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EMOCIONALIDADE POLÍTICA NA AÇÃO COLETIVA JUVENIL

LA EMOCIONALIDAD POLÍTICA EN LA ACCIÓN COLECTIVA JUVENIL

POLITICAL EMOTIONALITY IN YOUTH COLLECTIVE ACTION

Resumo

Este artigo é o resultado de um processo investigativo que, há seis anos, estuda a Marcha de la Gorra, em Córdoba, Argentina. Esta manifestação tem um alto componente juvenil e visa a instaurar uma denúncia contra o abuso policial e a políticas de segurança pública. O propósito do estudo é explorar a produção e a expressão de emocionalidade política que ocorre na ação coletiva. Para isso, foram identificados climas e nuanças emocionais que a experiência de participar da manifestação provocou, considerando as construções discursivas que os jovens elaboram a partir das experiências deles. Foi baseado em uma abordagem qualitativa que incluiu: registro etnográfico, conversações em marcha e entrevistas em profundidade. O diálogo entre diferentes perspectivas teóricas e o trabalho de campo permitiu refletir sobre os laços entre emocionalidade política e ação coletiva. Por fim, o repertório expressivo que caracteriza a Marcha evidenciou a centralidade da corporeidade nos processos de resistência.

Palavras-chave:
Emocionalidade política; Ação coletiva; Juventude; Corporeidade

Abstract

This article is the result of an investigative process that, for six years, has been studying the Marcha de la Gorra, in Córdoba, Argentina. This demonstration has a high youth component and aims to bring charges against police abuse and public security policies. The purpose of the study is to explore the production and expression of political emotionality that takes place in collective action. For this, emotional climates and nuances that the experience of participating in the demonstration provoked were identified, considering the discursive constructions that the young people elaborate from their experiences. It was based on a qualitative approach that included ethnographic recording, ongoing conversations and in-depth interviews. The dialogue between different theoretical perspectives and fieldwork allowed us to reflect on the links between political emotionality and collective action. Finally, the expressive repertoire that characterizes the March showed the centrality of corporeality in the process of resistance.

Keywords:
Political emotionality; Collective action; Youth; Corporeality

Resumen

Este artículo es resultado de un proceso de investigación que, desde hace seis años, estudia a la Marcha de la Gorra en Córdoba, Argentina. Esta manifestación presenta un alto componente juvenil y tiene como objetivo instalar un reclamo contra el abuso policial y las políticas públicas de seguridad. El propósito del estudio es explorar la producción y expresión de emocionalidad política en esta acción colectiva. Para ello, se identificaron climas y matices emocionales que suscitó la manifestación, considerando las construcciones discursivas que los jóvenes elaboran a partir de sus vivencias. Se partió de un enfoque cualitativo que contempló registro etnográfico, conversaciones en marcha y entrevistas en profundidad. El diálogo entre distintas perspectivas teóricas y el trabajo de campo permitió reflexionar acerca de los anudamientos entre emocionalidad política y acción colectiva. Finalmente, el repertorio expresivo que caracteriza a la Marcha evidenció la centralidad de la corporalidad en los procesos de resistencia.

Palabras clave:
Emocionalidad política; Acción colectiva; Juventudes; Corporalidad

Introdução

Este artigo surgiu no contexto de uma tese de doutorado em Psicologia, dedicada ao estudo de uma ação coletiva contenciosa (Tarrow, 1997Tarrow, S. (1997). El poder en movimiento. Los movimientos sociales, la acción colectiva y la política. Alianza.), a Marcha de la Gorra (Córdoba/ Argentina). A manifestação recebe esse nome pois o boné (gorra, em espanhol) é amplamente utilizado entre jovens de setores populares, constituindo um objeto-símbolo pelo qual são interceptados pela polícia. É um acessório de guarda-roupa que, devido à sua associação com características perigosas e suspeitas que lhe são atribuídas socioculturalmente, muitas vezes funciona como motivo de detenções na via pública.

Esta ação coletiva consiste em uma manifestação massiva - com a média de 15.000 a 20.000 participantes por edição -, que possui uma grande componente juvenil, e acontece no mês de novembro, na cidade de Córdoba. O organizador mais visível é o ‘Coletivo de Jovens pelos Nossos Direitos’, acompanhado por uma multiplicidade de grupos políticos e organizações sociais de diversas origens políticas e territoriais. A Marcha teve sua origem em 2007 e, desde então, é realizada anualmente, conquistando um total de treze edições até o momento. A grande convocatória e a presença constante nas ruas de Córdoba deram-lhe um lugar de reconhecimento na agenda política de movimentos e organizações locais.

O desenvolvimento da Marcha de la Gorra inscreve-se num processo mais amplo de mobilização social. Nos últimos anos, assistimos a uma onda de protestos na América Latina e no mundo, motivados, fundamentalmente, pela violação dos direitos humanos e pela desigualdade estrutural que caracteriza as sociedades atuais. Exemplos dessas ações coletivas juvenis podem ser encontrados nos Acampamentos da Juventude no Fórum Social Mundial, desde os primeiros anos do novo século; o movimento estudantil dos Pinguinos, no Chile, em 2006; a primavera árabe, entre 2010 e 2012; o Movimento Yo soy el 132, no México, em 2012; o movimento “Passe Livre”, no Brasil, que ganhou destaque em 2013, entre tantos outros, até chegar à onda de protestos que abalou a América Latina em 2018 e, especialmente, o segundo semestre de 2019, com levantamentos no Peru, no Equador, na Bolívia, no Chile e na Colômbia. Esses movimentos evidenciam a necessidade dos corpos e dos grupos especialmente vulnerabilizados de se encontrar no espaço público, na forma de alianças pelo direito de existir, como sugere Butler (2017Butler, J. (2017). Cuerpos aliados y lucha política. Hacia una teoría performativa de la asamblea. Paidós.). Um dos setores que aparece no foco desses conflitos e no seio da mobilização social são os grupos juvenis.

Particularmente na Argentina, já há algum tempo, tanto em nível nacional como estadual - em Córdoba -, inúmeros relatórios, reclamações e ações de organizações políticas e territoriais, bem como do campo acadêmico, preocupam-se em tornar visíveis e denunciar os processos de violência aos quais se veem expostos os jovens de setores populares. Entre as práticas denunciadas, destacam-se as ações da instituição policial. Para os jovens caracterizados, a polícia permanentemente é vista como presença hostil, que produz medo, rejeição e raiva entre esses setores vulnerabilizados (Bonvillani, 2015Bonvillani A. (2015). Callejeando la alegría… y también el bajón. Etnografía colectiva de la Marcha de la Gorra. Encuentro Grupo Editor.; Llobet, 2015Llobet, V. (2015). Políticas y violencias en clave generacional en Argentina. In M. J., Valenzuela (Coord.), Juvenicidio. Ayotzinapa y las vidas precarias en América Latina y España (pp. 1-24). El Colegio de la Frontera Norte.).

As ações da força policial que provocam rejeição e que são denunciadas insistentemente na ação coletiva vão desde práticas frequentes de interceptação (detenções arbitrárias, demoras e perseguições) (Lerchundi, 2018Lerchundi, M. J. (2018). “Las prácticas de interceptación policial como primer eslabón de la cadena punitiva”. KAIROS. Revista de Temas Sociales, 22(41). https://dialnet.unirioja.es/servlet/articulo?codigo=6981567
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), típicas do assédio policial, e restrições de deslocamento na via pública, até - na expressão mais extrema da violência policial - os casos cada vez mais numerosos de “dedo frouxo”1 1 Segundo Pita (2010), a expressão “gatilho fácil”, de uso popular na Argentina, refere-se a atos de violência policial nos quais há uso abusivo da arma de fogo. Em outros países, recebe nomes equivalentes (dedo frouxo, no Brasil; easy trigger, nos Estados Unidos). Em todos os casos, refere-se à “leveza” ou “facilidade” com que a polícia mata ou fere, em situações que vão do chamado “uso excessivo da força” até “execuções extrajudiciais” e “falsos confrontos”. .

No cenário local de Córdoba, e através de canais que vão além da política institucional e dos sistemas tradicionais de governo representativo, o espaço político que mais reúne as múltiplas oposições, rejeições e reclamações relacionadas à violência policial é, provavelmente, a Marcha de la Gorra. A singularidade desse protesto reside, em boa parte, nos repertórios de ação, nos recursos expressivos utilizados e nas intervenções estético-artísticas que abrigam: pichação, teatro en marcha2 2 Trata-se de um dispositivo de intervenção artística usado na Marcha que emprega elementos do Teatro Espontâneo, do Teatro da Imagem e do Teatro do Oprimido. No contexto da manifestação, o objetivo é tornar visíveis sentidos não explícitos durante a Marcha, conteúdo relacionado às emoções e sensações vivenciadas no decorrer do evento. Esses conteúdos são dramatizados por um grupo de atores/atrizes que compunham previamente o grupo de teatro (Paez & Panessi, 2015). , intervenções artísticas e malabarismo, entre outras.

Nesse sentido, a participação dos jovens no espaço público tende a se desenvolver por meio de vários canais expressivos e organizacionais, não necessariamente vinculados às instituições políticas tradicionais. Essas modalidades inovadoras e instituintes de participação adotam, na Marcha, um componente afetivo/emocional evidente nos corpos daqueles que a habitam. A própria corporeidade dos manifestantes constitui a materialidade a partir da qual é denunciada e repudiada a perseguição e o abuso policial contra os jovens, além de constituir um locus de expressividade e celebração da juventude e da cultura popular de Córdoba.

Especificamente, o estudo se concentra na expressão de emocionalidade política que ocorre nessa experiência de protesto, concebida como uma experiência de politização da juventude. É nesse sentido que a noção de emocionalidade política (Bonvillani, 2010Bonvillani, A. (2010). “Jóvenes cordobeses: una cartografía de su emocionalidad política”. Nómadas, 32, 27-44. http://www.scielo.org.co/pdf/noma/n32/n32a3.pdf
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) se torna um conceito central para entender as produções subjetivas que ocorrem nela. Para isso, na primeira parte, se faz uma contextualização conceitual e de antecedentes de pesquisas, com o propósito de inscrever as intersecções entre ação coletiva e emocionalidade. Logo após, se apresenta o método empregado no estudo para, em seguida, se adentrar na discussão dos resultados relacionados às expressões de emocionalidade política dos jovens que participam na Marcha de la Gorra. Por último, se apresentam as considerações finais do estudo e as principais conclusões.

Figura 1
Jovens desenhando na parede

A dimensão emocional na ação coletiva

Tarrow (1997Tarrow, S. (1997). El poder en movimiento. Los movimientos sociales, la acción colectiva y la política. Alianza.) caracteriza a ação coletiva como contenciosa quando um grupo de sujeitos - cujo acesso aos canais institucionais é frequentemente dificultado ou irregular - age em nome de reivindicações novas ou não totalmente aceitas, representando uma ameaça para seus oponentes ou para as autoridades. Nesse sentido, constituem um território fértil para explorar oportunidades políticas, produzir identidades coletivas, reunir sujeitos em organizações e mobilizá-los contra oponentes mais poderosos.

A ideia de confronto, ou contentious, (Tarrow, 1997Tarrow, S. (1997). El poder en movimiento. Los movimientos sociales, la acción colectiva y la política. Alianza.) refere-se a ações disruptivas que são colocadas em ação no espaço público e direcionadas contra instituições, elites, autoridades ou outros grupos, em nome dos objetivos coletivos acordados pelos atores, rejeitando mediações institucionais, causando desorganização e interrompendo os processos econômicos e políticos diários (González Calleja, 2010González Calleja, E. (2010). Charles Tilly y el análisis de la dinámica histórica de la confrontación política. In Jesús Funes (Ed.), A propósito de Tilly. Conflicto, poder y acción colectiva (pp. 33-48). Centro de Investigaciones Sociológicas.).

Levando em conta as modalidades expressivas e estéticas assumidas pela ação coletiva em estudo, a Marcha de la Gorra, a abordagem centrada nos aspectos culturais fornece chaves interessantes para a leitura. Desde a sociologia da ação, Melucci (1999Melucci, A. (1999). Acción colectiva, vida cotidiana y democracia. Centro de estudios sociológicos. El Colegio de México.) afirma que as formas emergentes de ação coletiva reúnem uma série de elementos: o uso de uma linguagem e uma cultura próprias, o desmascaramento dos poderes dominantes contra os quais eles competem, e que expressam transformações de uma maneira proposicional concreta. Esses movimentos assumem a forma de redes de solidariedade, com poderosos significados culturais, e acabam adquirindo um caráter representacional que é desenvolvido, fundamentalmente, pelas linguagens expressivas que utilizam (Melucci, 1994).

Observando o surgimento de um novo paradigma de ação coletiva - o que foi designado como novo movimento social -, Melucci (1994Melucci, A. (1994). ¿Qué hay de nuevo en los nuevos movimientos sociales? In E., Laraña & J., Gusfield (Eds.), Los nuevos movimientos sociales. De la ideología a la identidad (pp. 119-149). CIS., 1999) argumenta que é definido como uma força que transforma os canais de participação política, cuja ação tende a quebrar as regras do jogo e a se distanciar dos limites institucionalizados do sistema, construindo sua própria linguagem e estética.

Essas modalidades inovadoras e instituintes de participação adotam no protesto um componente afetivo/emocional evidente nos corpos dos jovens que participam. Em relação a essa dimensão, há muito tempo, nas ciências sociais, as emoções e os afetos estavam ausentes no estudo da ação política. Hoje, embora seja um campo de estudo jovem e em consolidação, admite-se que é uma dimensão iniludível para compreender as motivações, os desejos e as necessidades que levam à ação coletiva, e até as condições para o processamento subjetivo dos efeitos que dela decorrem.

Os processos emocionais envolvem o monitoramento e a avaliação do mundo à nossa volta e ajudam a concretizar a atenção de um ator em uma parte desse mundo. Dessa maneira, eles colaboram para explicar nossa intervenção contínua na ação coletiva. Jasper (2012Jasper, J. (2012). Las emociones y los movimientos sociales: veinte años de teoría e investigación. Revista Latinoamericana de Estudios sobre Cuerpos, Emociones y Sociedad, 4(10), 46-66. http://www.relaces.com.ar/index.php/relaces/article/viewArticle/222
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) destaca que, para que a participação seja mantida, o envolvimento deve proporcionar algumas satisfações, e vários mecanismos emocionais intervêm nesse objetivo, incluindo solidariedade coletiva, rituais de interação e outras dinâmicas de grupo. Quando os sujeitos compartilham emoções em resposta a determinados eventos, os laços de grupo parecem ser fortalecidos, assim como quando lealdades afetivas são compartilhadas entre os envolvidos. Isso ocorre mesmo com emoções compartilhadas ligadas à tristeza ou raiva, pois podem fortalecer emoções recíprocas tendentes à criação e ao poder de agir, atraindo para a ação coletiva.

Nesse sentido, Bonvillani (2013Bonvillani, A. (2013). Cuerpos en marcha: emocionalidad política en las formas festivas de protesta juvenil. Nómadas, 39, 91-103. http://nomadas.ucentral.edu.co/index.php/inicio/10-la-sensibilidad-potencia-y-resistencias-nomadas-39/68-cuerpos-en-marcha-emocionalidad-politica-en-las-formas-festivas-de-protesta-juvenil
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) enfatizou a importância de um vínculo de suporte nas ações políticas. O trabalho coletivo que envolve o gerenciamento da ação coletiva torna possível e concomitantemente requer um “vínculo positivo”, alimentado por sentimentos de parceria, amizade, solidariedade e confiança. Essa trama psicossocial que liga os jovens entre si na prática política funciona como um apoio anímico que amortece as dificuldades diárias e até as decepções resultantes quando a reclamação não encontra resposta. A autora caracteriza os tecidos de vínculos e emoções em termos de uma “politização do afetivo” (p. 92), como motor do exercício político que os jovens praticam.

Assim, a chamada emocionalidade política (Bonvillani, 2010Bonvillani, A. (2010). “Jóvenes cordobeses: una cartografía de su emocionalidad política”. Nómadas, 32, 27-44. http://www.scielo.org.co/pdf/noma/n32/n32a3.pdf
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; Roldán, 2015Roldán, M. (2015). La “Marcha de la Gorra”: implicancias de la emocionalidad política en procesos de subjetivación política con jóvenes cordobeses. (Trabajo Final de Licenciatura en Psicología). Universidad Nacional de Córdoba, Argentina.) é conceituada como uma dimensão central da subjetividade. Nesse caso, o adjetivo político não pretende sugerir que exista um tipo específico de qualidade emocional que esteja exclusivamente vinculado à experiência política. Em outras palavras, não se refere à existência de um conjunto de emoções articuladas só na política. Aqui, o emocional opera como uma dimensão imanente da produção política. A experiência política é constituída a partir de demonstrações emocionais, bem como de operações de pensamento e ações, dimensões apenas separáveis ​​para fins analíticos (Roldán, 2019).

Por fim, como assento sensível da subjetividade, o corpo surge como elemento-chave no estudo da dimensão emocional da ação coletiva. A corporeidade é a matéria vital na qual a experiência política é vivida, opera como um lugar preferencial e constante de expressão, e é o território subjetivo que permite o contato com os outros, levando à afetivação da prática política. Nesse sentido, as conexões entre um registro subjetivo da experiência política e o corpo como território de politização constituem um campo revelador de exploração no estudo da ação coletiva.

Metodologia

A abordagem metodológica empregada é qualitativa, pois se compreende a realidade estudada como um universo complexo construído simbólica, emocional e imaginariamente na interação entre sujeitos. Isso constitui uma potência das metodologias qualitativas: a possibilidade de abordar o objeto de estudo desde uma perspectiva holística, sem reduzir os cenários e os grupos a variáveis predefinidas.

Este trabalho concentra a atenção nas demonstrações emocionais dos sujeitos que participam dessa ação coletiva e nas narrativas que eles produzem sobre a própria experiência. Parte de uma etnografia coletiva de eventos (Borges, 2004Borges, A. (2004). Tempo de Brasília: etnografando lugares-eventos da política. Relume Dumará.), como estratégia geral, complementada por entrevistas em profundidade, orientadas por roteiros temáticos. Embora o trabalho etnográfico seja realizado desde 2012, a maioria das entrevistas recuperadas nesse estudo foram realizadas a partir de 2015.

A etnografia do evento permite que a Marcha seja entendida como evento-lugar caracterizado pela brevidade e o deslocamento constante, ou seja, por ser um objeto etnográfico que apresenta o movimento como sinal distintivo. Esta estratégia permite uma abordagem da ação coletiva que leva em consideração a condição passageira - uma vez que essa mobilização se desenrola em um determinado dia, durante algumas horas de duração - e de instabilidade: a Marcha é movimento, é uma coluna que avança pelo espaço público do centro da cidade.

Por outro lado, a prática de uma perspectiva etnográfica como estratégia metodológica nos permite focalizar as configurações de significado dos próprios atores, a fim de reconstruir os processos socioculturais que eles protagonizam, fazendo-os dialogar, por sua vez, com as posições dos pesquisadores. Nesse sentido, é feito um esforço constante para considerar os pontos de vista e perspectivas de análise dos próprios sujeitos em estudo, através de uma presença sustentada no campo que possibilita diálogos frequentes durante todo o processo de pesquisa.

As atividades de registro etnográfico incluíram observação participante; produção de fotografias e vídeos da Marcha; conversações-em-Marcha (Bonvillani, 2018Bonvillani, A. (2018): “Etnografía colectiva de eventos: la cronotopía paradojal de la Marcha de la Gorra (Córdoba, Argentina)”. De Prácticas y discursos, 7(9), 161-184. https://doi.org/10.30972/dpd.792806
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), que consistem em diálogos informais com os manifestantes, em um ambiente intersubjetivo específico, típico de uma mobilização, onde o avanço dos participantes é acompanhado, enquanto é iniciada uma conversa sobre o que está acontecendo; e a elaboração de um auto-registro etnográfico sobre as emoções e pensamentos da própria pesquisadora.

Essas produções etnográficas foram complementadas por entrevistas em profundidade, orientadas por roteiros temáticos, realizados após a ação coletiva, buscando garantir uma triangulação metodológica que dê rigor à construção dos dados. Dessa forma, foi produzido um corpus de dezessete entrevistas que incluiu, a partir de uma amostra intencional, jovens de 15 a 30 anos de idade, com diversas afiliações políticas ou organizacionais, a saber: militantes de partidos políticos, militantes de organizações estudantis, artistas, ativistas de organizações sociais ou territoriais e jovens autoconvocados (participantes que assistem espontaneamente, sem estar atrelados a nenhuma organização ou coletivo). Essa tipologia de manifestantes é explicitada nos fragmentos citados. O roteiro dessas entrevistas incluiu tópicos relacionados à percepção dos jovens sobre a polícia; a motivação para participar da Marcha; o que gostam de fazer enquanto estão marchando e as sensações que experimentam ao se encontrar com outros jovens nas ruas. Aliás, é importante esclarecer que as entrevistas foram conduzidas em espanhol e a tradução foi feita pela pesquisadora responsável do artigo.

A triangulação das técnicas de coleta de dados é fundamental para a abordagem dos múltiplos registros da experiência emocional ao respeito da Marcha. Assim, as conversações-em-Marcha oferecem informação sobre a experiência que “está sendo”, na atualidade imediata do evento. As entrevistas em profundidade permitem ter acesso a um registro mais reflexivo e mnêmico dos manifestantes, produto da distância temporal e da possibilidade de uma conversação mais prolongada. Em relação à crônica fotográfica e fílmica da Marcha, ela permite registrar a produção de imagens e intervenções visuais na manifestação. Porém, por uma questão de extensão e foco do artigo, a análise desse material não é apresentada entre os resultados do presente estudo.

Finalmente, para o processamento desses dados se empregou o software de análise qualitativo Atlas.ti, na versão 7.5.7, ferramenta que auxiliou na codificação e elaboração analítica dos resultados.

Expressões de emocionalidade política na Marcha de la Gorra

Explorar a ação coletiva a partir de uma perspectiva atenta à centralidade do corpo e das emoções permite compreender como os sujeitos se organizam para enfrentar formas de poder que moldam a experiência cotidiana e o convívio. Trata-se de um questionamento dos ordenamentos sensíveis que reproduzem cenários desiguais e opressivos para uma parte da comunidade. Nesse sentido, na ação coletiva, esses grupos podem enfatizar sua capacidade transformadora que implica, até mesmo, uma reconfiguração do tecido social, tanto no nível macropolítico quanto no nível dos vínculos e das sensibilidades.

Assim, nessa perspectiva, as relações cotidianas dos corpos, seus espaços de intimidade e conexão, até as formas de habitar o espaço, permitem valorizar como as demandas dessas ações não se limitam exclusivamente aos grupos de interesse, mas também questionam as formas de conceber e experimentar o comum. Expõem, dessa forma, um conflito que afeta a todos os que se sentem e assumem parte de um determinado espaço social (Fjeld, Quintana, & Tassin, 2016Fjeld, A., Quintana, L., & Tassin, E. (Eds.). (2016). Movimientos sociales y subjetivaciones políticas. Ediciones Uniandes.).

Essa encarnação da ação coletiva está representada graficamente no discurso de uma manifestante, baseado na metáfora da não diferenciação, da constituição de um corpo único na Marcha, como efeito de unificação produzido pela reivindicação:

E ... fazer ‘carne’ a Marcha, eu acho que é... bem, eu não diferencio mais eles-eu. Eu não estou marchando por tal. Não, eu também estou marchando porque aposto em terminar com o Código de Faltas3 3 Na história recente de Córdoba, os movimentos antirrepressivos questionaram repetidamente a arbitrariedade tanto na redação quanto na aplicação dos códigos para as contravenções. Quando a Marcha de la Gorra começou a ocorrer, em 2007, o Código de Faltas (CF-Lei nº 8.431) regulamentava o campo contravencional. Em abril de 2016 foi substituído pelo Código de Convívio Cidadão (CCC-Lei nº 10.326). Ambos os códigos apresentam figuras como “Conduta suspeita” que é das mais utilizadas para a ocorrência de detenções e prisões arbitrárias. . Isso afeta ao do lado e como afeta a ele, também afeta a mim. Eu já estou fazendo-o ‘carne’. Não é mais: “então, eu marcho para apoiá-los”, não. Marcho porque apoiamo-nos entre todos. Isso me parece que é fazê-lo ‘carne’, como levar isso bem com você. (Registro de entrevista pós-manifestação com jovem autoconvocada, 24 anos)

A metáfora da “encarnação” da ação coletiva pode ser traçada na expressão fazer ‘carne’ o protesto que traz essa entrevistada. No espanhol, particularmente no contexto argentino, o uso dessa metáfora é empregado para nomear a sensação de estar fazendo passar pelo corpo e pelo registro sensitivo um fenômeno que excede os limites do próprio sujeito. Aliás, refere-se a um processo de singularização de uma experiência que pode ser vivenciada social ou coletivamente, mas que é inscrita na história singular da pessoa. Nesse sentido, Scribano (2007Scribano, A. (2007). Mapeando Interiores. Cuerpo, conflicto y sensaciones. Universitas. ) coloca o corpo e as sensações no centro de uma rede complexa e indeterminada, que constitui a base das relações sociais, com o conflito como elemento central dessas relações. Dessa forma, o autor se refere às possibilidades de gerar e gerenciar diferentes volumes de energia corporal e social. Se o que emerge principalmente nas relações sociais é o corpo, ele permanece como “locus de conflito e ordem” (p. 123). É, ao mesmo tempo, sujeição e espaço de disputa de poder.

Como lugar da reprodução do poder e dos processos de sujeição, os corpos suportam, entre outras coisas, o que o autor chama de “dor social”. Essas formas de sofrimento com raízes sociais aludem a uma exposição constante à dor que inicia uma espiral entre paralisia, reprodução e esquecimento que, de certa forma, acaba “anestesiando” esses corpos, deixando eles impedidos de toda ação transformadora. Estes são os corpos “descromatizados” e sem energia social aos que Scribano (2007Scribano, A. (2007). Mapeando Interiores. Cuerpo, conflicto y sensaciones. Universitas. ) se refere. Esse sentimento, no caso dos jovens entrevistados de Córdoba, aparece em relação às situações de abuso policial:

Eu estou cansado da polícia me segurando por nada, você não pode sair sem ficar retido o tempo todo. Eu também não posso ir a lugar algum ... (Conversação durante manifestação com jovem autoconvocado, 16 anos)

Que eles [policiais] tratam mal você, porque na realidade eles têm o poder de tratar mal sem você fazer nada. Porque se você dizer algo, você vai preso. Isso é abuso de poder, isso é o maltrato, isso me parece o que mais me incomoda. Porque, realmente, se eles fizeram isso de uma maneira boa... (Registro de entrevista pós-manifestação com jovem autoconvocado, 19 anos)

No entanto, o que opera fundamentalmente na Marcha é a desnaturalização daquele maltrato que parece natural. Aparece um distanciamento da resignação, exigindo uma transformação nessa relação conflitiva jovens-polícia:

Ano a ano, nós marchamos pedindo a revogação do Código de Faltas, pedindo o fim da perseguição e do assassinato; sim, você ouviu direito, assassinato de jovens da província de Córdoba. Hoje, mais do que nunca, saímos para dizer “chega!”, nas ruas. Estamos cansados da perseguição; estamos cansados de casos de dedo frouxo; estamos cansados de ter que pedir justiça por parceiros e crianças nos bairros. Hoje, mais do que nunca, dizemos chega. (Microfone oficial da Oitava Marcha, 2014)

Diante do poder do preconceito sistemático, a perseguição e o abuso policial, é possível pensar que os jovens que se organizam e participam da Marcha de la Gorra têm conseguido conquistar um espaço e um momento coletivo de resistência com nuanças autóctones. Alvarado, Ospina, Botero e Muñoz (2008Alvarado, S. V., Ospina, H., Botero, P., & Muñoz, G. (2008). Las tramas de la subjetividad política y los desafíos a la formación ciudadana en jóvenes. Revista Argentina de Sociología, 6(11), 19-43. https://www.redalyc.org/pdf/269/26911765003.pdf
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) vinculam a capacidade de transformar a subjetividade com a possibilidade de agir com os outros, pelos outros e para outros. Isso envolve atravessar os muros da vida privada para encontrar sentido na construção política coletiva, em espaços públicos, onde a pluralidade é essencial como ação e como narrativa. Os processos coletivos tornam-se, assim, essenciais para a compreensão da centralidade das emoções nos atos políticos.

Figura 2
Jovens dançando na rua

Em relação às formas emergentes de expressão política atribuídas aos movimentos juvenis, pode-se afirmar que, frequentemente, apelam a comportamentos expressivos alegres e lúdicos, tendo o corpo como o local preferido de ocorrência (Bonvillani, 2013Bonvillani, A. (2013). Cuerpos en marcha: emocionalidad política en las formas festivas de protesta juvenil. Nómadas, 39, 91-103. http://nomadas.ucentral.edu.co/index.php/inicio/10-la-sensibilidad-potencia-y-resistencias-nomadas-39/68-cuerpos-en-marcha-emocionalidad-politica-en-las-formas-festivas-de-protesta-juvenil
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). Nesse sentido, o protesto assume um forte valor coletivo, visível no discurso e na corporeidade dos manifestantes:

Dançar numa manifestação é uma das coisas mais bonitas que existem, é muito libertador. E também é isso, é muita energia. Quero dizer, não importa o quão cansado você esteja, isso agarra você... mais ainda na Marcha de la Gorra. Para mim, pelo menos, é uma marcha que eu sinto orgulho de estar, de participar, ou seja, estou empolgada. Significa muitas coisas. Adoro ir dançar na Marcha. (Registro de entrevista pós-manifestação, artista de banda de rua, 22 anos)

Para mim é que, tipo... eu sinto que, eu não sei, que algo corre pelo meu corpo, assim, um sentimento de tristeza e dor e raiva, assim. E, ao mesmo tempo, alegria de ser assim, participando, marchando, mostrando, demonstrando que eles não podem com a gente. Eu acho que é bom, porque isso também é gerado em nível coletivo, e é por isso que eu o gero para mim. Eu acho que todos vivem um pouco isso. Acho que juntos fazemo-nos sentir assim. Não é tão individual, é muito coletivo. (Registro de entrevista pós-manifestação com jovem autoconvocada, 24 anos)

Nesse sentido, a Marcha se mostra como um espaço no qual é possível passar de um estado de passividade para um de transformação, de modo que as experiências de prisões, exclusão e não pertencimento possam se transformar em uma luta coletiva capaz de alojar as dores e converter a im-potência em potência de agir (Roldán, 2018Roldán, M. (2018). “Acción colectiva juvenil y procesos de subjetivación política: el caso de la Marcha de la Gorra en Córdoba (Argentina)”. Methaodos. Revista de Ciencias Sociales, 6(2), 252-262. https://doi.org/10.17502/m.rcs.v6i2.248
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).

Eu acho que é um momento incrível para ocupar a rua. Acho que é um lugar onde ocupar a rua tem muito significado, mais do que outras manifestações. Eu não sei, é assim... de repente você se reúne com muitas pessoas que talvez sejam mais parecidas com você. A Marcha é tão grande, onde você pode se sentir em casa, digamos, eu não sei, como entre mais pessoas, como se estivesse no bairro. Não se sente estrangeiro o dia em que está na marcha. Já em um momento você aprende como a fazer uma festa, sabe? Com toda a merda que te acontece todos os dias, que tem a ver com a apropriação do insulto, da ofensa ou da opressão. (Registro da entrevista com Titx, cantor de rap transfeminista, 27 anos)

A ocupação compartilhada da rua, somada aos múltiplos recursos expressivos postos em jogo na Marcha (canções, danças, pichação); também as manifestações afetivas e corporificadas (abraços, saltos, risadas, gritos e, particularmente, os olhares) brotam energicamente dos corpos e em direção aos corpos. Desse modo, o estar-com-outros -sustentado na presença mútua dos manifestantes - torna-se o canal expressivo mais poderoso da Marcha. Essas “ritualizações de contato”, como fala Le Breton (2010Le Breton, D. (2010). Rostros. Ensayo de antropología. Letra Viva. ), explicam a linguagem emocional que permeia as relações sociais, expressa na maneira como os corpos são organizados no espaço, exibindo seus repertórios gestuais, mímicos e cinestésicos, no âmbito do protesto.

Nessa perspectiva, as emoções são constitutivas da tonalidade de qualquer modo de ser e de toda orientação para a ação. Assim, a elaboração política das emoções pode ser vista no magma afetivo que eclode na Marcha, onde são combinadas nuanças de tristeza e alegria (Roldán, 2019Roldán, M. (2019). “Más de una década de la Marcha de la Gorra en Córdoba, Argentina: un análisis diacrónico de sus demandas”. Persona y sociedad, 33(1), 108-132. https://doi.org/10.11565/pys.v33i1.257
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). Desse jeito, a festa e as cores marcam o ritmo de mobilização em contraponto à dor e raiva acumuladas ao longo do ano:

Eles queriam nos ver, queriam nos ouvir, queriam saber o que pensávamos. Imaginavam como estávamos com raiva, imaginavam como seria quando você ficava com raiva, como é um jovem de Córdoba, de um bairro pobre, quando fica com raiva. Assim estamos com raiva, jogando cores, jogando labaredas, cantando, escrevendo para a rua o que está acontecendo conosco. (Microfone oficial da Oitava Marcha, 2014)

Numa primeira abordagem, a Marcha mostra um clima alegre e brincalhão, um repertório de mobilização colorida e cheia de movimento que se expressa nos ritmos das bandas e percussões, nas danças não uniformes e heterogêneas, nos aplausos e cantos ao longo de toda a extensão da manifestação e nos rostos animados dos manifestantes. No entanto, ao pesquisar o universo perceptivo dos sujeitos, a afirmação sobre a existência de uma multiplicidade de climas emocionais (De Rivera, 1992De Rivera, J. (1992). Emotional climate: Social structure and emotional dynamics. International Review of Studies on Emotion, 2, 197-218. https://www.researchgate.net/publication/288262904_Emotional_climate_Social_structure_and_emotional_dynamics
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) que combina momentos de alegria e dor, raiva, indignação torna-se insistente:

Eu vejo em muitas crianças que ao mesmo tempo em que cantam e acenam contra a polícia, lembram-se de parentes que perderam, lembram-se dos momentos em que caíram presos, e isso depois revela muita raiva. (Entrevista pós-manifestação com jovem militante de um partido político, 21 anos)

Agora, você sabe que esta foto [aponta para uma fotografia das mães de vítimas de dedo frouxo] traz à mente a seriedade da questão, que há meninos mortos. Porque eu falo com você sobre a felicidade, sobre poder sair, mas, no fundo, a Marcha tem essa parte. Porque muitas pessoas vão porque se lembram dos familiares e amigos mortos. (Entrevista com um jovem autoconvocado, 29 anos)

Esse vasto espectro de climas emocionais, às vezes contraditórios, cinge a emocionalidade da Marcha em uma variedade de nuanças que vão desde a dor profunda da perda de um ente querido nas mãos da polícia, até o surgimento da festividade em várias manifestações culturais e corporais:

E... são sentimentos confusos porque eu sinto assim, como raiva, impotência, dor, assim, porque às vezes eu escuto as mães ou vejo as crianças, você entende? Eu conheço muitos casos, entende? E passam por minha cabeça... ou quando são nomeados [as vítimas de dedo frouxo], eu digo: “oh, que horror, que dor, que tristeza!”. (Entrevista pós-manifestação com jovem convocado, 24 anos)

Éramos muitas pessoas, e isso dá uma fortaleza, uma garganta, uma voz à Marcha. E, além disso, é uma manifestação mais como na alegria mesmo. Por exemplo, alguns grupos carregavam tochas, outros estavam com bandeiras e estávamos... como se tivesse uma tonalidade... não sei se é feliz, porque não era uma situação muito feliz, mas de certa forma é uma postura diante do que acontece com você. (Entrevista pós-manifestação com jovem militante de organização estudantil, 22 anos)

A necessidade de se opor ao medo sustentado pelo Estado, por meio da força de segurança, abre caminho para formas de ativação e transformação política que não precisamente se enquadram nos cânones da democracia formal (Bodei, 1995Bodei, R. (1995). Geometría de las pasiones: miedo, esperanza y felicidad. Filosofía y uso político. Fondo de Cultura Económica.). Mais importante ainda, permite a possibilidade de que as singularidades não deduzam seus direitos exclusivamente de leis ou princípios, mas de seu próprio poder de existir, alcançado em relação e em aliança política com seus próprios pares (Bodei, 1995Bodei, R. (1995). Geometría de las pasiones: miedo, esperanza y felicidad. Filosofía y uso político. Fondo de Cultura Económica.).

Figura 3
Mães de jovens mortos pela polícia

A possibilidade de se sentir habitado por uma luta coletiva permite combater as percepções de solidão e passividade resignada diante da opressão sofrida, depositando na ação coletiva a ilusão de transformação. A Marcha parece funcionar como catalisadora de todas aquelas emoções tristes que emergem da violência e da desvalorização diária desses jovens, transmutando-as em emoções alegres, através da subversão de poderes no espaço público e, fundamentalmente, junto com outros jovens que “fazem carne” a mesma afirmação:

Veja todas as pessoas na rua. Escute as músicas, sim, veja tudo... isso é, no momento em que as pessoas cantam, as pessoas estão andando, estão marchando e estão todas juntas. E também não é apenas o fato de estarem andando, ou seja, estão se abraçando, estão indo pulando. Isso gera muita emoção. Alegria e luta para mim são essenciais. Então você está colocando o corpo nisso, você está lutando por algo que todos os dias da sua vida faz você se sentir uma merda. E vê-los [os jovens] nas ruas, se divertindo, aquela luta, aquela luta que eles realizam todos os dias de suas vidas, mas agora essa luta é com os outros. Tem um apoio gigante. E esse apoio gigante que está lá fora, espalhado, está agora todo junto. Todos nós estamos indo na mesma direção. (Entrevista pós-manifestação com jovem militante de partido político, 22 anos)

Essa centralidade das emoções nos processos políticos se manifesta, para González Rey (2013González Rey, F. (2013). La subjetividad en una perspectiva cultural-histórica: avanzando sobre un legado inconcluso. CS, 11, 19-42. http://www.scielo.org.co/pdf/recs/n11/n11a02.pdf
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), pelo fato de elas operarem como expressão de uma subjetividade constituída a partir de histórias singulares, que confrontam o mundo atual em que o sujeito vive e cria, tornando-o capaz de transformar o processo de sua constituição sociocultural. Nesse sentido, percebe-se que sentimentos coletivos de esperança, de ilusão de transformação, começam a tomar forma, ao abrigo da Marcha. Esse horizonte é alimentado pelas trajetórias singulares daqueles que ousam ilusionar um desejo político, tornando viável uma passagem daquelas éticas voltadas para a manipulação e o autocontrole político das emoções em direção a uma ética que abre o campo à incomensurabilidade do desejo (Bodei, 1995Bodei, R. (1995). Geometría de las pasiones: miedo, esperanza y felicidad. Filosofía y uso político. Fondo de Cultura Económica.).

Finalmente, diante das expressões de pensamentos e emoções que cercam a ação política, torna-se imperativo refletir com base numa perspectiva que permita pensar a relação dos processos emocionais e cognitivos em termos de tensão e não de oposição. Isso possibilita compreender que os sujeitos agem utilizando a ação física na produção ativa de significados, como mais uma prática semiótica entre outras, renunciando ao reducionismo dualista de considerar que existe uma mente que pensa e um corpo que experimenta (Carozzi, 2011Carozzi, M. J. (2011). Las palabras y los pasos: etnografías de la danza en la ciudad. Gorla.). Nessa ordem de ideias, Bonvillani (2015Bonvillani A. (2015). Callejeando la alegría… y también el bajón. Etnografía colectiva de la Marcha de la Gorra. Encuentro Grupo Editor.) tem se referido à emocionalização da vida pública e aos modos como ela dialoga com formas emergentes de subjetivação. A autora usa a expressão “sentipensar-se” (Fals Borda, 2009Fals Borda, O. (2009). Una sociología sentipensante para América Latina. CLACSO.), para explicar a conjunção entre emoções e cognições que ocorrem, simultaneamente, no nível da corporeidade. Isso é visível no forte componente experiencial que a Marcha de la Gorra apresenta, onde músicas, danças, bandas de rua, teatro em marcha, abraços, saltos, risadas, até gritos e olhares, brotam energicamente dos corpos e para os corpos, de tal maneira que o ser-com-outros, sustentado na presença mútua dos manifestantes, se torna o canal expressivo mais evidente da manifestação.

Considerações finais

A questão da emocionalidade é apresentada como uma rede complexa de processos que estão sempre em tensão com outras dimensões - separáveis ​​apenas para fins analíticos - como as cognições e as ações. Quando o termo “político” é adicionado às demonstrações de emocionalidade, esse ardil se torna ainda mais complexo. Ao falar de emocionalidade política neste trabalho, se procurou explorar uma ação coletiva específica - a Marcha de la Gorra - como evento que abre a possibilidade de experimentar uma diversidade de climas emocionais, vinculados a processos sociopolíticos de resistência juvenil.

A disputa política sobre as emoções provocada pela Marcha apresenta ao corpo desses jovens como sendo o território no qual é possível a criação de novos sentidos e a invenção de maneiras novas e politicamente significativas de habitar o espaço público. Os jovens dos bairros populares de Córdoba irrompem com uma estética particular - com roupas, chapéus e acessórios que experimentam como próprios - e é, precisamente, a partir desses repertórios corporais que eles anunciam e instalam a reivindicação. Isso constitui uma dimensão fundamental dessa ação coletiva, uma vez que a perseguição sistemática policial sofrida por esses jovens é ancorada especificamente em características corporais e expressões culturais que são desacreditadas ou associadas a características perigosas. Assim, no cenário produzido pela Marcha, essas mesmas dimensões são reivindicadas e celebradas: a estética popular dos jovens, a procedência dos bairros populares e as produções culturais deles. Tudo isso se refere à constituição de sua própria linguagem e código de enunciação política, nos termos em que foi caracterizado por Melucci (1999Melucci, A. (1999). Acción colectiva, vida cotidiana y democracia. Centro de estudios sociológicos. El Colegio de México.) a partir da abordagem culturalista da ação coletiva.

Dessa forma, a corporeidade dos manifestantes foi mostrada como a âncora material na qual se afirmam as demandas da ação coletiva e como locus de expressividade da construção política com os outros, na copresença física na rua. Nesse sentido, o corpo dos jovens emerge como terreno de disputa, entre a sujeição causada pela ordem disciplinar da polícia e a transformação promovida pela ação coletiva.

Também foi possível identificar uma ampla gama de climas emocionais na Marcha, incluindo nuanças de alegria e tristeza. A partir do depoimento dos entrevistados, aparecem emoções ligadas à raiva, dor, indignação e até ao medo. Essas emoções estão ligadas a experiências de abuso policial, detenções arbitrárias, dificuldades para circular no tecido urbano, entre outras, que acabam configurando um sentimento profundamente enraizado de fartura e amargura. Dessa forma, a ação coletiva opera como um catalisador para as experiências angustiantes e as hetero e autoavaliações desacreditadoras que são consolidadas como resultado do assédio policial que esses sujeitos experimentam em suas vidas diárias; de tal maneira que o sentimento de impotência se torna potência de agir, poder de manifestar, de transformar. Isso evidencia o papel que as emoções desempenham como constitutivas da ação política. Nesse sentido, é interessante o movimento de transdução, de transmutação, que ocorre na Marcha, onde os sentimentos mais ligados a experiências dolorosas dão lugar a uma demonstração de alegria e à celebração que se manifesta no repertório festivo e colorido que caracteriza a mobilização (Roldán, 2019Roldán, M. (2019). “Más de una década de la Marcha de la Gorra en Córdoba, Argentina: un análisis diacrónico de sus demandas”. Persona y sociedad, 33(1), 108-132. https://doi.org/10.11565/pys.v33i1.257
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).

No seio da organização coletiva que é propiciada pela Marcha, sentimentos de confiança e esperança são gerados com a possibilidade de imaginar, juntamente com outros, a conquista de um desejo político. A transitoriedade e a brevidade da mobilização não a inibem em intensidade e potência. Pelo contrário, força e energia aparecem extensamente tematizadas nas falas dos entrevistados. A “alegria da rua” é apresentada como uma força que “invade” e da qual é muito difícil permanecer alheio, mesmo para a própria pesquisadora.

Finalmente, pensar na perspectiva da subjetividade implica partir de um olhar dinâmico e multidimensional do sujeito, que não reconhece causalidades únicas. Nesse sentido, a questão da emocionalidade é apresentada como uma complexa rede de processos que estão sempre em tensão com outras dimensões, como as cognições e as ações.

A Marcha de la Gorra já possui 13 edições desde a origem e, há alguns anos, começou a ser replicada em outras cidades da província de Córdoba e em toda Argentina. Assim, tem se consolidado como ação coletiva que combina o reconhecimento das expressões culturais dos jovens dos setores populares com a demanda pelo direito à vida e aos seus corpos. Tudo isso a converte em uma experiência de organização e resistência peremptória em relação à disputa das sensibilidades políticas desses jovens.

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Notas

  • 1
    Segundo Pita (2010)Pita, M. V. (2010). Formas de vivir y formas de morir. El activismo contra la violencia policial. Del Puerto; CELS., a expressão “gatilho fácil”, de uso popular na Argentina, refere-se a atos de violência policial nos quais há uso abusivo da arma de fogo. Em outros países, recebe nomes equivalentes (dedo frouxo, no Brasil; easy trigger, nos Estados Unidos). Em todos os casos, refere-se à “leveza” ou “facilidade” com que a polícia mata ou fere, em situações que vão do chamado “uso excessivo da força” até “execuções extrajudiciais” e “falsos confrontos”.
  • 2
    Trata-se de um dispositivo de intervenção artística usado na Marcha que emprega elementos do Teatro Espontâneo, do Teatro da Imagem e do Teatro do Oprimido. No contexto da manifestação, o objetivo é tornar visíveis sentidos não explícitos durante a Marcha, conteúdo relacionado às emoções e sensações vivenciadas no decorrer do evento. Esses conteúdos são dramatizados por um grupo de atores/atrizes que compunham previamente o grupo de teatro (Paez & Panessi, 2015Paez, L. & Panesi, L. (2015): Análisis de las intervenciones escénicas en la Marcha de la Gorra. In A., Bonvillani (Ed.), Callejeando la alegría… y también el bajón. Etnografía colectiva de la Marcha de la Gorra (pp. 109-149). Encuentro Grupo Editor.).
  • 3
    Na história recente de Córdoba, os movimentos antirrepressivos questionaram repetidamente a arbitrariedade tanto na redação quanto na aplicação dos códigos para as contravenções. Quando a Marcha de la Gorra começou a ocorrer, em 2007, o Código de Faltas (CF-Lei nº 8.431Ley Provincial n. 8.431: Código de Faltas de la Provincia de Córdoba. Texto Ordenado 2007 n. 9.444.) regulamentava o campo contravencional. Em abril de 2016 foi substituído pelo Código de Convívio Cidadão (CCC-Lei nº 10.326Ley Provincial n. 10.326: Código de Convivencia Ciudadana de la Provincia de Córdoba.). Ambos os códigos apresentam figuras como “Conduta suspeita” que é das mais utilizadas para a ocorrência de detenções e prisões arbitrárias.
  • Financiamento: A autora recebeu uma bolsa de doutorado do CONICET (Argentina) para o desenvolvimento dessa pesquisa.
  • 6
    Aprovação, ética e consentimento: Todas as imagens utilizadas correspondem ao banco de fotografias públicas gerado pela própria organização Marcha de la Gorra, na qual a autora participa, e são de circulação pública através das redes sociais da Marcha.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    05 Ago 2020
  • Revisado
    15 Out 2020
  • Aceito
    02 Nov 2020
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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