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INVESTIGAÇÃO ACERCA DA SUBJETIVIDADE NO ÂMBITO DO SUAS: UMA PESQUISA DOCUMENTAL

INVESTIGACIÓN SOBRE LA SUBJETIVIDAD EN EL ÁMBITO DEL SUAS: UNA INVESTIGACIÓN DOCUMENTAL

INVESTIGATION ABOUT SUBJECTIVITY WITHIN THE SCOPE OF SUAS: A DOCUMENTARY RESEARCH

RESUMO

O presente trabalho investigou a questão da subjetividade tal como pode ser apresentada pelos documentos referentes ao Sistema Único de Assistência Social (SUAS), tomando como ponto teórico a subjetividade social conforme discutida por González-Rey. Para analisar os parâmetros de referência do SUAS e sua articulação com o conceito de subjetividade social, foi utilizada como metodologia a pesquisa documental de modo a descrever e analisar como os documentos abordam a subjetividade. Observou-se que estes não expressam diretamente o fenômeno subjetivo, mas colocam indícios para se pensar de qual subjetividade pode-se falar na política de Assistência Social. Ao final, concluiu-se que a inserção da Psicologia nessa política pública pode propiciar uma abertura a práticas que contemplem aspectos subjetivos dos usuários e/ou famílias para além da dimensão puramente individual.

PALAVRAS-CHAVE:
Subjetividade; SUAS; Assistência Social; Psicologia

RESUMEN

El presente trabajo investigó la cuestión de la subjetividad tal como puede ser presentada por los documentos referentes al Sistema Único de Asistencia Social (SUAS), tomando como punto teórico la subjetividad social como discutida por González-Rey. Para analizar los parámetros de referencia del SUAS y su articulación con el concepto de subjetividad social, se utilizó como metodología la investigación documental de modo a describir y analizar cómo los documentos abordan la subjetividad. Se observó que estos no expresan directamente el fenómeno subjetivo, sino que plantean indicios para pensar de qué subjetividad se puede hablar en la política de Asistencia Social. Al final, se concluyó que la inserción de la Psicología en esa política pública puede propiciar una apertura a prácticas que contemplen aspectos subjetivos de los usuarios y / o familias más allá de la dimensión puramente individual.

PALABRAS CLAVE:
Subjetividad; SUAS; Asistencia Social; Psicología

ABSTRACT

This paper investigated the issue of subjectivity as presented by the documents referring to the Unified Social Assistance System (SUAS), taking as its theoretical point social subjectivity as discussed by González-Rey. In order to analyze the reference parameters of SUAS and its articulation with the concept of social subjectivity, documentary research was used as a methodology in order to describe and analyze how the documents approach subjectivity. It was observed that the parameters do not directly express the subjective phenomenon, but they bring indications to think of which subjectivity can be discussed in the Social Assistance policy. At the end, it was concluded that the insertion of Psychology in this public policy can provide an opening to practices that contemplate subjective aspects of users and / or families beyond the purely individual dimension.

KEYWORDS:
Subjectivity; SUAS; Social Assistance; Psychology

Introdução

O artigo visa discutir a questão da subjetividade tal como é abordada no âmbito do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), relacionando os resultados obtidos por meio de uma pesquisa documental (a partir dos documentos publicados que servem de parâmetro para política de Assistência Social) com os pressupostos teóricos acerca da subjetividade social conforme proposto por Gonzalez Rey (2016González Rey, F. (2016). A subjetividade social e a subjetividade individual: impacto sobre a psicologia social. In O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito (pp. 123-148). Petropólis, RJ: Vozes, 2016. Recuperado de https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=Z3tUDgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT4&dq=subjetividade+social&ots=rNh1KMN9rS&sig=GA6JctVOM2v3GCjc11qEnxiaTaA#v=onepage&q=subjetividade%20social&f=false
https://books.google.com.br/books?hl=pt-...
). Para tanto, inicialmente, faz-se um breve histórico da Assistência Social, partindo da criação da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e do SUAS para, por fim, traçar a forma como a subjetividade é vista e trabalhada no âmbito da referida política.

Considerando tais aspectos, o campo da Assistência Social inaugurou-se no Brasil enquanto política social após a promulgação da Constituição Federal de 1988, considerando-a como direito de todo cidadão e de responsabilidade do Estado. A seguridade social, então “...se concretiza no ambiente de três políticas sociais que lhe foram constitucionalmente subordinadas: previdência social, saúde e assistência social. Tratam-se de políticas com capilaridade, disseminadas em todo o território nacional” (Sposati, 2013Sposati, A. (2013). Proteção social e seguridade social no Brasil: pautas para o trabalho do assistente social. Serviço Social & Sociedade, 116, 652-674. https://dx.doi.org/10.1590/S0101-66282013000400005
https://doi.org/10.1590/S0101-6628201300...
, p. 655).

Entretanto, apenas em 1993 a criação da LOAS materializa como política de assistência social, incluindo-a em forma de legislação. Para sua concretização como política pública, objetiva atender a todas as pessoas que dela necessitarem, visando prioritariamente pessoas em situação de desigualdade e vulnerabilidade social.

A fim de explicitar os direitos previstos na Constituição Federal, na tentativa de assegurá-los em forma dos serviços oferecidos pela Assistência Social, a LOAS preconiza em seu Art. 60: “São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (Lei n. 8742, 1993, p.19Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. (1993). Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Recuperado de http://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/15641/lei_organica_loas_3ed.pdf?sequence=18
http://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/han...
). A mesma lei também define algumas competências de forma a identificar a responsabilidade estatal de cumpri-las, caracterizando o Estado, os municípios e os respectivos estados da federação como instâncias responsáveis por disponibilizar os recursos e benefícios garantidos pela Constituição, sendo efetivados em forma de política pública.

Ainda que já houvesse indicações para a construção de uma política socioassistencial, somente em 2004 é aprovada a Política Nacional de Assistência Social (PNAS) considerada como:

um momento histórico e assim devemos concebê-lo, ensejando todos os esforços na operacionalização desta política. Trata-se, portanto, de transformar em ações diretas os pressupostos da Constituição Federal de 1988 e da LOAS, por meio de definições, de princípios e de diretrizes que nortearão sua implementação, cumprindo uma urgente, necessária e nova agenda para a cidadania no Brasil. (PNAS, 2005, p. 12Política Nacional de Assistência Social - PNAS. (2005). Política Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf
http://www.mds.gov.br/webarquivos/public...
)

Com a aprovação da PNAS, é criado o Sistema Único de Assistência Social (SUAS), sendo “um modelo de gestão para todo território nacional que articula ações dos três entes federativos” (Stopa & Mustafa, 2013Stopa, R. & Mustafa, P. S. (2013). A implantação do Sistema Único de Assistência Social em Ourinhos/SP: a contribuição do Serviço Social. SERV. SOC. REV. 15(2), 152-174. doi: 10.5433/1679-4842.2013v15n2p152.
https://doi.org/10.5433/1679-4842.2013v1...
, p. 156). Conforme expresso no artigo 10 da Norma Operacional Básica (NOB/SUAS), “a proteção social, a vigilância socioassistencial e a defesa de direitos, organizam-se sob a forma de sistema público não contributivo, descentralizado e participativo, denominado Sistema Único de Assistência Social - SUAS” (NOB/SUAS, 2005, p. 16Norma Operacional Básica - NOB/SUAS (2005). Implantação das Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília, DF: MDS. Recuperado de http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-SUAS.pdf
http://www.assistenciasocial.al.gov.br/s...
).

É por isso que, ao decorrer dos avanços na política de Assistência Social, fez-se necessário a inserção de profissionais de diferentes áreas de formação para atuarem em conjunto, constituindo uma equipe interdisciplinar de trabalho. Dentre tais profissionais, destaca-se a inserção dos(as) psicólogos(as). De acordo com Florentino e Melo (2017Florentino, B. R. B. & Melo, W. (2017). A inserção da Psicologia no Sistema Único de Assistência Social: notas introdutórias. Gerais: Revista Interinstitucional de Psicologia, 10(1), 3-12.), “considera-se que a inserção da Psicologia no Sistema Único de Assistência Social evidencia o reconhecimento de que a categoria profissional adquiriu um acúmulo de conhecimentos relevantes para o contexto dessa política pública” (Florentino & Melo, 2017, p. 10), com destaque para os aspectos subjetivos abordados pelos documentos do SUAS, o que viabiliza a discussão sobre o trabalho da Psicologia no âmbito da Assistência Social. Assim, os autores complementam que “a parceria da assistência social com a Psicologia pressupõe o reconhecimento de que o trabalho social - exercido pelos psicólogos - foi devidamente ampliado para considerar as questões subjetivas e intersubjetivas que impactam no cotidiano dos usuários que recorrem à política de assistência social” (Florentino & Melo, 2017, p. 8).

Dessa forma, dois questionamentos são propostos com o objetivo de conduzir a investigação acerca da subjetividade no campo da Assistência Social. Primeiro, o que os documentos do SUAS trazem e entendem sobre o conceito de subjetividade e, a partir disso, qual subjetividade se quer desenvolver ou produzir com diferentes serviços realizados no âmbito da Assistência Social.

Metodologia

Enquanto metodologia adotada para a obtenção de dados sobre os conceitos de subjetividade nos documentos de referência do SUAS, utilizou-se como estratégia a pesquisa documental. De acordo com Silva, Damaceno, Martins, Sobral, e Farias (2009Silva, L. R. C., Damaceno, A. D., Martins, M. C. R., Sobral, K. M., & Farias, I. M. S. (2009). Pesquisa documental: alternativa investigativa na atuação docente. In IX Congresso Nacional de Educação - EDUCERE, III Encontro brasileiro de psicopedagogia. Paraná: PUCPR. (pp. 4554-4566). Recuperado de http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2009/3124_1712.pdf
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), trata-se de uma investigação que fornece um acesso ao universo investigado “não em sua interação imediata, mas de forma indireta, por meio do estudo dos documentos que são produzidos pelo homem e por isso revelam o seu modo de ser, viver e compreender um fato social” (Silva et al., 2009, p. 4557).

Méllo, Silva, Lima e Di Paolo (2007Méllo, R. P., Silva, A. A., Lima, M. L. C, & Di Paolo, A. F. (2007). Construcionismo, práticas discursivas e possibilidades de pesquisa em Psicologia Social. Psicologia & Sociedade, 19(3), 26-32. Recuperado de http://www.scielo.br/pdf/psoc/v19n3/a05v19n3
http://www.scielo.br/pdf/psoc/v19n3/a05v...
), ao caracterizar a importância do documento como material a ser analisado e suas implicações em uma determinada sociedade, afirmam que tratam-se de “fontes de compreensão que permitem localizar a emergência de um tema e a sua consolidação no cenário social, na medida em que adquire intensa visibilidade num determinado momento histórico” (Méllo et al., 2007, p. 30).

Assim, “a utilização de documentos como fontes de pesquisa revela-se extremamente importante para compreendermos inter-relações que têm ramificações nos ordenamentos sociais” (Bernardes & Menegon, 2007Bernardes, J. S. & Menegon, V. S. M. (2007). Documentos de domínio público como produtos e autores sociais. PSICO, 38(1), 11-15. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/revistapsico/article/view/1919/1425
http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/...
, p. 15). Além disso, Silva et al. (2009Silva, L. R. C., Damaceno, A. D., Martins, M. C. R., Sobral, K. M., & Farias, I. M. S. (2009). Pesquisa documental: alternativa investigativa na atuação docente. In IX Congresso Nacional de Educação - EDUCERE, III Encontro brasileiro de psicopedagogia. Paraná: PUCPR. (pp. 4554-4566). Recuperado de http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2009/3124_1712.pdf
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, p. 4557) destacam que “Estudar documentos implica fazê-lo a partir do ponto de vista de quem os produziu” (Silva et al., 2009, p. 4557). Isso não significa, porém, tomá-lo como prova de verdade, mas sim, como um artefato social e histórico, singular, passível de leitura crítica e problematizadora (Lemos, Galindo, Reis, Moreira, & Borges, 2015Lemos, F. S., Galindo, D., Reis, L., Moreira, M. M., & Borges, A. (2015). Análise documental: algumas pistas de pesquisa em psicologia e história.Psicologia em Estudo , 20(3), 461-469. Recuperado de https://www.redalyc.org/html/2871/287145646012/
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).

Por fim, cabe destacar que a escolha dos documentos se torna um processo importante na pesquisa pois delimita o universo que será investigado. Kripka, Scheller e Bonotto, (2015, p. 66Kripka, R. M. L., Scheller, M., & Bonotto, D. L. (2015). Pesquisa documental na pesquisa qualitativa: conceitos e caracterização. Revista de investigaciones, UNAD Bogotá - Colombia, 14(2), 55-73. Recuperando de http://hemeroteca.unad.edu.co/index.php/revista-de-investigaciones-unad/article/viewFile/1455/1771
http://hemeroteca.unad.edu.co/index.php/...
) afirmam “O documento a ser escolhido para a pesquisa dependerá do problema a que se busca uma resposta, portanto não é aleatória a escolha. Ela se dá em função dos objetivos e/ou hipóteses sobre apoio teórico”.

A partir das premissas metodológicas aqui indicadas, foram escolhidos como objetos de análise publicações referentes ao SUAS e aos serviços ofertados pela Política Nacional de Assistência Social, publicados pelo Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS) e o Conselho Federal de Psicologia (CFP). Todos os documentos foram encontrados nas bases de dados online, visto que se tratam de documentos de domínio público que servem de parametrização para a prática do profissional atuante na Política Nacional de Assistência Social.

Os documentos destacados foram catalogados e categorizados de acordo com as publicações de órgãos federais, bem como dos Conselhos de Serviço Social e de Psicologia, os quais dispõem sobre a temática do SUAS. São eles: a “Política Nacional de Assistência Social” (PNAS, 2005Política Nacional de Assistência Social - PNAS. (2005). Política Nacional de Assistência Social. Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf
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), a “Norma Operacional Básica” (NOB/SUAS, 2005Norma Operacional Básica - NOB/SUAS (2005). Implantação das Norma Operacional Básica (NOB/SUAS). Brasília, DF: MDS. Recuperado de http://www.assistenciasocial.al.gov.br/sala-de-imprensa/arquivos/NOB-SUAS.pdf
http://www.assistenciasocial.al.gov.br/s...
), as “Referências técnicas para atuação do/a Psicólogo/a no CRAS/SUAS” (2008), os “Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos(as) na Política de Assistência Social”, as “Orientações técnicas: Centro de Referência em Assistência Social - CRAS” (MDS, 2009aMinistério do Denvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. (2009a). Orientações técnicas: Centro de Referência em Assistência Social - CRAS. Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientacoes _Cras.pdf
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), a “Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais” (MDS, 2009aMinistério do Denvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. (2009a). Orientações técnicas: Centro de Referência em Assistência Social - CRAS. Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/orientacoes _Cras.pdf
http://www.mds.gov.br/webarquivos/public...
), “O trabalho do Assistente Social no SUAS”, as “Orientações técnicas: Centro de Referência Especializado em Assistência Social - CREAS” (CREAS, 2011 Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS. (2011). Secretaria Nacional de Assistência Social. Ministério do desenvolvimento social e combate à fome. Orientações Técnicas: Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS. Recuperado de http://aplicacoes.mds.gov.br/snas/documentos/04-caderno-creas-final-dez..pdf
ttp://aplicacoes.mds.gov.br/snas/documen...
), os dois volumes das “Orientações técnicas sobre o PAIF: O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF, segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais” (PAIF, 2012aProteção e Atendimento Integral à Família - PAIF. (2012a). Orientações técnicas sobre o PAIF (Vol. 1). Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome . Recuperado de http://agendaprimeirainfancia.org.br/arquivos/Orientacoes_PAIF_1.pdf
http://agendaprimeirainfancia.org.br/arq...
, 2012bProteção e Atendimento Integral à Família - PAIF. (2012b). Orientações técnicas sobre o PAIF (Vol. 2). Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome . Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/Orientacoes_PAIF_2.pdf
http://www.mds.gov.br/webarquivos/public...
), o “Caderno de orientações técnicas: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos” (SNAS, 2016aSecretaria Nacional de Assistência Social - SNAS. (2016a). Caderno de orientações: Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família e Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome . Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/arquivo/assistencia_social/cartilha_paif_2511.pdf
http://www.mds.gov.br/webarquivos/arquiv...
), os “Fundamentos ético-políticos e rumos teórico-metodológicos para fortalecer o Trabalho Social com Famílias na Política Nacional de Assistência Social” (SNAS, 2016bSecretaria Nacional de Assistência Social - SNAS. (2016b). Ministério do desenvolvimento social e combate à fome. Fundamentos ético-políticos e rumos teórico-metodológicos para fortalecer o Trabalho Social com Famílias na Política Nacional de Assistência Social. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome . Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Cadernos/TrabalhoSocialcomFamilias.pdf
http://www.mds.gov.br/webarquivos/public...
) e, por fim, a “Lei Orgânica de Assistência Social” (Lei nº 8742, 1993Lei n. 8.742, de 7 de dezembro de 1993. (1993). Dispõe sobre a organização da Assistência Social e dá outras providências. Recuperado de http://bd.camara.leg.br/bd/bitstream/handle/bdcamara/15641/lei_organica_loas_3ed.pdf?sequence=18
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).

Enquanto perspectiva de pesquisa, partimos da tentativa de adentrar no universo discursivo expresso nas publicações dos documentos do SUAS de modo a se aproximar de sua lógica interna, tendo como material base os elementos que eles nos apresentam. Ao selecionar os documentos, buscou-se inicialmente pela palavra-chave “subjetividade”, a qual foi encontrada apenas nos dois volumes de “Orientações sobre o PAIF” e no documento referente aos “Fundamentos do Trabalho Social com Famílias” (PAIF, 2016b), os quais indicam explicitamente o termo e como o entendem.

Ademais, considerando as baixas ocorrências do termo “subjetividade” nos parâmetros da política analisados, optou-se por buscar outras palavras que poderiam fazer referência ou alusão a tal dimensão, tais como “subjetivo”, “reflexão”, “laços”, “psíquico”, “vínculo”, “sujeito”, “emocional”, “pessoal”, “inerente”, “individual”. Desse modo, destacamos que o fato de ter uma baixa incidência do termo “subjetividade” nos documentos oficiais da política pública, não significa, porém, a sua ausência tanto na construção do discurso dos parâmetros, como também nas práticas propostas a serem executadas no cotidiano do trabalho social. Acreditamos que ao fim, a incidência encontrada mostra como a questão da subjetividade é entendida e tratada no âmbito dos parâmetros do SUAS.

Resultados e Análise dos Dados

No primeiro volume do documento intitulado “Orientações técnicas sobre o PAIF: O Serviço de Proteção e Atendimento Integral à Família - PAIF, segundo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais” (PAIF, 2012a) algumas definições do conceito de subjetividade são encontradas. De acordo com o mesmo:

a subjetividade nesse serviço, [é] compreendida como o espaço íntimo constituído pelas marcas singulares adquiridas no processo de formação individual, bem como pelas crenças e valores compartilhados na dimensão cultural, que acabam por constituir a experiência histórica e coletiva dos grupos e populações em um dado território. (PAIF, 2012a, p. 17)

Além disso, o termo é caracterizado de modo mais específico pelo documento (que indica como um de seus objetivos do PAIF o fortalecimento das relações familiares e comunitárias) enquanto “o mundo interno de qualquer ser humano. Este mundo interno é composto por emoções, sentimentos e pensamentos. É por meio da subjetividade que se constrói um espaço relacional, ou seja, é por meio da subjetividade que é possível relacionar- se com o ‘outro’” (PAIF, 2012a p. 17).

Por sua vez, o segundo volume das mesmas orientações (PAIF, 2012b) aborda que a subjetividade será trabalhada desde a prática da acolhida. Sendo esta uma ação que marca o primeiro contato da família com a política de Assistência Social, em especial no Centro de Referência em Assistência Social (CRAS), o documento caracteriza este momento como:

uma etapa em que se deve coletar informações sobre a vida familiar e comunitária das famílias e sobre o território, sendo importante considerar não só os aspectos objetivos, concretos, tais como a situação socioeconômica vivenciada, mas também "a subjetividade das famílias, suas crenças, valores, formas de comunicação e expectativas" em relação ao Serviço. (PAIF, 2012b, p. 17, grifo nosso)

Nessa direção, em outro documento, intitulado “Fundamentos ético-políticos e rumos teórico-metodológicos para fortalecer o Trabalho Social com Famílias na Política Nacional de Assistência Social” (SNAS, 2016b), dispõe-se sobre a importância dos vínculos familiares e comunitários e o direito dos usuários de tê-los, destacando a importância do trabalho social com famílias para essa temática. De acordo com ele:

A segurança de convívio vincula-se à garantia do direito à convivência familiar e comunitária na perspectiva de "desenvolver potencialidades, subjetividades coletivas, construções culturais e políticas, contemplando a dimensão multicultural, intergeracional, interterritorial, e intersubjetiva", entre outras. (SNAS, 2016b, p. 13, grifo nosso)

Sobre essa questão, o CFESS, em publicação denominada “O trabalho do/a Assistente Social no SUAS”, destaca a importância do papel da família como sendo ponto fundamental nos processos acima indicados, além da organização dos aspectos sociais. Observa que “a família tem um papel importante na estruturação da sociedade em seus aspectos políticos e econômicos, além da capacidade de 'produção de subjetividades'” (CFESS, 2011, p. 108, grifo nossoConselho Federal de Serviço Social - CFESS. (2011). O trabalho do/a Assistente Social no Suas: Seminário Nacional. Brasília, DF: Autor.).

Esse ponto - referente a centralidade da família - é fundamental para a política sendo observado que desde a LOAS é destacada a importância de tais relações para a constituição do sujeito/usuário. A lei indica que:

A segurança da vivência familiar ou a segurança do convívio é uma das necessidades a ser preenchida pela política de assistência social. Isto supõe a não aceitação de situações de reclusão, de situações de perda das relações. É próprio da natureza humana o comportamento gregário. "É na relação que o ser cria sua identidade e reconhece a sua subjetividade". A dimensão societária da vida desenvolve potencialidades, subjetividades coletivas, construções culturais, políticas e, sobretudo, os processos civilizatórios. (Lei nº 8742, 1993, p. 48, grifo nosso)

Como é possível verificar, vê-se uma preocupação em salientar a importância dos aspectos histórico-culturais presentes no contexto dos indivíduos e suas famílias como também na relação destes com o mundo social. Por essa razão, ao “apropriar-se dos fundamentos ético legais, teóricos e metodológicos para o trabalho com e para as famílias, seus membros e indivíduos, considerando, sobretudo, as necessidades e possibilidades objetivas e subjetivas existentes no território onde estes atores vivem” (CFP, 2008, p. 31Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2008). Referências técnicas para atuação do (a) psicólogo (a) no CRAS/SUAS. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/artes-graficas/arquivos/2008-CREPOP-CRAS-SUAS.pdf
http://www.crpsp.org.br/portal/comunicac...
) que se torna possível aproximar-se das manifestações de sofrimentos, desejos e expectativas dos sujeitos atendidos.

Observa-se pelo documento “Referências técnicas para atuação de psicólogas (os) nos Centros de Referência Especializado de Assistência Social- CREAS” (CFP, 2013Conselho Federal de Psicologia - CFP. (2013). Referências técnicas para atuação de psicólogas(os) nos Centros de Referência Especializada em Assistência Social - CREAS. Recuperado de http://www.crpsp.org.br/portal/comunicacao/artes-graficas/arquivos/2013-CREPOP-CREAS.pdf
http://www.crpsp.org.br/portal/comunicac...
) que a subjetividade apresenta uma forte relação com a dimensão social. Nessa direção, afirma que “a subjetividade presente nos fenômenos sociais, incluindo os reflexos de conteúdos sociais, culturais e históricos na constituição desse sujeito e de suas relações. É preciso aprofundar o conhecimento e compreensão de pessoas, famílias e/ou grupos inserindo os diferentes aspectos de constituição individual e grupal” (CFP, 2013, p. 64).

Como as relações sociais também são objetos de estudo da Psicologia, é por meio da subjetividade social que é possível entender como tais relações se dão no âmbito do SUAS. É nesse viés que:

Os processos devem ser compreendidos de forma articulada com os aspectos histórico-culturais da sociedade, produzindo-se a construção de novos significados ao lugar do sujeito-cidadão autônomo e que deve ter vez e voz no processo de tomada de decisão e de resolução das dificuldades e problemas vivenciados. (CFESS, 2007, p. 23 Conselho Federal de Serviço Social - CFESS. (2007). Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos (as) na política de Assistência Social. Brasília, 2007. Recuperado de http://www.cfess.org.br/arquivos/CartilhaFinalCFESSCFPset2007.pdf
http://www.cfess.org.br/arquivos/Cartilh...
)

Considerando as discussões apresentadas nos documentos, introduzimos o conceito de subjetividade social como arcabouço teórico para o estudo da subjetividade no âmbito do SUAS. Assim, de acordo com Mori e González Rey, a subjetividade:

se entende como processualidade, rompendo tanto com sua representação como algo inerente ao indivíduo quanto com dicotomias: individual/social, cognitivo/afetivo, consciente/inconsciente, entre outras. Ela se define pela natureza dos seus processos, ou seja, a complexa relação do histórico e do atual que constituem os diferentes momentos do homem e do social e na forma em que adquirem sentido e significado a partir dessa relação. Assim, não é cópia, nem internalização do social, mas nova produção que acontece como resultado das múltiplas e simultâneas consequências do “viver” do homem. Nesse processo, suas próprias ações são fontes dos processos de subjetivação que se configuram na sua experiência. (Mori & González Rey, 2012Mori, V. D. & González Rey, F. (2012). A saúde como processo subjetivo: uma reflexão necessária. Psicologia: teoria e prática, 14(3), 140-152. Recuperado de http://editorarevistas.mackenzie.br/index.php/ptp/article/view/2863/3859
http://editorarevistas.mackenzie.br/inde...
, p. 142)

Através da passagem acima, é possível pensar que a subjetividade se desenvolve na medida em que se dá as relações sociais, ou seja, as relações presentes em um contexto específico que envolve a cultura, a família, as instituições e o Estado. Furtado (2007Furtado, O. (2007). Psiquismo e subjetividade social. In A. M. Bock, G. M. Gonçalves, & O. Furtado (Orgs.), Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia ((3ª ed., pp. 75-93). São Paulo: Cortez.) explica que a raiz da singularidade humana pode ser buscada “nas condições sociais da vida historicamente constituídas” (Furtado, 2007, p. 77Furtado, O. (2007). Psiquismo e subjetividade social. In A. M. Bock, G. M. Gonçalves, & O. Furtado (Orgs.), Psicologia sócio-histórica: uma perspectiva crítica em psicologia ((3ª ed., pp. 75-93). São Paulo: Cortez.). Dessa forma, a subjetividade é construída também em meio a complexidade da organização social, pois:

O campo genérico em que se dá a discussão da subjetividade social é o da construção social da realidade. É aí que a história pessoal e a do meio em que esta se desenvolve estarão confluindo para uma nova unidade que, ao mesmo tempo, apresenta uma configuração subjetiva (relativa ao sujeito) e uma configuração objetiva (relativa às bases econômicas e sociais). (Furtado, 2007, p. 91)

A subjetividade, então, não é uma dicotomia entre o individual e o social, mas é, no entanto, a relação de uma esfera com a outra. De acordo com González Rey (2016González Rey, F. (2016). A subjetividade social e a subjetividade individual: impacto sobre a psicologia social. In O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito (pp. 123-148). Petropólis, RJ: Vozes, 2016. Recuperado de https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=Z3tUDgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT4&dq=subjetividade+social&ots=rNh1KMN9rS&sig=GA6JctVOM2v3GCjc11qEnxiaTaA#v=onepage&q=subjetividade%20social&f=false
https://books.google.com.br/books?hl=pt-...
), trata-se de:

um sistema complexo que tem dois espaços de constituição permanente e inter-relacionada: o individual e o social, que se constituem de forma recíproca e, ao mesmo tempo, cada um está constituído pelo outro. Dessa forma, rompe-se definitivamente com a ideia de um indivíduo isolado, naturalizado. A concepção histórico-social do indivíduo é aquela que o reconhece como subjetivamente constituído, na medida em que essa condição rompe com sua definição natural e, ao mesmo tempo, não o dilui em uma determinação social linear e imediata. (González-Rey, 2016González Rey, F. (2016). A subjetividade social e a subjetividade individual: impacto sobre a psicologia social. In O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito (pp. 123-148). Petropólis, RJ: Vozes, 2016. Recuperado de https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=Z3tUDgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT4&dq=subjetividade+social&ots=rNh1KMN9rS&sig=GA6JctVOM2v3GCjc11qEnxiaTaA#v=onepage&q=subjetividade%20social&f=false
https://books.google.com.br/books?hl=pt-...
, p. 145)

É a partir do exposto acima que pode se problematizar quais elementos subjetivos os documentos do SUAS preconizam e sua relação com a produção de subjetividades possíveis nesse contexto. Destaca-se, como primeiro ponto, o que os documentos entendem por “subjetivo”. De modo sintético, entende-se que os documentos expressam uma ideia de que essa dimensão é caracterizada como algo individual, podendo ser modificado pelo meio a fim de auxiliar no processo de enfrentamento das vulnerabilidades. De acordo com as Referências Técnicas para atuação do/a Psicólogo/a no CRAS/SUAS:

Na última década, diferentes experiências possibilitaram a divulgação de um conjunto de práticas direcionadas aos problemas sociais brasileiros, práticas que apontavam alternativas para o fortalecimento de populações em situação de vulnerabilidade social, assim como para o fortalecimento dos "recursos subjetivos" para o enfrentamento das situações de vulnerabilidade. (CFP, 2008, p. 6, grifo nosso)

Outro ponto pertinente foi observado durante a pesquisa diz respeito a questão da autonomia, muito expressa nos documentos da política. De acordo com as “Orientações sobre o PAIF”, o serviço ofertado pelo CRAS:

contribui para o alcance dos referidos impactos, pois, no âmbito familiar, busca fortalecer a proteção mútua da família e prevenir a ruptura de seus laços, a partir de ações que possibilitem o reconhecimento das especificidades e da condição de sujeito de direitos de todos os integrantes das famílias. Já no âmbito territorial, pretende aumentar a capacidade de mobilização social das famílias, por meio de ações que incentivem a participação política, o protagonismo, a autonomia e o reconhecimento e o acesso a direitos. (PAIF, 2012a, p. 74)

No segundo volume das “Orientações sobre PAIF” (PAIF, 2012b) também se encontram apontamentos sobre elementos que contribuem para a construção da autonomia, no sentido de atuar na prevenção de situações que podem trazer riscos às famílias. Por isso, o documento aponta que:

contextualizar situações de vulnerabilidade e risco e assegurar a reflexão sobre direitos sociais, proporcionando uma nova compreensão e interação com a realidade vivida, negando-se a condição de passividade, além de favorecer processos de mudança e de desenvolvimento do protagonismo e da autonomia, prevenindo a ocorrência de situações de risco social. (PAIF, 2012b, p. 23)

Considerando os aspectos acima, a “autonomia pode ser expressa pela maior capacidade dos sujeitos de compreenderem e agirem sobre si mesmos e sobre o contexto conforme objetivos democraticamente estabelecidos” (SNAS, 2016b, p. 21). Assim, os serviços ofertados pelo SUAS podem “Possibilitar a construção de projetos pessoais visando à superação da situação de violência e o desenvolvimento de capacidades e oportunidades para o desenvolvimento de autonomia pessoal e social” (MDS, 2009b, p. 47Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. (2009b). Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/tipificacao.pdf
http://www.mds.gov.br/webarquivos/public...
). Nesse sentido, a Política Nacional de Assistência Social tem como objetivo ofertar serviços direcionados para que os sujeitos possam:

Vivenciar experiências que utilizem de recursos disponíveis pela comunidade, pela família e pelos demais serviços para potencializar a autonomia e possibilitar o desenvolvimento de estratégias que diminuam a dependência e promovam a inserção familiar e social. (MDS, 2009b, p. 26Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome - MDS. (2009b). Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais. Recuperado de http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/tipificacao.pdf
http://www.mds.gov.br/webarquivos/public...
)

A partir disso entende-se que o trabalho dos profissionais da Psicologia caminha no sentido de possibilitar e materializar tal visão de autonomia expressa nos documentos através do trabalho para os usuários do SUAS. Isso pode ser visto, por exemplo, nas Referências Técnicas para atuação do/a Psicólogo/a no CRAS/SUAS (CFP, 2008), na qual a Psicologia tem “compromisso com a autonomia dos sujeitos, com a crença no potencial dos moradores e das famílias das populações referenciadas pelos CRAS, para que rompam com o processo de exclusão/marginalização, assistencialismo e tutela” (CFP, 2008, p. 16). Assim, observa-se, enquanto oferta dos serviços, a possibilidade de mudança através da autocompreensão. De acordo com as “Orientações sobre o PAIF” (PAIF, 2012a):

Por 'autocompreensão' entende-se a capacidade de compreender-se como resultado das interações entre os contextos familiar, comunitário, econômico, cultural, ambiental, entre outros, nos quais se está inserido, e que influenciam o modo pelo qual os sujeitos se percebem e agem. A partir dessa compreensão é que se viabilizam possibilidades de mudanças. (PAIF, 2012a, p. 47)

Além dessa noção, o mesmo documento também trabalha com o conceito de protagonismo, permitindo aos usuários:

exercer a independência e a autodeterminação na sua vida pessoal, na convivência social e profissional e em sua participação na vida coletiva, imprimindo visibilidade pública aos seus anseios, interesses, necessidades, demandas e posicionamentos como sujeitos de direitos e seus modos próprios de expressá-las. (PAIF, 2012a, p. 49)

Outros dois conceitos que destacam o posicionamento dos usuários e das famílias a ser desenvolvido pelo SUAS é o empoderamento e a autoestima. Por empoderamento, destaca que é “aquisição de uma consciência coletiva da dependência social (os seres humanos são dependentes entre si) e da dominação política (as sociedades humanas são organizadas sob ideologias, que têm por finalidade manter o statu quo estabelecido)” (PAIF, 2012a, p. 46). Através da passagem acima, é possível observar, portanto, que os documentos mostram uma preocupação não apenas para a questão individual e a visão de subjetividade por ela expressado.

Isso pode ser visto também com o conceito de autoestima, considerado também para além das questões individuais e tida como processo político, pois:

a autoestima é compreendida como resultado do processo de socialização, das configurações das relações sociais e tem como pressuposto central a seguinte questão: "como pensar eu valho tanto quanto o outro", “como reconhecer seu próprio valor, como pensar-se igual em direitos, em uma sociedade tão estruturada hierarquicamente? (PAIF, 2012a, p. 47)

Os documentos trazem questões importantes, as quais remetem-se às famílias e aos usuários da Assistência Social, oferecendo serviços que impliquem os usuários para refletir sobre suas condições. Assim, a partir do que foi observado através da análise dos documentos, o trabalho da Psicologia se torna possível dentro da política no sentido de contribuir para o fortalecimento dos vínculos e construção da autonomia das famílias e usuários.

Segundo as “Referências técnicas para atuação do/a Psicólogo/a no CRAS/SUAS” (CFP, 2008), “os psicólogos no CRAS devem promover e fortalecer vínculos sócio-afetivos, de forma que as atividades de atendimento gerem progressivamente independência dos benefícios oferecidos e promovam a autonomia na perspectiva da cidadania” (CFP, 2008, p. 19). Dessa forma, a inserção da Psicologia, no âmbito do SUAS enquanto campo de conhecimento e atuação que potencialize a materialização dos objetivos expressos pela política pública, pode ser concebida e consolidada.

Nesse sentido, reconhecer a importância dos processos históricos envolvidos, tanto na constituição do sujeito quanto de seu contexto social, permite ampliar o modo de olhar sobre o sujeito usuário, considerando, assim, um modo de vida próprio de ser e ver o mundo. Como destaca as “Orientações sobre o PAIF”:

todos os seres humanos têm caminhada histórica, sendo sujeitos de historicidade e fazendo parte de uma história social mais ampla. Possuem assim diferentes formas de ver o mundo e de enfrentar situações - são, portanto, seres culturais com práticas de significação do mundo, de si próprios e dos outros. (PAIF, 2012b, p. 91)

A partir da visão pontuada acima, a Psicologia pode contribuir para somar aos outros profissionais do SUAS, buscando e fomentando possibilidades de atuação interdisciplinar de modo a não reiterar a leitura individual das situações observadas no cotidiano do trabalho. Quanto a este ponto, os “Parâmetros para atuação de assistentes sociais e psicólogos(as) na Política de Assistência Social” (CFESS, 2007) indicam como proposição a atuação junto aos coletivos:

Uma das possibilidades do trabalho realizado na comunidade com as famílias, grupos e indivíduos, pelos psicólogos, é a exploração e a compreensão dos significados presentes nas ações do sujeito, bem como dos grupos de sujeitos, buscando-se-lhes apreender o sentido que leva a determinadas direções de relacionamentos, conflitos e decisões com foco na construção de novas respostas. (CFESS, 2007, p. 36)

Visto isso, as “Referências técnicas para atuação do (a) psicólogo (a) no CRAS/SUAS” (CFP, 2008) completa que “Assim, a oferta de apoio psicológico básico é uma possibilidade importante, de forma a facilitar o movimento dos sujeitos para o desenvolvimento de sua capacidade de intervenção e transformação do meio social onde vive” (CFP, 2008, p. 18), pois “Atuar na valorização da experiência subjetiva do sujeito contribui para fazê-lo reconhecer sua identidade” (CFESS, 2007, p. 23).

A partir do que foi apontado, dadas as diferenças entre o trabalho da Psicologia e da Assistência Social, compreende-se alguns aparatos que tais áreas disponibilizam para atuar em conjunto com as famílias:

Embora Serviço Social e Psicologia possuam aportes teórico-políticos diferentes, o diálogo entre essas categorias profissionais tem potência de aliar reflexão crítica, participação política, compreensão dos aspectos objetivos e subjetivos inerentes ao convívio e à formação do indivíduo, da coletividade e das circunstâncias que envolvem as diversas situações que se apresentam ao trabalho profissional. (CFESS, 2007, p. 41)

É a partir do expresso nos documentos do SUAS que retomamos a questão norteadora desse artigo: qual subjetividade é produzida neste âmbito? Dada as contribuições dos documentos e dos conjuntos de referências documentais, é possível pensar que a proposta da Política Nacional de Assistência Social está embasada em uma visão na qual a subjetividade é produzida socialmente, a partir do contato com o outro, ou seja, é a partir da criação de vínculos e laços sociais que as famílias poderão se reconhecer e criar identidade no território, processo que podem ser mediados por meio dos serviços ofertados.

Portanto, a subjetividade é um modo de ser dos indivíduos, os quais compõem as famílias e que se expressam em seus modos de pensar e agir diante das situações, tanto do território quanto frente aos serviços. Desta maneira, Maheirie (2002Maheirie, K. (2002). Constituição do sujeito, subjetividade e identidade. Interações, 7(13), 31-44. Recuperado de http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-29072002000100003&lng=pt&tlng=pt
http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?scr...
, p. 35) completa dizendo que “O Eu, ou a identidade, ou a especificidade do sujeito, aparece como produto das relações do corpo e da consciência com o mundo, conseqüência da relação dialética entre objetividade e subjetividade no contexto social”.

É nesse contexto que é sinalizada a importância da subjetividade social enquanto pressuposto teórico para a articulação entre as esferas individual e social e a importância da Psicologia no âmbito da Assistência Social, pois é na construção entre o sujeito e seu contexto social que a subjetividade se expressa. Como destaca González Rey (2016González Rey, F. (2016). A subjetividade social e a subjetividade individual: impacto sobre a psicologia social. In O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito (pp. 123-148). Petropólis, RJ: Vozes, 2016. Recuperado de https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=Z3tUDgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT4&dq=subjetividade+social&ots=rNh1KMN9rS&sig=GA6JctVOM2v3GCjc11qEnxiaTaA#v=onepage&q=subjetividade%20social&f=false
https://books.google.com.br/books?hl=pt-...
):

A subjetividade não é um sistema abstrato e impessoal. Ao contrário, seu sistema é formado por sujeitos concretos e ela se constitui nesses sujeitos, e eles, por sua vez, vão influenciando constantemente sua trajetória e se configuram subjetivamente através de sua ação nos vários espaços da vida social (González-Rey, 2016González Rey, F. (2016). A subjetividade social e a subjetividade individual: impacto sobre a psicologia social. In O social na psicologia e a psicologia social: a emergência do sujeito (pp. 123-148). Petropólis, RJ: Vozes, 2016. Recuperado de https://books.google.com.br/books?hl=pt-BR&lr=&id=Z3tUDgAAQBAJ&oi=fnd&pg=PT4&dq=subjetividade+social&ots=rNh1KMN9rS&sig=GA6JctVOM2v3GCjc11qEnxiaTaA#v=onepage&q=subjetividade%20social&f=false
https://books.google.com.br/books?hl=pt-...
, pág. 141).

Entende-se que, mesmo que a questão da subjetividade não seja explicitada de forma sistemática nos diferentes documentos do SUAS aqui analisados, estes elencam elementos ou capacidades subjetivas (tais quais a autonomia, autocompreensão e autoestima), os quais relacionam-se intimamente com as questões sociais e o trabalho a ser realizado, articulando a família, o território e as relações sociais de cada sujeito que compõe os serviços da Política Nacional de Assistência Social.

Considerações finais

Considerando que a inserção do profissional da Psicologia no âmbito do SUAS é algo previsto na composição das equipes de trabalho na referida política desde a NOB/SUAS (Norma Operacional Básica), esperava-se que a subjetividade, enquanto um dos conceitos fundamentais da ciência psicológica, fosse uma temática explorada pelos diferentes documentos que a parametrizam.

Vê-se nos documentos que diversos aspectos subjetivos são indicados para serem trabalhados no desenvolvimento de ações com os usuários e famílias da política de Assistência Social em diferentes serviços ofertados. Assim, foi possível levantar indícios acerca do que é entendido por subjetividade através de outros conceitos a ela relacionados (como a autonomia, autocompreensão e autoestima), indicados pelos documentos como finalidade dos trabalhos realizados com as famílias.

Porém, ao final da pesquisa realizada, observou-se que ela se encontra pouco explorada ou mesmo referenciada, ainda que os documentos tragam indícios de como se pode perceber e conceber o campo subjetivo dentro da proposta da Política Nacional de Assistência Social. A ausência de uma discussão aprofundada, ou ainda a falta de referências de outros materiais que poderiam embasar a discussão a respeito do tema, indica um papel secundário dado aos processos subjetivos nesse contexto. Isso acontece, possivelmente, pelo entendimento da subjetividade a partir da dicotomia entre o individual e o social, o que levaria, a partir da ênfase na dimensão subjetiva, a diminuição ou mesmo esvaziamento do papel do contexto social na formação ou enfrentamento das dificuldades ou vulnerabilidades vivenciadas, colocando ao indivíduo o peso e a responsabilidade tanto pelo que lhe afeta quanto pelos meios para superação de tais vulnerabilidades.

Nesse sentido, a apresentação de termos que apontam para diferentes elementos de uma dimensão subjetiva indica que mesmo sob críticas em torno das formas de trabalho a serem realizados pelos profissionais psi no cotidiano do trabalho na Política Nacional de Assistência Social (em especial, ao que tange aos modelos tradicionais como o clínico), a Psicologia mostra-se importante enquanto campo do conhecimento teórico e promotor de prática para o âmbito do SUAS.

Por fim, é importante ressaltar que, ainda que tenha crescido exponencialmente nos últimos anos, o número de publicações que se propõem analisar o trabalho do psicólogo nos diferentes serviços da Política Nacional de Assistência Social, entendemos que faltam estudos que objetivem um aprofundamento teórico e conceitual da Psicologia enquanto ciência e profissão ou, ainda, sobre a forma específica como esses conhecimentos se concretizam no cotidiano do trabalho do SUAS.

Referências

  • Financiamento

    Bolsa de Iniciação Científica financiada pela Universidade Estadual de Londrina através Edital 001/2017 - PROIC.
  • Consentimento de uso de imagem

    Não se aplica.
  • Aprovação, ética e consentimento

    Não se aplica.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    02 Set 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    11 Jul 2018
  • Revisado
    29 Jan 2019
  • Aceito
    14 Fev 2019
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