Acessibilidade / Reportar erro

DE UM DIREITO DO CONSUMIDOR: SOBRE A DESRESPONSABILIZAÇÃO DO SUJEITO

DE UN DERECHO DEL CONSUMIDOR: SOBRE LA EXENCIÓN DE RESPONSABILIDAD DEL SUJETO

OF A CONSUMER'S RIGHTS: THE UNACCOUNTABILITY OF THE SUBJECT

Resumo

O artigo constata que, na contemporaneidade, o recurso às instâncias jurídicas é forma do sujeito furtar-se ao mal-estar em suas relações sociais. Questões banais que encontravam encaminhamento independente das intervenções jurídicas se impõem agora a este campo. Em seguida, demonstra que tal relação com o Direito permite ao sujeito elidir a dimensão de perda inevitável em sua própria constituição. Respondendo a qualquer reivindicação, o Direito passa a ratificar condutas que são contrárias ao laço social. Sustenta, então, que esse processo é ditado pela mudança nas relações contratuais a partir da Modernidade, a qual culmina no esvaziamento da dimensão de pacto social, que lhe era subjacente, em prol do simples acordo. Conclui que o Direito, nos dias de hoje, toma feições próximas às de um direito do consumidor, do qual o sujeito se serve de forma a garantir o seu bem-estar, tratando-o como mais um dos objetos disponíveis no mercado.

Palavras-chave:
Direito; sujeito; laço social

El artículo parte de la constatación de que, en la contemporaneidad, recurrir a instancias jurídicas es un intento del sujeto de huir del malestar, señalado por Freud, en relación con la cultura. Cuestiones banales que encontraban un cauce propio, independiente de intervenciones jurídicas, se imponen a este campo; ello sucede, principalmente, a través de demandas de reparación -ya sean de indemnización, o no. Enseguida, muestra que, mediante la relación establecida con el Derecho, el sujeto contemporáneo intenta evadir la dimensión de pérdida inevitable, presente en su constitución -pues al constituirse en el lazo social, debe renunciar a la satisfacción de sus pulsiones. Respondiendo a cualquier reivindicación proveniente del sujeto, el Derecho no entraría en el campo de la economía psíquica y del lazo social como instancia reguladora del deseo a la ley; por el contrario, rectificaría conductas que van contra el lazo social a partir del momento en que no imponen límites al sujeto. Sostiene, así, que la condición de factibilidad de ese proceso es determinada por el cambio en las relaciones contractuales a partir de la modernidad, que termina en el vaciamiento de la dimensión de pacto social que en ella subyacía, terminando en acuerdo simple. Concluye afirmando que la configuración del Derecho contemporáneo gana trazos cada vez más cercanos a los del derecho de consumidor que el sujeto usa para garantizar su bienestar de la misma manera en que pretende mantener su satisfacción al recurrir a objetos disponibles en el mercado.

Palabras-clave:
Derecho; sujeto; lazo social


Abstract

The article observes that the appeal to legal instances is the subject's attempt to evade the dissatisfaction with social life. Trivial issues which used to follow their own way apart from legal interventions, are present in the legal area now. Next, the relationship now settled with Law is the cause for contemporary subjects to suppress the dimension of loss present in their own constitution. Responding to any claim, Law starts to ratify conducts that go against the social bond. It then supports that this process is given by the change in contractual relations since Modernity, which culminates in the emptying of the dimension of the social pact, heading toward the simple agreement. It concludes that nowadays Law takes some features which are closer to those of a consumer rights, which the subject uses to ensure one well-being, in the same way as one does with objects available in the market.

Keywords:
Law; subject; social bond

Introdução

O advento do sujeito da Psicanálise se insere no contexto do declínio da tradição metafísica no Ocidente a partir da Modernidade. A própria ideia de sujeito somente encontra fundamento frente à ruptura e à fragmentação dos referenciais tradicionais trazidos pelo pensamento moderno. No entanto, ao emergir do ato freudiano como uma práxis clínica fundamentada no conceito de inconsciente, a psicanálise coloca em xeque alguns pilares desse mesmo pensamento moderno (Lebrun, 2001Lebrun, J. P. (2001). Um mundo sem limite: ensaio para uma clínica psicanalítica do social (S. R. Felgueiras, Trad.). Rio de Janeiro: Companhia de Freud.). O sujeito do inconsciente inaugurado pela psicanálise é um sujeito deslocado do plano da consciência. Desta forma, não obedece meramente às leis naturais, positivas ou transcendentais, mas ao exercício do próprio desejo (Melman, 2009Melman, C. (2009). Para introduzir a psicanálise nos dias de hoje (S. Rezende, L. P. Fonseca, & S. Bley, Trad.) Porto Alegre: CMC.).

Com a teorização do inconsciente freudiano, a ideia de um sujeito pautado pela identidade razão/consciência (uma das bases do paradigma cartesiano) construída desde o advento do racionalismo moderno é problematizada (e.g. Freud, 1900/1996aFreud, S. (1996a). La interpretación de los sueños. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 4, pp. 1-343). Buenos Aires: Amorrortu. (Original publicado em 1900) ). A tradição jurídica moderna, em que ainda hoje nos inserimos, porém, encontra fundamento exatamente nessa herança racionalista e, assim, mantém sua crença nas leis escritas como mantenedoras da ordem social e dos laços humanos1 1 Cabe salientar que a existência de leis escritas, bem como a sua compilação não são exclusividades do Direito Moderno. Fontes historiográficas atestam a existência das primeiras em períodos ainda mais recuados no tempo, como nos testemunha o famoso Código de Hammurabi, monumento oriundo da Mesopotâmia e datado de meados do séc. XVIII a.C (Bouzon, 2002). Da mesma forma, a historiografia nos aponta a existência de leis compiladas por escrito em um corpo jurídico unificado desde, pelo menos, o séc. VI a.C., quando da publicação do Código de Justiniano. O que aqui buscamos ressaltar, contudo, é que, com o Direito Moderno, se inaugura uma tradição jurídica marcadamente racionalista, herdeira do paradigma cartesiano, a qual pressupõe a ação humana como conscientemente orientada (Beccaria, 1764/2013). Deste modo, também a razão - o correto entendimento das leis, das sanções que esta prevê - adviria como freio à transgressão. A psicanálise, todavia, evidenciará uma determinação inconsciente no sujeito e, assim, um apelo à transgressão que não encontra nas leis positivas seu limite necessário. . Segundo sua concepção, a transgressão às mesmas nada mais seria do que um erro de julgamento, um erro da razão. Ainda conforme essa concepção, aquele que transgride as leis o faz, sobretudo - embora não apenas - porque se encontra privado da razão por perturbação mental (podendo, deste modo, ser considerado irresponsável perante a lei) (Fonseca, 2012Fonseca, M.(2012). Michel Foucault e o Direito (2ª ed.). São Paulo: Saraiva. ); ou porque espera encontrar na transgressão, no crime, uma forma de obter vantagem (Foucault, 2007Foucault, M. (2007). Vigiar e punir: a história da violência nas prisões (R. Ramalhete, Trad.). Petropólis, RJ: Vozes.). Deriva dessa premissa o caráter persuasivo dos tipos de punição legal que se verificam a partir da Modernidade.

Todavia, ao longo de sua obra, Freud desconstrói a ideia de um projeto social cuja finalidade última seria o Bem comum (Freud, 1930/1996cFreud, S. (1996c). El Malestar em la cultura. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 21, pp. 57-140). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1930). ). Em seus trabalhos ele evidenciou que as disposições originárias do sujeito caminham no sentido contrário ao projeto civilizatório, mostrando-se mesmo em dissonância com ele. Ao buscar desenfreadamente a satisfação, o sujeito, a princípio, não hesita em desconsiderar fatores como a maturidade psíquica e sexual de seus objetos, valores éticos e morais, a dor e o sofrimento do semelhante, enfim, o seu Bem e o do próximo, podendo chegar ao extremo de ensejar o aniquilamento de ambos. Recorrendo às palavras de um legítimo representante do pensamento moderno, Thomas Hobbes - "homo homini lupus" -, Freud (1930/1996c, p. 108)Freud, S. (1996c). El Malestar em la cultura. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 21, pp. 57-140). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1930). nos permite afirmar, paradoxalmente, a impossibilidade inerente às suas instituições, notadamente jurídicas, uma vez que estas buscam, exatamente, garantir a consecução do ideal de Bem comum a que fizemos referência acima, cujo fracasso ou cuja impossibilidade estão determinados pela própria estrutura do sujeito. Isso porque, como condição necessária para a vida em sociedade, o sujeito terá que abrir mão da satisfação pura e simples de suas pulsões em prol de um projeto civilizatório a que ele se submete (Freud, 1930/1996cFreud, S. (1996c). El Malestar em la cultura. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 21, pp. 57-140). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1930). ). Tais restrições à sua vida erótica, contudo, não são sem consequências para pensarmos o destino trágico do sujeito, pois, ao mesmo tempo que possibilitam e conferem sustentação ao laço social, encontram-se nas bases dos sintomas que o acometem, especialmente na forma das psiconeuroses de que tanto se ocupou Freud (1930/1996c)Freud, S. (1996c). El Malestar em la cultura. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 21, pp. 57-140). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1930). e cujos determinantes sexuais ele sustentou até o final de sua vida. As relações entre sujeito e sociedade, portanto, já não podem ser concebidas senão a partir da lógica de um conflito insolúvel, dando lugar a um mal-estar inerente à condição do sujeito na cultura.

Uma das formas privilegiadas em que se expressa a exigência da renúncia pulsional mencionada são as leis dos dispositivos jurídicos. O Direito, desta maneira, advém como seu representante institucional por excelência independentemente das configurações a que as leis estão sujeitas nas diferentes sociedades. Entretanto, a observância e a submissão às suas leis abrangem somente um dos aspectos envolvidos na submissão a uma Lei2 2 Utilizaremos a grafia em letra maiúscula para marcar a distinção que aqui propomos entre a lei do ordenamento jurídico e as leis da linguagem (portanto, a Lei) maior - posto lhe ser anterior - e que constitui seu fundamento e condição de possibilidade (Czermak, 2012Czermak, M. (2012). De onde falamos. In Patronimias - questões da clínica das psicoses (M. Pietroluongo, Trad., pp. 297-305). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano.). Referimo-nos aqui à Lei identificada pela psicanálise como incidindo no sujeito de forma inconsciente e para além de sua vontade - as leis da linguagem, as quais tanto Freud (e.g. 1900/1996a)Freud, S. (1996a). La interpretación de los sueños. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 4, pp. 1-343). Buenos Aires: Amorrortu. (Original publicado em 1900) quanto Lacan (1998Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem. In Escritos (V. Ribeiro, Trad., pp. 238-324). Rio de Janeiro: Zahar (Original publicado em 1966)) evidenciaram estar nas bases de fenômenos clínicos (mas não somente nestes), tais como os sonhos, os próprios sintomas, os chistes e os atos falhos. Trata-se de uma Lei maior e anterior a quaisquer leis positivas por ser aquela que institui as próprias relações do sujeito à ordem simbólica - ordem esta da qual nosso Direito e suas leis são tributários. Ora, em seu recurso à Linguística, Lacan (1998; 2001) pôde demonstrar que toda estrutura simbólica engendra uma perda, algo impossível de se fazer representar (Tyszler, 2011Tyszler, J. J. (2011). As metamorfoses do objeto: a clínica da pulsão, da fantasia e da letra (M. Pietroluongo, Trad.). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano . ). Isso é particularmente flagrante em nossas instituições: dependentes de um arcabouço simbólico, elas ratificam certas aspirações, condutas, relações, em detrimento de outras que devem, assim, ser proscritas ou permanecer veladas. Há, portanto, uma relação inextricável entre a estrutura da linguagem e as interdições impostas pelas leis que regulam o pacto social. Isso porque estas, ao ensejarem uma perda para o sujeito - as renúncias à livre satisfação a que nos referimos anteriormente - tornam-se representativas da dimensão de perda imposta pela própria estrutura da linguagem.

Frente ao acima exposto, o fato de as múltiplas instituições sociais serem tributárias de uma Lei simbólica ainda mais fundamental que quaisquer dispositivos escritos, que atua a nível inconsciente, não garante o seu estatuto jurídico propriamente dito (Legendre, 1996Legendre, P. (1996). Lecciones IV :El Inestimable Objeto de la Transmissión. (I. V. Nuñez, Trad.). México, DF: Siglo Veintiuno.). Este último, mais do que a simples obediência à ordem vigente, pressupõe um funcionamento do Direito segundo uma lógica simbólica, tributária da supracitada perda estrutural, a única capaz de promover o laço entre os sujeitos, conforme veremos. Assim, autores como o historiador do Direito, Legendre (1996), e os psicanalistas Melman (2009Melman, C. (2009). Para introduzir a psicanálise nos dias de hoje (S. Rezende, L. P. Fonseca, & S. Bley, Trad.) Porto Alegre: CMC.) e Lebrun (2001Lebrun, J. P. (2001). Um mundo sem limite: ensaio para uma clínica psicanalítica do social (S. R. Felgueiras, Trad.). Rio de Janeiro: Companhia de Freud.) identificam nos dispositivos jurídicos a possibilidade de um funcionamento no qual essa dimensão de perda pode ser elidida. Neste caso, ao invés de sancionar práticas sociais que venham a corroborar aquilo mesmo que as possibilita - um exercício do gozo em que este encontre um limite - tais dispositivos estariam se convertendo em meras máquinas registradoras de uma busca desenfreada por satisfação (France, 2009France, I. (2009). Developpement Durable et Réference à la Nature: le Prolongement Contemporain du Discours Capitaliste. La Revue Lacanienne, 2(4),129-131. ). Como exemplo paradigmático deste processo, podemos citar o manejo burocrático das instâncias jurídicas pelo regime nazista. Nele vemos não apenas o caráter simbólico das instituições sociais ser reduzido a uma questão meramente biológica3 3 Referimo-nos, aqui, tanto à redução do judaísmo a determinantes genéticos, quanto às suas consequências institucionais enquanto elemento definidor da cidadania alemã, da qual se buscou excluir os grupos sociais considerados inferiores. (Kershaw, 2010Kershaw, I. (2010). Hitler (P. M. Soares, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras.), como as consequências que daí podem advir: o rompimento da dimensão de pacto que marca toda e qualquer sociedade (a qual promove o laço entre os sujeitos a despeito de suas singularidades) dando lugar à lógica de eliminação, em escala industrial, do próximo. O não recobrimento entre as leis do Direito e a Lei simbólica a que nos referimos anteriormente torna-se aqui flagrante. Principalmente se considerarmos que a eliminação de milhões de judeus, bem como de outros povos e raças tidos como inferiores sob o Terceiro Reich, seguiu a mais estrita legalidade (Kershaw, 2010), isso se reduzirmos esta última à simples obediência aos enunciados de uma lei positiva.

O processo de esvaziamento da incidência simbólica da lei (inerente ao projeto nazista) não é de todo estranho ao funcionamento do Direito contemporâneo. O referido processo advém em continuidade com um arranjo social que não é sem relações com a economia de mercado e que acena ao sujeito com a possibilidade de uma satisfação irrestrita, a qualquer custo (France, 2009France, I. (2009). Developpement Durable et Réference à la Nature: le Prolongement Contemporain du Discours Capitaliste. La Revue Lacanienne, 2(4),129-131. ). Nesse contexto, o recurso ao Direito entraria no plano desta (cada vez mais literal) economia psíquica - não mais como instância articuladora do desejo à Lei (Lacan, 2008Lacan, J. (2008). O seminário Livro 7: a ética da Psicanálise (1959-1960). (A. Quinet, Trad.) Rio de Janeiro: Zahar . ; Legendre, 1996Legendre, P. (1996). Lecciones IV :El Inestimable Objeto de la Transmissión. (I. V. Nuñez, Trad.). México, DF: Siglo Veintiuno.) - mas como garantia dessa busca inexorável por satisfação que, como sustentamos anteriormente, pode chegar ao extremo de desconsiderar qualquer referência ao próximo ou de que qualquer falta seja sentida pelo sujeito como insuportável. Cabe aqui ressaltar que a articulação do desejo à Lei se dá pela dimensão de perda que ambos comportam: não há objeto capaz de satisfazer completamente o desejo; não há Lei (simbólica) que comporte uma satisfação que seja toda, sem renúncias da parte do sujeito.

De acordo com o último censo do Conselho Nacional de Justiça (2010)Conselho Nacional de Justiça - CNJ. (2010). Justiça em Números. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Acesso em 01 de março, 2013, em Acesso em 01 de março, 2013, em http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-em-numeros/2010/rel_justica_numeros_2010.pdf
http://www.cnj.jus.br/images/programas/j...
, há atualmente em nosso país cerca de 86,6 milhões de processos em andamento, algo em torno de um a cada 22 habitantes. Estamos diante de um número expressivo, que, no entanto, não pode ser considerado exagerado. Em especial porque uma parcela significativa da população brasileira sequer tem acesso à Justiça. Ou seja, esta cifra poderia ser ainda maior. Chamam ainda mais atenção algumas demandas verificadas nesses processos. Muitas delas referem-se a questões que antes encontravam um encaminhamento próprio, isto é, sem a necessidade de intervenções jurídicas (Lobo, 2012Lobo, L. F. (2012). A expansão dos poderes judiciários. Psicologia & Sociedade, 24(n. spe.), 25-30. Acesso em 11 de dezembro, 2013, em Acesso em 11 de dezembro, 2013, em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822012000400005&lng=pt&tlng=pt.%2010.1590/S0102-71822012000400005
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
; Scheinvar, 2012Scheinvar, E. (2012). Conselho tutelar e escola: a potência da lógica penal no fazer cotidiano. Psicologia & Sociedade , 24(n. spe.), 45-51. ). Hoje, questões como brigas entre vizinhos ou colegas de escola, a altura das badaladas de sinos de igrejas e mesmo a "guarda" de animais de estimação figuram nos quadros dos processos judiciais, frequentemente dando origem a processos indenizatórios. Há ainda um número crescente de reivindicações que não são sem consequências para o sujeito na medida em que coloca em xeque alguns de seus principais referenciais - a sexualidade, a filiação, a diferença sexual e entre as gerações.

A partir de agora, nos ocuparemos de uma das questões que estão no cerne do que até aqui buscamos sustentar como uma subversão no papel social do Direito: sua abdicação ou sua demissão do lugar de instância que articula o desejo à Lei, acarretando o esvaziamento da dimensão de pacto que até então marcava as relações do sujeito às instituições e a seus pares no laço social. Trata-se, portanto, do apagamento desta dimensão crucial de pacto (voltaremos ainda algumas vezes a ela) que Freud (1913/1996b)Freud, S. (1996b). Tótem y Tabú. Algunas concordancias em la vida anímica de los salvages y de los neuróticos. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol.13, pp. 1-164). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1913) pôde situar como estando nas bases de toda e qualquer sociedade na medida em que faz referência à dimensão de perda que marca, como vimos, a constituição do sujeito e das instituições sociais. Mais do que a mera denúncia de um laço social que, acolhendo qualquer tipo de demanda, se mostra na contramão daquilo que a psicanálise sustenta como constitutivo do sujeito, trata-se, antes, de refletirmos sobre as consequências éticas para a vida em sociedade introduzidas pela descoberta freudiana do inconsciente e sua configuração como uma estrutura de linguagem (Czermak, 2012Czermak, M. (2012). De onde falamos. In Patronimias - questões da clínica das psicoses (M. Pietroluongo, Trad., pp. 297-305). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano.). Isso porque, referir o advento do sujeito à perda - perda de saber (posto ser o saber que o constitui por definição como sujeito do inconsciente), perda de gozo (na medida em que o sujeito não pode se entregar à livre satisfação de suas pulsões, assim como não há objeto capaz de pôr fim ao desejo) - significa confrontá-lo com o impossível em jogo no laço social. Em outras palavras, confrontá-lo com a impossibilidade de que as instituições sociais venham a dar conta de todas as suas demandas, não o isentando, porém, de fazê-las valer como única saída possível para o exercício de seu desejo (Freud, 1930/1996cFreud, S. (1996c). El Malestar em la cultura. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 21, pp. 57-140). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1930). ).

A dimensão ética que então se revela, posto que tributária do desejo (Lacan, 2008Lacan, J. (2008). O seminário Livro 7: a ética da Psicanálise (1959-1960). (A. Quinet, Trad.) Rio de Janeiro: Zahar . ), ademais, coloca o sujeito diante de uma dívida simbólica de sua parte - a parcela de gozo, de saber, de exercício da sexualidade, etc., que ele se vê constrangido a perder para que o projeto civilizatório se torne viável em seu necessário endereçamento ao Outro e ao próximo. Trata-se de algo muito diferente da posição de credor que o sujeito acaba por ocupar na contemporaneidade - e que se faz sentir, sobretudo, em relação ao Direito, mas também ao nível das demais instituições sociais (Melman, 2011Melman, C. (2011). A neurose obsessiva no divã de Lacan - um estudo psicanalítico (J. Castro-Arantes, Trad.). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano /Imago.). Processo no qual uma perda, como vimos, estrutural, pode ser elidida como uma falta contingente. Falta esta que a partir de então, sentida pelo sujeito como insuportável, fazendo sua aparição somente do lado do outro, denuncia uma injustiça da qual este sujeito deve ser ressarcido.

O Caráter contratual do direito moderno

Contextualizando o caráter contratual do Direito moderno, com a dimensão de pacto que o sustenta, veremos, a partir de agora, as consequências trazidas pelo esvaziamento desta dimensão. O pacto marca as diferentes sociedades, notadamente por tornar presente a dívida simbólica a que nos referimos como estando nas bases de nossas instituições (Czermak, 2013Czermak, M. (2013). A porta de entrada e a Clínica Psicanalítica. Rio de Janeiro: Tempo Freudiano .). Partimos da distinção mencionada entre as leis positivas e a Lei simbólica identificada pela psicanálise como incidindo no sujeito e nas instituições. Na medida em que ambas são fatos de linguagem fundados sobre interdições, podemos afirmar, como faz Legendre (1996Legendre, P. (1996). Lecciones IV :El Inestimable Objeto de la Transmissión. (I. V. Nuñez, Trad.). México, DF: Siglo Veintiuno.), que um caráter jurídico permeia todo o nosso arcabouço social. Deste modo, mudanças nas relações que regem o Direito, na verdade, são efeitos de mudanças ainda mais amplas verificadas ao nível do discurso que ordena o próprio laço social onde este Direito se constitui. Logo, já não estamos diante de uma mudança restrita a este campo, tampouco dissociável das relações entre o sujeito e seus pares e das correlatas consequências que delas advêm.

O argumento central que procuramos apresentar enfatiza que a configuração de um Direito que caminha de modo a ratificar todas as demandas do sujeito, desta forma desconsiderando qualquer referência à necessária perda nas vias do gozo, é indissociável de uma mudança no caráter contratual que rege este mesmo Direito a partir da Modernidade. Se atentarmos à própria etimologia do termo contrato - do latim contractus, particípio de contrahere (contratar), com (junto) e trahere (trazer, puxar) - veremos que a mesma se relaciona a um ajuste, convenção ou pacto, que cria direitos e obrigações com vistas a um projeto comum: a manutenção do laço social (Miranda, 2008Miranda, M. (2008). Teoria geral dos contratos. Revista Virtual Direito Brasil, 2(2). Acesso em 25 de agosto, 2011, em: Acesso em 25 de agosto, 2011, em: http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/cont/pdf
http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/...
). Um caráter contratual, portanto, não é uma exclusividade nem uma invenção do Direito Moderno, existindo desde a Antiguidade sem nunca ter sido abandonado, confundindo-se com a própria história de nossas instituições. Da mesma maneira, como podemos perceber, trata-se de uma palavra que, em sua origem, guarda relação com a ideia de pacto, porém cujo uso moderno confunde-se com o termo "acordo", o qual, em sua origem, guarda relação com a ideia de "harmonia" (daí o termo "acorde" do vocabulário musical) - algo que, como vimos, Freud (1930/1996c)Freud, S. (1996c). El Malestar em la cultura. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 21, pp. 57-140). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1930). exclui do laço social, ao mostrá-lo conflituoso por excelência. A palavra pacto vem do latim - pactum - substantivo neutro derivado do particípio pactus-a-um do verbo pangere (cravar, fixar, determinar por acordo, convencionar). Este verbo, por sua vez, deu origem a palavras como palus (algo fincado e bem fixado), pagus (aldeia, povoado, setor rural, de onde derivam palavras como pagão, país, paisagem), propages (retorno), página (de um caderno ou livro, que está junta com outras, de onde páginas e paginar). E, finalmente, do substantivo pax - vínculo e acordo bem travado que acaba com uma situação bélica - de onde derivam os vocábulos paz, pacífico, pacificar e pagar (Etimología de pacto, 2013Etimología de Pacto. (2013). Acesso em 11 de dezembro, 2013, em Acesso em 11 de dezembro, 2013, em http://etimologias.dechile.net/?pacto
http://etimologias.dechile.net/?pacto...
). Este último, na língua romana, desenvolve o valor de acalmar a um credor - acreedor - assim fazendo alusão à dívida simbólica a que nos referimos anteriormente e que aqui advém com todo o seu peso na medida em que não pode ser pensada senão do lado do sujeito (Tyszler, 2011Tyszler, J. J. (2011). As metamorfoses do objeto: a clínica da pulsão, da fantasia e da letra (M. Pietroluongo, Trad.). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano . ).

Uma breve digressão por dois períodos da História nos coloca diante da mudança que, no entanto, irá se instalando na dimensão contratual que vigorava até então, ao mesmo tempo que a desloca. Distinguindo-se da tradição codificadora moderna, principalmente por não ser regido por um corpo jurídico único, o Direito Consuetudinário é essencialmente contratual (Le Goff, 2005Le Goff, J. (2005). Em busca da Idade Média (M. Castro, Trad.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.). Modelo jurídico característico da Idade Média baseava-se, especialmente, nas obrigações estabelecidas entre as partes, ratificadas ou não por escrito, as quais, deve-se ressaltar, mantinham entre si relações assimétricas. Sua ênfase, portanto, residia menos no que cada parte tinha a oferecer do que na perda que marcava cada um. Era na impossibilidade de proteger a si mesmo ou de produzir os gêneros indispensáveis à sua subsistência que um servo prestava juramento ao seu senhor; era na impossibilidade de suprir todas as suas demandas produtivas e prover sua própria segurança que ao senhor cabiam igualmente obrigações quanto ao servo (Le Goff, 2005). Mas se a colheita não vingasse, se não houvesse guerra, o senhor ou o servo morressem em batalha, ninguém seria restituído, nem pegaria em armas revoltando-se contra os desígnios de Deus. No máximo, estender-se-iam os laços de obrigação aos descendentes do morto. Qualquer garantia, por conseguinte, tinha que ser buscada junto a uma alteridade absoluta - Deus - no que esta ocupava um lugar de exceção (Le Goff, 2005).

Conforme avançamos em direção à Modernidade, acompanhamos a acentuada mudança que vem se fazendo: o conceito de contrato não mais enfatiza o pacto fundado a partir de uma assimetria de lugares, mas procura as garantias que dele podem advir em uma relação pretensamente entre iguais. Lembremos, nesse ponto, ainda de passagem, que um dos ideais da Revolução Francesa, movimento que emerge como representativo dos valores institucionais democráticos modernos, era, exatamente, a igualdade. Uma igualdade de modo algum irrestrita, mas essencialmente jurídica (Furet & Ozouf, 2004Furet, F. & Ozouf, M. (2004). Dicionário crítico da Revolução Francesa (H. Mesquita, Trad.) Rio de Janeiro: Nova Fronteira.). Assim, também para os teóricos iluministas inspiradores do movimento de 1789, a origem e a função do Estado Moderno diziam respeito a uma relação contratual que enfatizava as garantias que um acordo poderia oferecer ao cidadão que dele aceitasse participar. Posição de mestria que escondia a injunção nas bases desse mesmo Estado: sendo o pacto social algo que se sustenta da linguagem, como vimos, instando o sujeito a por ele se responsabilizar, não é de vontade que se trata, mas de arbítrio. Arbítrio de uma Lei que, tendo o sujeito acedido a ela ou não, era a única que se impunha a todos (Lacan, 2008Lacan, J. (2008). O seminário Livro 7: a ética da Psicanálise (1959-1960). (A. Quinet, Trad.) Rio de Janeiro: Zahar . ). Em outras palavras, não é o acesso à livre satisfação que nos torna pretensamente iguais - até mesmo porque há, para cada sujeito, formas sempre singulares de responder às injunções do desejo. Mas, ao contrário, aquilo que, nas vias de sua satisfação, se constitui em perda, jamais alcançado. Assim, na origem das diferentes culturas, o que podemos perceber é que não é a Lei, no que esta autoriza a cada um em termos de satisfação, que funda o laço entre os sujeitos. Mas, antes, o que ela interdita a todos - a satisfação absoluta - a qual já não será questão de escolha para o sujeito, e, sim, condição de possibilidade para a vida em sociedade. Daí não haver laço social que se constitua senão sob um fundo de interdições (Freud, 1913/1996bFreud, S. (1996b). Tótem y Tabú. Algunas concordancias em la vida anímica de los salvages y de los neuróticos. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol.13, pp. 1-164). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1913) ).

Rousseau (1757/2000)Rousseau, J. J. (2000). Do Contrato Social ou princípios do Direito Político. In Os Pensadores - Rousseau (L. S. Machado, Trad.,Vol. 1, pp. 45-243). São Paulo: Nova Cultura l. (Original publicado em 1757), por exemplo, alude à necessidade de o homem alienar-se ao Estado como forma de preservar a liberdade (seu supremo Bem), posto que sua bondade inata seria passível de ser corrompida por fatores externos. O Estado rousseauniano vinculava-se a uma concepção de contrato em que este significava uma associação deliberada, ato da soberania popular que constituía sua única base legítima. A lei tornava-se, deste modo, tributária da vontade geral (sendo de autoria de cada membro do corpo social tomado, porém, em seu conjunto) e dela dependia todo o destino do Estado. No Estado rousseauniano, os legisladores adquiriam um caráter quase divino por serem capazes de identificar com clareza os anseios da sociedade, assim como o Estado (Rousseau, 1757/2000Rousseau, J. J. (2000). Do Contrato Social ou princípios do Direito Político. In Os Pensadores - Rousseau (L. S. Machado, Trad.,Vol. 1, pp. 45-243). São Paulo: Nova Cultura l. (Original publicado em 1757)). O caráter contratual deste último era o que garantia o projeto de um Bem que seria o mesmo para todos.

Mesmo para uma figura cética quanto à bondade inerente do homem como Hobbes (1651/2003)Hobbes, T. (2003). O Leviatã: matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. (J. P. Monteiro & M. B. Nizza Silva, Trad.). São Paulo: Nova Cultura. (Original publicado em 1651), o Estado, em sua base contratual, adveio como aquele que podia garantir a manutenção de um equilíbrio e harmonia mínimos quanto à convivência humana. Sem ele retornaríamos a um estado inicial de barbárie.

Não tendo por objetivo uma análise minuciosa dos principais teóricos inspiradores do Direito e do Estado modernos, nos limitaremos a estes dois exemplos apenas para evidenciar que a passagem para a Modernidade traz uma ênfase no caráter consensual do contrato em oposição à ideia de pacto. Nela, contrato e acordo tornam-se praticamente sinônimos e passam a estar dissociados da dimensão de dívida que o pacto colocava até então.

Da perda à falta: direito e desejo reduzidos à lógica do consumidor

Frente a um funcionamento atual do Direito, torna-se fundamental nos remetermos à questão principal posta pelo pacto tal qual resgatada por Lacan (2007Lacan, J. (2007). O seminário Livro 17: o avesso da Psicanálise (1969-1970) (A. Roitman, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar . ) em seu ensino. De forma abreviada, podemos afirmar que através dela é possível notar uma inversão na operação que identificava como a única capaz de confrontar o sujeito com aquilo que o causa, para além de qualquer idealização imaginária. Referimo-nos aqui ao confronto do sujeito com a perda que lhe é constitutiva e que ele mascara como uma falta passível de ser solucionada. Mecanismo que, sob diversas formas, encontra-se na base de seus sintomas e inibições, de modo que o trabalho em análise, ao contrário, caminharia no sentido de possibilitar ao sujeito a passagem da falta à perda. No que tange às relações entre os sujeitos, portanto, o que faz laço é uma falta em comum e não um objeto capaz de tamponá-la (Melman, 2009Melman, C. (2009). Para introduzir a psicanálise nos dias de hoje (S. Rezende, L. P. Fonseca, & S. Bley, Trad.) Porto Alegre: CMC.).

Ao trabalhar no sentido de uma restituição irrestrita do sujeito, nosso Direito, ao contrário, inverte a operação preconizada por Lacan como concernindo ao sujeito. Transforma essa perda estrutural em uma mera contingência, assinalando que ao sujeito é possível desconsiderar tal perda estrutural - para a qual nunca houve objeto e que é a própria condição de seu desejo - e reencontrar esse objeto sempre à mão, como em um mercado. O conjunto de suas ações assume, assim, feições cada vez mais próximas às de um direito do consumidor, regido por um sistema de trocas próprio à economia dos bens (France, 2009France, I. (2009). Developpement Durable et Réference à la Nature: le Prolongement Contemporain du Discours Capitaliste. La Revue Lacanienne, 2(4),129-131. ).

Em seu seminário de 24 de janeiro de 1968, Lacan (2001Lacan, J. (2001). L'acte psychanalytique. Séminaire 1967-1968. Paris: Éditions de l'Association Freudienne Internationale (publication hors commerce). Acesso em 15 de novembro, 2013, em Acesso em 15 de novembro, 2013, em http://www.ecole-lacanienne.net/pictures/books/9550DD120FBB954EE8069B0C116BC3E5/AFI%20s%C3%A9minaires%2015%20%C3%A0%2021%20de%201967%20%C3%A0%201974.pdf
http://www.ecole-lacanienne.net/pictures...
) se referiu ao predomínio, em nossa época, de uma relação de troca que busca se resolver como uma operação sem restos, de modo a que nada falte ao sujeito. Em sua fala, alude à mudança na ideia de pacto em direção à de troca como uma posição puramente imaginária, na medida em que não apenas esconde a relação assimétrica posta pela linguagem, como a correlata perda de gozo que ela institui. Interessante se faz notar que, nesse momento de seu ensino, Lacan (2001) se serve de significantes tomados de empréstimo ao campo da economia política: "prestação de trocas", "esvazia bolsos", "prestação de serviços" (Lacan, 2001, pp. 112-113). Com esses significantes, caracteriza nossa época como aquela cuja relação com o saber é plenamente articulada à lógica de mercado, a mesma que aqui sustentamos ter lugar atualmente em nossas instituições jurídicas. O que essa lógica propõe é que, ao final de uma relação de troca perfeitamente constituída, o saldo da operação seria igual a zero, ou seja, a cada um terá sido concedida a sua parte, o bom objeto, aquele capaz de por fim ao desejo. Tal funcionamento, que visa à completude, elide que a própria condição para que haja troca é que algo falte para o sujeito - dimensão justamente posta pelo pacto. E, quanto a isso, afirma Lacan (2001), não se está de acordo. Vale dizer, não é de acordo que se trata, pois a conta não fecha.

Estando face às consequências da passagem de um Direito que se assenta no pacto para a ênfase que agora é dada a um acordo entre iguais, torna-se flagrante a prevalência da lógica do consumidor possibilitada pelas novas relações contratuais. Constata-se que o apelo do sujeito à obrigação que o contrato institui, neste ponto, somente se faz ouvir quando se trata de lhe garantir direitos. O mesmo não ocorre quando, ao contrário, é ele quem tem que pagar diante das exigências impostas pelo laço social em seu necessário endereçamento ao Outro. Nesse caso, pode-se perceber claramente o tipo de operação que destacamos acima e que, em outras palavras, encerra o Direito numa vertente meramente utilitária. Qualquer advogado que se empenhe num processo cujo objetivo é garantir um direito a seu cliente recorre ao texto escrito na busca do enunciado que venha a sustentar a sua aplicabilidade. Mas se o objetivo for o de defender o sujeito de uma falta de sua parte, trata-se, antes, de buscar nas chamadas "brechas" da lei a possibilidade de sua isenção/inocência. No caso da nova relação contratual na forma como esta se configura atualmente em nosso país, chega-se ao extremo de se permitir sua anulação caso o sujeito demonstre seu caráter "abusivo". Ou seja, ainda que tenha, num primeiro momento, aceitado seus termos, pode dele se desresponsabilizar a posteriori. Antes da Modernidade - em alguns países até datas bastante recentes - tal operação seria impossível, pois a ênfase da relação contratual não residia em seu conteúdo ou caráter supostamente "justo", mas no laço entre as partes - seu pacto simbólico. Tendo a ele acedido, o sujeito não poderia dele se desobrigar facilmente.

Ora, o que observamos em nosso momento atual, ao contrário do que estava estabelecido anteriormente, é um sujeito buscando resolver os impasses da vida cotidiana reivindicando mais e mais reparações ao Direito ao mesmo tempo que este também funciona por acréscimo. Não vigora mais a dimensão do pacto que engendra posições assimétricas, mas a de um acordo que visa a ressarcir ou mesmo economizar o sujeito do encontro com algo que o coloque frente à perda em que estaria constituído. Reconhecemos aqui um funcionamento de sujeito que passa a ser articulado à lógica do mercado, a durabilidade da satisfação a que aspira tem como contrapartida necessária a perenidade do consumo, isto é, a rápida substituição de objetos e reparações de que este lança mão para elidir a dimensão da perda (France, 2009France, I. (2009). Developpement Durable et Réference à la Nature: le Prolongement Contemporain du Discours Capitaliste. La Revue Lacanienne, 2(4),129-131. ). Às vezes respondendo afirmativamente a qualquer modalidade de satisfação, às vezes procurando se estender às esferas das relações sociais que antes lhe eram estranhas. Há, assim, uma infinitização dos procedimentos jurídicos. Consequentemente, o sujeito recorre mais e mais aos processos, principalmente os de natureza indenizatória (que podem, inclusive, se sobrepor a outros tipos de reparação) os quais, muitas vezes, seguem-se a ações ou omissões que ele poderia ter facilmente evitado ou resolvido.

Chama ainda maior atenção a conversão em cifras de questões como "abandono afetivo" e "danos morais". O afeto de um pai e o reconhecimento de um filho são inscrições (simbólicas) ou concessões (dons) a que se pode obrigar alguém? Deve-se ressarcir um sujeito por não ocupar um lugar no desejo do Outro ou por ocupar o lugar que não o por ele pretendido?

Já os procedimentos jurídicos, cada vez mais técnicos, burocratizados, têm sua perpetuação assegurada pelo fato de em geral só serem refutados por procedimentos semelhantes. Este é o caso, por exemplo, dos laudos técnicos4 4 Os referidos laudos não são uma exclusividade da psicologia e da psiquiatria. Laudos de áreas diversas - engenharia, contabilidade, biologia, etc. - podem compor um processo legal. , cada vez mais frequentes nos processos os mais diversos - desde disputas de guarda à avaliação patrimonial. Suas asserções em geral somente são refutadas por outros laudos técnicos, numa verdadeira "queda de braço" entre a perícia designada pelo juiz e os pareceres de assistentes particulares (Alberto, 2010Alberto, R. (2010). Da perícia ao perito (2ª ed.). Rio de Janeiro: Impetus.). Delineia-se, assim, uma sucessão de saberes que tanto se digladiam quanto se acumulam nas páginas que compõem o processo. Essa acumulação que contrasta com a ideia de um sujeito que se constitui por referência à perda - de saber, de gozo, como vimos - torna-se igualmente patente frente à facilidade com que os advogados são atualmente substituídos ao longo de um processo legal ou pela formação de verdadeiras juntas de advogados especialistas (bem como de outros profissionais), supostamente capazes de conferir "peso" ao saber.

Conclusão

Ao se ocupar das formas de estruturação do laço social, Lacan (2007Lacan, J. (2007). O seminário Livro 17: o avesso da Psicanálise (1969-1970) (A. Roitman, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar . ) identificou em nossa época o predomínio de um novo discurso caracterizado por um deslocamento no lugar antes ocupado pelo saber e que permite articulá-lo à lógica capitalista. Foi este processo que no presente artigo buscamos situar como indissociável do papel do Direito na contemporaneidade, em especial a partir de uma mutação em sua relação contratual, esvaziada de sua dimensão de pacto em direção a uma simples relação de troca, um mero acordo entre as partes. Isentando-se do papel de sancionador das relações do sujeito na cena social, nosso Direito vem se convertendo em um campo de abolição desse mesmo sujeito, pois, mais do que um dado natural, o sujeito do inconsciente inaugurado pela psicanálise é um efeito da linguagem. Sua submissão à cultura, portanto, dependente de um posicionamento subjetivo, ético, de sua parte: conferir sustentação à relação com o próximo e com as instituições sociais a despeito da impossibilidade de neles encontrar uma resposta para o seu mal-estar (Melman, 2009Melman, C. (2009). Para introduzir a psicanálise nos dias de hoje (S. Rezende, L. P. Fonseca, & S. Bley, Trad.) Porto Alegre: CMC.) - condição, como vimos, estrutural.

Ao colocar em xeque qualquer projeto social que aspire à completude, à visada de um suposto Bem, ou a uma engenharia social regida pelo ideal de risco zero, onde tudo estará garantido de antemão - qualquer desvio nesse projeto sendo passível de restituição -, o sujeito se torna um elemento do qual o Direito acaba por se desvencilhar. Isso é flagrante na forma como seus procedimentos reduzem o espaço de atuação do sujeito, como também as questões que lhe são mais caras, a uma mera discussão burocrática - conforme nos testemunha o esvaziamento do lugar de circulação e sustentação de sua palavra nos processos legais em favor dos procedimentos técnicos, como os laudos a que fizemos referência anteriormente. Processo paradoxal, pois, recorrendo a este mesmo Direito, o sujeito se acredita respeitado em sua condição. A elisão do lugar do sujeito não é sem consequências para pensarmos questões caras ao Direito contemporâneo e, principalmente, à manutenção do laço social, tais como responsabilidade, culpa, a busca pela verdade em um processo legal. Estas, cada vez mais, aparecem nesse campo como lhe sendo imputadas externamente e não a partir de um posicionamento ético de sua parte. Apesar de seu incremento, as intervenções jurídicas têm, desta maneira, se mostrado incapazes de convocar o sujeito à responsabilidade de sua posição na sociedade, posicionamento ao qual não se acede pelas vias do saber (cartesiano) nem por uma atribuição externa, mas pelo desejo (Melman, 2009Melman, C. (2009). Para introduzir a psicanálise nos dias de hoje (S. Rezende, L. P. Fonseca, & S. Bley, Trad.) Porto Alegre: CMC.).

A conversão do Direito atual em um dispositivo de que o sujeito pode se servir como quiser, à maneira dos bens de consumo com os quais nos deparamos no mercado (France, 2009France, I. (2009). Developpement Durable et Réference à la Nature: le Prolongement Contemporain du Discours Capitaliste. La Revue Lacanienne, 2(4),129-131. ) - afinal, o cliente tem sempre razão! - significa, portanto, um retrocesso quanto à questão de sua responsabilidade social. Nesse sentido, retrocedemos até mesmo em relação ao paradigma cartesiano, uma vez que, segundo este um sujeito, só seria considerado irresponsável perante a lei dada sua desrazão (Leclerc, 2013Leclerc, H. (2013). La Loi Du 5 juillet 2011: Le Juge et Le Fou. Journal Français de Psychiatrie - Retour Sur la Loi du 5 Juillet 2011, 38, 38-46. Toulouse: Éditions Érès. ), como vimos na introdução deste artigo. Hoje, nem mesmo tal critério se faz necessário: mesmo referido à razão/consciência, já que supostamente entende claramente o conteúdo do contrato, da lei, o sujeito estará isento de sua sustentação desde que a mesma imponha um limite à satisfação que ele então entende como lhe sendo devida - motivo pelo qual atualmente qualquer sanção passou a ser vivenciada como um logro. Esse processo configura-se ainda mais grave ao considerarmos o que trouxe Lacan (2007Lacan, J. (2007). O seminário Livro 17: o avesso da Psicanálise (1969-1970) (A. Roitman, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar . ) quanto às formas de estruturação do laço social: nelas o que possibilita a passagem para outro tipo de funcionamento é o confronto do sujeito com o impossível. Ao responder a toda e qualquer demanda, o Direito atual impede que lhe seja franqueada a cesura fundamental capaz de permitir outro posicionamento, no qual o sujeito venha a se responsabilizar por aquilo mesmo que o constitui, bem como pelas nossas instituições, na medida em que elas fazem referência à perda inerente à estrutura da linguagem que buscamos situar ao longo desta discussão Ao extremo, esse processo culmina com a abolição ou o enfraquecimento do laço social, visto que na sociedade de mercado, em relação a qual, como vimos, hoje se articula o desejo do sujeito, "não há senão a concorrência, não há mais solidariedade, não há mais reconhecimento de outrem como um semelhante, e para essa sociedade de mestres não há mais lei" (Melman, 2009Melman, C. (2009). Para introduzir a psicanálise nos dias de hoje (S. Rezende, L. P. Fonseca, & S. Bley, Trad.) Porto Alegre: CMC., p. 357). Já não estaremos, pois, diante de instituições e bens comuns, uma vez que nelas os sujeitos já não se reconhecerão como estando de alguma forma representados.

Lembremos, nesse sentido dos movimentos de mobilização social em nosso país, que tiveram início em junho de 2013, os quais, a despeito de sua diversidade, podem ser reunidos a partir do enunciado "isso não me representa". No entanto, a estrutura da linguagem implica, exatamente, que no processo que dá origem e sustentação às nossas instituições, algo persiste como impossível de ser simbolizado, o sujeito jamais estando todo representado (Tyszler, 2011Tyszler, J. J. (2011). As metamorfoses do objeto: a clínica da pulsão, da fantasia e da letra (M. Pietroluongo, Trad.). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano . ). Dimensão de perda cada vez mais sentida pelo sujeito como insuportável. O ponto de irresponsabilidade do sujeito/consumidor preconizado pelo Direito atual se torna, assim, justamente o lugar que a psicanálise situa como o de sua mais estrita responsabilidade - a dimensão de perda que marca nossa constituição como sujeitos à linguagem. E é deste lugar que, referidos a uma cadeia de transmissão, poderemos forjar em ato a nossa contribuição - à sociedade, às gerações vindouras - no que ela traz de mais singular. Posição frente à qual, como assinala Lacan (1998Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem. In Escritos (V. Ribeiro, Trad., pp. 238-324). Rio de Janeiro: Zahar (Original publicado em 1966)), somos sempre responsáveis.

Agradecimento

O presente artigo foi desenvolvido a partir de pesquisa de mestrado financiada pelo programa Bolsa Nota 10 da FAPERJ. E-26/100.008/2013. A segunda autora é Pesquisadora de Produtividade em Pesquisa do CNPq - 1B.

Referências

  • Alberto, R. (2010). Da perícia ao perito (2ª ed.). Rio de Janeiro: Impetus.
  • Beccaria, C. (2013). Dos delitos e das penas (6ª ed.). São Paulo: RT. (Original publicado em 1764)
  • Bouzon, E. (2002). Origem e natureza das coleções do direito cuneiforme. Revista Justiça História, 2(3), 17-54.
  • Conselho Nacional de Justiça - CNJ. (2010). Justiça em Números. Departamento de Pesquisas Judiciárias. Acesso em 01 de março, 2013, em Acesso em 01 de março, 2013, em http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-em-numeros/2010/rel_justica_numeros_2010.pdf
    » http://www.cnj.jus.br/images/programas/justica-em-numeros/2010/rel_justica_numeros_2010.pdf
  • Czermak, M. (2012). De onde falamos. In Patronimias - questões da clínica das psicoses (M. Pietroluongo, Trad., pp. 297-305). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano.
  • Czermak, M. (2013). A porta de entrada e a Clínica Psicanalítica. Rio de Janeiro: Tempo Freudiano .
  • Etimología de Pacto. (2013). Acesso em 11 de dezembro, 2013, em Acesso em 11 de dezembro, 2013, em http://etimologias.dechile.net/?pacto
    » http://etimologias.dechile.net/?pacto
  • Fonseca, M.(2012). Michel Foucault e o Direito (2ª ed.). São Paulo: Saraiva.
  • Foucault, M. (2007). Vigiar e punir: a história da violência nas prisões (R. Ramalhete, Trad.). Petropólis, RJ: Vozes.
  • France, I. (2009). Developpement Durable et Réference à la Nature: le Prolongement Contemporain du Discours Capitaliste. La Revue Lacanienne, 2(4),129-131.
  • Freud, S. (1996a). La interpretación de los sueños. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 4, pp. 1-343). Buenos Aires: Amorrortu. (Original publicado em 1900)
  • Freud, S. (1996b). Tótem y Tabú. Algunas concordancias em la vida anímica de los salvages y de los neuróticos. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol.13, pp. 1-164). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1913)
  • Freud, S. (1996c). El Malestar em la cultura. In Sigmund Freud Obras Completas (J. L. Etcheverry, Trad.,Vol. 21, pp. 57-140). Buenos Aires: Amorrortu . (Original publicado em 1930).
  • Furet, F. & Ozouf, M. (2004). Dicionário crítico da Revolução Francesa (H. Mesquita, Trad.) Rio de Janeiro: Nova Fronteira.
  • Hobbes, T. (2003). O Leviatã: matéria, forma e poder de uma república eclesiástica e civil. (J. P. Monteiro & M. B. Nizza Silva, Trad.). São Paulo: Nova Cultura. (Original publicado em 1651)
  • Kershaw, I. (2010). Hitler (P. M. Soares, Trad.). São Paulo: Companhia das Letras.
  • Lacan, J. (1998). Função e campo da fala e da linguagem. In Escritos (V. Ribeiro, Trad., pp. 238-324). Rio de Janeiro: Zahar (Original publicado em 1966)
  • Lacan, J. (2001). L'acte psychanalytique. Séminaire 1967-1968. Paris: Éditions de l'Association Freudienne Internationale (publication hors commerce). Acesso em 15 de novembro, 2013, em Acesso em 15 de novembro, 2013, em http://www.ecole-lacanienne.net/pictures/books/9550DD120FBB954EE8069B0C116BC3E5/AFI%20s%C3%A9minaires%2015%20%C3%A0%2021%20de%201967%20%C3%A0%201974.pdf
    » http://www.ecole-lacanienne.net/pictures/books/9550DD120FBB954EE8069B0C116BC3E5/AFI%20s%C3%A9minaires%2015%20%C3%A0%2021%20de%201967%20%C3%A0%201974.pdf
  • Lacan, J. (2007). O seminário Livro 17: o avesso da Psicanálise (1969-1970) (A. Roitman, Trad.). Rio de Janeiro: Zahar .
  • Lacan, J. (2008). O seminário Livro 7: a ética da Psicanálise (1959-1960). (A. Quinet, Trad.) Rio de Janeiro: Zahar .
  • Leclerc, H. (2013). La Loi Du 5 juillet 2011: Le Juge et Le Fou. Journal Français de Psychiatrie - Retour Sur la Loi du 5 Juillet 2011, 38, 38-46. Toulouse: Éditions Érès.
  • Lebrun, J. P. (2001). Um mundo sem limite: ensaio para uma clínica psicanalítica do social (S. R. Felgueiras, Trad.). Rio de Janeiro: Companhia de Freud.
  • Legendre, P. (1996). Lecciones IV :El Inestimable Objeto de la Transmissión. (I. V. Nuñez, Trad.). México, DF: Siglo Veintiuno.
  • Le Goff, J. (2005). Em busca da Idade Média (M. Castro, Trad.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.
  • Lobo, L. F. (2012). A expansão dos poderes judiciários. Psicologia & Sociedade, 24(n. spe.), 25-30. Acesso em 11 de dezembro, 2013, em Acesso em 11 de dezembro, 2013, em http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822012000400005&lng=pt&tlng=pt.%2010.1590/S0102-71822012000400005
    » http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-71822012000400005&lng=pt&tlng=pt.%2010.1590/S0102-71822012000400005
  • Melman, C. (2009). Para introduzir a psicanálise nos dias de hoje (S. Rezende, L. P. Fonseca, & S. Bley, Trad.) Porto Alegre: CMC.
  • Melman, C. (2011). A neurose obsessiva no divã de Lacan - um estudo psicanalítico (J. Castro-Arantes, Trad.). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano /Imago.
  • Miranda, M. (2008). Teoria geral dos contratos. Revista Virtual Direito Brasil, 2(2). Acesso em 25 de agosto, 2011, em: Acesso em 25 de agosto, 2011, em: http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/cont/pdf
    » http://www.direitobrasil.adv.br/artigos/cont/pdf
  • Rousseau, J. J. (2000). Do Contrato Social ou princípios do Direito Político. In Os Pensadores - Rousseau (L. S. Machado, Trad.,Vol. 1, pp. 45-243). São Paulo: Nova Cultura l. (Original publicado em 1757)
  • Scheinvar, E. (2012). Conselho tutelar e escola: a potência da lógica penal no fazer cotidiano. Psicologia & Sociedade , 24(n. spe.), 45-51.
  • Tyszler, J. J. (2011). As metamorfoses do objeto: a clínica da pulsão, da fantasia e da letra (M. Pietroluongo, Trad.). Rio de Janeiro: Tempo Freudiano .
  • 1
    Cabe salientar que a existência de leis escritas, bem como a sua compilação não são exclusividades do Direito Moderno. Fontes historiográficas atestam a existência das primeiras em períodos ainda mais recuados no tempo, como nos testemunha o famoso Código de Hammurabi, monumento oriundo da Mesopotâmia e datado de meados do séc. XVIII a.C (Bouzon, 2002Bouzon, E. (2002). Origem e natureza das coleções do direito cuneiforme. Revista Justiça História, 2(3), 17-54.). Da mesma forma, a historiografia nos aponta a existência de leis compiladas por escrito em um corpo jurídico unificado desde, pelo menos, o séc. VI a.C., quando da publicação do Código de Justiniano. O que aqui buscamos ressaltar, contudo, é que, com o Direito Moderno, se inaugura uma tradição jurídica marcadamente racionalista, herdeira do paradigma cartesiano, a qual pressupõe a ação humana como conscientemente orientada (Beccaria, 1764/2013Beccaria, C. (2013). Dos delitos e das penas (6ª ed.). São Paulo: RT. (Original publicado em 1764)). Deste modo, também a razão - o correto entendimento das leis, das sanções que esta prevê - adviria como freio à transgressão. A psicanálise, todavia, evidenciará uma determinação inconsciente no sujeito e, assim, um apelo à transgressão que não encontra nas leis positivas seu limite necessário.
  • 2
    Utilizaremos a grafia em letra maiúscula para marcar a distinção que aqui propomos entre a lei do ordenamento jurídico e as leis da linguagem (portanto, a Lei)
  • 3
    Referimo-nos, aqui, tanto à redução do judaísmo a determinantes genéticos, quanto às suas consequências institucionais enquanto elemento definidor da cidadania alemã, da qual se buscou excluir os grupos sociais considerados inferiores.
  • 4
    Os referidos laudos não são uma exclusividade da psicologia e da psiquiatria. Laudos de áreas diversas - engenharia, contabilidade, biologia, etc. - podem compor um processo legal.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    11 Dez 2013
  • Revisado
    11 Set 2014
  • Aceito
    11 Out 2014
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revistapsisoc@gmail.com