Acessibilidade / Reportar erro

JUVENTUDES E PARTICIPAÇÃO: COMPREENSÃO DE POLÍTICA, VALORES E PRÁTICAS SOCIAIS

JÓVENES Y PARTICIPACIÓN: COMPRENSIÓN DE LA POLÍTICA, LOS VALORES Y PRÁCTICAS SOCIALES

YOUTH AND PARTICIPATION: UNDERSTANDING OF POLITICS, VALUES AND SOCIAL PRACTICES

Resumo

Este trabalho diz respeito aos resultados finais do estudo sobre a temática da juventude e sua relação com a temática da participação política, onde buscou-se compreender as diferentes formas de inserção e atuação de jovens em diferentes grupos e movimentos, levando em conta, principalmente, suas compreensões de política e os valores e concepções que norteiam suas práticas. Para tanto, foram entrevistados 13 jovens com idades compreendidas entre 18 e 29 anos, integrantes de grupos e movimentos de diferentes espaços: político, religioso e cultural. Concluímos que a política vem sendo percebida a partir de uma visão heterogênea que expressa a diversidade de possibilidades de ser e vivenciar a juventude e que a inserção dos jovens nos distintos grupos diz muito sobre suas compreensões de política e seus ideais de participação.

Palavras-chave:
juventudes; política; participação política; valores

Resumen

Este trabajo se refiere a los resultados finales del estudio sobre el tema de la juventud y su relación con la participación política, que trataran de comprender las diferentes formas de inserción y acción de los jóvenes en los diferentes grupos y movimientos, teniendo en cuenta, principalmente, sus comprensiones sobre la política, los valores y concepciones que orientan sus prácticas. Para este propósito, entrevistamos 13 jóvenes con edad entre 18 y 29 años, todos ellos miembros de grupos y movimientos de diferentes tipos de activismo: política, religiosa y cultural. Llegamos a la conclusión de que la política se ha percibido desde una visión heterogénea que expresa la diversidad de posibilidades de ser y de vivir la juventud, y la inserción de estos jóvenes en grupos distintos dice mucho sobre sus comprensiones acerca de la política y sus ideales de participación.

Palabras clave:
jóvenes; política; participación; valores

Abstract

This paper refers to the final results of the study about youth and its relation with political participation, from which we sought to understand the different forms of insertion and action of young people in different groups and movements, taking into account, mainly, their understanding of politics and the values and conceptions which guide their practices. For this purpose, 13 youths aged between 18 and 29 were interviewed, being that all of them were members of groups and movements from different kinds of activism: political, religious and cultural. We have concluded that politics have been perceived from a heterogeneous standpoint which expresses the diversity of possibilities of being and living the youth, and the insertion of these youths in distinct groups says much about their understanding of politics and their ideals of participation.

Keywords:
youth; politics; political participation; values

Introdução

As pesquisas em torno da temática juvenil têm crescido consideravelmente nos últimos anos, o que nos faz pensar que a juventude tem se constituído e se firmado enquanto campo teórico de grande interesse social. Segundo Sposito (2009Sposito, M. P. (2009). O Estado da Arte sobre juventude: uma introdução. In O Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006) (pp. 11-15). Belo Horizonte: Argvmentvm.), as produções acadêmicas acerca desse tema têm sido difundidas em distintas áreas do saber, como educação, ciências sociais e serviço social, servindo como base para diversas discussões referentes à realidade dos jovens no país. Basicamente, esses estudos têm se proposto a investigar a condição juvenil, os processos de participação política dos jovens e suas diferentes expressões e culturas. No campo da psicologia, esse cenário se confirma a partir de um vertiginoso aumento nas discussões de questões que tratam das demandas e trajetórias de jovens expressas através de diversas experiências (Trancoso, 2012Trancoso, A. E. R. (2012). Juventudes: o conceito na produção científica brasileira. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió.).

Há uma significativa parcela de estudos que trazem o debate em torno das categorias juventude e política, sendo possível perceber a prevalência de discussões que associam juventude mais precisamente à temática da participação (Abramo & Venturi, 2000Abramo, H. & Venturi, G. (2000). Juventude, política e cultura. Teoria e Debate, 45, 1-4.; L. R. Castro, 2008Castro, L. R. (2008). Participação política e juventude: do mal-estar à responsabilização frente ao destino comum. Revista Sociologia & Política, 16(30), 253-258.; M. G. Castro, 2007Castro, M. G. (2007). Juventudes e participação no Brasil: re-acessando debates. Cadernos Adenauer, 8(2), 85-109.; Feixa, Costa, & Saura, 2002Feixa, C., Costa, C. & Saura, J. (2002). Movimentos Juvenis: da globalização à antiglobalização. Barcelona: Ariel .). Sendo assim, considerando essa relação um terreno fértil para considerações, e entendendo a atuação política dos jovens como um elemento importante e de forte centralidade no cenário contemporâneo, nos interessou refletir e investigar sobre a compreensão que jovens inseridos em distintos movimentos e grupos da cidade têm sobre a política, suas concepções acerca dela e os valores que permeiam suas trajetórias de participação.

Acreditamos que tratar da relação entre juventude e política no cenário local é de grande relevância visto que, ao compreendermos as dinâmicas e processos nela existentes, poderemos contribuir na construção de um debate mais qualificado e localizado sobre o tema. É frequente a temática ser abordada de modo superficial, ancorada numa visão simplificadora da categoria, geralmente pensada a partir de uma homogeneidade, o que acaba por produzir discursos e práticas que dizem respeito a uma juventude (no singular), ou a uma única forma de participação política. Pinto, Cunha e Mayorga (2005Pinto, G., Cunha, V., & Mayorga, C. (2005). Juventude em ação: formas de participação social e política de jovens em uma favela de Belo Horizonte [Resumo expandido]. In XV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social. Maceió: ABRAPSO. Acesso em 01 de fevereiro, 2015, em Acesso em 01 de fevereiro, 2015, em http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_XVENABRAPSO/394.%20juventude%20em%20a%C7%C3o.pdf
http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/...
) afirmam que pensar a juventude como categoria universal e não considerar a sua pluralidade, analisando-a através de uma visão adultocêntrica e maniqueísta, não possibilita compreender as várias formas de participação política existentes. Contrapor-se a uma visão que simplifica e unifica esta categoria permite ampliar as possibilidades de análise da participação política juvenil hoje.

Segundo Mayorga, Castro e Prado (2012Mayorga, C., Castro, L. R., & Prado, M. A. M. (2012). Juventude e os paradoxos da política. In Juventude e a experiência da política no contemporâneo (pp. 261-270). Rio de Janeiro: ContraCapa. , p. 268), "a apreensão da política pelo conhecimento científico sempre foi um problema investigativo", e nesse contexto os autores fazem uma crítica ao fato de a relação entre juventude e política ser na maioria das vezes tratada como algo naturalmente concebido, como uma "relação quase obrigatória" (Mayorga et al., 2012, p. 261). Isso acontece, em grande medida, devido ao fato de a sociedade atribuir à juventude uma condição reificada acerca de uma natureza "questionadora", "rebelde", como "uma fonte importante de mudança e transformação social" (Abramo, 2005Abramo, H. W. (2005). O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiro. In M. V. Freitas (Org.), Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais (pp. 19-35). São Paulo: Ação Educativa. , p. 26).

Estudos como os de Pais (1993Pais, J. M. (1993). Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda., 2001Pais, J. M. (2001). Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Porto, PT: Ambar.), Vianna (2003Vianna, H. (2003). Galeras cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: UFRJ. ), Abramo e Branco (2005Abramo, H. & Branco, P. (2005). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo. ), Feixa (2005Feixa, C. (2005). De culturas, subculturas y estilos. Barcelona: Ariel.) e Sposito (2009Sposito, M. P. (2009). O Estado da Arte sobre juventude: uma introdução. In O Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006) (pp. 11-15). Belo Horizonte: Argvmentvm.), autores que têm contribuído para o fortalecimento deste campo de saber, ratificam a crítica acima e contribuem com mudanças frente à ideia ainda hegemônica de pensar a juventude como uma fase problemática, marcada por certa instabilidade e, politicamente, caracterizada ora por uma apatia política, ora por uma visão reificada que alia juventude necessariamente a engajamento político, como dito acima. Compartilhamos e afirmamos a perspectiva desses autores.

Partimos também da visão de que as juventudes são ao mesmo tempo uma condição social e um tipo de representação (Dayrell, 2005) que não mais diz respeito apenas a uma determinada fase da vida, relacionada a uma faixa etária. Nesse sentido, Souza (2004Souza, C. Z. V. (2004). Juventude e contemporaneidade: possibilidades e limites. Última década, 12(20), 47-69.) enfatiza que o grupo não pode ser caracterizado como homogêneo pelo fato de seus membros possuírem apenas a idade em comum, e que "não se pode misturar juventude e os jovens; o primeiro é a fase, e o segundo são os sujeitos que vivem uma diversidade" (p. 49). Essa compreensão que vai para além da faixa etária abre possibilidades para pensar a juventude a partir de uma concepção ancorada na sua pluralidade de formas de ser e viver1 1 Para a discussão sobre "juventudes" ver: Abramo (1997), Dayrell (2005), Groppo (2000), Pais (1993), entre outros. , concepção essa que tomamos como referência no presente trabalho.

Segundo Dayrell (2003Dayrell, J. (2003). O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação , 24, 40-52.), a juventude ganha contornos específicos diante do conjunto das experiências vivenciadas pelos indivíduos em diferentes contextos. Sobre isso, Rezende (1989) citado por Groppo (2000Groppo, L. A. (2000). Juventude:ensaios sobre sociologia e história das juventudes Modernas. Rio de Janeiro: DIFEL. ) chama a atenção:

Essa concepção alerta-nos sobre a existência, na realidade dos grupos sociais concretos, de uma pluralidade de juventudes: de cada recorte sócio-cultural - classe social, estrato, etnia, religião, mundo urbano ou rural, gênero, etc. - saltam subcategorias de indivíduos jovens, com características, símbolos, comportamentos, subculturas e sentimentos próprios.

Cada juventude pode reinterpretar à sua maneira o que é 'ser jovem', contrastando-se não apenas em relação às crianças e adultos, mas também em relação a outras juventudes. (p. 15)

Diante dessa multiplicidade de formas de ser jovem e vivenciar a juventude, entendemos que haverá também uma diversidade de compreensões e vivências da política. Compreender isso é de extrema importância para percebermos as distintas formas de contato com a participação política, tendo em vista as inserções em diferentes grupos e movimentos que demarcam especificidades individuais e identificações ao longo das suas trajetórias de participação.

Assim, é importante reconhecer a existência de múltiplas formas de organização juvenil, que dialogam com distintos contextos e experiências de inserção na sociedade, nos grupos e movimentos, que se relacionam com modos específicos de compreender e vivenciar a política e o campo da participação. Buscou-se, então, pensar como a relação entre juventudes e política/participação vem se constituindo na realidade de Maceió, investigar sobre as compreensões que os jovens têm de política e os valores e concepções que norteiam suas práticas participativas.

Sobre a trajetória da pesquisa

Para esclarecer o trajeto percorrido durante esta investigação, faz-se necessário explicar de onde partimos e que escolhas fizemos. Para tanto, é importante ressaltar que as discussões aqui expostas são frutos dos resultados finais de uma pesquisa que teve início em 2010 e teve uma duração de três anos.

Na primeira etapa desta investigação, foram realizados três grupos focais com jovens que estão inseridos em diferentes grupos e movimentos sociais, religiosos e culturais que têm em comum uma visibilidade social e uma prática de intervenção na cidade. Participaram dos grupos jovens com idades compreendidas entre 18 e 29 anos, integrantes de movimentos estudantis, juventudes partidárias, movimentos de luta pela terra, pastorais, grupos religiosos e movimentos culturais. São jovens de diferentes classes sociais, mulheres e homens, que têm participado de modo contínuo das organizações coletivas em que estão inseridos e com tempos de participação variados. A maioria deles foi indicada pelos próprios grupos e/ou movimentos convidados. Além disso, alguns foram escolhidos pelos pesquisadores dado o conhecimento prévio de sua atuação social e política. Os grupos focais tiveram em média a participação de seis jovens, cada.

A partir da realização dos grupos, foram identificadas distintas compreensões acerca da política e formas de participação que ora favorecem a organização e composição de redes entre si, a partir de interesses e demandas que os mobilizam, ora reforçam suas lutas mais localizadas nos contextos em que atuam.

Num segundo momento, sentimos a necessidade de aprofundar questões trazidas pelos integrantes da primeira etapa. Para tanto, convidamos treze daqueles jovens para participar de uma entrevista semiestruturada. Assim, foram convidados para essa etapa aqueles que tiveram uma maior contribuição nos grupos focais. Também se considerou o equilíbrio entre as diferentes esferas de participação.

Foram entrevistados 02 militantes estudantis, integrantes de diretórios e centros acadêmicos; 02 membros das juventudes partidárias, em especial, da Juventude do Partido Comunista Revolucionário (PCR) e da Juventude do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificados (PSTU); e 02 jovens do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST). Em sua maioria, são jovens que estão inseridos no espaço universitário e que transitam em diferentes redes de movimentos sociais.

Também participaram jovens que integram movimentos e grupos culturais da cidade comprometidos com a luta pela melhoria das condições de vida nos bairros da periferia; são jovens que, tendo como referência as dimensões popular e cultural, se comprometem, a partir de suas práticas, com o estado de precariedade e pobreza que vive a maior parte dos moradores da cidade; além disso, possuem um forte vínculo com grupos culturais de tradição afro-brasileira. Assim, foram entrevistados 01 jovem do Coletivo Afro-Caeté e 02 do Maracatu Baque Alagoano, ambos grupos de maracatu da cidade.

Participaram também jovens que integram comunidades e pastorais de tradição católica que possuem uma ação social importante. Foram entrevistados 01 jovem da Pastoral da Juventude do Meio Popular (PJMP), 01 da Comissão Pastoral da Terra (CPT) e 01 da Comunidade "Viventes". Além desses, a pesquisa ainda contou com a participação de 01 jovem representante das religiões afro-brasileiras que integra o Projeto Inaê do Grupo União Espírita Santa Bárbara (GUESB).

Mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE), as entrevistas foram realizadas nos espaços previamente combinados com os jovens. Todas as entrevistas foram gravadas e posteriormente transcritas para análise. O tempo médio de entrevista foi de uma hora e meia. Para este artigo, analisaremos exclusivamente as entrevistas individuais realizadas na segunda etapa.

Compreensões da política e trajetórias de participação

As compreensões que os jovens têm acerca da política se mostram bastante heterogêneas, reflexos das diferenças existentes entre os grupos dos quais fazem parte e da própria pluralidade em termos de conteúdo e prática política. Esse entendimento plural apresentado pelos jovens permite-nos pensar alguns pontos de aproximação e características específicas a cada esfera participativa.

Aqui, identificamos que as concepções que os jovens têm sobre política são marcadas por três grandes ideias que dizem respeito a suas trajetórias de participação nos grupos: uma visão mais clássica, associada ao campo eleitoral e às instituições partidárias; uma compreensão da política como base das relações humanas, onde "viver é política"; e a última, entendida como meio de transformação social e pessoal, relacionada à luta pela garantia de direitos.

Do descrédito ao instrumento de transformação

A concepção associada à visão clássica da política trazida por parte dos jovens entrevistados se apresenta a partir de uma forte crítica aos espaços de representação, tanto por seu desgaste quanto pelo descrédito das instituições; diz respeito ao modo pelo qual o modelo representativo, base do sistema político atual, tem sido insuficiente para mobilizar discussões e atender aos anseios da sociedade civil em geral.

A política institucional em sua dimensão mais cotidiana, ligada à ideia de democracia formal e ao sistema político partidário, eleitoral, passa por uma crise em termos de adesão e crença por parte da população em geral e dos jovens em particular, resultado de uma conjuntura política permeada de notícias de escândalos e mau uso do dinheiro público. Também há uma percepção de que as políticas públicas, tão popularizadas nos últimos anos como instrumentos de combate às desigualdades, não conseguem atingir a contento suas finalidades e, nesse sentido, contribuem para o descrédito da política formal enquanto possibilidade de ampliação da democracia. Como nos dizem os entrevistados:

Pra mim também fica muito a impressão da política [como política] partidária, mas como uma coisa não muito boa que tá acontecendo. Ela pode ser essencial, no sentido que necessitamos da política, mas ela não tá sendo passada de uma maneira legal, muito se passa sobre corrupção, sobre desvio de verba e tal. (Participante do Grupo Os Viventes, 21 anos)

Rapaz eu sou meio, assim, desfocado da política ... particularmente eu não gosto de política, de nenhum tipo de política... Eu acho que é mais por conta da prática da corrupção, hoje em dia um voto seu é a sua vida e você tá jogando fora, entre aspas, eu posso tá sendo equivocado, errado mas essa é minha concepção, política pra mim é uma coisa imune na minha vida. (Participante do Grupo Inaê, 25 anos)

Eu acho que é consenso geral de que, pelo menos aqui localmente, no nosso estado e no Brasil, as políticas públicas são ineficientes. As ações existem, elas atingem um certo público, pode até fazer bem a uma certa porção da sociedade, mas ela falha, é, ela é falha no sentido de promover aquilo de forma bem feita e pra todo mundo. (Participante do Grupo Maracatu Baque Alagoano, 28 anos)

Essa visão, ainda que reproduzida de outro modo por outros jovens, é mais presente naqueles que não possuem inserção em movimentos políticos tradicionais, ou com pouca experiência institucional e de diálogo com os mecanismos e espaços formais do sistema representativo. A maioria dos jovens acima não tem interesse em participar de experiências políticas mais tradicionais. Expressam, portanto, com legitimidade sua visão (pouco otimista) sobre a política.

Segundo Florentino (2008Florentino, R. (2008). Democracia liberal: uma novidade já desbotada entre jovens. Opinião Pública, 14(1), 205-235.), a desconfiança e o afastamento da política institucional por parte dos jovens não significa necessariamente uma alienação ou despolitização (imagens comumente associadas aos jovens contemporâneos), mas uma crítica ao fato de que o sistema político não tem conseguido dar respostas aos seus anseios e necessidades. Eles parecem dizer que a política representativa deve se reinventar, caso queira garantir a participação de um número maior de pessoas, inclusive dos jovens.

Não desacreditam necessariamente da política, principalmente quando associada à intervenção na cidade. Todos eles, a partir de seus lugares e movimentos, se desafiam a pensar os diferentes problemas e demandas locais, se preocupam com a desigualdade ou a ineficiência dos programas e projetos que deveriam minimizá-la. Alguns por meio de atividades de caráter assistencial e solidário como levar equipamentos de assistência em saúde e educação de modo sistemático a comunidades e instituições; outros através de ações de caráter político e cultural tendo como principal estratégia a intervenção a partir de projetos comunitários com foco na ocupação de espaços, visibilidade e fortalecimento de manifestações populares que atendem principalmente a crianças, adolescentes e jovens.

Importante observar que, apesar de uma contestação inicial da política institucional, essa se mantém como uma possibilidade de participação para uma parcela desses jovens. Diferentemente daqueles que desacreditam da política representativa, ou não são motivados a dela participar, aqueles que estão inseridos em grupos e movimentos tradicionais, como o movimento estudantil e as juventudes partidárias, pontuam a importância que o programa e a institucionalidade das distintas organizações democráticas possuem para a realização das transformações sociais necessárias.

a participação é... diretamente política numa organização político-partidária ou no DCE, no movimento estudantil é importante, porque ele é ativo no processo e a partir de eventos como esse que a gente consegue colocar isso, tipo, a gente organiza, assim, a gente organiza o DCE, né? Porque a partir da mobilização que nós fazemos, da política que a gente toca para os estudantes, eles conseguem perceber que a realidade que eles vivem é uma realidade de exploração que pode ser modificada e que pode ser modificada por eles através do engajamento deles numa organização. Uma transformação que acontece a partir da organização coletiva, é por isso que é importante. (Participante do Partido Comunista Revolucionário, 21 anos)

Observamos uma demarcação clara sobre a concepção da política representativa entre aqueles que participam ou não de grupos mais tradicionais da política. Os primeiros, mais críticos ao modelo; os outros, apostando nos seus mecanismos, ainda que conheçam seus limites. No entanto, podemos dizer ainda que, diante do desgaste das formas clássicas de participação, todos eles têm buscado outros modos de agir que não passam obrigatoriamente pela via institucional. Apresentam estratégias de mobilização que têm ganhado visibilidade frente às transformações e mudanças do cenário político. Essa participação se dá a partir e por meio de manifestações culturais, de debate sobre que cidade querem, sobre a mobilidade urbana, etc. Buscam redesenhar os mecanismos de participação, utilizando-se de ferramentas e fazeres que demarcam diferença diante das vias mais conhecidas de luta. Os jovens mostram, a partir de suas manifestações artísticas e da discussão política sobre a cidade, dimensões da vida política que passam pela reivindicação de direitos e pelo reconhecimento de suas identidades.

o jovem tem procurado participar mais, tem procurado se engajar mais, tem procurado se envolver mais nas questões da atualidade, nas questões políticas, nas questões culturais, ele tá tentando manter acesas as raízes culturais. (Participante do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, 25 anos)

eu não gosto de me envolver em política partidária... Aí já é um viés da política. Eu me envolvo com a política cultural ... Eu também, agora tô me inserindo em outro grupo político, que é o do meio de transporte orgânico que no caso é a bicicleta. Pra onde eu vou agora, eu vou de bicicleta. (Participante do Coletivo Afro-Caeté, 24 anos)

A política como base das relações humanas é a concepção mais compartilhada entre os jovens dos diferentes grupos. No entendimento deles, a política está presente no cotidiano, nas escolhas e posicionamentos que fazem, nas relações entre as pessoas. Ela demarca uma centralidade na vida desses jovens só possível pelo compromisso e participação nos contextos em que estão inseridos, por suas diferentes trajetórias no mundo da política. Acreditamos que são essas experiências de participação que vão balizar suas formas de agir e pensar o mundo, de pensar a política e seus desdobramentos.

a sua vida é a política, você respira política, você tá envolvido direta ou indiretamente com a política. Mesmo que você não precise estar num partido político ou ser vinculado a um vereador, ou enfim a uma política partidária pra você fazer ou exercer a política. (Participante do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, 25 anos)

então tudo que você faz mesmo que você ache que não tá fazendo nada, você tá fazendo. Logo que eu entrei na universidade também me juntei com o C.A e DCE e meu pai disse que não queria que eu me envolvesse com política, mas eu mostrei pra ele... Meu pai era diretor estadual dos Alcoólicos Anônimos... Eu mostrei pra ele: se o senhor é diretor dos Alcoólicos Anônimos você tá fazendo política, só que é uma política diferente da minha... (Participante do Coletivo Afro-Caeté, 24 anos)

resgatou em mim o entendimento de que política não é necessariamente partido político, cargo político etc. Política é relação social, é uma relação humana sabe? A partir do momento que você pensa que não liga pra política, você está fazendo política (Participante do movimento estudantil, 27 anos)

Da análise sobre essa concepção podemos apreender alguns apontamentos para pensar a política para esses jovens. Numa leitura mais apressada poderíamos pensar que, ao se referirem à política de modo "abstrato" (quando dizem que a política é tudo, por exemplo), eles estariam esvaziando o seu conceito, ou não conseguindo nomear aquilo que dizem orientar suas trajetórias de participação. No entanto, ao contrário do que possa parecer, o que esses jovens sinalizam é que a política é muito maior que as instituições formais tradicionalmente reconhecidas como constituintes do jogo político; ela está presente nas relações sociais e no modo como a vida é organizada, circunscrita sempre a partir das lutas, dos embates, dos conflitos e dos processos de participação advindos das experiências e trajetórias militantes.

O segundo direcionamento se refere à dimensão subjetiva da participação. Os jovens parecem reconhecer através desta concepção que a política está fundamentalmente ligada à vida e à vida de cada um deles, ao modo como são subjetivados, como se inserem nos processos políticos e por eles são transformados. Demarcam assim a concepção de política como base das relações humanas a partir das experiências nos espaços de militância. De acordo com L. R. Castro (2008Castro, L. R. (2008). Participação política e juventude: do mal-estar à responsabilização frente ao destino comum. Revista Sociologia & Política, 16(30), 253-258.), "Situar suas ações no horizonte da política significa para estes jovens dar novo sentido às experiências cotidianas à luz de outros entendimentos, que ampliam o raio de determinação dos acontecimentos" (p. 262).

Podemos identificar também uma concepção da política como instrumento de transformação social e pessoal a partir de um espaço de disputa em busca da efetivação de direitos que não estão garantidos. Essa transformação pode ser percebida tanto no aspecto político, a partir da luta pela diminuição das desigualdades, garantindo o acesso aos direitos básicos da vida, quanto no aspecto subjetivo, onde a mudança acontece no âmbito pessoal, possibilitando aos jovens a compreensão de seu lugar no mundo enquanto atores sociais.

No primeiro aspecto, a política vem seguida de uma compreensão de que é necessário construir um outro projeto de sociedade que tenha como centro a garantia de direitos, não para alguns, mas para todos. A percepção de injustiça e desigualdade faz os jovens tomarem posição, se organizarem no sentido de combater e resistir àquilo que segrega, diminui e exclui as pessoas. A participação política se coloca aqui não apenas como um ideal, mas como uma exigência ética desses jovens que já não conseguem conviver com o preconceito, a forte estratificação social e a negação de direitos.

Dessa forma, parecem dar sentido ao que Rancière (1996Rancière, J. (1996). O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34.. P. 42) afirma sobre a política: "a atividade política é a que desloca um corpo do lugar que lhe era designado ou muda a destinação de um lugar; ela faz ver o que não cabia ser visto ... faz ouvir como discurso o que só era ouvido como barulho". Ou seja, através de diferentes ações políticas trazem ao mundo as vidas dos não contados e suas distintas formas de ser e viver, daqueles que desequilibram a vida pautada por uma lógica de exclusão.

Política é a questão dos direitos iguais, acho que todo mundo tem direito, seja lá quem for; negro, pobre, rico, branco, homossexuais. O movimento tem essa clareza com a gente. Dizer que o jovem tem o direito, tem o poder de tá também debatendo essas questões. Então eu acho que esse foco é que vários jovens, a juventude está no movimento, de descobrir seu próprio direito e lutar por eles. (Participante do Movimento de Trabalhadores Rurais Sem Terra - MST, 23 anos)

então ou você procura entender e dar o seu melhor em todos os espaços que você participar ao longo da sua vida pra tentar construir algo pelo menos um pouco melhor do que tá hoje em dia pra você e pra coletividade, ou você faz isso ou num sei. Pra mim pelo menos, eu não consigo me ver não fazendo isso, acho que eu ia me sentir muito mal, me sentir muito mais frustrado do que com as derrotas que a gente enfrenta, tá ligado? (Participante do movimento estudantil, 27 anos)

O segundo aspecto trazido nas falas dos jovens diz respeito à dimensão subjetiva que concerne à entrada na atividade política e ao caráter transformador que a atuação nos grupos, nos movimentos, nas redes de participação promove em suas vidas. A entrada no mundo da política traz uma outra sensibilidade, um universo de questões que faz com que olhem o mundo de outro modo, mais solidário e comprometido.

Eu cheguei com aquela cara de assustada, com medo, vendo todo mundo assim, todo mundo bem engajado e eu tava só entrando e eu fui ainda tipo arrastada né, que eu não queria ir. Fui bem aceita, me emocionei com depoimentos de pessoas que falaram da luta, do que já sofreram, dos preconceitos que eles sentem na pele, também senti um pouco disso em mim e desde então fui convidada pra participar do projeto da educação, ai me colocaram como uma das professoras do movimento, como filha de assentado eu trabalho também em assentamento, só que não no meu, porque no meu já tem escola municipal. (Participante da Comissão Pastoral da Terra, 20 anos)

Diante do exposto, é válido ressaltar que as diversas formas de compreender a política são exemplos claros de como os contextos nos quais os jovens se inserem direcionam e embasam suas visões de mundo. As múltiplas compreensões acerca da política, vindas de diferentes espaços de atuação, demarcam diferentes modos de participação que levam em conta diversas bandeiras de luta, como, por exemplo, reivindicações por um transporte público e de qualidade, acesso à cidade, valorização da cultura etc., bem como os valores e as percepções que norteiam suas práticas. Quando os jovens optam por determinados discursos e estratégias, estão também demarcando uma compreensão de sujeito, que se alia a um ideal de participação e a um conjunto de valores que irão orientar suas ações, projetos e militâncias.

Nesse sentido, consideramos importante, agora, pensar mais especificamente sobre o que os leva a se engajarem nos mais diversos movimentos, quais valores motivam suas lutas cotidianas.

Valores e concepções que norteiam práticas - motivações para a participação

A dimensão da experiência militante mediada pelos valores que norteiam as práticas associativas é um elemento de grande importância para a análise da atual participação juvenil. Em nossas pesquisas, pudemos identificar que os valores que orientam e dão sentido às práticas dos jovens muitas vezes dizem respeito a questões mais gerais e comuns, que dialogam, independente das diferenças entre os grupos, o que não exclui as especificidades que dizem respeito aos contextos onde estão inseridos.

L. R. Castro (2008Castro, L. R. (2008). Participação política e juventude: do mal-estar à responsabilização frente ao destino comum. Revista Sociologia & Política, 16(30), 253-258.) sinaliza que compreender como e por que os jovens brasileiros inseridos nos contextos de desigualdade participam da construção e das decisões da sociedade põe em questão a forma como cada um deles se reconhece enquanto parte desse conjunto e como se veem implicados em seus destinos. Assim, muitas vezes esses jovens se sentem responsáveis por promover melhorias em suas vidas e nas vidas dos outros. O cenário de desigualdade existente na cidade provoca os jovens militantes a se posicionarem, exige deles uma atitude de responsabilização frente ao descaso do Estado e à situação de vulnerabilidade de vários grupos sociais.

De um modo geral, os valores citados e compartilhados nos diversos grupos dizem respeito ao fato de os jovens enxergarem suas ações enquanto possibilidades de transformação da sociedade. São valores que impulsionam suas lutas cotidianas, que amenizam as dificuldades, que reforçam a certeza de que é possível a construção de um mundo mais justo.

Surge no interior das ações políticas de jovens inseridos e engajados nos grupos um senso de coletividade em prol da transformação para um mundo melhor como apresentamos no primeiro trecho abaixo. Diferente do que muitas vezes se veicula, esses jovens pautam suas ações por uma lógica da responsabilização pelo outro, demarcada por um sentimento de injustiça que surge muito concretamente através das diferentes expressões da desigualdade por eles vivenciadas. A noção de política como transformação social discutida no item anterior mais uma vez se apresenta no modo como estes jovens são encorajados a agir:

O que me motiva é isso, é um desejo de ver um mundo melhor pra mim, pra minha família, pros meus amigos, pros meus filhos e pra os desconhecidos, pras pessoas que eu não conheço, mas que são seres humanos como eu, vivem sofrendo pelos mesmos problemas ou parecidos, enfim, ver um mundo melhor pra todos nós. (Participante do movimento estudantil, 26 anos)

Eu acho que é a compreensão, a organização, as oportunidades, o vínculo com a base, porque a base não é só aqueles ... Mas você sente que as pessoas que estão no acampamento quando você sai em alguma ação, mobilização, pra um curso elas te motivam a isso, acho que as conquistas também quando você consegue alcançar um objetivo, você conquista alguma coisa pra sociedade, pro acampamento, pro assentamento e vê a felicidade nas pessoas, na transformação, vê as pessoas falando que tão no movimento e que a vida mudou, e que alguma coisa melhorou isso motiva muita coisa porque por mais que aqui ou acolá você veja as barreiras, mas quando você vê a felicidade no rosto do povo é muito bom, é muito gratificante. (Participante do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, 25 anos)

A transformação subjetiva vivida por esses jovens e decorrente de seus processos de participação os remete a um outro valor importante na experiência da política: a gratidão às pessoas que os antecederam e lutaram por um mundo melhor. A compreensão de que a existência dessas pessoas foi fundamental para a constituição de um cenário que tornasse possível suas mobilizações leva esses jovens a um desejo de retribuição. A gratidão, nesse caso, não é um valor abstrato, mas carrega em si um conteúdo político de responsabilização e comprometimento pelos outros, já que a própria experiência desses jovens é, em grande medida, reflexo dos desdobramentos das ações daqueles que vieram anteriormente.

É importante, né? Porque você pensa quantos foram, muito sangue derramado lá na Serra da Barriga, né, não só lá, em todos os Quilombos do mundo, muito sangue derramado de pessoas boas, humildes, mas que tinham fé, amor, mas que davam a mão, sem ter nada, mas que davam a mão aquela pessoa pra que ela melhorasse, fosse do bem, entendeu? Então, em prol de tudo o que eles fizeram, o que passaram, esse é o nosso foco, de dar orgulho aquelas pessoas que morreram pra hoje a gente tá vivo e poder continuar vivendo (Participante do Grupo Inaê, 25 anos)

É importante, ainda, apontar algumas especificidades no que diz respeito aos valores que permeiam as ações daqueles que participam dos grupos religiosos e culturais. Nos grupos religiosos, valores como solidariedade, compromisso com os outros e "servir de exemplo" destacam-se como elementos que sustentam o engajamento desses jovens. Esses valores traduzem não só os desejos de mudança social, orientados pela crítica à naturalização das desigualdades e pela construção de relações mais solidárias, mas também reforça a ideia de uma responsabilização pelo outro que passa pelo exemplo às gerações mais novas.

o espírito de solidariedade, o espírito de transformação... Pautada num projeto, voltando pro lado religioso, de um reino de Deus diferente, como Jesus pautava, a questão de lutar por um mundo melhor... que a gente não é pobre porque Deus quer mas sim porque existe um sistema e ai se a gente ficar parado a gente não vai conseguir mudar nada. (Participante da Pastoral da Juventude do Meio Popular, 25 anos)

Esses dias eu tava pensando em desistir de tudo! (risos) E assim, eu tava pensando em não mais participar do movimento social, tipo, ir pra outra parte que realmente atingisse meus ideais e tal. Mas aí eu vejo que se eu sair, se eu deixar, as coisas já estão tão assim... Imagina como iam ficar sem... A minha irmã tá acordando, a minha irmã tem 16 anos e ela tá acordando agora pra isso, eu acho que se eu sair eu vou acabar tapando a visão dela, que ela tá tendo, que ela tá começando a te. (Participante da Comissão Pastoral da Terra, 20 anos)

Nesses grupos, a ética militante se apresenta sob o prisma do compromisso com o mundo e com o outro, fortemente orientada por ideais humanistas tão presentes em sistemas religiosos; um valor que realça a dimensão política dessas ações, muitas vezes não percebidas como tais.

Os jovens dos grupos culturais, por sua vez, apontam para valores mais voltados para a amizade e a satisfação por fazerem parte de seus coletivos. Para eles, os grupos constituem-se enquanto espaços de encontro, de interação social, de fruição e prazer, de comunicação e de partilha do gosto pela arte, pela música, pela vida. Podemos dizer que os ensaios dos grupos a que pertencem representam a celebração da amizade, o "espaço por excelência para viverem dimensões constitutivas da condição juvenil: a explosão emocional da alegria, a identificação coletiva, o sentir-se em grupo" (Dayrell, 2002Dayrell, J. (2002). O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, 28(1), 117-136. , 132). Fundam um espaço de sociabilidade importante para a continuidade e organização dos grupos, das demandas, das lutas.

É uma felicidade muito grande assim, você termina o ensaio, você termina o ensaio leve, encontra amigos, você faz novos amigos, é bem relaxante pra quem tem uma semana corrida igual a minha dia de sábado é ótimo porque eu sei que vou para o ensaio mesmo cansada e tendo outros compromissos pra fazer. (Participante do Grupo Maracatu Baque Alagoano, 22 anos)

É o sorriso que a percussão me põe na cara! ... Aí a menina chegou lá dizia o nome, dizia onde o maracatu lhe toca... Aí eu falei que era no coração e no olho que eu começo a chorar assim que começo a tocar. Então é como eu falei antes, a função principal do batuque é botar um sorriso na sua cara se ele não botar então vá procurar trabalhar arte circense, vá tocar violão, vá fazer qualquer outra coisa que quando você comece coloque um sorriso no seu rosto porque você fazer uma coisa só porque você acha que pode vir a ser legal. (Participante do Coletivo Afro-Caeté, 24 anos)

A amizade, a possibilidade do encontro, a partilha dos afetos produzem e realçam a ideia de pertencimento ao grupo, reforçam seus ideais comunitários, culturais e políticos e possibilitam a construção de projetos comuns frente aos inúmeros desafios vividos.

Os valores acima destacados impulsionam suas práticas e os fazem resistir diante das dificuldades enfrentadas, num sentimento de superação, renovação e aprendizado. São inúmeros os obstáculos vivenciados por esses jovens no sentido de refletirem sobre a continuidade ou não de suas ações, de seus diferentes engajamentos. Destacamos as mais recorrentes: a dificuldade de apoio familiar, o preconceito geracional, a falta de tempo e o fato de não conseguirem mobilizar mais pessoas.

a dificuldade que eu sinto, assim, eu posso citar várias, mas assim, as principais, primeiro é a família, quando não me apoia, quando eu tenho alguma dificuldade, e isso não é sempre que acontece, as vezes mais, as vezes menos, que eles não apoiam e tal. E a dificuldade mais pessoal, mais interna, de mim para comigo mesma. (Participante do Partido Comunista Revolucionário, 21 anos)

desde a aceitação social, desde a dificuldade que tive que enfrentar pra estudar, desde... Até mesmo de me engajar dentro do grupo, você não tem toda a liberdade de falar o que você pensa, o que você quer, mesmo estando dentro de um movimento social. São dificuldades diárias que você tem que fingir, as vezes, que não tá vendo porque não dá pra você falar tudo. (Participante da Comissão Pastoral da Terra, 20 anos)

A primeira delas é a falta de tempo, né, objetivo, assim, porque as entidades que eu faço, como eu disse, são estudantis, então eu sou estudante e isso demanda muito tempo, né, você sabe bem (risos). Então, é uma dificuldade objetiva mesmo assim, concreta... E a outra, que na verdade, se eu fosse colocar em ordem de importância, essa seria a primeira, é a falta de adesão popular mesmo. (Participante do movimento estudantil, 26 anos).

Considerando as dificuldades comuns vivenciadas por todos os que participam de qualquer processo associativo (falta de tempo, dificuldade em mobilizar, etc.), chamamos a atenção para aquelas que se vinculam à condição juvenil e que por eles foram destacadas: as dificuldades na relação com a família e as desconfianças geracionais. Tanto a falta de apoio familiar quanto o fato de não serem escutados - mesmo no interior do movimento de que fazem parte - revelam uma desconfiança geracional que demarca muitas vezes o limite da participação desses jovens no cenário público e político. Como problematiza a jovem da Comissão Pastoral da Terra, eles nem sempre têm liberdade para falar o que pensam, nem sempre são ouvidos. Nos movimentos mais institucionalizados e de cunho religioso, essas questões aparecem de modo mais contundente. Os modelos de participação cultivados por esses grupos muitas vezes são permeados por uma perspectiva adultocêntrica que demarcam aquilo que os jovens podem ou não fazer e/ou falar.

Podemos enfim considerar que os valores compartilhados pelos jovens são de diferentes ordens. No entanto, tendo o desejo pela transformação como um valor maior, eles constroem noções de coletividade e comunidade que os ajudam a se reconhecer como agentes importantes de mudanças, tão necessárias para materializar seus anseios de uma sociedade melhor. Ainda podemos observar que compartilham valores de ordem mais subjetiva como a amizade e o prazer, por exemplo, que podem se firmar como dispositivos importantes para a organização dos grupos e para o processo de subjetivação política.

Considerações finais

Ao tratarmos da relação dos jovens com a política e com a participação, nos deparamos com compreensões das mais diversas sobre o que é política, bem como com formas de engajamento e atuação diversificadas; fruto, podemos dizer, da própria diversidade de formas de ser e vivenciar a juventude.

Os espaços nos quais esses jovens se inserem dizem muito sobre suas concepções e ideais, seja quando optam por uma esfera participativa mais clássica de atuação, por entenderem que a via institucional é um importante espaço de disputa e de construção da democracia, por exemplo, seja quando optam por espaços menos tradicionais, por não enxergarem na política representativa uma possibilidade válida de atuação, visto seu desgaste e sua limitação em atender às demandas atuais - embora reconheçam sua importância.

Mais especificamente sobre as concepções acerca da política, eles parecem sinalizar que a política representativa deve se reinventar caso queira garantir uma maior adesão dos jovens. Mas a política não se limita à sua formalidade, aos grupos e espaços constituintes do jogo político; ela se afirma também como uma relação e, portanto, é impossível dela não participar. Ela constitui uma forma de ver o mundo, de se relacionar, é um posicionamento frente à vida, está no modo como esta mesma vida é organizada. A política está em tudo, como dizem, circunscrita sempre a partir das lutas, dos embates, dos conflitos e dos processos de participação advindos das experiências e trajetórias militantes. É também um instrumento de transformação social e pessoal, uma possibilidade concreta de intervir na realidade, tão marcada pelas desigualdades, ao mesmo tempo em que se constitui como um elemento transformador dos próprios jovens, atravessados por experiências que falam de conflitos, embates, crítica, solidariedade, cidadania, luta.

Nesse sentido, não desacreditam necessariamente da política, principalmente quando associada à intervenção na cidade. Todos eles, a partir de seus lugares e movimentos, se desafiam a pensar os diferentes problemas locais, se preocupam com a desigualdade ou a ineficiência dos programas e projetos que deveriam minimizá-la. Alguns por meio de atividades de caráter assistencial e solidário, como levar equipamentos de assistência em saúde e educação de modo sistemático a comunidades e instituições; outros através de ações de caráter político e cultural tendo como principal estratégia a intervenção a partir de projetos comunitários com foco na ocupação de espaços, visibilidade e fortalecimento de manifestações populares. Outros, ainda, pautando suas lutas pelas vias formais da política.

Estudos como este se fazem importantes no atual cenário de discussões acerca da temática juvenil e da participação política, visto sua potencialidade de repercutir em reflexões que ultrapassam as discussões acadêmicas, ampliando e compartilhando uma reflexão sobre a pluralidade de formas de ser jovem e de participação política no contemporâneo.

Referências

  • Abramo, H. W. (1997). Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação, 5-6, 25-36.
  • Abramo, H. W. (2005). O uso das noções de adolescência e juventude no contexto brasileiro. In M. V. Freitas (Org.), Juventude e adolescência no Brasil: referências conceituais (pp. 19-35). São Paulo: Ação Educativa.
  • Abramo, H. & Branco, P. (2005). Retratos da juventude brasileira: análises de uma pesquisa nacional. São Paulo: Fundação Perseu Abramo.
  • Abramo, H. & Venturi, G. (2000). Juventude, política e cultura. Teoria e Debate, 45, 1-4.
  • Castro, L. R. (2008). Participação política e juventude: do mal-estar à responsabilização frente ao destino comum. Revista Sociologia & Política, 16(30), 253-258.
  • Castro, M. G. (2007). Juventudes e participação no Brasil: re-acessando debates. Cadernos Adenauer, 8(2), 85-109.
  • Dayrell, J. (2003). O jovem como sujeito social. Revista Brasileira de Educação , 24, 40-52.
  • Dayrell, J. (2002). O rap e o funk na socialização da juventude. Educação e Pesquisa, 28(1), 117-136.
  • Feixa, C. (2005). De culturas, subculturas y estilos. Barcelona: Ariel.
  • Feixa, C., Costa, C. & Saura, J. (2002). Movimentos Juvenis: da globalização à antiglobalização. Barcelona: Ariel .
  • Florentino, R. (2008). Democracia liberal: uma novidade já desbotada entre jovens. Opinião Pública, 14(1), 205-235.
  • Groppo, L. A. (2000). Juventude:ensaios sobre sociologia e história das juventudes Modernas. Rio de Janeiro: DIFEL.
  • Mayorga, C., Castro, L. R., & Prado, M. A. M. (2012). Juventude e os paradoxos da política. In Juventude e a experiência da política no contemporâneo (pp. 261-270). Rio de Janeiro: ContraCapa.
  • Pais, J. M. (1993). Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda.
  • Pais, J. M. (2001). Ganchos, tachos e biscates: jovens, trabalho e futuro. Porto, PT: Ambar.
  • Pinto, G., Cunha, V., & Mayorga, C. (2005). Juventude em ação: formas de participação social e política de jovens em uma favela de Belo Horizonte [Resumo expandido]. In XV Encontro Nacional da Associação Brasileira de Psicologia Social. Maceió: ABRAPSO. Acesso em 01 de fevereiro, 2015, em Acesso em 01 de fevereiro, 2015, em http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_XVENABRAPSO/394.%20juventude%20em%20a%C7%C3o.pdf
    » http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/images/Anais_XVENABRAPSO/394.%20juventude%20em%20a%C7%C3o.pdf
  • Rancière, J. (1996). O desentendimento: política e filosofia. São Paulo: Editora 34.
  • Souza, C. Z. V. (2004). Juventude e contemporaneidade: possibilidades e limites. Última década, 12(20), 47-69.
  • Sposito, M. P. (2009). O Estado da Arte sobre juventude: uma introdução. In O Estado da Arte sobre juventude na pós-graduação brasileira: educação, ciências sociais e serviço social (1999-2006) (pp. 11-15). Belo Horizonte: Argvmentvm.
  • Trancoso, A. E. R. (2012). Juventudes: o conceito na produção científica brasileira. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Alagoas, Maceió.
  • Vianna, H. (2003). Galeras cariocas: territórios de conflitos e encontros culturais. Rio de Janeiro: UFRJ.
  • 1
    Para a discussão sobre "juventudes" ver: Abramo (1997)Abramo, H. W. (1997). Considerações sobre a tematização social da juventude no Brasil. Revista Brasileira de Educação, 5-6, 25-36., Dayrell (2005), Groppo (2000)Groppo, L. A. (2000). Juventude:ensaios sobre sociologia e história das juventudes Modernas. Rio de Janeiro: DIFEL. , Pais (1993)Pais, J. M. (1993). Culturas juvenis. Lisboa: Imprensa Nacional/Casa da Moeda., entre outros.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    May-Aug 2016

Histórico

  • Recebido
    30 Set 2015
  • Aceito
    06 Dez 2015
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
E-mail: revistapsisoc@gmail.com