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AVALIAÇÃO DA ATENÇÃO PSICOSSOCIAL EM ÁLCOOL E DROGAS NA PERSPECTIVA DOS FAMILIARES DOS PACIENTES

EVALUACIÓN DE LA ATENCIÓN PSICOSOCIAL EN ALCOHOL Y DROGAS POR FAMILIARES DE LOS PACIENTES

PSYCHOSOCIAL CARE ASSESSMENT OF ALCOHOL AND DRUG PATIENTS FROM THE PERSPECTIVE OF FAMILY MEMBERS

Resumo

Os métodos de avaliação dos serviços de saúde têm incorporado o relato dos familiares dos pacientes para a elaboração de indicadores de avaliação de resultados. Nesse sentido, o presente estudo, transversal, descritivo e de abordagem qualitativa, avaliou a satisfação e a mudança percebida pelos familiares dos pacientes de um serviço de atenção psicossocial em álcool e drogas. Adotou-se o referencial teórico-metodológico da Avaliação de Quarta Geração adaptado, coletando-se os dados mediante as técnicas de observação, entrevistas individuais com a aplicação do Círculo Hermenêutico-Dialético e entrevistas grupais. A avaliação da satisfação e da percepção de mudança dos familiares apresentou consenso dos participantes em relação à satisfação, considerada positiva, principalmente pelo serviço de proporcionar-lhes um espaço de escuta e oferecer-lhes orientações para compreender e lidar com os pacientes; e dissenso em face da percepção de mudanças observadas na vida dos pacientes, suscitando nos familiares o encaminhamento de pacientes para internação involuntária em instituições psiquiátricas.

Palavras-chave:
Pesquisas sobre serviços de saúde; Transtornos relacionados ao uso de substâncias; Serviços comunitários de saúde mental; Satisfação pessoal

Resumen

Los métodos de evaluación de los servicios de salud han incorporado el relato de los familiares de los pacientes para la elaboración de indicadores de evaluación de resultados. El presente estudio, transversal, descriptivo y de abordaje cualitativo, evaluó la satisfacción y el cambio percibido por los familiares de los pacientes de un servicio de atención psicosocial en alcohol y drogas. Se adoptó el referencial teórico-metodológico de la Evaluación de Cuarta Generación adaptado, recogiendo los datos mediante técnicas de observación, entrevistas individuales con aplicación del Círculo Hermenéutico-Dialéctico y entrevistas grupales. La evaluación de la satisfacción y de la percepción de cambio de los familiares presentó consenso en relación con la satisfacción, considerada positiva, principalmente por el servicio de proporcionarles un espacio de escucha y ofrecerles orientaciones para comprender y tratar con los pacientes; y disenso frente a la percepción de cambios observados en la vida de los pacientes, suscitando en los familiares el encaminamiento de pacientes para internación involuntaria en instituciones psiquiátricas.

Palabras clave:
Investigación em servicios de salud; Trastornos relacionados con sustancias; Servicios comunitarios de salud mental; Satisfacción personal

Abstract

The methods of evaluation of health services have been incorporating the report of family members of patients in order to elaborate indicators of evaluation of results. The present cross-sectional, descriptive and qualitative study evaluated the satisfaction and the change perceived by family members of patients of psychosocial care service alcohol and drugs users. The theoretical-methodological framework of the adapted Fourth Generation Assessment was adopted, collecting data through observation techniques, individual interviews with the application of the Hermeneutic-Dialectic Circle and group interviews. The evaluation of the satisfaction and the perception of change of the relatives presented a consensus of the participants regarding the satisfaction, considered positive, primarily by providing them with a listening space and offering them guidance to understand and deal with patients; and dissent in the face of the perception of changes observed in the patients’ lives, prompting relatives to refer patients for involuntary hospitalization in psychiatric institutions.

Keywords:
Health services research; Substance-related disorders; Community mental health services; Personal satisfaction

Introdução

Os métodos de avaliação dos serviços de saúde têm incorporado as informações e relatos dos familiares dos pacientes como mais um recurso para a elaboração de indicadores de avaliação de resultados do tratamento disponibilizado pelos serviços de saúde (Bandeira, Andrade, Costa, & Silva, 2011Bandeira, M. B., Andrade, M. C. R., Costa, C. S., & Silva, M. A. (2011). Percepção dos pacientes sobre o tratamento em serviços de saúde mental: validação da escala de mudança percebida. Psicologia: Reflexão e Crítica, 24(2), 236-243. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722011000200004
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).

Estudo multicêntrico realizado em oito países europeus apontou que políticas recentes de saúde mental enfatizam a necessidade de envolver os cuidadores familiares no planejamento do tratamento dos pacientes para considerar suas opiniões na avaliação dos resultados (Giacco et al., 2012Giacco, D., Fiorillo, A., Vecchio, V., Kallert, T., Onchev, G., Raboch, J. et al. (2012). Caregivers’ appraisals of patients’ involuntary hospital treatment: european multicentre study. The British Journal of Psychiatry, 201, 486-491. Recuperado de https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/1CFC54A150575DA5CFA263236C23BA79/S0007125000237100a.pdf/caregivers_appraisals_of_patients_involuntary_hospital_treatment_european_multicentre_study.pdf
https://www.cambridge.org/core/services/...
).

A satisfação dos familiares dos pacientes com o tratamento oferecido pelos serviços de saúde tem sido associada à percepção de mudanças observadas nas vidas dos pacientes em função do tratamento prestado pelos serviços. Estudos indicaram que mudanças aferidas por profissionais, que não foram percebidas pelos familiares dos pacientes como mudanças efetivamente positivas, não contribuem para a satisfação com os serviços de saúde (Bandeira, Andrade, Costa, & Silva, 2011Bandeira, M. B., Andrade, M. C. R., Costa, C. S., & Silva, M. A. (2011). Percepção dos pacientes sobre o tratamento em serviços de saúde mental: validação da escala de mudança percebida. Psicologia: Reflexão e Crítica, 24(2), 236-243. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722011000200004
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; Bandeira, Felicio, & Cesari, 2010).

A princípio, há amplo reconhecimento acerca da importância do envolvimento dos familiares dos pacientes nos processos de planejamento e nas políticas do sistema de saúde, no monitoramento dos serviços e na participação em pesquisas em saúde. Há também evidências de que em países de alta renda, o envolvimento dos familiares pode levar diretamente ao fortalecimento do sistema de saúde mental. Entretanto, essa participação dos familiares não tem se verificado em países de média e baixa renda na mesma intensidade (Semrau et al., 2016Semrau, M., Lempp, H., Keynejad, R., Evans-Lacko, S., Mugisha, J., Raja, S. et al. (2016). Service user and caregiver involvement in mental health system strengthening in low-and middle-income countries: systematic review. BMC Health Services Research, 16(79). Recuperado de https://doi.org/10.1186/s12913-016-1323-8
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).

O conhecimento acerca da percepção dos familiares em relação às mudanças ocorridas na vida dos pacientes com o tratamento também tem sido considerado relevante na avaliação dos serviços, na medida em que os familiares, que eventualmente ocupam a função de cuidadores diários dos pacientes, podem perceber e comunicar as eventuais mudanças observadas na vida dos pacientes, tais como, mudanças em seus sintomas, em seus níveis de funcionamento, em seus relacionamentos interpessoais e comportamentais (Bandeira, Felicio, & Cesari, 2010Bandeira, M., Felicio, C. M., & Cesari, L. (2010). Validação da escala de percepção de mudanças pelos familiares como medida de resultado do tratamento em serviços de saúde mental. Revista Brasileira de Psiquiatria, 32(3), 283-287. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S1516-44462010005000010
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).

Essas informações também são consideradas valiosas para a avaliação dos serviços e para o aprimoramento do tratamento porque refletem um conhecimento singular acerca dos sintomas, das necessidades e da vivência com os serviços de saúde, que somente os familiares dos pacientes detêm, constituindo-se, portanto, como uma perspectiva diversa da concepção dos profissionais. Destaca-se, ainda, a possibilidade de que a integração da percepção dos familiares dos pacientes na avaliação do tratamento contribua para a sensação de empoderamento desses atores ao perceberem que seus pontos de vista são considerados na avaliação dos resultados do tratamento, o que, por si, favorece na adesão ao próprio tratamento e no aumento dos níveis de satisfação com o serviço de saúde (Bandeira et al., 2011Bandeira, M. B., Andrade, M. C. R., Costa, C. S., & Silva, M. A. (2011). Percepção dos pacientes sobre o tratamento em serviços de saúde mental: validação da escala de mudança percebida. Psicologia: Reflexão e Crítica, 24(2), 236-243. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S0102-79722011000200004
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).

Pesquisas de avaliação de serviços de abordagem quantitativa, realizadas em serviços de saúde mental especializados em álcool e outras drogas no Brasil, especificamente nos Centros de Atenção Psicossocial em Álcool e outras Drogas (CAPSad) demonstraram que a maioria dos familiares dos pacientes que participou das pesquisas está satisfeita com o serviço e que essa mesma maioria percebeu que os pacientes melhoraram em razão do tratamento oferecido pelo serviço (Barbosa, 2013Barbosa, G. C. (2013).Avaliação do centro de atenção psicossocial em álcool e outras drogas do município de Botucatu. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.7.2013.tde-14072014-093437
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; Gonçalves, 2016Gonçalves, R. M. D. A. (2016). Avaliação dos Centos de Atenção Psicossocial em Álcool e outras Drogas do Estado de Minas Gerais. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.7.2017.tde-10052017-143617
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; Pinho, 2014Pinho, P. H., (2014).Avaliação dos centros de atenção psicossocial em álcool e outras drogas do município de São Paulo. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de http://dx.doi.org/10.11606/T.7.2014.tde-17112014-144843
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; Pinho et al., 2018).

Com efeito, o presente estudo apresenta o recorte de uma pesquisa avaliativa de natureza qualitativa, que realizou uma avaliação participativa em um serviço de atenção psicossocial em álcool e outras drogas, com o objetivo de avaliar a satisfação e a mudança percebida pelos familiares dos pacientes com o serviço oferecido, com o fim de produzir conhecimentos complementares aos fornecidos pelas pesquisas quantitativas.

Método

O presente estudo seguiu rigorosamente os protocolos éticos atinentes às pesquisas envolvendo seres humanos, nos estritos termos da legislação em vigor (Resolução nº 466/2012Resolução n. 466, de 12 de dezembro de 2012. (2012). Diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisas envolvendo seres humanos. Brasília, DF: Ministério da Saúde. Recuperado de http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/cns/2013/res0466_12_12_2012.html
http://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis...
; Resolução nº 510/2016Resolução n. 510, de 07 de abril de 2016. (2016). Conselho Nacional da Saúde. Recuperado de http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/2016/Reso510.pdf
http://conselho.saude.gov.br/resolucoes/...
).

O projeto de pesquisa e seu respectivo termo de consentimento livre e esclarecido foram devidamente apreciados e aprovados pelos comitês de ética em pesquisa da Universidade de São Paulo) e da Secretaria Municipal de Saúde de São Paulo (instituição coparticipante), tendo o primeiro proferido parecer de número 1.969.819, nos autos do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) de número 64443717.7.0000.5392; e o segundo emitido o parecer de número 1.990.622, no expediente CAAE de número 64443717.7.3001.0086.

Trata-se de um estudo transversal, descritivo e de abordagem qualitativa, consistente em um recorte de uma pesquisa de avaliação participativa conduzida em um CAPSad do município de São Paulo, no Estado de São Paulo. O desenvolvimento deste recorte avaliou a satisfação dos familiares dos pacientes com o dispositivo de saúde, bem como avaliou sua percepção de mudanças, eventualmente ocorridas, na vida dos pacientes em função do tratamento prestado pelo serviço.

A pesquisa adotou o referencial teórico-metodológico da Avaliação de Quarta Geração adaptado por Wetzel (2005Wetzel, C. (2005). Avaliação de serviço em saúde mental: a construção de um processo participativo. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.22.2005.tde-16052007-150813
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), que aproxima os referenciais metodológicos da Avaliação de Quarta Geração (AQG) de Guba e Lincoln (2011Guba, E. G. & Lincoln, Y. S. (2011). Avaliação de quarta geração. Campinas, SP: Unicamp.) e do método da Roda, de Campos (2005bCampos, G. W. S. (2005b). Um método para análise e cogestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda (2a ed.). São Paulo: HUCITEC . ).

A avaliação de serviços proposta por Guba e Linconl (2011Guba, E. G. & Lincoln, Y. S. (2011). Avaliação de quarta geração. Campinas, SP: Unicamp.) fundamenta-se, basicamente, em dois elementos: enfoque responsivo e metodologia construtivista. O primeiro representa a antítese das avaliações tradicionais, concedendo o direito aos interessados de apresentarem (responderem) suas reivindicações, preocupações e questões sem que elas tenham sido previamente formuladas pelos avaliadores. A metodologia construtivista parte do pressuposto de que a realidade é uma construção produzida pelas pessoas, que sofrem influências de natureza social e cultural, ou seja, o método construtivista opõe-se ao paradigma positivista, em relação ao qual a realidade é objetiva e independente do observador.

O método da Roda ou Paidéia está centrado em três conceitos fundamentais: valor de uso, constituição do sujeito e democracia nas organizações, a partir dos quais se trabalha com a hipótese de que durante os processos de produção de bens e serviços ocorre a coprodução de sujeitos e coletivos. Esse método tem como objetivo aumentar a capacidade de análise e intervenção das pessoas e dos coletivos, visando aprimorar seu conhecimento acerca de seus problemas, passando a agir sobre eles na busca de soluções (Campos, 2005aCampos, G. W. S. (2005a). Saúde Paidéia (2a ed.). São Paulo: HUCITEC., 2005b).

A aproximação dos métodos da AQG de Guba e Lincoln (2011Guba, E. G. & Lincoln, Y. S. (2011). Avaliação de quarta geração. Campinas, SP: Unicamp.) e do método da Roda, de Campos (2005bCampos, G. W. S. (2005b). Um método para análise e cogestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda (2a ed.). São Paulo: HUCITEC . ), que compõe o modelo da AQG adaptado por Wetzel (2005Wetzel, C. (2005). Avaliação de serviço em saúde mental: a construção de um processo participativo. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.22.2005.tde-16052007-150813
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), é defendida por Furtado (2001Furtado, J. P. (2001). Um método construtivista para a avaliação em saúde. Ciência & Saúde Coletiva, 6(1), 165-181. Recuperado de http://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232001000100014
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), para quem essa conjugação de modelos é tida como potencialmente mais adequada para a avaliação de serviços, principalmente a partir das questões decorrentes dos processos de desinstitucionalização em saúde e das próprias limitações das avaliações ortodoxas. O autor aponta que o alinhamento entre esses dois métodos está baseado no referencial participativo e construtivista comum a ambos. Argumenta, ainda, que os autores da AGQ e do método da Roda parecem concordar com o fato de que a dificuldade dos grupos de analisar sua própria realidade está mais ligada a entraves de natureza política, organizacional e subjetiva, que prejudicam as trocas e o restabelecimento de novos modos de organização.

Da mesma forma que a AQG de Guba e Lincoln (2011Guba, E. G. & Lincoln, Y. S. (2011). Avaliação de quarta geração. Campinas, SP: Unicamp.), o método de AQG adaptado por Wetzel (2005Wetzel, C. (2005). Avaliação de serviço em saúde mental: a construção de um processo participativo. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.22.2005.tde-16052007-150813
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) prescreve como técnicas de coleta de dados: a observação, entrevistas individuais com o emprego do Círculo Hermenêutico-dialético (CHD) e entrevistas em grupo.

Guba e Lincoln (2011Guba, E. G. & Lincoln, Y. S. (2011). Avaliação de quarta geração. Campinas, SP: Unicamp.) entendem que por meio da observação, o avaliador adquire vivências e experiências no contexto dos interessados, de maneira a empreender uma etnografia prévia no campo para conhecer os participantes e também ser conhecido por eles. Os dados da observação, de acordo com os autores, podem tomar formas diversas nos diversos momentos da pesquisa. Em um primeiro momento, a observação pode ser pouco estruturada, permitindo ao observador expandir seu conhecimento e desenvolver senso acerca do que é importante. Em um segundo momento, o observador pode concentrar seu foco e aprofundar aspectos relevantes à investigação.

As observações coletadas são registradas em diário de campo, constituindo-se como fontes de informação a serem empregadas durante a aplicação do CHD, visando aumentar o nível de esclarecimento dos participantes, possibilitando a ampliação das construções emergentes.

As entrevistas individuais são realizadas mediante a aplicação do CHD, que é administrado da seguinte maneira: o primeiro entrevistado é convidado a responder a uma ou mais questões abertas. Após essa primeira entrevista, o pesquisador realiza uma análise, identificando unidades de informação (elementos relevantes acerca do tópico investigado) que serão, então, colocadas para apreciação do próximo respondente. Esse procedimento é aplicando sucessivamente em relação aos próximos respondentes, possibilitando que os desdobramentos das entrevistas anteriores sejam avaliados pelos respondentes posteriores, conforme ilustrado na Figura 1. Esse processo de análise das entrevistas, chamado de método comparativo constante, destina-se a garantir a efetiva participação dos interessados no processo avaliativo, uma vez que nas avaliações participativas, os interessados são convidados a interferir em ambos os processos (coleta e análise de dados) para assegurar que os resultados empíricos sejam validados pelos próprios interessados.

As entrevistas em grupo, realizadas com os interessados que participaram das entrevistas individuais, destinam-se a duas finalidades: devolver ao grupo o conteúdo das construções que emergiram durante a rodada do CHD visando validar os resultados provisórios relativos às construções resolvidas (compartilhadas, consensuais); e realizar a negociação das construções conflitantes, objetivando alcançar um consenso.

Com relação à técnica de análise dos dados, a proposta de avaliação participativa determina que a coleta e a análise de dados sigam processos paralelos, um orientando o outro. Essa dinâmica entre os processos de coleta e de análise de dados é realizada durante a aplicação do CHD, que segue o chamado método comparativo constante. Como mencionado anteriormente e ilustrado na Figura 1, o método de comparação constante, característico do CHD, estabelece que o pesquisador realize uma análise da entrevista antecedente antes de proceder à entrevista subsequente, identificando dados importantes acerca da avaliação. Na posse desses dados, chamados de unidades de informação, o pesquisador deve apresentá-los ao próximo respondente, convidando-o a tecer comentários a seu respeito. De modo que esse processo siga até o último respondente, possibilitando que as unidades de informação sejam avaliadas por todos os participantes do círculo (Wetzel, 2005Wetzel, C. (2005). Avaliação de serviço em saúde mental: a construção de um processo participativo. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.22.2005.tde-16052007-150813
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).

Figura 1
Círculo Hermenêutico-dialético

Wetzel (2005Wetzel, C. (2005). Avaliação de serviço em saúde mental: a construção de um processo participativo. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo, Ribeirão Preto, SP. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.22.2005.tde-16052007-150813
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) propõe sete etapas para operacionalização do processo de avaliação participativa de um serviço: contato com o campo; organização da avaliação; identificação dos grupos de interesse; desenvolvimento das construções conjuntas; ampliação das construções conjuntas; preparação da apresentação das questões para os grupos de interesse; e realização dos grupos.

1. Contato com o campo:

Selecionado o campo de pesquisa (CAPSad) e após a obtenção das autorizações administrativas e dos pareceres éticos favoráveis, em meados de abril de 2017, foi realizado o primeiro contato com o serviço, dando início ao processo de avaliação.

2. Organização da avaliação:

Nessa etapa, a fim de construir uma relação de confiança com os interessados, o pesquisador procurou vivenciar seu contexto, buscando interagir com eles. Essa interação do pesquisador com o campo de pesquisa correspondeu à denominada etnografia prévia. Ainda nesse momento, a coleta de dados por meio da observação teve início.

As observações coletadas foram registradas em diário de campo, totalizando 85 (oitenta e cinco) horas de registros realizados nos 25 (vinte e cinco) dias em que o pesquisador esteve presente no campo. Os registros compreenderam detalhes do cotidiano do serviço, com notas acerca dos discursos, comportamentos, práticas, silêncios, gestos e atitudes observadas, incluindo os sentimentos, percepções, dúvidas e impressões captadas pelo avaliador nas relações interpessoais vivenciadas no campo.

3. Identificação dos grupos de interesse:

A partir da observação e vivência do avaliador no campo, própria da etapa anterior (etnografia prévia), foram identificados três grupos de interesse no serviço: grupo de profissionais do serviço, grupo de usuários e grupo de familiares dos pacientes, salientando-se que é em relação a esse último grupo (familiares dos pacientes) que o presente artigo se debruça.

4. Desenvolvimento das construções conjuntas:

Identificados os grupos de interesse, seguiu-se para o desenvolvimento das entrevistas individuais com a aplicação do CHD.

O círculo do grupo de familiares dos pacientes foi composto por seis participantes que aceitaram livremente colaborar com a pesquisa. Todas as participantes eram mulheres, que na sua maioria detinham laços familiares com os pacientes do serviço, na qualidade de mães, avós e esposas; havendo uma participante que se apresentava como amiga de uma das pacientes do CAPSad.

As participantes frequentavam o serviço há pelo menos um ano, sendo que uma delas frequentava o serviço havia oito anos. Todas participavam semanalmente das reuniões grupais destinadas ao atendimento dos familiares e, algumas delas, também acompanhavam os pacientes durante seus respectivos atendimentos.

As entrevistas individuais foram iniciadas com duas questões: (a) Fale-me a respeito da sua satisfação com o atendimento oferecido pelo CAPSad; (b) A senhora percebeu mudanças na vida do paciente em razão do tratamento oferecido a ele pelo CAPSad?

Quando do fechamento do CHD, seguindo o método comparativo constante, além colocar as duas questões iniciais, foram formuladas para a última participante do círculo, as unidades de informação colhidas nas entrevistas anteriores, para que a respondente tecesse comentários: Por favor, comente a respeito das seguintes colocações: (a) - Satisfação em participar do grupo de familiares porque: é um espaço de escuta; recebe orientações de como devem lidar e conviver com o usuário de drogas; sente-se acolhida; sente-se bem; sente-se aliviada; (b) - Importância de interagir com outras pessoas que possam entender e ouvir o sofrimento e os problemas que os familiares trazem; (c) - Apropriou-se de informações e orientações e reproduziu no ambiente familiar; (d) - Observa que os usuários são muito bem tratados pelos profissionais, que se esforçam, são amorosos, atenciosos; (e) - Percebeu mudanças positivas; sente-se aliviada com o paciente sendo tratado; (f) - Diminuíram a agressividade e os conflitos na relação com o usuário de droga.

5. Ampliação das construções conjuntas:

Essa etapa ocorreu durante a aplicação do CHD, tratando-se da introdução de informações originárias das observações coletadas no campo de pesquisa e na literatura acadêmica, visando aumentar o nível de esclarecimento dos participantes e ampliar a compreensão das construções emergentes.

6. Preparação da apresentação das questões para os grupos de interesse:

Essa fase envolveu a logística para a realização dos grupos. Os familiares que participaram do círculo de entrevistas individuais foram convidados para a realização da entrevista em grupo. Foi preparado material impresso contendo as unidades de informações agrupadas no núcleo temático e distribuídos aos participantes, a fim de que eles pudessem acompanhar a leitura da exposição dos resultados provisórios da avaliação e discutir cada item apresentado. Ao término do grupo, o material entregue no seu início foi devolvido pelos participantes ao pesquisador, com o escopo de assegurar a confidencialidade das informações da pesquisa.

7. Realização dos grupos:

A realização da entrevista em grupo consistiu na última etapa operacional do processo avaliativo, na qual foi apresentada a devolutiva dos resultados provisórios ao grupo de familiares, com vistas à obtenção da validação das construções conjuntas (consensuais, compartilhadas). Nessa mesma etapa, também foi realizada a negociação das construções conflitantes, objetivando o consenso.

Os relatos das participantes foram transcritos na íntegra, exatamente da maneira como foram pronunciados, sem as convenções da língua, tendo sido codificadas com a sigla “E nº F”, significando: transcrição da entrevista com o número de ordem de sua realização de um familiar atendido no serviço e com a sigla “GF”, significando: transcrição da entrevista em grupo realizada com os familiares atendidos do serviço.

Resultados

As construções compartilhadas pelo grupo de familiares a respeito da satisfação e da percepção de mudança apresentaram identidade de sentidos, tendo sido condensadas em um único núcleo temático, denominado de cuidado. O grupo de familiares assentou consensualmente que está satisfeito com o CAPSad:

Minha satisfação é ótima porque eu estou contente com o trabalho deles [...] quando eu tô eu vejo aqui que são todos muito bem atendidos. (E2F)

Estou satisfeita porque eu vejo que o esforço deles é grande. (E3F)

Atende com muita atenção muita paciência muito bom. (E4F)

A partir do momento em que eu comecei a frequentar aqui eu me senti bem mais forte porque eu sabia que eu tinha um apoio ali né. (EF5)

Sim pra mim foi uma ajuda porque só de eu tá desabafando o que eu passo dentro do lar pra mim é um alívio muito grande [...] é muito importante pra mim tá desabafando porque toda semana todos os dias pra mim é um desafio. (E6F)

Como observado, o grupo de familiares expressou sua satisfação com o CAPSad no sentido de sentir-se acolhido pelo serviço, que foi considerado pelo grupo como um espaço de escuta, no qual os familiares se sentem atendidos pela equipe de profissionais, que é vista como disponível para ouvi-los. Nesse sentido, o cuidado oferecido pelo serviço é identificado e valorizado pelos familiares em virtude de sua característica terapêutica, reconhecida por meio do acolhimento promovido pela equipe de profissionais.

Esse acolhimento vivenciado pelos familiares é enriquecido pela possibilidade de compartilhamento de experiências entre os próprios familiares no espaço institucional:

Tem me ajudado muito porque devido a esses problemas que a gente vem enfrentando familiar então é muito importante você estar interagindo com outras pessoas que possa te entender que possa te ouvir né então é os princípios daqui é isso deles ouvir o que você tem pra dizer porque nem sempre lá fora tem alguém que tá disposto a ouvir o que você tem pra falar. (E6F)

Ainda com relação à satisfação, o grupo de familiares atribuiu às orientações que recebe da equipe de profissionais nos atendimentos de que participa como mais um determinante positivo para sua satisfação com o CAPSad:

É bom, melhora bastante eles orientam a gente pra estar lidando com eles. (E1F)

Satisfeita sim porque ele me orientou [...] me orienta pra mim ter uma resolução pra mim me alivia a vida pra mim ter uma orientação tudo é orientação de como você conviver com uma pessoa que depende dos vícios. (E4F)

Sim porque você tem uma informação [...] pra mim foi bem melhor eu fiquei mais ligth ainda [...] eu também. (GF)

Nessas assertivas, observamos que as orientações gerais formuladas aos familiares pela equipe de profissionais constituem a face pedagógica do cuidado, tendo como escopo o desenvolvimento de uma compreensão integradora dos familiares para com os pacientes.

Com relação à percepção de mudanças ocorridas na vida dos pacientes atendidos no serviço, com exceção de uma das participantes do grupo de familiares, as demais relataram que perceberam mudanças positivas na vida dos pacientes como resultados do tratamento prestado pelo CAPSad.

Ele melhorou bastante porque antigamente ele andava pela rua ficava igual mendigo carregando lixo para dentro de casa era um caos. (E1F)

Ela chegou muito ruim [...] percebi mudanças sim boas mudanças eu sinto assim que não foi mais não foi problema deles não é dela mesma faltou em consulta eu chegava na casa dela ela falava hoje eu não vou não tô com vontade de ir. (E2F)

Quando ele começa a participar aqui vir a gente percebe ele fica outro sabe agora [...] mudanças positivas porque quando ele participa aqui que eu sei que ele tá vindo todo dia aqui é porque ele tá bem. (E5F)

Ele não melhorou porque ele tem problema mental também eu sei que é três problemas que ele tem grave de cabeça não consegue aprender é retraído tem dificuldade de fazer amizade com as pessoas tudo ele fala que não gosta. (E3F)

Ao mesmo tempo em que relataram as mudanças percebidas, o grupo de familiares esclareceu que as mudanças dependem da adesão dos pacientes ao tratamento no CAPSad, transmitindo a ideia de que havia um potencial de mudanças que não foi atingido devido à ocorrência de descontinuidade do tratamento, em função da ausência dos pacientes nos atendimentos do serviço.

A participante do grupo que relatou não haver percebido mudanças positivas na vida do paciente justificou essa inobservância pelo quadro de deficiência mental do paciente.

A divergência apresentada pela inobservância de mudanças motivou, ao menos em parte, a busca por outra modalidade de tratamento (internação involuntária) do paciente em comunidade terapêutica, que se processou sem a participação da equipe de profissionais do CAPSad.

Embora não tenha havido consenso por parte do grupo de familiares a respeito das mudanças percebidas na vida dos pacientes, as observações de campo registraram que o grupo de familiares prosseguiu comparecendo às reuniões de família oferecidas pelo serviço, indicando que o CAPSad disponibiliza espaços coletivos que tem o objetivo de assegurar aos interessados a possiblidade concreta, de tempo e lugar, de analisar suas próprias dificuldades e de tomar decisões sobre elas.

Discussão

A inclusão da família nos atendimentos dos serviços de atenção psicossocial é importante dado que o sofrimento psíquico decorrente do uso de substâncias psicoativas não se restringe à pessoa do paciente, envolvendo também sua esfera social, particularmente, seu círculo familiar, que precisa se reorganizar em razão do convívio diário com o paciente e com a eventual assunção da função de cuidador, em colaboração com o serviço.

O grupo de familiares considerou estar satisfeito com o atendimento oferecido pelo serviço, em consonância com o assentado em pesquisas de avaliação de serviços de saúde mental realizadas no Brasil e em outros países (Barbosa, 2013Barbosa, G. C. (2013).Avaliação do centro de atenção psicossocial em álcool e outras drogas do município de Botucatu. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.7.2013.tde-14072014-093437
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; Giacco et al., 2012Giacco, D., Fiorillo, A., Vecchio, V., Kallert, T., Onchev, G., Raboch, J. et al. (2012). Caregivers’ appraisals of patients’ involuntary hospital treatment: european multicentre study. The British Journal of Psychiatry, 201, 486-491. Recuperado de https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/1CFC54A150575DA5CFA263236C23BA79/S0007125000237100a.pdf/caregivers_appraisals_of_patients_involuntary_hospital_treatment_european_multicentre_study.pdf
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; Gonçalves, 2016Gonçalves, R. M. D. A. (2016). Avaliação dos Centos de Atenção Psicossocial em Álcool e outras Drogas do Estado de Minas Gerais. Tese de Doutorado, Programa de Pós-graduação em Enfermagem, Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo, São Paulo. Recuperado de https://dx.doi.org/10.11606/T.7.2017.tde-10052017-143617
https://doi.org/10.11606/T.7.2017.tde-10...
; Pinho et al., 2018Pinho, P. H., Oliveira, M. A. F., Pereira, M. O., Claro, H. G., Soares, R. H., Gonçalves, R. M. D. A., & Sequeira, C. A. C. (2018). Satisfaction of Family Members with Treatment in Psychosocial Care Services on Alcohol and Other Drugs.The International Journal of Alcohol and Drug Research, 7(2), 12. Recuperado dehttp://ijadr.org/index.php/ijadr/article/view/249
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).

Os familiares não entraram em consenso com relação às construções acerca da mudança percebida na vida dos pacientes como resultado do tratamento, embora a maioria das participantes tenha percebido mudanças positivas na vida dos pacientes.

Os familiares qualificaram o cuidado recebido pelo serviço como sendo de ordem terapêutica e pedagógica. A função terapêutica atribuída ao CAPSad foi representada pelo acolhimento proporcionado pela equipe de profissionais, com a disponibilização de escuta de suas demandas e, sobretudo, pelo serviço viabilizar um espaço de trocas, no qual os familiares possam interagir uns com os outros, intercambiando experiências e propostas de solução. A função pedagógica do cuidado compreendeu a oferta de orientações gerais para as famílias lidarem com os pacientes, contribuindo para o estabelecimento de um ambiente familiar integrador e menos cindido, a exemplo do que ocorre em outros países, cujas políticas públicas de saúde mental enfatizam a necessidade de envolver os familiares no planejamento do tratamento, a fim de ajuda-los a lidar com as dificuldades práticas e psicológicas relacionadas a seu papel de cuidadores (Giacco et al., 2012Giacco, D., Fiorillo, A., Vecchio, V., Kallert, T., Onchev, G., Raboch, J. et al. (2012). Caregivers’ appraisals of patients’ involuntary hospital treatment: european multicentre study. The British Journal of Psychiatry, 201, 486-491. Recuperado de https://www.cambridge.org/core/services/aop-cambridge-core/content/view/1CFC54A150575DA5CFA263236C23BA79/S0007125000237100a.pdf/caregivers_appraisals_of_patients_involuntary_hospital_treatment_european_multicentre_study.pdf
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).

Essas funções pedagógicas e terapêuticas derivadas dos atendimentos do serviço de saúde contribuem para a promoção da autonomia (fator Paidéia) do grupo familiar, ampliando sua capacidade de análise e de intervenção. O fator Paidéia caracteriza-se como vetor para aumentar a capacidade de análise e de intervenção das pessoas e dos coletivos organizados, ou seja, tem a finalidade de que as pessoas e os coletivos organizados aprimorem o conhecimento que detêm sobre seus próprios problemas e passem a agir efetivamente sobre eles na busca de soluções (Campos, 2005aCampos, G. W. S. (2005a). Saúde Paidéia (2a ed.). São Paulo: HUCITEC., 2005b).

Nesse sentido, as reuniões dos grupos de familiares realizadas no CAPSad são características daquilo que Campos (2005aCampos, G. W. S. (2005a). Saúde Paidéia (2a ed.). São Paulo: HUCITEC., 2005b) designou como Roda, ou seja, espaços coletivos próprios para o exercício da reflexão crítica e da produção de subjetividades, constituindo-se como espaços de participação democrática. Conforme o autor, o termo Roda foi inspirado nas rodas realizadas pelos pedagogos construtivistas, nas rodas de samba, nas rodas do candomblé e nas rodas de ciranda. A Roda, portando, é entendida como um espaço democrático para o exercício da cogestão de pessoas e de coletivos organizados.

Estudo de revisão sistemática evidenciou que a participação dos familiares e usuários de serviços pode levar diretamente ao fortalecimento do sistema de saúde mental. O estudo constatou que o envolvimento de usuários e familiares estava ligado ao desenvolvimento de políticas e estratégias, incluindo o trabalho de defesa de direitos e o desenvolvimento, monitoramento e avaliação de serviços, com maior implicação na defesa e prestação dos serviços (Semrau et al., 2016Semrau, M., Lempp, H., Keynejad, R., Evans-Lacko, S., Mugisha, J., Raja, S. et al. (2016). Service user and caregiver involvement in mental health system strengthening in low-and middle-income countries: systematic review. BMC Health Services Research, 16(79). Recuperado de https://doi.org/10.1186/s12913-016-1323-8
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).

Esse trabalho realizado no CAPSad com os familiares em espaços coletivos orientados para a promoção do desenvolvimento integral das pessoas, por meio do empoderamento, da ampliação da autonomia e, consequentemente, da capacidade de análise e de intervenção das pessoas e dos coletivos sobre a própria realidade depende não só da participação dos familiares, mas, principalmente, da atuação da equipe de profissionais, que deve conduzir seu trabalho para a produção de obra, no sentido Paidéia do termo. O método Paidéia se vale da noção de obra como possibilidade de sintetizar a realização pessoal dos trabalhadores. A obra, nas palavras de seu autor, “funciona como uma ponte” entre os desejos e interesses dos trabalhadores e o processo de produção, representando tanto “o resultado do trabalho, quanto a própria invenção de jeitos particulares para organizar o processo de trabalho. Gozar com o resultado e com o processo. Realizar-se durante o caminho e quando da chegada.” (Campos, 2005bCampos, G. W. S. (2005b). Um método para análise e cogestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda (2a ed.). São Paulo: HUCITEC . , p. 135).

A noção de obra, portanto, depende da ampliação da compreensão de resultados do trabalho. Os resultados do trabalho não se restringiriam ao resultado final (o produto ou serviço), mas abrangeriam também os efeitos gerados no curso do processo de trabalho, desde a concepção do projeto até a execução, de modo que os trabalhadores tenham a oportunidade de participar do processo de construção das diretrizes, dos objetivos, do objeto e dos métodos de trabalho, possibilitando, então, a realização de obras coletivas (Campos, 2005bCampos, G. W. S. (2005b). Um método para análise e cogestão de coletivos: a constituição do sujeito, a produção de valor de uso e a democracia em instituições: o método da roda (2a ed.). São Paulo: HUCITEC . ).

Campos (2005aCampos, G. W. S. (2005a). Saúde Paidéia (2a ed.). São Paulo: HUCITEC.) enfatiza que o desenvolvimento das instituições, no sentido da implantação de gestão democrática, está condicionado, além de uma transformação de caráter intelectual e moral nas pessoas envolvidas, à necessidade de embasamento legal para assegurar sua implantação e manutenção. É essa manutenção referida pelo autor que atualmente observamos comprometida pelas recentes mudanças legais na área da saúde mental, mormente em face das alterações na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. As mudanças, entre outras, estão afetas à inclusão dos hospitais psiquiátricos e dos ambulatórios de saúde mental na Rede de Atenção Psicossocial; a legitimação das comunidades terapêuticas como estratégicas no tratamento de usuários de substâncias; a primazia da abstinência em relação às estratégias de redução de danos; além da desconsideração dos serviços de atenção psicossocial como substitutivos aos serviços de natureza manicomial (Ministério da Saúde, 2019Ministério da Saúde. (2019). Nota Técnica n. 11/2019: Esclarecimentos sobre as mudanças na Política Nacional de Saúde Mental e nas Diretrizes da Política Nacional sobre Drogas. Brasília, DF: Autor. Recuperado de http://pbpd.org.br/wp-content/uploads/2019/02/0656ad6e.pdf
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).

A análise dessas recentes modificações nas políticas de saúde mental fortalece a lógica de mercado e implicam na reversão de direitos conquistados no contexto do processo da Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), construído ao longo de décadas, privilegiando, portanto, a psiquiatria, em detrimento dos outros campos do conhecimento, da clínica ampliada e do trabalho em equipe (Guimarães & Rosa, 2019Guimarães, T. A. & Rosa, L. C. S. (2019) A remanicomialização do cuidado em saúde mental no Brasil no período de 2010-2019: análise de uma conjuntura antirreformista. O Social em Questão, 22(44), 111-138. Recuperado de http://osocialemquestao.ser.puc-rio.br/media/OSQ_44_art5.pdf
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).

Com efeito, em face desse contexto político-institucional, as atitudes dos profissionais da saúde devem ser norteadas no sentido de habilitar as pessoas a intervirem em sua realidade, participando ativamente dos processos de transformação. Como preconizado por Sílvia Lane, a atuação dos profissionais deve ser orientada pelo exercício da contextualização dos fenômenos no seu momento sócio-histórico, colocando as pessoas como sujeitos ativos de transformação da realidade social (Bock, Ferreira, Gonçalves, & Furtado, 2007Bock, A. M. B., Ferreira, M. R., Gonçalves, M. G. M., & Furtado, O. (2007). Sílvia Lane e o projeto do “compromisso social da psicologia”. Psicologia & Sociedade, 19(2), 46-56. Recuperado de https://www.redalyc.org/pdf/3093/309326391017.pdf
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).

O movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira caracterizou-se pela forte tradição de participação dos usuários e familiares nos movimentos sociais de defesa de direitos e de reivindicação de controle social na implementação de políticas públicas, constituindo-se em um importante movimento cultural e de produção de autonomia (Presotto, Silveira, Delgado, & Vasconcelos 2013Presotto, R. F., Silveira, M., Delgado, P. G. G., & Vasconcelos, E. M. (2013). Experiências brasileiras sobre participação de usuários e familiares na pesquisa em saúde mental.Ciência & Saúde Coletiva ,18(10), 2837-2845. Recuperado de https://dx.doi.org/10.1590/S1413-81232013001000008
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).

Nesse sentido, os serviços de atenção psicossocial se destacam como modelos de organizados em estratégias de atendimento baseado na singularidade de maneira contextualizada, visando a promoção da cidadania e construção da autonomia dos usuários e familiares (Guanaes-Lorenzi, Motta, Borges, Zurba, & Vecchia, 2015Guanaes-Lorenzi, C., Motta, C. C. L., Borges, L. M., Zurba, M. C. & Vecchia, M. D. (Orgs.). (2015). Psicologia Social e Saúde: da dimensão cultural à político‐institucional. Coleção Práticas sociais, Políticas Públicas e Direitos Humanos (Vol. 2). Florianópolis: ABRAPSO. Recuperado de http://150.162.242.35/bitstream/handle/123456789/132274/Psicologia%20social%20e%20Sa%C3%BAde%20pdfA.pdf?sequence=1&isAllowed=y
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).

Considerações finais

A avaliação da satisfação e da percepção de mudança dos familiares apresentou consenso em relação à satisfação - considerada positiva, e dissenso em face da percepção de mudanças observadas na vida dos pacientes.

O grupo de familiares compartilhou o entendimento de que está satisfeito com o CAPSad, particularmente em virtude de o serviço proporcionar aos familiares um espaço de escuta e, ao mesmo tempo, oferecer-lhes orientações gerais para compreender e lidar com os pacientes. Já com relação à percepção de mudança, o grupo não estabeleceu um consenso. Os familiares que perceberam mudanças positivas na vida dos pacientes em função do tratamento no CAPSad mencionaram a ocorrência de mudanças de natureza comportamental, sobretudo relacionadas ao consumo de substâncias psicoativas. O familiar que não percebeu mudanças na vida do paciente o encaminhou para outra modalidade de tratamento, qual seja, internação involuntária do paciente.

O dissenso apontado pelo grupo de familiares acerca da percepção de mudanças pode representar um dos desafios do serviço. Não obstante, também pode evidenciar a abertura do serviço à diversidade de opiniões da comunidade e, ao mesmo tempo, reafirmar o seu papel na assistência em saúde mental em álcool e outras drogas.

O estabelecimento da Roda e a realização de Obras fortalecem a participação dos familiares e usuários dos serviços de atenção psicossocial nos movimentos de reivindicação e defesa de direitos, pois revelam a complexidade do campo da saúde, evidenciando seus aspectos clínicos, políticos, sociais, históricos e culturais envolvidos, o que demanda dos profissionais uma atitude orientada pelo exercício da contextualização sócio-histórica dos fenômenos, contribuindo para que as pessoas sejam sujeitos ativos de transformação da realidade social.

Em relação às limitações do estudo, verificou-se o número reduzido de participantes que colaboraram com a pesquisa. Todavia, essa limitação pôde ser mitigada pela articulação das diversas técnicas de coleta de dados empregadas no estudo (entrevistas individuais com CHD, entrevistas grupais e observação participante), obtendo-se interlocuções individuais que puderam ser entendidas como revelações do grupo.

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  • Financiamento: Não se aplica
  • Consentimento de uso de imagem: Fonte de acesso aberto

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2019
  • Data do Fascículo
    2019

Histórico

  • Recebido
    02 Out 2018
  • Revisado
    27 Maio 2019
  • Revisado
    11 Ago 2019
  • Aceito
    25 Set 2019
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