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Festival da loucura e a dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica

Festival de la locura y la dimensión sociocultural de la Reforma Psiquiátrica

Madness festival and socio-cultural dimension of the Psychiatric Reform

Resumos

Este estudo objetiva discutir os significados do Festival da Loucura realizado em Barbacena. Realizada análise documental das reportagens publicadas, no período de 2006 a 2010, nos jornais de circulação local, estadual e nacional. Os dados foram analisados sob o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo. Os significados do Festival da Loucura identificados foram: evento de múltipla parceria, inusitado, acadêmico-cultural, turístico-cultural, polêmico, mudança de paradigma e resgate histórico. Os significados encontrados do Festival da Loucura expressam a dimensão sociocultural do processo da Reforma Psiquiátrica e apontam que para entender a mudança de paradigma na saúde mental e compreender as alterações da política de atenção necessita-se de uma abordagem histórica, política e social.

Reforma Psiquiátrica; cultura; história da psiquiatria


Este estudio tiene como objetivo discutir los significados del Festival de la locura celebrado en Barbacena. Presenta un análisis documental de los artículos publicados en el período 2006-2010, en los periódicos locales, estatales y de circulación nacional. Los datos fueron analizados de acuerdo con el marco metodológico del Discurso del Sujeto Colectivo. Se identificaron significados del Festival de la locura: evento colaboración múltiple, inusual, académico y cultural, turístico y cultural, polémico, cambio de paradigma y recuperación histórica. Los significados encuentran el Festival de la Locura expresar la dimensión sociocultural del proceso de reforma psiquiátrica y señalan que para entender el cambio de paradigma en la salud mental y entender los cambios de la política de las necesidades es un enfoque histórico, político y social.

Reforma Psiquiátrica; cultura; historia de la psiquiatria


This study aims to discuss the meanings of madness festival held in Barbacena. Realized documental analysis of published reports, the period 2006 to 2010, newspapers in local, state and national. Data were analyzed from the methodological framework of the Collective Subject Discourse. The meanings of madness festival identified were: event of multiple partners, unexpected, academic, cultural, tourist, controversial, paradigm shift and a historical. The meanings found express the socio-cultural dimension of the process of Psychiatric Reform and points out that to understand the paradigm shift in mental health and understand the policy changes requires attention to a historical, political and social.

Psychiatric Reform; culture; history of psychiatry


ARTIGOS

Festival de la locura y la dimensión sociocultural de la Reforma Psiquiátrica

Nadja Cristiane Lappann Botti; Michele Cecília Silva Torrézio

Universidade Federal de São João Del Rei, São João Del Rei /MG, Brasil

RESUMO

Este estudo objetiva discutir os significados do Festival da Loucura realizado em Barbacena. Realizada análise documental das reportagens publicadas, no período de 2006 a 2010, nos jornais de circulação local, estadual e nacional. Os dados foram analisados sob o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo. Os significados do Festival da Loucura identificados foram: evento de múltipla parceria, inusitado, acadêmico-cultural, turístico-cultural, polêmico, mudança de paradigma e resgate histórico. Os significados encontrados do Festival da Loucura expressam a dimensão sociocultural do processo da Reforma Psiquiátrica e apontam que para entender a mudança de paradigma na saúde mental e compreender as alterações da política de atenção necessita-se de uma abordagem histórica, política e social.

Palavras-chave: Reforma Psiquiátrica; cultura; história da psiquiatria.

ABSTRACT

This study aims to discuss the meanings of madness festival held in Barbacena. Realized documental analysis of published reports, the period 2006 to 2010, newspapers in local, state and national. Data were analyzed from the methodological framework of the Collective Subject Discourse. The meanings of madness festival identified were: event of multiple partners, unexpected, academic, cultural, tourist, controversial, paradigm shift and a historical. The meanings found express the socio-cultural dimension of the process of Psychiatric Reform and points out that to understand the paradigm shift in mental health and understand the policy changes requires attention to a historical, political and social.

Keywords: Psychiatric Reform; culture; history of psychiatry.

RESUMEN

Este estudio tiene como objetivo discutir los significados del Festival de la locura celebrado en Barbacena. Presenta un análisis documental de los artículos publicados en el período 2006-2010, en los periódicos locales, estatales y de circulación nacional. Los datos fueron analizados de acuerdo con el marco metodológico del Discurso del Sujeto Colectivo. Se identificaron significados del Festival de la locura: evento colaboración múltiple, inusual, académico y cultural, turístico y cultural, polémico, cambio de paradigma y recuperación histórica. Los significados encuentran el Festival de la Locura expresar la dimensión sociocultural del proceso de reforma psiquiátrica y señalan que para entender el cambio de paradigma en la salud mental y entender los cambios de la política de las necesidades es un enfoque histórico, político y social.

Palabras clave: Reforma Psiquiátrica; cultura; historia de la psiquiatria.

Considerações iniciais

Amarante (1997) propõe uma periodização da Reforma Psiquiátrica brasileira composta de trajetórias. A primeira trajetória é definida como alternativa e ocorre na década de 70, quando surge o Movimento de Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM). O segundo momento é o da trajetória sanitarista, iniciada na década de 80. A trajetória da desinstitucionalização é caracterizada, sobretudo, pelo surgimento de novos serviços, estratégias e conceitos em saúde mental, a partir da década de 90. Assim, trata-se de um processo que tem como princípios éticos a inclusão, a solidariedade e a cidadania.

Esse movimento brasileiro teve suas primeiras expressões no final da década de 70, provocado pela crítica ao modelo asilar que caracterizava a assistência psiquiátrica. As críticas contundentes foram desencadeadas pelas condições precárias, desumanas e violentas vivenciadas na assistência psiquiátrica, culminando numa série de denúncias e reivindicações a partir da eclosão do MTSM (Amarante, 1995).

Sabe-se que, historicamente, a cidade de Barbacena foi sede do primeiro hospital psiquiátrico de Minas Gerais, cumprindo seu papel com o tratamento adequado para a época, desde a inauguração, em 1903, até 1930 (Vidal, Bandeira, & Gontijo, 2008). Entretanto, após esse período, tornou-se referência para internação de pacientes de várias regiões do Estado. Pouco a pouco, a situação do Hospital-Colônia de Barbacena ia se tornando pior e, na década de 1950, caracterizava-se por pavilhões em ruínas, superlotação, em torno de 300 a 400% superior a sua capacidade (Magro Filho, 1992). Com o aumento do número de pacientes, os leitos tornaram-se insuficientes e a escassez de recursos financeiros, materiais e principalmente humanos tornaram-se graves problemas. O tratamento dispensado aos pacientes passou a ser desumano e degradante, atingindo elevadas taxas de mortalidade. Nessa época o hospital psiquiátrico tornou-se depósito de pacientes, entreposto de comércio de cadáveres e com isso Barbacena ganhou o estigma de Cidade dos Loucos (Pereira, 2009). Na história do hospital contabilizam-se mais de 60 mil mortes que apresentam como principais causas: infecções intestinais e pulmonares, fome e frio (Magro Filho, 1992).

Com o processo da Reforma Psiquiátrica, Barbacena modificou esse cenário. Na década de 1970, devido à forte reação dos profissionais de saúde, jornalistas e intelectuais, iniciou-se a reavaliação das condições de tratamento vigentes (Vidal, Bandeira, & Gontijo, 2008), em consonância com os pressupostos de formulação crítica e prática visando à transformação do modelo clássico e do paradigma psiquiátrico (Amarante, 1997). Sabe-se que abordar as experiências da loucura pensando em sua presença e produção no espaço sociocultural é um dos pontos fundamentais desse processo, que prima por mudanças profundas não somente nos aspectos jurídicos, políticos e assistenciais, mas, sobretudo, nos valores e significações sociais em torno da loucura e do louco (Passos, 2003). Apesar do estigma da cidade e do tema da loucura, em geral, ser tratado com restrições, desde 2006 Barbacena realiza o Festival da Loucura. Essa iniciativa representa o momento que a cidade assume o título de Cidade dos Loucos com conotação diversa da reconhecida historicamente.

A transformação do imaginário social, isto é, do lugar social da loucura, que historicamente encontra-se relacionada com a incapacidade do portador de sofrimento mental em estabelecer relações sociais e simbólicas, é um importante objetivo da dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica. Nesse viés, torna-se estratégica a produção de um conjunto de ações que visam à transformação desse imaginário social que, consequentemente, poderá modificar as relações estabelecidas entre sociedade e loucura (Amarante, 2008). Nesse processo, surge criativamente o Festival da Loucura como exemplo de novas práticas e ações que utilizam da linguagem artística para transformação do imaginário social.

Conhecendo que uma particularidade desse processo é a grande produção de experiências, projetos e reflexões não publicados formalmente, associado ao fato de que poucos trabalhos tratam da dimensão propriamente social da Reforma Psiquiátrica (Passos, 2003), este estudo objetiva discutir os significados do Festival da Loucura de Barbacena no período de 2006 a 2010.

Método

Foi realizada pesquisa micro-historiográfica a partir da análise documental. A perspectiva micro-historiográfica propõe a análise da história defendendo a delimitação temática específica por parte do pesquisador, porém sem perder o contexto mais amplo. Numa escala de observação reduzida, a análise desenvolve-se a partir da exploração exaustiva das fontes. Assim a micro-história apega-se às mínimas evidências que a documentação pode fornecer para desvelar enredos, personagens e sociedades ocultadas pela história geral (Vaifans, 2002). Observa-se que o objetivo desta perspectiva metodológica se propõe à desconstrução de uma história conhecida como oficial, instituída, fazendo surgir, assim, uma história local, complexa e incompleta.

A análise documental é um procedimento que se utiliza de métodos e técnicas para a apreensão, compreensão e análise de documentos de variados tipos, possibilitando ampliar o entendimento de objetos cuja compreensão necessita de contextualização histórica e sociocultural (Sá-Silva, Almeida, & Guindani, 2009). Caracteriza-se pela busca de informações em documentos que não receberam nenhum tratamento científico, como relatórios, reportagens de jornais, revistas, cartas, filmes, gravações, fotografias, entre outras matérias de divulgação (Oliveira, 2007).

Neste estudo utilizaram-se fontes primárias de referência de jornais de circulação local, estadual e nacional. Os jornais locais pesquisados foram o Jornal Barbacena Online, Jornal Barbacena News e Jornal Correio da Serra; entre os jornais estaduais, o Jornal O Tempo, Jornal Estado de Minas e Jornal Hoje em Dia; entre os de circulação nacional localiza-se o Jornal O Globo e Estado de São Paulo.

Os dados coletados foram analisados sob o referencial metodológico do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC), que utiliza figuras metodológicas para organizar e tabular os dados (Lefévre, Lefévre, & Teixeira, 2000). O DSC é modalidade de apresentação de resultados de pesquisa de natureza qualitativa que tem como objetivo expressar o pensamento de uma coletividade, como se essa fosse exatamente o emissor de um discurso único. Essa técnica consiste em selecionar de depoimentos ou demais materiais verbais (documentos) as Expressões Chave, que são trechos mais significativos dos depoimentos ou documentos. A essas Expressões Chave correspondem Ideias Centrais que são a síntese do conteúdo discursivo manifestado nas Expressões Chave. A partir das Expressões Chave e das Ideias Centrais correspondentes constroem-se um ou vários discursos-síntese, na primeira pessoa do singular, que são os DSCs. O DSCs ou discurso síntese é fruto dos fragmentos de discursos individuais reunidos por similaridade de sentidos, onde o pensamento de um grupo ou coletividade aparece como se fosse um discurso individual (Lefévre & Lefévre, 2003).

A análise do DSC começa pela identificação das Expressões Chave que são fragmentos do discurso do corpus em análise para identificar os sentidos. Nesta primeira etapa da análise deve-se respeitar a literalidade do discurso. Uma vez que as Expressões Chave tenham sido sublinhadas no corpus em análise, o papel ativo do pesquisador se faz notar, visto que a ele cabe criar uma expressão linguística que descreva de maneira sintética os sentidos de cada um dos grupos homogêneos de Expressões Chave (de mesmo sentido). As Ideias Centrais são, então, nomeadas pelo pesquisador. Algumas Expressões Chave se encontram ancoradas em pressupostos, conceitos, teorias e perspectivas ideológicas (Lefévre & Lefévre, 2003).

Nesta pesquisa, os discursos construídos a partir das figuras metodológicas do DSC foram identificados como DSC JL, DSC JE e DSC JN, oriundos dos jornais locais, estaduais e nacionais, respectivamente.

Discussão

Segundo Moscovici (1978), a comunicação jamais se reduz à transmissão das mensagens de origem ou ao transporte de informações inalteradas. Ela diferencia, traduz, interpreta e combina, assim como os grupos inventam, diferenciam ou interpretam os objetos sociais ou as representações de outros grupos. Assim sendo, encontramos as seguintes representações para o Festival da Loucura:

O Festival da Loucura como evento de múltiplos parceiros

Desviat (2002) considera a Reforma Psiquiátrica brasileira um dos mais frutíferos, promissores e vigorosos processos mundiais de transformação no campo da saúde mental e da psiquiatria. No Brasil, nas últimas décadas, este processo vem avançando no ideário e nas práticas municipais, estaduais e federais como parte de uma política pública objetivando a transformação do modelo hospitalocêntrico, médico-centrado e medicalizador (Devera & Costa-Rosa, 2007). Nesse sentido, o discurso encontrado da representação do Festival da Loucura como evento de múltiplos parceiros revela a importância da articulação da política nas três esferas (municipal, estadual e federal) para o avanço do processo:

O Festival da Loucura é uma realização da Prefeitura Municipal de Barbacena, do Governo de Minas Gerais e do Ministério da Saúde. Em Barbacena, a Fundação Municipal de Cultura, Empresa Municipal de Turismo e Departamento Municipal de Saúde Pública tem participação estratégica na programação do Festival. A Secretaria Estadual de Saúde, através da Fundação Hospitalar do Estado de Minas Gerais, além de apoio financeiro também divulga e discute a programação. Como um espaço de experimentação há participação de profissionais de saúde da área federal, estadual e municipal, gestores de saúde e estudantes nas discussões dos rumos a serem tomados pela reforma psiquiátrica. (DSC JL1)

O Festival da Loucura com evento de resgate histórico

Passos (2009a), diante da pluralidade de significados sociais, adverte que loucura é um construto que se constitui sócio-historicamente e, por isso, não deve ser entendida sob uma forma genérica, mas, sim, considerando-se as percepções e vivências de cada momento histórico.

A desinstitucionalização visa a tratar o portador de sofrimento mental em suas condições concretas de vida. Nesse cenário o tratamento deixa de ser a exclusão em espaços de violência e morte social para tornar-se criação de possibilidades concretas de subjetivação e interação social (Pitta, 2011). De acordo com esse ideário da Reforma Psiquiátrica, as transformações devem transcender à simples reorganização do modelo assistencial e alcançar as práticas e percepções sociais, intervindo não somente no funcionamento dos serviços e na formação profissional, mas também no fenômeno complexo da representação social da loucura (Coelho, 2008). Para tal, torna-se fundamental o conhecimento histórico das práticas e saberes que sustentaram o paradigma asilar.

Sabe-se que o modelo de atenção à saúde mental substitutivo ao hospitalocêntrico emergiu no Brasil em contexto histórico determinado. Para entender esse processo é importante revisitar a história da assistência psiquiátrica e compreender acontecimentos que sustentaram as práticas asilares (Devera & Costa-Rosa, 2007), a revelar a importância do significado do Festival da Loucura como possibilidade de resgate histórico:

Barbacena em 1903 foi a primeira cidade mineira a receber um hospital centralizando o atendimento psiquiátrico do estado. Durante 30 anos, o hospital funcionou de forma aceitável, mas com o tempo, os pacientes de toda parte foram abandonados na cidade e em condições precárias de funcionamento começaram os problemas de superlotação. Com isso, calcula-se que cerca de 60 mil pessoas faleceram, em geral de causas como diarreia, sífilis ou fome. Assim, Barbacena ganhou a fama de cidade dos loucos. (DSC JN1)

O Festival da Loucura como evento inusitado

É importante reafirmar que o movimento antimanicomial não se reduz a questão técnica ou assistencial, mas busca entrelace entre a cidade e a loucura, voltado para a dimensão essencial da cidadania (Lobosque, 2001). As celebrações nacionais do Dia Nacional da Luta Antimanicomial, comemorado dia 18 de maio, evidenciam a inclusão social da loucura e a radicalidade que a mudança do modo de cuidar requer. O portador de sofrimento mental, antes excluído do mundo dos direitos e da cidadania, se transforma em cidadão. Segundo Pitta (2011) a Reforma Psiquiátrica apresenta-se mais como uma questão ética, política e cultural do que essencialmente técnica. Nesse sentido, seu futuro encontra-se na esperança de que os usuários, familiares, trabalhadores encontrem modos mais sensíveis de reduzir os danos causados pelas instituições asilares.

Já existem no país evidências de níveis maiores de efetividade individual e social dos portadores de sofrimento mental tratados na comunidade quando comparados aos tratados em regime de privação de liberdade (Surjus, Togni, & Onoko, 2011; Tenório, 2002; Wetzel & Kantorski, 2004). Identifica-se nesse processo uma série de iniciativas políticas, sociais e culturais, que visam a transformar radicalmente a assistência psiquiátrica, as políticas de saúde, a vida de inúmeros portadores de sofrimento mental e o cotidiano de muitas práticas sociais (Amarante & Rangel, 2009). Nesse sentido identifica-se a importância da representação encontrada do Festival da Loucura como evento inusitado relacionado com a inclusão social:

O Festival da Loucura é um evento inédito no país que celebra as diferenças em uma temporada de irreverência sendo um dos mais inusitados e originais de Minas Gerais ao provocar um pensamento inteligente e ousado. Barbacena, durante quatro dias festeja e reflete acerca da loucura a partir de sua experiência relacionada com a inclusão social. O Festival é um evento cultural, artístico e científico, com programação diversificada e gratuita nas principais ruas e praças da cidade. O Festival da Loucura converteu-se em lúdicos momentos de desconstrução de paradigmas através do teatro, cinema, artes, gastronomia e discussões científicas. (DSC JL2)

A Reforma Psiquiátrica, gradativamente, deixou de ser um conjunto de inovações restritas ao modelo assistencial psiquiátrico para se tornar um processo social complexo que tem como objetivo maior a transformação das relações que a sociedade estabelece com a loucura, com a diversidade e com a diferença (Amarante, 2008). Nesse sentido verifica-se que o Festival da Loucura utiliza o humor para discutir o preconceito relacionado com a loucura:

Com bom humor os organizadores do Festival da Loucura montam palco, tenda de circo e estandes na Praça da Estação para abrigar a programação do evento. Há também exposição do acervo do Museu Imagens do Inconsciente como oposição aos métodos violentos de tratamentos psiquiátricos já usados - eletrochoque, coma insulínico, lobotomia. Além disto, para provar que de louco todo mundo tem um pouco, no Festival são distribuídos registro especial aos participantes, à carteirinha de louco. Há ainda brincadeira como "Doido Varrido", onde ganha quem varrer mais rápido a rua, "Doido de Jogar Pedra", onde ganha quem atirar mais alto uma pedra. (DSC JE3)

Historicamente no país organiza-se no dia 18 e ao longo do mês de maio, o Dia da Luta Antimanicomial, com inúmeras atividades culturais, artísticas e científicas em várias cidades do país, com o objetivo de sensibilizar e envolver novos atores sociais para a questão (Pitta, 2011). Sabe-se que variadas produções artístico-culturais têm sido o palco da construção da nova relação entre a sociedade e a loucura, apontando para maior protagonismo dos sujeitos tradicionalmente limitados ao papel de doentes mentais e objetos do saber psiquiátrico (Basaglia, 2005). Neste viés verificam-se nas edições do Festival da Loucura apresentações de filmes, shows musicais, peças teatrais, exposição de artes e fotografias, manifestações circenses, desfile de blocos carnavalescos, lançamento literário, produção gastronômica e atividades cômicas. A diversificação das atividades da programação das edições do Festival dá visibilidade ao tema da loucura ao público geral, para além do espaço restrito de tratamento ao qual, historicamente, estava fortemente relacionado. Na programação das edições do Festival encontram-se vários exemplos da reforma psiquiátrica e da inclusão social, entre eles citam-se o grupo Trem TanTan, grupo musical formado por portadores de sofrimento mental do Centro de Convivência de Belo Horizonte, sob coordenação do artista Babilak Bah; o bloco Tirando a Máscara, bloco carnavalesco que desde 1998 desfila com os moradores das residências terapêuticas e os portadores de sofrimento mental com longa internação psiquiátrica no carnaval de Barbacena; o programa de rádio Maluco Beleza, programa realizado pelos portadores de sofrimento mental do Serviço de Saúde Dr. Cândido Ferreira em parceria com a Rádio Educativa de Campinas; e a banda Sistema Nervoso Alterado formada por pacientes e profissionais de saúde mental, artistas e colaboradores do CAPS do Rio de Janeiro. Verifica-se também a importância da exibição de filmes nacionais com a temática da loucura, como Bicho de Sete Cabeças, Estamira, O Cheiro do Ralo e Omissão de Socorro, possibilitando a discussão desse processo.

O movimento social da Reforma Psiquiátrica foi o motor de mudanças na legislação, nas políticas públicas, no enfrentamento do estigma da loucura na sociedade (Pitta, 2011). O movimento antimanicomial enquanto movimento social opera como núcleo de tematização, contestação e deliberação. Sabe-se que os movimentos sociais ligados às questões de identidade, ao tentar traduzir as identidades psicológicas e os significados culturais, apresentam forte sensibilidade para a tematização de fatores históricos e institucionais, que criam e restringem as oportunidades disponíveis para eles. Buscam revisar os padrões culturais de representação simbólica e desafiar os obstáculos que impedem os membros do grupo de viver uma vida digna socialmente ou de serem tratados com respeito pelas outras pessoas da sociedade (Maia & Fernandes, 2002). Enquanto manifestação do movimento antimanicomial, o Festival da Loucura torna-se permeável à irreverência artística como se verifica no discurso abaixo:

A loucura para Barbacena é um diamante que, quanto mais se lapida, mais se descobre coisas fantásticas. A loucura pode ser positiva quando provoca uma subversão às normas e insere originalidade e resposta para a estagnação no cotidiano padronizado das pessoas e também pode ser vista como sinônimo de ousadia como no Tropicalismo de Tom Zé, Caetano Veloso, Gilberto Gil ou no Cinema Novo de Glauber Rocha. A loucura pode ser vista como salvação do artista para não cair no repetitivo e nos padrões, pois ela provoca certo estranhamento que é fundamental na vida e na obra de um artista. Todo grande artista tem desejo por novidade e de algo que fuja da normalidade, assim Fellini, Picasso e Guimarães Rosa, com uma loucura saudável são conhecidos por sua originalidade. (DSC JE4)

Ou na representação encontrada do Festival da Loucura, que mescla arte e insanidade:

Quando diz respeito à cultura, sabe-se que certa loucura é fundamental para o processo de criação. Exemplos disso é a alcunha de insano, que na década de 80 ilustrava bem a relação exposta entre rebeldia e loucura na musica Vida Louca de Lobão. Já nos anos 90, a doidice ganhou aspecto de rebeldia organizada e o músico Tom Zé foi um dos pioneiros no país a romper com as grandes gravadoras. Mas tem aqueles que a loucura patológica se misturou com a ousadia, como Nietzsche e Van Gogh. Assim, é importante entender que a loucura é boa somente quando não há sofrimento e preconceito e é o que o Festival da Loucura quer mostrar, a relação genial entre arte e insanidade. (DSC JE6)

O Festival da Loucura como evento acadêmico e turístico cultural

A concepção mais ampla sobre a Reforma Psiquiátrica a define a partir de várias dimensões. Além da dimensão técnico-assistencial, que implica uma mudança das diversas maneiras de cuidado e dos serviços assistenciais, a dimensão epistemológica diz respeito às transformações no paradigma que fundamenta a psiquiatria, deslocando o saber privilegiado do modo asilar sobre a loucura para outras formas de compreensão. A dimensão jurídico-política inclui o conceito de cidadania e de direitos sociais e humanos em oposição às noções de periculosidade, alienação, inimputabilidade, que fundamentam e sustentam o modelo psiquiátrico tradicional (Amarante & Rangel, 2009). Assim, nascido do reclame da cidadania para o portador de sofrimento mental, o movimento desdobra-se em amplo e diversificado escopo de práticas e saberes (Tenório, 2002).

Em virtude disso, o movimento antimanicomial assume características das redes inteligentes com diferentes e fractais focos de atuação na saúde, na cultura, na justiça, na previdência, na geração de renda e trabalho, nas artes, buscando ser intersetorial por excelência (Pitta, 2011). Em consonância identifica-se a representação encontrada do Festival da Loucura como evento acadêmico e turístico cultural.

A dimensão sociocultural amplia o saber sobre a loucura, pois a afasta do campo exclusivo da psiquiatria a fim de construir uma nova relação com a sociedade. Nesta dimensão, a loucura ganha campo aberto de experimentações e, ao sair do lugar restrito de tratamento, acaba influenciando amplamente a sociedade. Revela recursos que vão além dos terapêuticos, ganhando espaço na mídia e utilizando recursos socialmente valorizados de expressão (Amarante & Rangel, 2009). Neste sentido também se verifica a função acadêmico-cultural do Festival da Loucura:

Barbacena conhecida como a Cidade das Rosas, por ser um dos maiores produtores do Brasil, também tem notória fama de Cidade dos Loucos, e por isto foi eleita como sede do Festival da Loucura. Para a produção do Festival, ao mesmo tempo em que é saudável a brincadeira de assumir a loucura, também é necessário que seja dirigida com solidariedade e responsabilidade ao sofrimento. Caso contrário estaria obedecendo à publicidade que incentiva irresponsabilidade social e competição. O evento articula extensa programação tanto na área artística, com shows, exposições, teatro, oficinas; como parte nonsense onde artistas comprometidos com a criatividade são convidados a fazer coisas de um modo diferente. Na área científica reúne profissionais do campo da saúde para debates visando combater as abordagens discriminatórias sobre a loucura e o tema também é abordado por meio da música, literatura, teatro, artes plásticas, fóruns, palestras e seminários técnico-científicos. (DSC JE1)

O Festival da Loucura celebra a vida através da arte e da coexistência pacífica das diferenças, faz valer a cidadania plena para todos através da união entre cultura e olhar científico sobre a loucura. Também combate as abordagens preconceituosas sobre a loucura, festeja o pioneirismo de Barbacena na mudança da barbárie que era o tratamento ao mostrar ao público a história da loucura na cidade e a variabilidade da proposta da luta antimanicomial. Possui como foco a inclusão social e, através da interatividade com o público, transforma o que era para ser ridicularizado e escondido, em história, cultura e turismo na região. (DSC JL3)

Como instrumento para alcançar mudanças, estrategicamente lança-se mão dos próprios dispositivos da arte e da cultura e, também da arte e cultura produzidas pelos protagonistas destas inovações. Em nível nacional, encontra-se, como exemplo, a política pública Loucos pela Diversidade, desenvolvida pelo Ministério da Cultura, para dar visibilidade às produções das pessoas em sofrimento psíquico (Amarante & Rangel, 2009). Pode-se entender como exemplificação em nível regional as edições do Festival da Loucura enquanto evento turístico-cultural:

O Festival com seu apelo inusitado dá visibilidade ao município. Na sua essência, impulsiona um olhar diferente, incentiva à reflexão de um aspecto da história e incrementa atividades nas áreas de espetáculos musicais e literários. É uma ideia que favorece o crescimento da cidade, pois movimenta hotéis e restaurantes registrando investimentos no setor de turismo. Em suas edições o evento consegue ampliar as discussões em torno de um assunto polêmico e que por muitos anos foi tratado como tabu. Os resultados são positivos do ponto de vista da arte e da incrementação do turismo. Assim, além da criação em Barbacena do Museu da Loucura e do Memorial das Rosas, o Festival da Loucura contribui de maneira efetiva para a eliminação do preconceito. (DSC JL4)

O Festival da Loucura foi criado como forma de colocar nas ruas a discussão do passado e suas implicações no presente, valorizando a história de Barbacena e desmistificando a doença sob a ótica artística, intelectual e social. As duas palavras de ordem do evento são inclusão e celebração das diferenças. O Festival da Loucura é o terceiro maior evento de capitação de turismo da cidade e assim, divulga a cidade, atrai turista e se insere no calendário turístico-cultural da região. O evento já virou tradição na região, ao proporcionar teatro, exibições de filmes, seminários, oficinas, shows, espetáculos e mostras de arte para público diverso. Barbacena é a única cidade brasileira que tem um Festival da Loucura o que possibilita a cidade enfrentar o estigma de Cidade de Loucos e seu passado no tratamento mental. (DSC JE2)

Na literatura é possível apreender que o uso privilegiado e estratégico do elemento cultural para tal fim está ligado a uma forma de conceber esse elemento a partir da sua capacidade de propiciar a recriação das ideias sobre a figura do louco ao mesmo tempo como objetivo e efeito (Lobosque, 2001). Tal uso é apontado em diversos documentos de orientação da política pública, entre eles destaca-se a Linha-Guia de Atenção em Saúde Mental (Secretaria de Estado de Saúde, 2006), a Política de Saúde Mental de Belo Horizonte: o cotidiano de uma utopia (Nilo, Morais, Guimarães et al., 2008), a Reforma Psiquiátrica e Política de Saúde Mental no Brasil (Ministério da Saúde, 2005) e a Oficina Nacional de Indicação de Políticas Públicas Culturais para pessoas em sofrimento mental (Amarante & Lima, 2008). Neste viés entende-se a importância da representação encontrada do Festival da Loucura como evento acadêmico e turístico cultural.

O Festival da Loucura como evento que reflete a mudança de paradigma

No Brasil, várias experiências de desconstrução de manicômios e da construção das redes substitutivas de cuidado têm demonstrado as possibilidades de superação do modelo psiquiátrico tradicional. Servindo de espelho das mudanças que têm ocorrido quanto ao protagonismo dos portadores de sofrimento mental, estas produções registram e comprovam as mudanças no paradigma que sustenta o cuidado à saúde mental. Impulsionadas pelos princípios da Reforma Psiquiátrica, tais transformações têm saído do campo terapêutico e do interesse dos profissionais de saúde mental, abarcando a sociedade mais ampla e mais sensível às mudanças iniciadas nessa transformação (Devera & Costa-Rosa, 2007).

Destaca-se que esse processo em Barbacena, norteado pela desinstitucionalização, é um processo de construção de nova realidade em torno da loucura, para o qual convergem recursos sanitários, econômicos, afetivos e culturais (Ministério da Saúde, 2004). Trata-se, destarte, de um trabalho de desconstrução e (re)invenção do cotidiano, das mentalidades e da cultura barbacenense, profundamente enraizados no modelo asilar (Alvarenga & Novaes, 2007). Nesse cenário, encontra-se a importância da representação encontrada do Festival da Loucura como evento que reflete a mudança de paradigma:

Barbacena tem longa tradição em tratamento manicomial por ter tido durante anos uma instituição que funcionava como um campo de concentração no qual morriam cerca de 800 pessoas por ano. Por isto a cidade foi estigmatizada durante mais de um século como Cidade dos Loucos. Hoje, após um processo pioneiro de socialização colocou fim a hospitalização dos portadores de sofrimento mental. Assim, Barbacena, através do Festival, explora sua fama de Cidade dos Loucos e tenta transformar em algo positivo para a cidade. O Festival da Loucura também tenta mostrar que a loucura patológica não impede a convivência social. A ideia é fazer uma celebração alegre e ao mesmo tempo chamar a atenção do público para o debate da nova visão da saúde mental no Brasil. (DSC JE7)

Historicamente, sabe-se que a assistência psiquiátrica em Barbacena se constituiu no paradigma asilar onde o hospital, baseado no princípio do isolamento, era o lugar de exercício da ação terapêutica com vigilância, regulação de tempo e repressão. O modelo asilar encontrava-se respaldado na proposta de tratamento moral formulada por Pinel e Esquirol (Barros, 1996). Esse modelo caracteriza-se por conjunto de dispositivos específicos: código teórico (as nosografias clássicas), tecnologia de intervenção (o tratamento moral), dispositivo institucional (o asilo), corpo de profissionais (os médicos-chefes) e estatuto do usuário (o alienado). Esse modelo, a princípio para tratamento dos reconhecidos como doentes mentais, aumentaram com o recolhimento de toda gama de excluídos (órfãos, mendigos, prostitutas etc.), para os quais não havia quaisquer outras estruturas fora do hospital psiquiátrico (Devera & Costa-Rosa, 2007).

No Brasil, as instituições psiquiátricas, no final da década de 50, tinham como características a superlotação, deficiência de pessoal, maus-tratos e péssimas condições físicas (Resende, 1987). A partir dos anos 70, com a reforma, iniciou-se o questionamento e elaboração de propostas de transformação do modelo asilar, julgando inadmissíveis a exclusão, cronificação e violência (Costa-Rosa, 1987). Dessa forma, a progressiva superação do modelo manicomial e sua consequente substituição por redes e dispositivos assistenciais, sociais, comunitários e culturais tem sido objetivo fundamental da Reforma Psiquiátrica (Amarante & Rangel, 2009).

Afirma-se que o paradigma antimanicomial visa a desenvolver várias ações que buscam transformar o imaginário social em relação à loucura, à doença mental, à anormalidade. Essas ações se referem a um conjunto de práticas sociais que possam construir a solidariedade, a inclusão dos sujeitos em desvantagem social, a diferença e a diversidade (Amarante, 1999). Afirma-se que mudar o tratamento dado ao portador de sofrimento mental consiste em oferecer uma rede de cuidados que o ajude a viver na comunidade e, em paralelo, construir nova atitude da sociedade em relação a ele. Ao lado das discussões de natureza legal ou médico-especializada, mostra-se fundamental a preocupação com a mudança das representações simbólicas na sociedade do portador de sofrimento mental (Maia & Fernandes, 2002).

O movimento antimanicomial não pretende apenas a extinção dos manicômios, pois se reconhece que as relações entre as pessoas podem continuar a ser excludentes e manicomiais fora do hospital. É necessária uma mudança ampla em nível da sociedade, onde se resgate o respeito pela subjetividade. Deve-se enfatizar a igualdade de todo cidadão poder expressar suas diferenças, peculiaridades e patrimônio pessoal (Maia & Fernandes, 2002). Nesse sentido, é preciso mudar o padrão cultural com respeito e garantia da heterogeneidade e cidadania na sociedade que pode ser entendido pelo discurso que reflete a mudança de paradigma do Festival da Loucura:

O Festival da Loucura têm por objetivo desmistificar a loucura atribuída à Barbacena, pois esta já foi motivo de desconforto para a população por causa dos maus-tratos e mortes ocorridas em seus hospícios ao longo do século 20. Hoje a cidade tem orgulho de ser pioneiro em tratamentos psiquiátricos revolucionários celebrando anualmente, desde 2006, sua relação com a loucura, através de manifestações coletivas, culturais e intelectuais - Festival da Loucura - um convite aos artistas, pensadores, moradores e turistas a fim de diminuir o preconceito contra os portadores de sofrimento mental. (DSC JN2)

A Reforma Psiquiátrica enquanto processo de mudança cultural determina metas e ações que geram situações de contato da sociedade com o louco e a loucura. Depreende-se que tal contato é via de mão dupla tanto pela possibilidade de um mínimo de participação do indivíduo na pauta de conhecimento da cultura quanto à viabilização de sua interlocução com os demais membros, podendo, portanto, incitar e acelerar a transformação dos padrões de relação entre sociedade e loucura quando se considera que o contato estimula a mudança (Laraia, 2009). Assim, entende-se a importância do Festival da Loucura enquanto possibilidade de mudança de paradigma que pode ser alcançado com o processo de mudança cultural.

O Festival da Loucura como evento polêmico

Com este processo, que vem ocorrendo há mais de cinco décadas, muitos países passaram efetivamente a modificar suas práticas assistenciais em relação ao sofrimento mental, preocupando-se com a criação de políticas de saúde mental voltadas para o desenvolvimento de novas formas de cuidado substitutivas ao modelo asilar. O Brasil tem sido considerado como protagonista no processo mundial de transformação da instituição psiquiátrica e das políticas de saúde mental, não apenas pela ousadia de experiências locais e regionais que se multiplicam no país, que precisam enfrentar o desafio de conviver em um contexto geral ainda conservador, mas também pelos avanços na discussão teórica e política da saúde mental (Passos, 2009b). Porém, sabe-se que há forças sociais contrárias às propostas que defendem esse processo, o que faz entender-se o discurso polêmico encontrado sobre o Festival da Loucura:

Polemicamente, não faltou quem condenasse a iniciativa do Festival da Loucura considerando afronta à imagem da cidade. Assim, durante o Jubileu de São José Operário, aconteceram manifestações contrárias ao Festival, quando a comunidade católica celebrava o Festival da Misericórdia, espécie de pedido de perdão pelas mortes ocorridas na cidade durante o período de funcionamento dos manicômios. (DSC JL5)

Conclusões

A veiculação na mídia local, estadual e nacional das edições do Festival da Loucura de Barbacena tanto contribui para a divulgação do evento como possibilita maior visibilidade do Movimento da Luta Antimanicomial. Barbacena, através do Festival da Loucura, assume o título de Cidade dos Loucos. Ao mesmo tempo em que preserva a história da cidade também desmistifica a visão clássica da loucura em consonância com os princípios éticos da Reforma Psiquiátrica: inclusão, solidariedade e cidadania.

Os significados do Festival da Loucura encontrados foram possíveis devido ao evento contar com múltiplos parceiros, por ser uma realização da Prefeitura Municipal de Barbacena com o governo estadual e federal. É evento de resgate histórico e de mudança de paradigma, possibilitando ao público revisar a história da assistência psiquiátrica em Barbacena sob uma perspectiva cultural, social, intelectual e artística que mostra que a loucura não impede a convivência social; é evento inusitado mesclando arte e insanidade para discutir os preconceitos acerca da loucura, configurando-se, também, como evento acadêmico e turístico- cultural com uma programação diversificada para um público diverso. Por fim, identifica-se que o evento ainda apresenta caráter polêmico com manifestação de grupos religiosos contrários à realização do Festival.

Entende-se que os significados encontrados do Festival da Loucura expressam a dimensão sociocultural do processo da Reforma Psiquiátrica e aponta que para entender a mudança de paradigma na Saúde Mental e conhecer a reestruturação da política de atenção e suas transformações necessita-se uma abordagem histórica, política e social.

Agradecimentos

O presente estudo está vinculado à pesquisa História e Significados do Festival da Loucura de Barbacena, financiada pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, através do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). Processo: 472113/2010-0.

Referências

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Submissão em: 09/02/2012

1a. Revisão em: 17/04/2012

2a. Revisão em: 27/07/2012

Aceite em: 31/07/2012

Nadja Cristiane Lappann Botti é Enfermeira, Psicóloga, Professora do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de São João Del Rei. Doutora em Enfermagem Psiquiátrica pela EERP/USP. Endereço: Av. Sebastião Gonçalves Coelho, 400. Sala 301. Bloco D. Bairro Chanadour. Divinópolis/MG, Brasil. CEP 35501-296. E-mail: nc_lappann_botti@ufsj.edu.br

Michele Cecília Silva Torrézio é Acadêmica do Curso de Enfermagem da Universidade Federal de São João Del Rei. Bolsista de Iniciação Científica PIBIC/CNPq. E-mail: michelitorrezio@yahoo.com.br

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  • Festival da loucura e a dimensão sociocultural da Reforma Psiquiátrica

    Madness festival and socio-cultural dimension of the Psychiatric Reform
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      08 Ago 2014
    • Data do Fascículo
      2014

    Histórico

    • Recebido
      09 Fev 2012
    • Aceito
      31 Jul 2012
    • Revisado
      17 Abr 2012
    Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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