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COENGENDRAMENTO ENTRE COGNIÇÃO E EMOÇÃO EM UM JOGO MÓVEL LOCATIVO

COENGENDRAMIENTO ENTRE COGNICIÓN Y EMOCIÓN EN UN JUEGO MÓVIL LOCATIVO

CO-BREEDING BETWEEN COGNITION AND EMOTION IN A LOCATION-BASED GAME

Resumo

O estudo aborda processos cognitivos e emocionais em espaços híbridos físicos-digitais. Descreve como a experiência emocional, os processos cognitivos e o acoplamento à tecnologia exercem uma função importante para a produção de narrativas relativas às práticas de jogo. Como base empírica, realizaram-se oficinas nas quais os participantes exploraram um jogo digital baseado em localização. Como indicadores de análise, observou-se a emergência de dois níveis de produção de sentido nas narrativas: um relacionado às descrições da programação e outro relacionado à performance do jogador - sua forma de estar presente e de agir no contexto. Argumenta-se que as performances de jogo constituem narrativas que nos permitem observar formas singulares de experimentação do espaço. Tais formas são tributárias do emocionar e do tensionamento, reconfiguração e manutenção do acoplamento estrutural que um sujeito-jogador estabelece com seu mundo-contexto de jogo.

Palavras-chave:
Jogomóvel locativo; Cognição; Experiência de jogo; Emoção; Autopoiese

Resumen

El estudio aborda procesos cognitivos y emocionales en espacios híbridos físicos y digitales. Describe cómo la experiencia emocional, los procesos cognitivos y el acoplamiento a la tecnología desempeñan una función importante para la producción de narrativas relativas a las prácticas de juego. Como base empírica, se realizaron talleres en los que los participantes exploraron un juego digital basado en localización. Como indicadores de análisis, se observó la emergencia de dos niveles de producción de sentido en las narrativas: uno relacionado a las descripciones de la programación y otro relacionado a la performance del jugador -su forma de estar presente y de actuar en el contexto. Se argumenta que las actuaciones de juego constituyen narrativas que nos permiten observar formas singulares de experimentación del espacio. Tales formas son tributarias del emocionar y del tensado, reconfiguración y mantenimiento del acoplamiento estructural que un sujeto-jugador establece con su mundo-contexto de juego.

Palabras clave:
Juego locativo; Cognición; Experiencia de juego; Emoción; Autopoiese

Abstract

This study addresses cognitive and emotional processes in hybrid physical-digital spaces. It describes how emotional experience, cognitive processes, and coupling with technology play an important role in the production of narratives relating to gaming practices. As an empirical basis, workshops were held in which participants explored a digital game based on location. As indicators of analysis we observed the emergence of two levels of meaning production in the narratives: one related to the descriptions of the programming and another related to the performance of the player - his/her way of being present and of acting in said context. It is argued that game performances constitute narratives that allow us to observe singular forms of experimentation in space. Such forms are dependent to emotion and tension, reconfiguration and maintenance of the structural coupling that a subject-player establishes with his/her game world-context.

Keywords:
Location-based game; Cognition; Game experience; Emotion; Autopoiesis

Introdução

A popularização da internet e da comunicação por meio de aparelhos portáteis foi acompanhada por questionamentos em relação a seus efeitos para os usuários (Lemos, 2008Lemos, A. (2008). Mídias locativas e territórios informacionais. In L. Santaella & P. Arantes (Eds.),Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir(pp. 207-230). São Paulo: Educ.; Lévy, 1998Lévy, P. (1998). As tecnologias da inteligência. São Paulo: Editora 34.; Santaella, 2008Santaella, L. (2008). A ecologia pluralista das mídias locativas. Revista Famecos, 37, 20-24.; Souza e Silva, 2006Souza e Silva, A. (2006). Do ciber ao híbrido: Tecnologias móveis como interfaces de espaços híbridos. In D. Araujo (Ed.),Imagem (IR) Realidade (pp. 21-51). Porto Alegre: Sulina .; Turkle, 2005Turkle, S. (2005).The second self: Computers and the human spirit. London: Mit Press. ). Durante as décadas de 1980 e 1990, uma preocupação recorrente com o uso das tecnologias digitais se referia à hipótese de que seu advento culminasse em um distanciamento do mundo físico. O receio em relação à dissolução das materialidades (Santaella, 2008) demarcava uma compreensão do físico e do digital como entidades separadas e essencialmente distintas. Tal abordagem culminou, por exemplo, no uso do termo “realidade virtual” como antônimo de “vida real”, como se existissem vidas distintas, uma dentro da tela - a artificial - e outra fora dela - a real (Souza e Silva, 2006; Turkle, 2005Turkle, S. (2005).The second self: Computers and the human spirit. London: Mit Press. , 2011Turkle, S. (2011).Life in the Screen: Identity in the Internet. New York: Simon.).

Posteriormente, com a propagação da tecnologia móvel - smartphones, tablets, notebooks -, observamos controvérsias sobre as formas de compreender a conexão entre o físico e o digital (Lemos, 2008Lemos, A. (2008). Mídias locativas e territórios informacionais. In L. Santaella & P. Arantes (Eds.),Estéticas tecnológicas: novos modos de sentir(pp. 207-230). São Paulo: Educ.; Santaella, 2008Santaella, L. (2008). A ecologia pluralista das mídias locativas. Revista Famecos, 37, 20-24.; Souza e Silva, 2006Souza e Silva, A. (2006). Do ciber ao híbrido: Tecnologias móveis como interfaces de espaços híbridos. In D. Araujo (Ed.),Imagem (IR) Realidade (pp. 21-51). Porto Alegre: Sulina .; Turkle, 2005Turkle, S. (2005).The second self: Computers and the human spirit. London: Mit Press. , 2011). O acesso ao conteúdo digital deixou de estar limitado a uma disposição espaço-temporal específica.

A sensação de estar “conectado todo o tempo” provocou debates sobre a percepção dos usuários em relação ao espaço vivido e a sua forma de explicá-lo. Para Santaella (2007Santaella, L. (2007). Linguagens Líquidas na Era da Mobilidade. São Paulo: Paulus.), as mídias móveis produzem a experiência de um espaço intersticial no qual diferentes fluxos de informação se efetivam. De forma semelhante, Lemos (2008Lemos, A. (2010). Jogos Móveis Locativos: Cibercultura, espaço urbano e mídia locativa. Revista USP, 86, 54-65.) define tais espaços como “territórios informacionais”, destacando as múltiplas camadas de conexão entre o físico e o digital, que se constituem a partir dos fluxos de informação digital em interface com uma área física. Para o autor, os territórios informacionais ligam fluxos culturais, políticos, subjetivos, corporais e geográficos e, assim, se diferenciam de um espaço de sentido abstrato para configurar um sistema específico de relações locais. Apesar dos autores citados articularem os espaços físico e digital, as abordagens baseadas em fluxos de informação tendem a dicotomizar esses dois termos: há o espaço urbano, há o ciberespaço e há outro espaço, o híbrido, que resulta de uma sobreposição dos dois anteriores. A forma desse espaço híbrido depende, assim, da configuração a priori dos dois termos com suas características próprias.

Em contraste com essa posição, postulamos que a separação ontológica dos termos - físico e digital - não é interessante ao presente estudo. Quando utilizamos tecnologias móveis, nos inserimos em redes sociotécnicas que redefinem os próprios termos que as compõem. A produção de sentidos dos espaços vividos não se efetua por meio de um aglutinamento de experiências de diferentes ordens (física, digital, cognitiva, emocional), e sim mediante a modulação do acoplamento tecnológico. Tal acoplamento compreende uma constitutividade mútua entre indivíduos e tecnologia (Maurente, Maraschin, & Biazus, 2009Maurente, V. S., Maraschin, C., & Biazus, M. C. V. (2009). Modulações de acoplamento tecnológico como estratégia de pesquisa e intervenção. Educação & Realidade,34(1), 103-121.), um processo de coprodução no qual cada elemento da rede de relações sociotécnicas se reconfigura conforme se modifica o modo de participação na rede. É a partir do acoplamento estabelecido que novos sentidos emergem, e que se configura a posição que o observador assume nessa rede de relações.

Acreditamos que esse é um aspecto importante a ser considerado quando objetiva-se a utilização das tecnologias móveis em processos de aprendizagem. Estudos recentes apontam que práticas escolares com o apoio de dispositivos móveis podem proporcionar experiências colaborativas de aprendizagem e uma participação mais ativa do aluno (Lucena, 2016Lucena, S. (2016). Culturas digitais e tecnologias móveis na educação. Educar em Revista, 59, 277-290.; Nascimento & Castro, 2016Nascimento, K. A. S. & de Castro, J. A. (2016). Uma revisão sistemática da literatura sobre aprendizagem móvel no Ensino Fundamental. Revista Eletrônica Pesquiseduca, 8(15), 121-136.). Dispositivos como um smartphone ou um tablet possibilitam a comunicação e o compartilhamento de informações de maneira síncrona ou assíncrona e são bastante utilizados tanto por alunos quanto por professores. Além disso, há um aspecto motivacional, já que a maioria dos estudantes vê como positivo o uso dos dispositivos móveis na aprendizagem em sala de aula (Moura, 2016Moura, A. (2016). Aprendizagem móvel e ferramentas digitais para inovar em sala de aula. In K. P. Souza, R. A. Ribeiro, C. T. Santiago, & R. F. Amorim (Orgs.), Jornadas Virtuais: Vivências práticas das tecnologias educativas(pp. 75-94). Fortaleza: IBICT;SEDUC.).

A análise dos processos cognitivos e emocionais que ocorrem com o uso das tecnologias da informação e comunicação (TICs) é um aspecto importante para compreendermos como são produzidas interligações entre pessoas e tecnologias. Segundo Lucena (2016Lucena, S. (2016). Culturas digitais e tecnologias móveis na educação. Educar em Revista, 59, 277-290.), a forma como as pessoas interagem com a tecnologia modula a maneira como elas estruturam seu pensamento. Refletir a respeito de como as pessoas percebem e descrevem os dispositivos móveis como ferramentas de aprendizagem nos dá pistas sobre como o contexto influencia o modo pessoal de utilização desses dispositivos, como as pessoas se sentem em relação à tecnologia e às possibilidades e limitações que elas apresentam ao alterarem o local de aprendizagem e as ações mediadoras do processo de aprender (Moura, 2016Moura, A. (2016). Aprendizagem móvel e ferramentas digitais para inovar em sala de aula. In K. P. Souza, R. A. Ribeiro, C. T. Santiago, & R. F. Amorim (Orgs.), Jornadas Virtuais: Vivências práticas das tecnologias educativas(pp. 75-94). Fortaleza: IBICT;SEDUC.).

Como uma modalidade de aplicativo que pode ser utilizado nesses dispositivos, os jogos digitais baseados em localização têm como característica comum a necessidade da mobilidade para o acesso a determinadas operações do software. Esse tipo de jogo pode, portanto, proporcionar o estudo da experiência de articulação físico-digital, bem como fornecer subsídios para discutir as transformações nos sentidos atribuídos aos espaços e à tecnologia e como esses podem possibilitar processos de aprendizagem a partir do coengendramento afetivo-cognitivo.

Dessa forma, no presente artigo, interessa-nos acompanhar experiências de articulação físico-digital com um jogo locativo, uma vez que podem criar situações inusitadas em relação aos modos habituais por meio dos quais os participantes costumam narrar seu espaço vivido em um contexto não formal de aprendizagem. Tal deslocamento pode colocar à mostra o coengendramento entre emoção e cognição para fazer frente ao inusitado da situação. A fim de compreender a relação entre a experiência planejada no gamedesign do jogo locativo e os percursos autorais alternativos produzidos pelos jogadores, propomos uma articulação teórica entre a produção de narrativas na cultura gamer, o emocionar e a imersão nos jogos. A seguir, analisamos a composição entre as narrativas presente no campo empírico da pesquisa e discutimos algumas possíveis reverberações em relação a experiências de aprendizagem proporcionadas pelo uso dos dispositivos móveis no contexto de utilização de um jogo digital de localização.

Produção de narrativas nos jogos digitais

Um jogo digital se constitui em um processo de coautoria entre os elementos do gamedesign - regras, objetivos, cenários, personagens - e das ações e emoções de cada jogador ao interagir com esse design. A narrativa de um jogo que vai se desenrolando a partir da relação entre o gamedesign e as ações do jogador pode ser descrita como uma narrativa de experiência ou de performance relacionada à narrativa prévia proposta pelo gamedesign, sem o compromisso, contudo, de segui-la completamente.Assim, as narrativas nos videogames são categorizadas de duas formas. A primeira foca o design do jogo, as propostas de ações que devem ser realizadas pelo jogador para que possa avançar; a segunda foca as narrativas alternativas, nas quais as ações efetivas realizadas pelo jogador desencadeiam aberturas ao próprio design. A primeira é descrita por Salen e Zimmerman (2004Salen, K. & Zimmerman, E. (2004). Rules of play: Game design fundamentals. London: MIT Press.) como narrativa fixa, sendo essa projetada pelos desenvolvedores do jogo, possuindo enredo e roteiro predefinidos. É considerada fixa pois apresenta elementos que independem da ação do jogador, embora não se desenvolva sem ela.

Os modos como uma narrativa fixa é programada são variados. O jogo Diablo II (Blizzard North, 2000Blizzard North. (2000). Diablo II. San Mateo: California.), por exemplo, apresenta uma narrativa bastante complexa. Ela se divide entre animações cinemáticas - durante as quais o jogador permanece como expectador - e situações interativas do jogo: diálogos com personagens, leitura de textos encontrados pelo jogador ou a própria análise e exploração do cenário que fornece dicas sobre a história. Não bastassem algumas interações não lineares - como ler o diário de um mago morto e enlouquecido enquanto se interage com seu espírito, tendo que articular essa situação com a história principal -, as próprias animações cinemáticas são um enigma: elas trazem o relato tanto de um personagem secundário como o de um anjo que veio cobrar dele seu juízo final. O jogador e o personagem que fala com o anjo têm em comum a passagem pelos mesmos eventos ou lugares. Esse personagem descreve sua jornada se referindo ao passado, porém o jogador vive a experiência em tempo real, ou seja, a história se desenrola de maneira não linear, e o jogador ouve as repercussões de sua jornada antes mesmo de cruzá-la. Além disso, a história é abalada com a revelação de que esse anjo é na verdade um demônio disfarçado, que distorce os fatos e termina por desfazer todas as vitórias do jogador ao final, revertendo sua jornada em um prelúdio de novos desafios que virão.

A narrativa de Diablo II é extremamente complexa e extensa, principalmente em comparação a outros jogos como Super Castlevania IV (Konami, 1991Konami Holdings Corporation. (1991). Super Castlevania IV. Tóquio.) ou Counter-Strike (Valve, 1999Valve Corporation. (1999).Counter-Strike. Washington.). Em Castlevania, nenhuma informação introdutória, que explique o enredo do jogo, é apresentada ao jogador. O avatar inicia o jogo em um castelo, e o jogador logo percebe que precisa lutar contra os oponentes para seguir sua trajetória. Durante o desenvolvimento do jogo, a narrativa não é construída por meio de animações cinemáticas ou de falas de personagens, mas o projeto gráfico e a trilha sonora do jogo são alterados sucessivamente, proporcionando, por exemplo, um clima sombrio em momentos nos quais o jogador deve ser mais atento e planejar cuidadosamente suas ações. Por outro lado, o Counter-Strike, um jogo de tiro em primeira pessoa, apresenta apenas uma cinemática inicial na qual dois grupos de personagens - terroristas e contraterroristas - trocam tiros. A seguir, o jogador inicia sua participação em uma das equipes, que devem combater até a vitória. O jogo apresenta poucos objetivos: plantar ou desarmar bombas, sequestrar ou salvar reféns, eliminar os oponentes e não ser eliminado; mas há inúmeras possibilidades e combinações de ações que os jogadores podem realizar.

A presença de uma narrativa fixa projetada pelo gamedesign constitui uma metáfora orientadora para a performance do jogador. Em um jogo digital de localização, por exemplo, tal metáfora é responsável por estimular e orientar como o jogador poderá interagir com elementos do espaço físico (mudanças de terreno, placas, outros jogadores ou transeuntes), ao mesmo tempo em que ele explora o conteúdo digital do jogo.

O design de um jogo digital propõe um domínio de ação no qual a performance do jogador adquire sentido ao se relacionar à metáfora orientadora que une a narrativa fixa à jogabilidade (regras e objetivos do jogo). A coordenação entre as ações do jogador e a narrativa fixa se constitui a partir de uma dinâmica de perturbações mútuas, em que o resultado de cada interação - ou seja, os rumos da partida de jogo - será definido sempre pelo estado atual em relação à multiplicidade de possíveis alternativas. As tonalidades emocionais associadas às coordenações de ações, no momento presente, têm importância, pois o acoplamento configura “uma mobilização ontológica, ou seja, uma expectativa para o modo no qual o mundo irá mostrar-se” (Varela, 2002Varela, F. (2002). Present-time consciousness. In F. Varela & J. Shear (Eds.),The view from within: First-person approaches to the study of consciousness(pp. 111-140). Ohio: Imprint Academic., p. 132). O transcurso do jogo se efetua mediante o coengendramento existente entre as emoções e os processos cognitivos que as acompanham. Por isso, a experiência de jogo é efeito da circularidade existente entre emoção e cognição.

Considerando a articulação entre narrativa fixa e ação do jogador, podemos dar ênfase à performance do jogador. Na área dos Games Studies ela é descrita, geralmente, como narrativa emergente ou ludonarrativa (Bissel, 2011Bissell, T. (2011).Extra lives: Why video games matter. New York: Vintage.; Salen & Zimmerman, 2004Salen, K. & Zimmerman, E. (2004). Rules of play: Game design fundamentals. London: MIT Press.) e possui como característica principal a singularidade derivada da experiência particular do jogador com o gamedesign. Enquanto o conjunto de objetivos e regras do jogo estabelece as capacidades de ação do jogador, a narrativa emergente da performance corresponde à descrição das ações efetivadas pelo jogador momento a momento. Cada vez que um jogo é jogado se cria uma experiência diferente, a partir do mesmo espaço de possibilidades. Por isso, Squire (2006Squire, K. (2006). From content to context: Videogames as designed experience. Educational researcher, 35(8), 19-29.) propõe que os videogames não sejam entendidos como códigos estáticos que devem ser lidos ou interpretados, como se existisse uma “essência do jogo”, um único (e correto) modo como ele deve ser jogado. Os videogames, segundo o autor, oferecem uma experiência projetada na qual o importante é compreender os modos de habitar esses espaços, as ações possíveis e as consequências de cada ação. Dessa forma, o gamedesign - composto pelas regras, objetivos e ações possíveis - corresponde às condições de possibilidade para a performance do jogador. A narrativa fixa se propõe a contar a jornada dos personagens no contexto de jogo. A narrativa da performance é a história das ações sucessivas realizadas pelo jogador.

Como tanto a narrativa fixa quanto a narrativa emergente da performance consistem em formas diferentes de observadores descreverem a experiência com um jogo, elas podem ser descritas de forma independente uma da outra. Quando um jogador vê o trailer de um jogo no YouTube, por exemplo, ele tem uma experiência com a narrativa fixa proposta pelo gamedesign, sem estar jogando e produzindo uma narrativa de performance. Por outro lado, também pode acontecer de a narrativa fixa - predefinida no design do jogo - e a narrativa emergente - referente à performance do jogador - estarem conectadas uma à outra em um jogo digital.

O jogo Super Mario Bros (Nintendo, 1985Nintendo Company.(1985). Super Mario Bros. Quioto, Japão.) possui uma narrativa linear fixa que corresponde à história de um personagem que busca libertar a princesa Peach do vilão Bowser, o rei dos Koopas, que a mantém em cativeiro em um castelo. Paralelamente a essa narrativa fixa, são produzidas inúmeras narrativas emergentes que se referem à experiência de jogo de cada jogador e que envolvem diferentes aspectos, como as vidas perdidas para passar de uma fase, o número de moedas que coletou, o momento em que se associou a outro personagem (Yoshi), as ações que realizou com ele e o momento em que o perdeu e as situações em que ficou com medo ou entusiasmado1 1 Situações possíveis de serem performadas pelos jogadores em Super Mario Bros. .

Imersão nos jogos digitais

Na cultura gamer é bastante comum que um jogo seja valorizado por sua capacidade de proporcionar uma experiência imersiva. Ao considerarmos o processo de engajamento de um jogador com um jogo digital, é importante voltarmos a atenção para os aspectos emocionais, pois, nos jogos digitais, a experiência emocional é tradicionalmente associada à imersão em um contexto ficcional por meio de uma narrativa, que depende da ação do jogador para se desenvolver.

No campo de estudos da cognição, o biólogo chileno Humberto Maturana (1999Maturana, H. (1999).A ontologia da realidade. 1ª Reimpressão. Belo Horizonte: Editora UFMG.) diferencia o “emocionar” das “emoções”. A experiência emocional, para o autor, compreende tanto a mudança de um estado ou domínio de ação a outro (emocionar) quanto a definição de um estado atual (emoção), e ambas são descrições realizadas por observadores na linguagem, com base em dinâmicas corporais específicas que diferenciam os domínios de ação. Assim, enquanto as emoções pressupõem um processo de maior estabilidade, o emocionar é um fluxo para a emergência, momento a momento, de um conjunto de ações.

A sequência de graduações afetivas da experiência presente constitui passagens sucessivas no tempo, que podem ser descritas como microtemporalidades e que, quando integradas, formam a base para a constituição de narrativas dessa experiência (Varela & Depraz, 2005Varela, F. & Depraz, N. (2005). At the source of time: valence and constitutional dynamics of affect. Journal of Consciousness Studies, 12(8-10), 61-81.). Como exemplo, relatamos uma situação descrita por Francisco Varela (2003):

Imagine-se andando pela rua, talvez indo ao encontro de alguém. O dia está acabando e não há nada muito especial em sua mente. Você se sente relaxado, naquele estado que podemos chamar de “prontidão” do pedestre que está simplesmente dando uma caminhada. Você põe a mão no bolso e de repente descobre que sua carteira não está lá como de costume. Colapso: você para, seu aparelho mental obscurece, sua tonalidade emocional muda. Antes que você se dê conta, surge um novo mundo: você percebe claramente que deixou sua carteira na loja onde acabou de comprar cigarros. Sua disposição agora muda para uma preocupação acerca de perder documentos e dinheiro, sua prontidão-para-ação é agora a de voltar rapidamente para a loja. Você presta pouca atenção para as árvores e os transeuntes à sua volta; toda a sua atenção concentra-se em evitar maiores atrasos. (Varela, 2003, p. 76Varela, F. (2003). O reencantamento do concreto. Cadernos de Subjetividade, 1(1), 71-86.)

Conforme podemos observar no exemplo descrito por Varela, a mudança da dinâmica emocional do sujeito modifica suas possibilidades de ação. Como vimos anteriormente, no contexto dos jogos digitais, a imersão no contexto ficcional é possibilitada pelo acoplamento tecnológico e pela sensação de congruência com a experiência projetada. As narrativas de performance, por sua vez, possibilitam observar que o emocionar cria diferentes domínios de ação, possibilitando escolhas, estratégias de jogo e motivações dos jogadores. A experiência imersiva em um jogo se produz no momento em que o emocionar de um jogador predispõe que ele opere - tomando decisões e efetuando ações - em congruência com o domínio operacional do jogo. Ou seja, quando de alguma maneira a narrativa de performance é compatível com a narrativa fixa.

Entretanto, nem sempre tal congruência acontece, e as inter-relações entre as narrativas são pistas para pensarmos os sentidos envolvidos nas práticas de jogo. Ao abordá-las, podemos observar a emergência de diferentes emoções, coordenações de ações e, consequentemente, de sentidos distintos. Maturana e Varela (2001Maturana, H. R. & Varela, F. J. (2001).A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. São Paulo: Palas Athena.) propõem pensar a relação entre emoção e cognição tomando-as como produções conjuntas. Da mesma forma, os autores postulam um coengendramento entre o sujeito e seu mundo, não podendo esses serem considerados de forma independente. O si e o mundo se configuram recursivamente, produtos e produtores da experiência do viver. O fluxo emocional compartilha a recursividade do movimento próprio da vida, na medida que as emoções são consideradas como disposições para a ação. São elas que especificam as variações de ações possíveis, ao mesmo tempo em que também são efeitos do histórico de variações. Em outras palavras, as emoções compõem um campo de possibilidades da experiência que é recursivo, pois produzem e são moduladas pela forma de agir no mundo a cada instante, tal como demonstra o exemplo citado por Varela (2003).

Oficinas como estratégia de pesquisa-intervenção

O corpus de análise para o estudo advém de uma pesquisa-intervenção com a proposição de oficinas para jogar o jogo “Um Dia no Jardim Botânico”. Optamos pela oficina como estratégia metodológica por ela permitir acompanhar a processualidade que se desdobra a partir de uma determinada configuração de elementos que atuam simultaneamente (Araldi, Piccoli, Diehl, & Tschiedel, 2012Araldi, E., Piccoli, L., Diehl, R., & Tschiedel, R. O. (2012). TIC e saúde mental: um roteiro comentado. In A. Palombini, C. Maraschin, & S. Mochen (Orgs.),Tecnologias em rede: oficinas de fazer saúde mental(pp. 43-58). Porto Alegre: Sulina.). Interessa não apenas o ponto de chegada - o resultado obtido nas partidas de jogo -, mas principalmente acompanhar os desdobramentos da própria ação de jogar.

As oficinas aconteciam duas vezes por semana no período da tarde, com a participação de dez jogadores. Os encontros foram organizados em três momentos. Primeiro, os participantes eram recebidos pela equipe de pesquisa, e cada dupla de jogadores recebia um tablet. A seguir, as duplas começavam a jogar percorrendo o espaço geográfico e interagindo com os elementos do ambiente, as pessoas e os conteúdos digitais conforme suas estratégias de jogo; dois pesquisadores, nomeados como oficineiros, acompanhavam cada dupla, buscando entender suas ações, a modulação emocional e o raciocínio de suas escolhas durante a partida de jogo, além de serem responsáveis por resolver qualquer problema na utilização da tecnologia. Por fim,os jogadores e os oficineiros se reuniam em uma grande roda de conversa, todos juntos, para falarem sobre suas experiências de jogo. Nesse momento, os estudantes também eram convidados a avaliar o jogo e a fazer sugestões de modificação. Os professores dos jogadores também estavam presentes nas oficinas. Eles levavam os estudantes ao Jardim Botânico - local onde se realizaram os encontros -, acompanhavam o processo de jogo de uma dupla junto com os oficineiros e também participavam da roda de conversa.

Ao todo, participaram da pesquisa 33 estudantes (18 meninas e 15 meninos) que tinham entre 11 e 15 anos e frequentavam o 4° ou o 5° ano do ensino fundamental de uma escola pública municipal. Os pesquisadores apresentaram o projeto de realização das oficinas à equipe diretiva da escola e aos professores. Foi realizada uma oficina com um grupo de professores voluntários (Kroeff & Maraschin, 2018Kroeff, R. & Maraschin, C. (2018). Jogos Digitais: Dispositivos Para Pensar Práticas Escolares. Revista de Psicologia da IMED, 10(1), 56-72. doi:https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018.v10i1.2515
https://doi.org/10.18256/2175-5027.2018....
); posteriormente, os professores e a equipe pedagógica da escola definiram as turmas que seriam convidadas a participar das oficinas. A escolha considerou a solicitação da equipe de pesquisa de que os participantes fossem adolescentes, uma vez que o jogo digital de localização foi desenvolvido para este público. Os registros das oficinas foram feitos pela escrita de diários de campo e filmagens. Todos os adultos responsáveis pelos participantes assinaram um Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.

A escolha do Jardim Botânico como local para a realização das oficinas ocorreu, principalmente, por sua localização próxima à escola, pela região possuir uma boa cobertura de sinal de conexão 3G e pela perspectiva de segurança, uma vez que era um local fechado com o controle da entrada e saída de pessoas. Além disso, a tecnologia móvel utilizada apresentava algumas especificidades, como a necessidade de um espaço amplo, que possibilitasse a distribuição de pontos de interesse (personagens e objetos do jogo digital que ficavam disponíveis somente quando o jogador aproximava-se de uma posição geográfica), para que as sinalizações no sistema de geolocalização não ficassem sobrepostas. Era importante também que fosse um local interessante para os jogadores, com atrativos que convidassem à exploração do território, e que proporcionasse relacionar algumas de suas características com os conteúdos digitais produzidos no gamedesign do jogo digital de localização utilizado na pesquisa.

O Jardim Botânico de Porto Alegre possui uma área de 39 hectares e é considerado atualmente um dos cinco maiores jardins botânicos do Brasil, graças à diversidade de suas coleções de plantas (com oito mil exemplares de 650 espécies da flora nativa do Rio Grande do Sul), à qualificação estrutural e à capacitação do seu quadro técnico e operacional. Ele foi inaugurado em 1958 com a exposição das primeiras coleções de palmeiras, coníferas, cactáceas, agaváceas e liliáceas. No início dos anos 1970, foram estabelecidas coleções botânicas de espécies arbóreas organizadas por formações florestais, famílias botânicas e grupos temáticos. Na época em que realizamos a pesquisa, o Jardim Botânico contava com um projeto educacional que oferecia visitas guiadas por estudantes universitários de ciências biológicas para escolas da região.

O jogo digital “Um Dia no Jardim Botânico”

O jogo “Um Dia no Jardim Botânico”2 2 Para um detalhamento maior do jogo digital baseado em localização “Um Dia no Jardim Botânico”, sugerimos a leitura de Maraschin, C., Kroeff, R., e Gavillon, P., 2017. Oficinando com jogos digitais: experiências de aprendizagem inventiva. Curitiba: CRV. começou a ser desenvolvido em 2013, por professores, mestrandos, doutorandos e bolsistas de iniciação científica e extensão do Núcleo de Ecologias e Políticas Cognitivas - NUCOGS/UFRGS (Maraschin, Kroeff, & Gavillon, 2017Maraschin, C., Kroeff, R., & Gavillon, P. (2017). Oficinando com jogos digitais: experiências de aprendizagem inventiva. Curitiba: CRV.). Trata-se de um jogo que foi sendo aprimorado a partir da experiência em oficinas com crianças e adolescentes de diferentes idades3 3 Em 2014, foram realizadas oficinas com crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos a partir de uma parceria com uma organização não governamental que oferece serviço socioeducativo no bairro Petrópolis, em Porto Alegre. . O software utilizado para o desenvolvimento do jogo foi a plataforma ARIS4 4 Plataforma ARIS. Recuperado de http://arisgames.org/. .

O gamedesign associa ações de coleta, combinação e redistribuição de itens no plano de um mapa digital a partir do percurso pelo plano do território físico-geográfico. A tela inicial do jogo “Um Dia no Jardim Botânico” apresenta o seguinte convite aos jogadores: “Olá! Você está sendo convidado para ajudar a preservar o Jardim Botânico. Procure por sementes e ferramentas para plantá-las. Utilize o mapa para encontrar o esconderijo das sementes, do regador e da pá. Mas tome muito cuidado com os perigos pelo caminho!”. Após essas informações iniciais, o jogador pode observar um mapa digital - tela principal do jogo - com a sinalização do primeiro personagem com quem ele poderá interagir: o jardineiro. Nessa mesma tela, ao longo de todo o jogo, o jogador aparece representado por um ponto azul (Figura 1) que mostra sua localização sobre a imagem do mapa do Jardim Botânico. A localização do jogador é determinada pelo Serviço de Localização do iOS (o sistema operacional para dispositivos móveis da Apple). O aplicativo mostra um mapa em versão gráfica ou como imagem de satélite, ambas disponibilizadas pelo software Google Maps à escolha do jogador.

Figura 1
Imagem da tela do jogo com o ponto azul.

O desafio de encontrar o personagem jardineiro tem por principal objetivo auxiliar o jogador a compreender o sistema de jogo e o funcionamento da tecnologia móvel e de localização como parte do gamedesign. O jogador precisa caminhar pelo Jardim Botânico buscando aproximar sua localização da geolocalização do jardineiro. Quando o jogador se aproxima de personagens ou itens com os quais pode interagir no jogo, é emitido um sinal sonoro, surgindo um marcador na tela que viabiliza o início da interação.

Figura 2
Imagem da tela do jogo mostrando a primeira quest.

Ao ser encontrado, o jardineiro fornece informações sobre as primeiras mecânicas do jogo (como pegar um item e como utilizá-lo) e solicita que o jogador procure obter uma pá com a personagem Girafa. Ao finalizar o diálogo e retornar ao mapa digital na tela do jogo, o jogador pode observar que um outro ponto aparece no mapa sinalizando a localização do esqueleto da Girafa. Depois de buscar a pá, ainda é necessário encontrar um regador, água e as sementes. Ao encontrar o personagem Botânico, ele explica como plantar (cada semente corresponde a uma região específica do Jardim Botânico) e fornece a primeira semente ao jogador. A partir de então, o jogador necessita buscar o regador com outro personagem e recarregá-lo com água no lago.

Após ser plantada a primeira semente, o design do jogo abre ao jogador a possibilidade de obter mais sementes no lugar descrito como “depósito de sementes”, que corresponde à localização do viveiro de mudas no Jardim Botânico. São quatro os tipos de sementes/mudas distintas disponíveis: macela, orquídea, pau-brasil e ipê. Dependendo do local e da semente plantada, o jogador recebe uma quantidade diferente de pontos, sendo que sementes plantadas em regiões correspondentes àquelas definidas pelo zoneamento do Jardim Botânico recebem um valor maior de pontos.

Embora proporcione interações com o ambiente, o jogo não envolve coleta de itens fora do plano digital. Todas as ações (obter ferramentas, recolher sementes, recarregar o regador, plantar) correspondem a pontuações variadas. Existe um personagem que não é sinalizado no mapa digital - o Lagarto - e que pode ser considerado um antagonista do jogo. Ele representa uma armadilha, da qual o jogador só pode se desvencilhar (para voltar a jogar) se abrir mão de um dos itens que constam em seu inventário (regador, sementes, água).

O jogo não tem um final determinado. Pode continuar indefinidamente com o acúmulo de pontos e é planejado com um componente multijogador competitivo, com a comparação de pontos e também com elementos de cooperação, como a possibilidade de que os jogadores troquem sementes entre si. Na pesquisa, utilizamos um limitador temporal para estabelecer o final de cada partida. O tempo que as duplas dispunham para jogar era 2h30min.

Jogar como uma narrativa em ação modulada pelo emocionar

De acordo com Souza e Silva (2006Souza e Silva, A. (2006). Do ciber ao híbrido: Tecnologias móveis como interfaces de espaços híbridos. In D. Araujo (Ed.),Imagem (IR) Realidade (pp. 21-51). Porto Alegre: Sulina .), ao andar pelo espaço durante uma partida com jogos digitais baseados em localização, não se pode prever, muitas vezes, quem se encontrará ou o que acontecerá, e essa imprevisibilidade contida nos jogos pode torná-los interessantes como uma experiência lúdica inesperada. Isso faz com que cada jogador desenvolva sua performance de jogo por meio de uma experiência que é ainda mais singular, já que os espaços concretos/físicos também são orgânicos e se diferenciam no tempo. O território geográfico não constitui um cenário neutro, no qual os jogadores efetuam suas performances de jogo, mas sim configura uma rede sociotécnica que redefine constantemente todos os seus participantes.

Durante as oficinas, foi possível acompanhar como acontecimentos que ocorriam no Jardim Botânico interferiam no processo de jogar dos participantes (ensaios fotográficos, outras turmas de estudantes, trabalhadores do local, visitantes caminhando e conversando sobre assuntos variados, circulação de automóveis, lagartos e tartarugas tomando banho de sol à beira do lago, pássaros cantando, as professoras perguntando o que eles já fizeram no jogo ou o que estão indo fazer, colegas se perguntando se o som que estavam ouvindo era de um sapo ou outro animal, pássaros quero-quero correndo atrás de pessoas porque elas se aproximavam de seus ninhos e inúmeras outras situações). Tais acontecimentos se relacionavam com a narrativa fixa: as quests propostas, o mapa do jogo, o ponto azul (representação da posição dos jogadores no mapa), diálogos com personagens, itens do jogo (sementes, regador, água, pá), pontos, alertas.

Diante da narrativa fixa proposta pelo jogo digital de localização “Um Dia no Jardim Botânico”, observamos que cada partida pode levar a experiências de jogo muito diferentes dependendo das estratégias e percursos realizados por cada dupla de jogadores. Assim como em outros jogos digitais, cada dupla descobriu informações relevantes em uma ordenação diferente, de acordo com sua performance. Abaixo apresentamos um exemplo ilustrativo, baseado no deslocamento inicial realizado por três duplas em uma oficina. Todos os jogadores iniciaram em um mesmo ponto de partida, conforme sinalizado na Figura 3, e realizaram percursos muito distintos até encontrar o primeiro personagem com o qual precisavam interagir no jogo.

Figura 3
Representação do percurso inicial de três duplas de jogadores.

O exemplo dessa variedade de experiências já nos seus momentos iniciais da partida nos leva a refletir sobre a imersão em um jogo não ser um fato dado. Em um meio participativo, a imersão implica aprender a agir conforme o ambiente simulado torna possível. Os jogadores precisam coordenar uma série de ações para se sentirem imersos e permanecerem jogando. Tais ações não são coordenadas de imediato; é necessário uma recorrência em sua utilização para que a performance do jogador seja sentida como satisfatória, a fim de que ele consiga alcançar gradualmente seus objetivos. Se essa recorrência adquire características estáveis, consideramos que se efetua o acoplamento tecnológico.

Em uma das oficinas, uma dupla encontrava dificuldade para entender como ocorria a relação entre o caminhar pelo espaço geográfico e o percurso pelo mapa do jogo apresentado na tela do tablet. Após algumas tentativas, um dos oficineiros fez uma observação sobre um elemento do jogo até o momento pouco considerado pela dupla.

Perguntando se elas haviam entendido qual era a função do ponto azul no mapa, elas passaram a se mover em diversas direções e, nesse instante, perceberam como se dava a correspondência mapa/território. A partir desse momento, mover-se de acordo com as instruções do mapa tornou-se uma atividade simples de ser executada. Em alguns momentos, precisaram percorrer caminhos diferentes para encontrar os itens dados pelas missões. No entanto, conseguiam observar, pelo mapa, que não estavam no ponto correspondido pela imagem exibida no mapa e, por isso, seguiam em busca do ponto, até encontrá-lo. (Diário de Campo nº 19A, Oficineira Luana5 5 Todos os nomes são fictícios e foram definidos conforme escolha dos participantes da pesquisa. , 10 de outubro de 2014)

A congruência operacional entre as ações dos jogadores, as regras do jogo e os movimentos do avatar - o ponto azul - permite que as narrativas se desenvolvam. Para que o jogador se interesse por permanecer jogando é preciso existir o acoplamento com a interface (ex.: controles do videogame) de forma que a sensação de agência seja experimentada. Independentemente da qualidade do gamedesign, se o jogador não souber utilizar o dispositivo móvel - tablet - e não conseguir efetivar as ações necessárias, a experiência imersiva é prejudicada ou mesmo impossibilitada. A ausência do acoplamento distancia o jogador da gama de emoções almejadas pelo gamedesign. Nos videogames, a imersão é tanto maior quanto melhor for o acoplamento com a interface, de forma que não seja mais necessário raciocinar quais os movimentos do corpo que se deve executar antes de cada ação. Tal como uma pessoa, quando adquire a competência de tocar violão, consegue executar as notas musicais sem precisar pensar na posição de seus dedos sobre as cordas. Assim, o acoplamento com a tecnologia precisa ser satisfatório para que o jogador experimente emoções congruentes com a narrativa fixa e mantenha-se engajado, ou seja, o acoplamento torna-se condição para a imersão.

O histórico de acoplamentos anteriores pode ser importante, mas a transposição a um novo não é automática. A experiência com um mesmo jogo utilizando um joystick ou um controle de toque na tela de um tablet (touch screen) é bastante diferente. Os dois casos necessitam de um acoplamento sensório-motor com especificidades próprias. Com o joystick, o jogador sente o formato sinuoso dos botões e dos outros elementos e pode utilizar estas informações para guiar suas ações, localizando onde pressionar com os dedos sem precisar olhar para o objeto. O controle de toque na tela exige que o jogador mobilize de outra forma o conjunto de funções sensório-motoras, possivelmente necessitando maior noção espacial de distâncias. É necessária maior precisão corpórea em relação às distâncias entre um botão e outro, visto que eles se apresentam em um único plano e reagem a toques sutis na tela do tablet. Se o jogador está muito preocupado com elementos externos à narrativa da simulação proposta no jogo ou se a execução dos movimentos coordenados na utilização dos controles é muito ruim (afetando a sensação de agência), a experiência pode se tornar frustrante e prejudicar a imersão no jogo. Isso aponta a importância da atividade emocional para a sensação de imersão e o consequente engajamento nas partidas de jogo.

Na experiência das oficinas com um jogo digital baseado em localização, observamos exemplos de como as emoções especificam a cada instante as possibilidades dos agenciamentos entre pesquisadores, jogadores, objeto técnico, espaço geográfico e as narrativas. O gamedesign convida à ação, conjugando interatividade com um gradiente de objetivos simples e complexos, presentes no gamedesign ou criados pelos próprios jogadores. A performance do jogador se efetua como resultado de ações realizadas a partir do emocionar, fazendo emergir uma experiência imersiva que pode estar mais - ou menos - associada à narrativa fixa proposta pelo gamedesign. No relato a seguir, encontramos um exemplo de composição entre objetivos previstos no gamedesign com outros criados pela dupla de jogadoras.

As meninas tinham um ritmo lento. Até então, pareciam estar mais envolvidas em explorar os espaços do Jardim Botânico por onde passávamos. No entanto, depois de encontrarem com outra dupla de colegas, perceberam que a pontuação deles era muito maior que a delas e, a partir de então, decidiram correr e resgatar o maior número de sementes que conseguissem para aumentar seus escores. Desde então, eu e o outro oficineiro tivemos dificuldade em acompanhar a dupla. O ritmo tornou-se acelerado, embora, ainda assim, não deixassem de observar as características do lugar ao seu redor. (Diário de campo nº 19A, Oficineira Luana, 10 de outubro de 2014)

No relato podemos observar que a dupla, inicialmente, realiza sua performance motivada por um objetivo que não havia sido proposto pela narrativa fixa do jogo, mas sim criado pelas próprias jogadoras: explorar o território. Contudo, o encontro com os colegas provocou que outro objetivo (competir na contagem de pontos) fosse incorporado, pois foi agregado à exploração um emocionar competitivo que modulou a performance da dupla.

A qualidade da dinâmica interacional que caracteriza o acoplamento entre o jogador e o gamedesign tem como efeito a possibilidade de experienciar domínios de ação diferentes em um contexto ficcional. Em uma outra situação durante as oficinas, uma dupla de adolescentes se dirigia para plantar algumas sementes em uma região no Jardim Botânico próxima de onde se localizava o personagem Lagarto. Se os jogadores passassem pelo espaço que circunscrevia o campo de atuação do Lagarto, precisavam deixar para ele algum item do jogo para continuar jogando.

Chegamos na região dos ipês, Carla se afastou de nós. Sua linguagem corporal se efetivava de tal forma que era como se ela estivesse observando e protegendo com os braços para que o lagarto não chegasse perto. Ela colocava seu corpo entre o da colega e um lagarto imaginário. Laura a chamou para plantarem, e após ter se afastado um pouco, Carla foi correndo até ela para plantarem a semente de ipê juntas. Por fim, ficaram muito felizes quando viram a quantidade de pontos que receberam e mostraram a língua - em direção ao tablet - para a imagem que mostrava a localização do personagem Lagarto no mapa do jogo. (Diário de campo nº 15A, Oficineira Ellen, 3 de outubro de 2014)

Nessa situação, a adolescente Carla estava experimentando a narrativa fixa do gamedesign de forma profundamente imersiva. Seu emocionar preocupado com a armadilha representada pelo Lagarto proporcionou que ela inventasse um novo domínio de ação associado à experiência com o personagem: a disposição corporal de proteção à colega, enquanto passava perto do campo de atuação do Lagarto. Para um observador, a correspondência entre a experiência emocional proposta no gamedesign para as interações com o personagem Lagarto - relacionadas ao temor ou receio da ocorrência de interação - e a conduta da jogadora de apreensão pode ser caracterizada como uma imersão efetiva no jogo.

Um sistema de jogo que propõe a inclusão de elementos que não estão restritos ao espaço digital e que incluem características do território geográfico pode tornar as redes de coordenações de ações mais complexas, alternando a eleição de pontos de referência entre o físico e o digital. A reiteração de algumas dessas coordenações de ações produz acoplamentos, modulando a relação dos jogadores com o sistema de jogo e com o território geográfico.

Inicialmente o Maycon não olhava muito para o jardim, começou a se guiar pelo tablet e conseguiu se localizar bem no mapa do jogo, percebendo rapidamente quando estava indo para o lado errado. Mas depois, chegando na terceira quest, onde ele tinha que repetir alguns movimentos e percursos, começou a ignorar o mapa na tela do jogo. Em um momento que estávamos indo para a lago ele disse: “eu não preciso mais do mapa, eu sei onde fica”. (Diário de campo nº 24, Oficineira Aline, 31 de outubro de 2014)

Nessa situação experienciada em uma das oficinas, o jogador iniciou a partida mais atento aos elementos da tecnologia digital e ao dispositivo móvel. Ao longo da experiência com o jogo, sua relação com a rede sociotécnica se modificou. Os elementos do território geográfico passaram a adquirir maior relevância na dinâmica atencional empregada no operar de sua estratégia de jogo. Com esse exemplo, podemos refletir a respeito de como o emocionar proporciona aprendizagens próprias ao contexto e ao acoplamento tecnológico experienciado pelos sujeitos. A circularidade entre cognição e emoção tem uma função importante para a produção de sentido das performances de jogo em ato. As posições narrativas dependem da predisposição para a ação, ou seja, do coengendramento da emoção e da cognição, assim como do tensionamento, da reconfiguração e da manutenção do acoplamento tecnológico que um sujeito-jogador estabelece com seu mundo-contexto.

Considerações finais

Os modos de jogar um jogo digital baseado em localização em um espaço geográfico específico provoca relações, agenciamentos, composições entre elementos heterogêneos que não ocorrem de forma aleatória, mas seguem as contingências emocionais e cognitivas que são experimentadas a cada instante. Na experiência com o jogo utilizado, as narrativas - sejam as propostas pelo gamedesign, sejam as relativas à performance de cada jogador - promoveram uma diversidade de conexões entre conteúdos digitais e elementos do território geográfico. A narrativa fixa do gamedesign apresentava personagens, itens e situações habituais ao cotidiano do Jardim Botânico, associados a localizações geográficas específicas. A atuação dos jogadores produziu narrativas de performance autorais, que se relacionavam com a narrativa definida pelo gamedesign (narrativa fixa), chegando a expandi-la e mesmo a suspendê-la em alguns momentos. As modulações nas narrativas ocorreram pelo emocionar atualizado em situações nas quais os jogadores realizavam interações pertinentes ao contexto lúdico-ficcional. Mesmo sendo a ubiquidade entre o conteúdo digital e o território geográfico uma característica dos jogos de localização, houve situações nas quais as performances de jogo se efetuaram de maneiras imprevisíveis.

A congruência entre o físico e o digital mostrou-se crucial às produções de narrativas emergentes da performance, pois é a partir desta composição que a experiência imersiva no jogo se efetiva. A presença de tablets, smartphones ou outros aparelhos móveis não funda a composição entre físico e digital, mas acreditamos que dispositivos como jogos digitais baseados em localização tornam mais operatória a relação entre elementos físico-geográficos e digitais, pois abrem a narrativa fixa do design do jogo para o imprevisível do território. Em nossa pesquisa, tais componentes digitais e geográficos formaram uma rede sociotécnica que constituiu a experiência com o jogo decorrente de diferentes emocionares.

A ocorrência de colapsos (breakdowns) - eventos que perturbam coordenações de ações estabelecidas - provocou tonalidades afetivas como frustração, raiva, desinteresse, ansiedade. Mas, quando esses momentos de breakdowns eram acompanhados pela emergência imediata de novos arranjos capazes de restabelecer coordenações de ações efetivas, o sentido de agência do jogador não era prejudicado e, dessa forma, mantinha-se a experiência imersiva.

Ao analisar as ações associadas a um jogo digital baseado em localização, observamos que a performance do jogador se desenrola como um processo modulado pela emoção e pela cognição. A atualização de um novo emocionar, no fluir da experiência, constitui diferenciações que Varela e Depraz (2005Varela, F. & Depraz, N. (2005). At the source of time: valence and constitutional dynamics of affect. Journal of Consciousness Studies, 12(8-10), 61-81.) denominam de microtemporalidades, uma vez que dão lugar a distintos domínios de ação nos quais os jogadores operam a cada momento. Nesses domínios de ações, emergem percepções de mundo. A operação conjunta entre esses processos - emocionar, coordenar ações e produzir distinções - tem como efeito a produção de sentidos na experiência com o jogo. Isso ocorre, por exemplo, quando, ao narrar coordenações de ações, um observador - que pode ser outra pessoa ou o próprio jogador em um processo de atenção a si - produz distinções descrevendo a rede sociotécnica em que está inserido como um espaço híbrido ao abranger elementos físico-geográficos e digitais.

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  • 1
    Situações possíveis de serem performadas pelos jogadores em Super Mario Bros.
  • 2
    Para um detalhamento maior do jogo digital baseado em localização “Um Dia no Jardim Botânico”, sugerimos a leitura de Maraschin, C., Kroeff, R., e Gavillon, P., 2017. Oficinando com jogos digitais: experiências de aprendizagem inventiva. Curitiba: CRV.
  • 3
    Em 2014, foram realizadas oficinas com crianças e adolescentes entre 9 e 17 anos a partir de uma parceria com uma organização não governamental que oferece serviço socioeducativo no bairro Petrópolis, em Porto Alegre.
  • 4
    Plataforma ARIS. Recuperado de http://arisgames.org/.
  • 5
    Todos os nomes são fictícios e foram definidos conforme escolha dos participantes da pesquisa.
  • Financiamento: Pesquisa financiada pela CAPES, que concedeu bolsa de doutorado para primeira autora e pelo CNPq que contemplou a segunda autora com bolsa produtividade em pesquisa - 302371/2015-0 - Projeto: OFICINANDO EM REDE: Aprendizagem, jogos de localização e articulações físico-virtuais. Este estudo também contou com recursos do CNPq por meio do Edital Universal 476149/2013 - Projeto: OFICINANDO EM REDE: PROCESSOS DE APRENDIZAGEM E JOGOS LOCATIVOS.
  • Aprovação, ética e consentimento: A pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa do Instituto de Psicologia da UFRGS com número CAAE 53795616.5.0000.5334.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Jun 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    02 Abr 2018
  • Revisado
    19 Ago 2019
  • Aceito
    13 Nov 2019
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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