

Sujeitos Envolvidos

Os sujeitos envolvidos neste estudo foram cinco pacientes em tratamento, com faixa etária entre 36 e 70 anos, cadastrados no Centro de Referência em Doenças Endêmicas e Programas Especiais -Dr. Alexandre Castelo Branco (CREDEN-PES) em Governador Valadares -MG.

Os participantes foram determinados mediante uma seleção aleatória dos usuários cadastrados no CREDEN-PES. Dos indivíduos selecionados, dois eram portadores da Hanseníase Tuberculoide e três eram portadores da Virchoviana.

O número estabelecido de entrevistas foi considerado ideal, pois, de acordo com Santos (1999), o tamanho da amostra não é fator determinante da significância do estudo qualitativo, que trabalha com amostras relativamente pequenas, intencionalmente selecionadas.

Critérios de inclusão

Foram incluídos neste estudo indivíduos acima de 18 anos, de ambos os sexos, residentes em Governador Valadares (zona urbana ou rural), com diagnóstico positivo de hanseníase e em tratamento, independentemente do tempo no CREDEN-PES.

Coleta de dados

Para a coleta dos dados, a pesquisadora inicialmente reuniu-se com o responsável do CREDEN-PES, detalhando os objetivos da pesquisa e a metodologia utilizada no desenvolvimento do estudo. Com autorização, agendou-se dia e horário adequados para a realização da coleta, levando em consideração que a pesquisa não deveria interferir no funcionamento dos procedimentos programados pela equipe de saúde.

Na data estabelecida, a pesquisadora reunia-se com os indivíduos presentes para o atendimento no CREDEN-PES, explicando os objetivos do trabalho, os procedimentos aos quais seriam submetidos, assegurando o caráter confidencial de suas respostas e seu direito de não identificação. Reforçava que a pesquisa possuía caráter voluntário e todos os participantes necessitariam assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Orientava ainda acerca do direito de não aceitar a entrevista, sem prejuízo para seu atendimento.

A técnica de coleta de dados utilizada foi de entrevista não estruturada. A técnica de entrevista atende principalmente a finalidades exploratórias, é bastante usada para o detalhamento de questões e formulações mais precisas dos conceitos relacionados. Permitiu obter o maior número possível de informações sobre o tema, segundo a visão dos entrevistados, com um maior detalhamento do assunto em questão. Considerou-se que a entrevista poderia possibilitar a compreensão de especificidades culturais para o grupo e para os indivíduos.

Em relação à estruturação, o entrevistador introduziu o tema e o entrevistado teve liberdade para discorrer a respeito do assunto. As questões colocadas foram respondidas dentro de uma conversação informal (Minayo, 2007).

As entrevistas foram realizadas no Centro de Referência em Doenças Endêmicas e Programas Especiais -Dr. Alexandre Castelo Branco (CREDEN-PES) em Governador Valadares, em uma sala que apresentou boa iluminação, ventilação adequada, cadeiras confortáveis, tranquilidade e silêncio, com o objetivo de assegurar a privacidade dos participantes.

Durante a realização da entrevista, o entrevistador fazia perguntas e assumia uma postura de instigador, explorando ao máximo a fala do informante, buscando verificar o entendimento das questões. Cada entrevista teve a duração de 40 a 60 minutos. Esse tempo permitiu que todas as perguntas fossem abordadas adequadamente, sem, no entanto, causar fadiga, desatenção ou dispersão dos participantes.

Para o registro das respostas dos entrevistados, valeu-se como recurso de um gravador digital. Com o consentimento do participante, a entrevista foi gravada para se ter o registro de todo o material fornecido, com o intuito de apresentar uma fidelidade quanto à fala dos mesmos e viabilizar o retorno ao material sempre que se fizesse necessário. Os dados foram obtidos entre os meses de maio e junho de 2011.

Aspectos éticos

Esta pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, sob o parecer aprovado pelo Of. CEP/UNIVALE 10/11-04 de 05 de abril de 2011.

Análises dos Dados

A análise dos dados qualitativos foi feita segundo a técnica da "Análise de Conteúdo" (Bardin, 1977). As informações presentes nas entrevistas foram agrupadas em categorias e as falas, analisadas dentro de cada tema. Os textos não sofreram correções linguísticas para preservar o caráter espontâneo das falas.

Visando preservar a identidade dos entrevistados, as falas estão identificadas por S (sujeito) e os participantes classificados numericamente com base na sequência das entrevistas (S1, S2, S3, S4 e S5).

Resultados e Discussões

A partir das entrevistas realizadas, verificou-se a predominância de doentes de hanseníase do sexo masculino, na faixa etária de 36 a 70 anos. Das formas clínicas existentes da hanseníase, foram evidenciadas nesse grupo pesquisado a Tuberculoide e a Virchoviana.

As informações presentes nas entrevistas foram agrupadas em quatro categorias. A Categoria 1 trata do acolhimento aos hansenianos pelos profissionais do CREPEN-PE; a Categoria 2 refere-se à informação transmitida pelos profissionais da saúde a respeito da hanseníase; a Categoria 3 aborda a reação ao receber o diagnóstico de hanseníase; e a Categoria 4 relata o cotidiano do portador da doença e suas relações com os indivíduos.

Categoria 1: Acolhimento aos hansenianos pelos profissionais do CREDEN-PES.

A referida categoria aborda a forma como é realizado o acolhimento pelos profissionais do CREDEN-PES aos usuários deste serviço de saúde.

Acolher é receber o ajudado calorosamente ao iniciar o encontro com ele, sendo que, ao acolhê-lo, deve-se transmitir receptividade e interesse, de modo que ele se sinta valorizado. Desta forma, torna-se relevante a presença de uma equipe humanizada nos sistemas de saúde que atue como facilitadora na consolidação de estratégias de acolhimento ao compartilhar todo um processo de respeito e empatia (Morais, 2010).

As falas obtidas nas entrevistas demonstraram que os indivíduos perceberam que os profissionais do CREDEN-PES fazem o acolhimento do início ao término do tratamento. Ressaltaram que, mesmo sendo um atendimento público, não apresentou diferença do atendimento particular, pois consideraram ser bem recebidos e bem tratados pelos profissionais, como confirmado nas falas dos entrevistados abaixo:

Foi assim normal, acolhimento de pessoas profissionais que atuam na área, né? Com certeza, não deixaram a desejar aí o seu trabalho, foi super legal, super tranquilo, fui super bem atendido, apesar de ser público, mas não difere público e particular, é a mesma coisa, mas foi normal, 100% . (S 2)

"Muito bom, muito bom o acolhimento, até hoje ainda, né?, Às vezes é de brigar, puxar a orelha quando tô faltando, a gente tem que aceitar. É pro bem da gente mesmo". (S 4)

"Fui muito bem recebido, muito bem recebido aqui. Todas as vezes que eu vim aqui fazer o tratamento, pra mim não faltou nada". (S3)

Logo, fica claro que o acolhimento é um fator motivador de autocuidado. Ser bem atendido, avaliado e ter acesso ao atendimento multiprofissional, quando necessário, é um direito de todos os brasileiros (Ministério da Saúde, 2008).

No estudo de Damasceno et al. (2012), é mostrada a concepção dos profissionais da saúde sobre acolhimento. Eles afirmam que acolhimento compreende-se como uma forma humanizada de receber o usuário, por meio da escuta, da conversa e da tentativa de resolver os problemas que são apresentados aos profissionais de saúde.

As falas dos entrevistados deste estudo reforçam a importância da humanização do atendimento para a adesão ao tratamento:

ele também soube passar um ar de confiança pra mim [refere-se ao profissional da Saúde], e eu acho muito importante também, entendeu?, passando um ar de confiança pra gente, e que geralmente a gente vai acreditar que a gente vai sarar. (S4).

Nesta perspectiva, o acolhimento é uma estratégia indispensável para fortalecer o vínculo com o usuário, além de ser visto como uma estratégia imprescindível para o bom desempenho da rede assistencial dos sistemas de saúde.

A partir de tais contribuições, é possível ampliar ações para a melhor aderência e resposta ao tratamento, para garantir a satisfação do paciente e estimulá-lo como agente de sua própria reabilitação e funcionalidade (Barreto, 2011).

Categoria 2: Informação transmitida pelos profissionais da saúde a respeito da hanseníase

Essa categoria está relacionada com as informações que são transmitidas aos pacientes pelos profissionais da saúde a respeito da hanseníase. Além do acesso ao tratamento e à medicação gratuita, os usuários dos sistemas de saúde têm direito de receber informações sobre a sua doença, orientações sobre o seu diagnóstico e como se dá o tratamento. Tal informação deve ser prestada de forma clara, devendo ter sempre em conta a personalidade, o grau de instrução e as condições clínicas e psíquicas do doente. Especificamente, a informação deve conter elementos relativos ao diagnóstico (tipo de doença), ao prognóstico (evolução da doença), tratamentos a efetuar, riscos associados e eventuais tratamentos alternativos (Ministério da Saúde, 2008).

Foi constatado neste estudo que a população pesquisada teve acesso a materiais informativos (panfletos, textos e cartazes), bem como informações verbais transmitidas pelos profissionais durante o tratamento, como ilustrado nos fragmentos dos seguintes discursos:

aí eu comecei ler uns cartazes que tem aqui dentro, os médicos também me orientaram bem, então eu passei a ter mais informação através daqui do CREDEN-PES. Do que se trata, do que é a hanseníase, o que ela pode causar, então todo esse tipo de informação foi aqui no CREDEN-PES. (S2).

Eles me falaram que tinha que fazer o tratamento, não podia beber bebida alcoólica nenhuma durante o tratamento, eu já não sou de beber mesmo, né? Mas aí eu fiz o tratamento normal. (S3)

Portanto, percebe-se que, além da importância do esclarecimento acerca da doença, é essencial que os profissionais de saúde validem as informações trazidas pelo paciente, ou seja, eles precisam saber o grau de entendimento do paciente sobre sua doença, para esclarecer mitos e preconceitos que atormentam o indivíduo (Ministério da Saúde, 2008).

Baialardi (2007) constatou, em estudo realizado por meio das transmissões de informações sobre a doença aos portadores de hanseníase, em forma de um trabalho educativo, que essas informações contribuem para aliviar a angústia referente a alguns aspectos que fazem parte do estigma da doença, como o medo de contaminar outras pessoas e o medo da morte.

Nesta perspectiva, Minuzzo (2008) assinala em seu estudo a importância de fornecer correta informação sobre a doença e seu tratamento ao paciente, à sociedade em geral e principalmente às famílias dos hansenianos. O conhecimento familiar adequado a respeito da hanseníase e seu envolvimento no processo saúde/doença do paciente é considerado um método efetivo para a desmistificação do contágio pelos indivíduos próximos ao paciente. O apoio familiar é fundamental para que o sujeito aceite sua condição e não se sinta isolado neste processo, contribuindo para uma melhor adesão ao tratamento.

Categoria 3: Reação ao receber o diagnóstico de hanseníase

Esta categoria reflete como o indivíduo reagiu ao receber o diagnóstico de hanseníase.

A pessoa atingida pela hanseníase, ao receber o diagnóstico, recebe também da equipe de saúde as orientações para o tratamento que deve seguir. Na maioria das vezes, quando o diagnóstico é confirmado pelo médico, a pessoa tem que ter um tempo para: entender o diagnóstico; conhecer mais sobre a doença; entender, enfrentar e comprometer-se com o tratamento, tomando os medicamentos regularmente para ficar curado (Ministério da Saúde, 2008).

Conforme Silva et al. (2008), o diagnóstico pode causar um impacto emocional no indivíduo. As principais reações psicológicas são: negar, revoltar-se, ocultar ou revelar, podendo chegar à aceitação através de um processo que para cada um varia no tempo e na intensidade, como comprovado pelo discurso: "Foi bem desagradável, gostei não.... aí eu fiquei triste, né?, surgiu lágrimas". (S5)

No presente trabalho, a confirmação do diagnóstico da doença mostrou-se como um dado relevante, uma vez que vários indivíduos afirmaram que já estavam preparados para receber tal informação. Já havia uma suspeita em relação à doença, e que tiveram tempo para elaborar um possível diagnóstico, como elucidado nos discursos abaixo:

"Eu já estava preparado, né, graças a Deus que eu sou preparado para o que der e vier, eu já estava desconfiando, consegui aceitar as coisas" (S1).

"Eu já vim assim preparado, né? pra receber uma notícia ou outra, por causa da mancha, que eu já havia suspeitado dela, ... então eu aceitei numa boa, eu soube controlar aí as emoções" (S 2).

As informações e o modo de transmiti-las pelos profissionais da saúde deixaram os pacientes mais tranquilos e seguros durante o diagnóstico, o que minimizou assim o impacto deste.

"Não foi uma notícia bombástica, dura e seca que ele deu [referência ao médico] , ... ele me explicou tudo e me deixou tranquilo" (S2).

Pode-se perceber que a mudança após o diagnóstico de hanseníase na população pesquisada está associada aos sentimentos de solidão, angústia, tristeza, inutilidade, raiva e falta de esperança e medo (Eidt, 2000).

Na antiguidade, a causa, o diagnóstico e as medidas tomadas em relação á hanseníase eram baseados em princípios religiosos, que alimentavam a crença de que a lepra era resultante de castigo divino, sendo o leproso visto como o alvo da ira de Deus e, por isso, estava condenado à marginalização (Costa, 2011). Apesar da evolução do tratamento, mudança da nomenclatura e facilitação do acesso à informação, a doença, muitas vezes, ainda é correlacionada a uma determinação divina, como percebido nos discursos abaixo:

eu tenho que aceitar o que Deus mandou pra mim, uai, Deus mandou pra mim, então não vou falar nada. E assim vou levando a vida, não é?, se eu for ficar triste por causa disso, eu sei que minha situação vai piorar. (S1)

"uma doença que é dada por Deus, por onde um acha qualquer uma acha". (S3)

Durante todo o processo de tratamento da hanseníase, da descoberta à cura, faz-se essencial o apoio psicológico no enfrentamento da doença. Na maioria das vezes, as pessoas, quando recebem a confirmação do diagnóstico de hanseníase, sentem-se confusas, tristes, com muito medo e vergonha. Tais pessoas precisam ser acompanhadas por um psicólogo para ajudá-las a entender a doença, a enfrentar as dificuldades que ela traz e prepará-las para conviver com a hanseníase até a sua cura. Este apoio pode ajudá-las a conhecer mais sobre elas mesmas e a fortalecê-las em seu cotidiano com a doença (Ministério da Saúde, 2008).

Categoria 4: -O cotidiano do portador da doença e suas relações com os indivíduos

Esta categoria aborda o dia a dia do portador de hanseníase e como ele se relaciona com sua família/amigos e como sua doença interfere quando está na presença de outras pessoas, fazendo um paralelo do seu cotidiano antes e depois do diagnóstico da doença.

Gregório, Piccinn, Palasson e Arrantes (2008) comprovaram em seu estudo que as principais mudanças ocorridas em portadores de hanseníase após o diagnóstico foram nos relacionamentos família/amigos, assim como descreve a fala do entrevistado abaixo:

"ficaram com o pé atrás, eles ficaram assim, preconceituosos, e meu pai deu de separar agora, ele separava os talheres, os copos, lençol, coberta, era tudo separado, tinha aquele preconceito de transmitir pra ele" (S4).

Os resultados mostraram que, no cotidiano dos portadores, eles continuaram desenvolvendo suas atividades, principalmente as laborais, mas de uma maneira restrita devido às reações dos medicamentos e às incapacidades físicas. Buscavam formas alternativas de lidar com a doença, preferindo não se isolar, pois afirmaram que a hanseníase tem cura, como exemplifica a fala abaixo:

Se colocar na cabeça que tá com aquele problema, aí piora cada vez mais, então eu tento me controlar, eu busco um papo amigo com uma pessoa. Tento distrair a mente com outras coisas, ouvindo um rádio, fazendo alguma coisa, isso tudo pra ter foco, sair da doença, pra gente sair dessa situação. (S4)

De acordo com Almeida et al. (2006), os portadores de hanseníase apresentam dificuldades no seu cotidiano, em consequência das incapacidades físicas, debilidades pelos efeitos dos medicamentos, alteração da sensibilidade ou comprometimento físico e que ainda refletem em problemas psicológicos. A maioria dos hansenianos sente-se fragilizada quando precisa afastar-se ou minimizar o trabalho, como ilustrado no fragmento do discurso abaixo:

Trabalhos pequenos, direto lá perto de casa eu faço, só não dá pra fazer coisas grandes, pegar casa do chão igual eu pegava, serviço mais leve eu pego, dá pra fazer, mas também tem vez que trabalho três dias, aí começa vim uns pipocamentos, uma alergias no corpo. Ficar à toa é muito ruim! (S4)

Observou-se neste estudo que, como medo das reações das autoridades (Religiosas -pastor, padre; Profissionais -chefe), vários sujeitos preferiram ocultar a doença, pois houve o temor de se tornarem vítimas de preconceito ou serem afastados do trabalho. A hanseníase desencadeia, muitas vezes, um processo que envolve mentira e omissão na relação de trabalho, podendo ser exemplificado na seguinte fala:

"A família sabe, o que não sabe são os colegas de trabalho e igreja e alguns amigos também do dia a dia. Porque geralmente se a gente pronunciar isso, então naquele certo momento gera, assim, um certo preconceito". (S2)

Devido à falta de confiança nas pessoas e ao medo da rejeição, o doente só fala o que está ocorrendo à medida que sente segurança e compreensão ou até mesmo aceitação daquilo que vivencia (Silva et al, 2008).

As reações com a família e amigos próximos dos portadores podem variar conforme as condições culturais e socioeconômicas dos mesmos, visto que alguns entrevistados preferiram não comunicar para a família com receio de serem abandonados e isolados, como afirma o discurso a seguir:

Uma que eu não falei para eles,né? e nem vou falar, mais vou ficar na minha, e continua normal, amizade legal, vou tocando o barco, uai, ...então não vou falar, né?, não é certo? Nem com parente mesmo, não é?...e assim vou levando a vida, se eu for ficar triste por causa disso, eu sei que minha situação vai piorar. (S1)

"Aí eu fico chateada de passar pra outras pessoas que eu tô fazendo esse tratamento e elas se afastar de mim". (S5)

Outros não hesitaram em comunicar e afirmaram receber apoio da família, amigos e chefe:

"Teve reação nenhuma, nada, não teve escrúpulo de mim, ...tudo do mesmo jeito, não teve nada, nem meus amigos, nem minha família, nem meu patrão". (S 3)

Alguns afirmaram ter sido abandonados pela família e acolhidos pelos amigos:

Pra falar a verdade, os meus parentes me abandonaram, ... meus irmãos, quando ficaram sabendo, nenhum deles importaram, pra eles tanto faz tá vivo ou estar morto. Mas os meus colegas, meus vizinhos, tudo me deram apoio, me apoiaram, me deram conselho. (S4)

Neste estudo, fica evidenciado um claro preconceito existente no modo pelo qual os indivíduos veem a si mesmos e são vistos pelos demais. Relacionam-se com a hanseníase na presença de pessoas, tentando manter uma aparente normalidade, uma postura de sigilo em relação à doença como estratégia para evitar a sua estigmatização. Os próprios preconceitos em relação à moléstia fazem com que rejeitem a si mesmos, não se aceitando portadores da doença, isolando-se de seu grupo social e adotando uma postura de sigilo, como elucidado na fala a seguir:

"Normal, eu finjo que não tenho nada, ... não vou ficar falando pra todo mundo que eu tenho isso, porque é chato e constrangedor". (S5)

Em um estudo desenvolvido por Baialardi (2007), ficou demonstrado que os participantes ocultaram o diagnóstico devido ao fato de a hanseníase ser uma doença que desperta pânico, quando identificada pelo grupo social por tratar-se da "lepra".

Os hansenianos deste estudo demonstraram preocupação em falar de sua doença, tendo receio de serem isolados e/ou vítimas de discriminação. Ficou claro que o maior incômodo é o olhar do outro sobre sua doença, em decorrência do medo do preconceito e da discriminação, como enfatiza o entrevistado abaixo:

eu tenho que lidar com ela, né? ... esse é o meu cotidiano com ela, saber lidar com as pessoas, com que elas vão falar, não falar diretamente, assim, com elas que eu estou com hanseníase, eu tento levar para outro lado, eu não falo o que é, ...consigo levar normal, no trabalho normal, namoro normal. (S2)

"é aquele receio, das pessoas não querer me dar um copo de água, pra não poder transmitir pra eles no copo" (S5).

Segundo o estudo de Videres (2010), alguns hansenianos possuem dificuldades de aceitação das marcas deixadas pela doença como manchas e cicatrizes ocasionadas pelas lesões de pele e também quanto às deformidades, o que evidencia sentimentos de vergonha e medo de expor o corpo.

O relato dos entrevistados voltados para o tratamento está relacionado às reações da poliquimioterapia, assim como a mudança da cor da pele e dos lábios, dores de cabeça, dores de estômago, entre outros. Tais reações causam preocupação nos hansenianos,especialmente as expostas a olho nu, devido à dificuldade de responder aos questionamentos das pessoas sobre as mencionadas reações, como ilustrado nos discursos abaixo:

"eu tenho que enfrentar o que as pessoas vão dizer, ... saber lidar com as pessoas, com que elas vão falar". (S1)

Só que às vezes pelo fato do remédio modificar um pouco, assim, a pele, a cor, né?, então às vezes alguém pergunta, né?: por que você tá vermelho, cara ? Eu falo normal: é sol, e tal, por ser um curto período de tratamento, esses seis meses, então a gente não enfrenta tanto tipo de pergunta, né? (S2)

Quando questionado a um entrevistado qual o receio de falar para os outros sobre as reações do medicamento, ele afirma:

"De espantar a pessoa, então eu fico tranquilo, um creme que eu passei e tal, assim eu vou levando a vida ..., se eu não levar a vida, a vida me leva". (S1)

As reações da poliquimioterapia, assim como as reações da doença também causam impacto emocional no indivíduo, pois muitos preferem omitir sobre as reações, referindo-as como "coisas" normais, do que assumi-las em público, uma vez que as reações levam à revelação da doença.

Considerações finais

Pode-se constatar que, de forma geral, desde os primórdios a hanseníase carrega consigo estigmas e preconceitos, principalmente em hansenianos que apresentam incapacidades físicas, que algumas vezes podem ser estigmatizantes.

O estigma e o preconceito associados à doença permanecem no imaginário dos indivíduos remetendo-os à ocultação da doença perante a sociedade. Com receio de repercussões em sua vida pessoal e profissional, procuram uma maneira de driblar os questionamentos relacionados a reações dos medicamentos e da doença.

A hanseníase pode causar no indivíduo impactos psicológicos após seu diagnóstico, pode ser encarada pelos pacientes como uma frustração e sentimento de impotência, porque se torna um obstáculo, o que dificulta a satisfação de suas necessidades e desejos.

Pode-se verificar que, na população de pacientes portadores de hanseníase do tipo Indeterminada e Virchowiana, foram reduzidos os impactos psicológicos, após confirmação do diagnóstico. Apesar de a revelação do diagnóstico da hanseníase ser um momento difícil para o doente, os entrevistados demonstraram controle em suas emoções e sentimentos, com a ajuda de um profissional de saúde. Tal ocorrência deve-se ao fato de que os profissionais da saúde do CREDEN-PES estavam preparados para minimizar o impacto dessa situação ao esclarecer dúvidas, a fim de tranquilizar o paciente em relação à doença e seu tratamento.

O acesso ao tratamento gratuito e precoce, investimento em pesquisas e publicidades sobre a doença e campanhas educativas do Ministério da Saúde são fatores facilitadores da redução do impacto que esta doença causa na vida dos indivíduos e suas famílias, evitará muitas vezes que, com isto, instalem-se as incapacidades físicas, sociais, psicológicas, econômicas e profissionais.

Apesar do crescente incentivo às estratégias de eliminação ou controle da hanseníase, a fim de minimizar ou acabar com o estigma e as discriminações, é preciso a implantação de novas medidas educacionais, visto que ainda é prevalente a visão pejorativa acerca da hanseníase.

Faz-se necessário o trabalho de uma equipe multidisciplinar em todos os centros de saúde, que deverá ser constituída por médico, psicólogo, enfermeiro, fisioterapeuta, terapeuta ocupacional e assistente social, que fará intervenções que considerem o caráter multifatorial da doença. O trabalho com os aspectos educacionais, comportamentais, psíquicos e sociais com o paciente, seus familiares e a sociedade em geral é imprescindível para um efetivo sucesso do tratamento e, posteriormente, para a reintegração do indivíduo à sociedade.

Nota

Agradecimento

À FAPEMIG pela concessão de Bolsa pelo Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica / Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Minas Gerais. PIBIC-FAPEMIG/ 2011.

Submissão em: 17/04/2012

1a. Revisão em: 19/12/2013

2a. Revisão em: 24/05/2014

Aceite em: 03/06/2014

Mariana Guimarães Bicalho Silveira é Psicóloga pela Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) de Governador Valadares – MG. Endereço: Rua Israel Pinheiro, nº 1721, Bl A1, Apto 201. Bairro Santos Dumont I. CEP 35020-220. Governador Valadares/M G, Brasil. E-mail: mariana.marilac@hotmail.com

Adilson Rodrigues Coelho é Psicólogo pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em Psicologia Geral – PREPES – PUC-MG. Mestre em Filosofia Contemporânea – UFMG. Especialista em Psicologia e Saúde Mental – UNICENTRO. Professor Adjunto do curso de Psicologia da UNIVALE. E-mail: adilrco@univale.br

Suely Maria Rodrigues é Professora adjunta do curso de Odontologia da Faculdade de Ciências da Saúde (FACS) da Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE). Doutora em Saúde Coletiva. E-mail: badi@univale.br

Marina Mendes Soares é Psicóloga pela Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) de Governador Valadares/MG. Mestranda em Gestão Integrada do Território pela UNIVALE. Bolsista do PROSUP (CAPES). E-mail: marinamantena@hotmail.com

Gustavo Nogueira Camillo é Psicólogo pela Universidade Vale do Rio Doce (UNIVALE) e atua no Centro de Referência em Doenças Endêmicas e Programas Especiais -Dr. Alexandre Castelo Branco (CREDENPES) em Governador Valadares/MG, Brasil. E-mail: gncamillo@hotmail.com

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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      29 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      Ago 2014

    Histórico

    • Aceito
      03 Jun 2014
    • Recebido
      17 Abr 2012
    • Revisado
      24 Maio 2014
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