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COM O QUE SONHAM OS LOUCOS? PROJETOS DE VIDA DE USUÁRIO(A)S DE SAÚDE MENTAL

¿CON QUÉ SUEÑAN LOS LOCOS? PROYECTOS DE VIDA DE USUARIO(A)S DE SALUD MENTAL

WHAT DO CRAZY PEOPLE DREAM OF? LIFE PROJECTS OF MENTAL HEALTH USERS

Resumo

Este artigo visa a compreender os projetos de vida formulados por pessoas com experiência de sofrimento psíquico grave e uso abusivo de álcool e outras drogas em processo de desinstitucionalização em saúde mental. Para tal, foi desenvolvido um estudo etnográfico, com finalidade de identificar interações entre operadores de desinstitucionalização, que podem ser entendidos como processos, dinâmicas ou ações que atuam sobre o cotidiano e a inserção social desses sujeitos. Pôde-se verificar que a tessitura desses projetos em direção ao futuro se apresenta como um trabalho de cuidado de si nos termos foucaultianos, em que são manejadas diversas acepções sobre a saúde, tal como concebidas por Fassin (2000).

Palavras-chave:
Desfechos Psicossociais; Autodefesa; Estigma em Saúde Mental; Observação Participante; Grupos Marginalizados

Resumen

El artículo tiene como objetivo comprender los proyectos de vida formulados por personas con experiencia de malestar psicológico severo y abuso de alcohol y otras drogas en el proceso de desinstitucionalización en salud mental. Se desarrolló un estudio etnográfico con el objetivo de identificar interacciones entre operadores de desinstitucionalización, que pueden entenderse como procesos, dinámicas o acciones que actúan sobre la vida cotidiana y la inserción social de estos sujetos. Se pudo comprobar que el tejido de estos proyectos hacia el futuro se presenta como un trabajo de cuidado de sí mismo en los términos foucaultianos, en el que se manejan diferentes significados sobre la salud, tal como lo concibe Fassin (2000).

Palabras clave:
Resultados Psicosociales; Autodefensa; Estigma de salud mental; Observación Participante; Grupos marginados

Abstract

This article aims to understand life projects formulated by people with experience of severe psychological distress and abuse of alcohol and other drugs in the process of deinstitutionalization in mental health. To this end, an ethnographic study was developed with the aim of identifying interactions between deinstitutionalization operators, which can be understood as processes, dynamics or actions that act on the daily lives and social insertion of these subjects. We observed that the weaving of these projects towards the future is presented as a work of care of the self in Foucaultian terms, in which different meanings about health are handled, as conceived by Fassin (2000).

Keywords:
Psychosocial Outcomes; Self-advocacy; Stigma in Mental health; Participant Observation; Marginalized Groups

Introdução

A desinstitucionalização, sendo “um processo prático de desconstrução e, simultaneamente, um processo de invenção de novas realidades” (Amarante, 1996Amarante, P. (1996). O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Fiocruz., p. 30), em que medida tal processo altera os projetos de vida, ou seja, tanto a capacidade de sonhar um presente e um futuro diferente, quanto o conteúdo desses sonhos, para quem passou por uma trajetória de institucionalização no campo da psiquiatria/saúde mental? Tal foi o questionamento que impulsionou o presente trabalho.

Follmann (2001Follmann, J. I. (2001). Identidade como conceito sociológico. Ciências Sociais Unisinos, 37(158), 44-65., p. 45) afirma que “o ser humano é um ser de projeto”, “um ser intencional”, que se planeja, sonha, deseja, aspira, apropria-se, frustra-se, remaneja-se e idealiza-se. Um projeto antecipa o futuro, por um ato de imaginação, mas também cria o futuro, já que impulsiona um movimento, tornando-se um pré-requisito essencial da ação (Gonçalves, Vieira-Silva, & Machado, 2012Gonçalves, A. M., Vieira-Silva, M., Machado, M. N. M. (2012). Projeto de vida no discurso de jovens músicos. Psicologia em Estudo, 17(4), 639-648.). Por esse prisma, “todo projetar consiste na antecipação do futuro conduzida por meio do fantasiar” (Schutz, 1962Schutz, A. (1962). Collected papers I: the problem of social reality. Martinus Nijhoff., p. 20, tradução livre). Simultaneamente, liga-se à ação ao antecipá-la, mas também articula as possibilidades e expectativas de realização aos elementos do tempo presente, bem como à trajetória biográfica e ao acervo de conhecimento que se possui. Dessa forma, trata-se de uma experiência inerentemente intersubjetiva e social.

Ciampa (1994Ciampa, A. C. (1994). A estória do Severino e a história da Severina - Um ensaio de psicologia social. Brasiliense.) afirma que a construção consciente de um projeto de vida tem íntima ligação com a construção de uma identidade política e pode conduzir a um processo emancipatório e de confronto com políticas de identidade impostas de fora, como em processos de estigmatização sofridos por pessoas psiquiatrizadas.

Nem todas as condições são ideais à concepção de projetos de vida que também sejam projetos de saúde, embora possa se dizer que eles podem nascer - e frequentemente nascem - em condições desfavoráveis, como o cárcere, os sofrimentos extremos, os adoecimentos incuráveis, ou a guerra. Muito frequentemente, projetar um futuro é imaginar-se em uma situação mais alvissareira, menos opressora (Gonçalves et al., 2008Gonçalves, H. S., Borsoi, T. S., Santiago, M. A., Lino, M. V., Lima, I. N., & Federico, R. G. (2008). Problemas da juventude e seus enfrentamentos: um estudo de representações sociais. Psicologia & Sociedade, 20(2), 217-225.). Amarante (1996Amarante, P. (1996). O homem e a serpente: outras histórias para a loucura e a psiquiatria. Fiocruz.) vislumbra futuro semelhante para pessoas institucionalizadas por condição de sofrimento psíquico, destacando o papel do “processo de desinstitucionalização [que] demonstra tornar-se possível construir e inventar novas perspectivas de vida e subjetividade para aqueles mesmos sujeitos, e não apenas 'evoluções' e 'prognósticos' da doença mental” (p. 31).

Projetos pessoais, por sua vez, frequentemente estão associados a projetos coletivos, pela apropriação e interiorização de valores, normas e costumes (Gonçalves et al., 2012Gonçalves, A. M., Vieira-Silva, M., Machado, M. N. M. (2012). Projeto de vida no discurso de jovens músicos. Psicologia em Estudo, 17(4), 639-648.). Existe a possibilidade de que pessoas, cuja vida não tem valor social, tendam a projetar desfechos trágicos para o seu futuro, ou sejam silenciadas (Melsert & Bock, 2015Melsert, A. L. M. & Bock, A. M. B. (2015). Dimensão subjetiva da desigualdade social: estudo de projetos de futuro de jovens ricos e pobres. Educ. Pesqui., 41(3), 773-790.). Por outro lado, pessoas em situações precárias e críticas, mas que desfrutam de interações humanas e/ou acesso a recursos que lhes fazem crer que suas vidas valem a pena, podem elaborar projetos de vida cheios de esperança (Silveira, Machado, Zappe, & Dias, 2015Silveira, K. S. S., Machado, J. C., Zappe, J. G., & Dias, A. C. G. (2015). Projetos futuros de adolescentes privados de liberdade: implicações para o processo socioeducativo. Psicologia: Teoria e Prática, 17(2), 52-63.).

A emancipação de milhares de pessoas de uma condição de manicomialização é uma realidade produzida pelas reformas psiquiátricas (Desviat, 2015Desviat, M. (2015). A Reforma Psiquiátrica. Fiocruz.), em diversas partes do mundo. A defesa da vida e da liberdade ganha um lugar de centralidade e se contrapõe a todo tipo de experiência que conduz à mortificação do eu (Goffman, 1988Goffman, E. (1988). Estigma: notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. LTC.). Propomos aqui que projetos de vida por elas elaborados oferecem pistas relevantes acerca de condições reconhecidas como promotoras de saúde em suas múltiplas acepções (Fassin, 2000Fassin, D. (2000). Entre politiques du vivant et politiques de la vie. Pour une anthropologie de la santé. Anthropologie et Sociétés, 24(1), 95-116.), projetadas no futuro.

Analisamos esse movimento de projetar um futuro como um trabalho de cuidado de si (Foucault, 2004Foucault, M. (1984/2004). A ética do cuidado de si como prática da liberdade. In Ditos & Escritos V - Ética, Sexualidade, Política (pp. 264-287). Forense Universitária.), em que, por intermédio de exercícios imagéticos e de antecipação de uma vida boa, construídos a partir da substância ética da luta antimanicomial, um corpo político vai ganhando forma e expressão.

A defesa da vida e da saúde na Reforma Psiquiátrica Brasileira e a invenção de futuros possíveis

A Reforma Psiquiátrica Brasileira (RPB), na esteira da Reforma Sanitária, é um movimento de luta em defesa da democracia, da saúde e da vida. Historicamente situada em um momento de redemocratização do Estado brasileiro, tem a vida como um valor primeiro e sua defesa intransigente se volta para todos os espaços onde se observavam, à época, violações aos direitos humanos, quer seja nos porões da ditadura, nos manicômios ou nos bolsões de pobreza. O ethos de uma saúde mental que emerge dessa luta ganha, portanto, contornos políticos e forte inscrição social. No âmbito do Sistema Único de Saúde, significou uma profunda reorganização do cuidado nas bases de um direito universal, público e integral à saúde (Ministério da Saúde, 2003Ministério da Saúde. (2003). Secretaria Executiva. Coordenação Nacional de DST/Aids. A Política do Ministério da Saúde para atenção integral a usuários de álcool e outras drogas. Autor.).

De modo mais amplo, a luta cultural empreendida pela RPB, especialmente realizada a partir dos saberes e práticas concretos ligados a um modo de cuidar em liberdade, ainda que limitada no seu alcance, incide especialmente sobre as mentalidades daqueles e daquelas que puderam experimentar as novas tecnologias de cuidado e do governo da loucura. Para esse(a)s, a realidade sofreu um ponto de inflexão, que surge com grande eloquência nos seus relatos, tecidos por significantes que evidenciam significados e práticas de produção de vida e saúde.

Essa relação entre vida e saúde é focado por Fassin (2000Fassin, D. (2000). Entre politiques du vivant et politiques de la vie. Pour une anthropologie de la santé. Anthropologie et Sociétés, 24(1), 95-116.), para quem “[o] estudo da saúde começa lá onde a doença, saindo da relação em princípio confidencial entre o paciente e o terapeuta, coloca em jogo o corpo social” (pp. 99-100, tradução livre). Sob esse olhar, a saúde emerge como produção social, já que é a sociedade que a define, bem como dá expressão sanitária a certas realidades em detrimento de outras, assumindo os jogos de poder à base dessa produção. Destaca ainda como isso pode operar no corpo individual, que é sempre social e político, definindo, assim, a antropologia política do corpo como um dos eixos da antropologia política da saúde.

Esses eixos da antropologia política nos servirão como abordagem teórica para o argumento proposto nesse artigo, entendendo a Reforma Psiquiátrica Antimanicomial como matriz de produção de corpos que tendem a redefinir sua experiência ou expectativa de vida e saúde a partir de novas inscrições sociais e novos parâmetros políticos, desvelando, portanto, uma mudança social. Essa Reforma traduz-se no direito à vida como um bem maior, que se desdobra em uma série de direitos e em uma racionalidade clínico-política que sustenta o pensamento antimanicomial (Nader, 2019Nader, A. (2019). O não ao manicômio. Fronteiras, estratégias e perigos. Benjamin Editorial.). Este nos acena com “um novo campo de visibilidades [que] foi produzido e, a partir dele, outras práticas se tornaram possíveis” (Nader, 2019, p. 82), ainda que siga periférico e contra hegemônico no debate social.

Um campo de possibilidades de onde emergem projetos de vida

Argumentamos que esse novo campo de visibilidades aportado pelo discurso antimanicomial produziu subjetividades alternativas. Com elas, abrem-se novos imaginários a revelarem horizontes de possibilidades para uma vida que carregue em si a antítese do manicomial. Pleiteamos, neste artigo, que uma forma especial de colocar em evidência a saúde produzida ou desejada pelos nossos interlocutores é quando eles falam de seus projetos de vida. A saúde, nas suas múltiplas acepções, guarda íntima relação com as políticas dos viventes e da vida. Uma das formas de expressar as disputas em jogo no âmago das várias acepções de saúde encontra-se nos obstáculos sentidos pelas pessoas em sofrimento psíquico na vida presente, que as faz quererem formular uma vida melhor no futuro, indicando uma disposição de superar a tensão.

Esse movimento fica claro ao observarmos que a construção de muitos dos projetos de vida se inscrevem em situações concretas da existência, por vezes associadas a dificuldades, limitações, interdições, impossibilidades ou recalcitrâncias. Nesse caso, os projetos tendem a se situar na perspectiva de desobstrução, superação, produção de atalhos, ou até de pequenas sabotagens em relação a essas situações.

Essas vidas projetadas guardam analogia aos “projetos de felicidade”, elaborados por Ayres (2004Ayres, J. R. C. M. (2004). O cuidado, os modos de ser (do) humano e as práticas de saúde. Saúde e Sociedade, 13(3), 16-29.), em uma perspectiva existencial valorada positivamente. Tal como apontado pelo autor, também os projetos que observamos apresentavam um caráter contrafático, ou seja, pareciam avessos a uma definição a priori, porque surgiam a partir de obstáculos concretos. Há, no projeto, portanto, concretude ligada à experiência, mas também abstração ligada ao devir. Modelados como argila na perspectiva heideggeriana, os projetos de vida podem ser entendidos também como “práticas de si”, conceito elaborado por Foucault (2014Foucault, M. (1982/2014). As técnicas de si. In Ditos & Escritos IX: Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade (pp. 264-296). Forense Universitária..), através das quais os sujeitos, sozinhos ou coletivamente, realizam um processo de subjetivação e de elaboração ética.

Os projetos de vida enquanto práticas de si realizam um trabalho de produção de saúde como uma espécie de “ethos antimanicomial encarnado”. Nessa perspectiva, defendemos que a existência de uma substância ética construída pela Reforma Psiquiátrica funciona como substrato na construção dos projetos de futuro das pessoas em sofrimento psíquico. Isso lhes possibilita realizar um trabalho sobre si, por intermédio de exercícios práticos (regulação do cotidiano, trabalho, formação, militância, escrita de si, religiosidade...) que envolvem a relação consigo própria e de si com os outros. Esse movimento de produção de vida delineia as políticas dos corpos, antecipando saúde (mental) nas suas múltiplas acepções quando veiculam aspectos jurídicos, morais, intelectuais, tecnológicos nos seus discursos.

Metodologia

Realizamos um estudo etnográfico com o objetivo de analisar trajetórias de desinstitucionalização de pessoas com experiência de sofrimento psíquico grave e uso abusivo de álcool e outras drogas. Buscamos, nessas trajetórias, identificar as dinâmicas do que chamamos de operadores de desinstitucionalização, que definimos como processos, dinâmicas ou ações que produzem, realizam, executam, ou disparam pontos de inflexão ou pontos de virada nas vidas, e experiências dos sujeitos em situação de institucionalização, no sentido de gerarem condições para ou de favorecerem situações de inserção social.

Esses operadores foram representados por três categorias centrais: (a) autonomia, (b) equidade social e (c) integralidade, respectivamente associadas às esferas da moral/ética/normatividade social, dos direitos/justiça social e do cuidado/saúde. Para isso, foi empreendida uma etnografia do cotidiano dos casos escolhidos, durante dois anos, transitando com os mesmos nos espaços por eles franqueados, como família, vizinhança ou instituições de cuidado, incluindo outra(o)s interlocutores na pesquisa. Examinamos também suas histórias de vida, que detalhavam suas experiências de sofrimento psíquico e social e seus itinerários terapêuticos.

Para esse artigo, trabalhamos com 16 casos, entre os 19 acompanhados em Salvador - BA, que apresentaram relatos referidos a projetos de vida. Essas pessoas tinham entre 26 e 73 anos de idade e já tinham vivido, ao menos, uma hospitalização psiquiátrica, ou em hospital de custódia, ou em comunidade terapêutica, por período mínimo de seis meses seguidos, ou um conjunto de reinternações sucessivas, características do fenômeno da “porta giratória”: um ciclo acelerado de altas e readmissões “com pouco ou quase nenhum tempo de convívio familiar ou comunitário entre uma internação e outra” (Silveira, Rocha, Rocha, & Zanardo, 2016Silveira, L. H. C., Rocha, C. M. F., Rocha, K. B., & Zanardo, G. L. P. (2016). O outro lado da porta giratória: Apoio comunitário e saúde mental.Psicologia Em Estudo,21(2), 325-335., p. 326). Quase todas essas pessoas faziam tratamento em centro de atenção psicossocial, à exceção de uma que “se deu alta” de todo tratamento psiquiátrico.

Pré-definimos categorias que indicariam, nas trajetórias das pessoas, a ocorrência de processos de desinstitucionalização (Rotelli, Leonardis, & Mauri, 2001Rotelli, F., Leonardis, O., & Mauri, D. (2001). Desinstitucionalização, uma outra via. In F. Nicácio (Org.), Desinstitucionalização (pp.17-60). Hucitec.), referendadas por uma consulta através de oficinas com usuários e familiares da luta antimanicomial. Os projetos de vida emergiram como uma categoria de análise a partir do trabalho de campo, estabelecendo um fluxo de continuidade, ou ruptura, com os processos de (des)institucionalização em uma trajetória de vida. Assim, os Projetos de vida (código EXP-PROJ) diziam respeito a planos ou ideias referidas à vida futura, presentes em relatos, mesmo que, por vezes, apresentados como um projeto já abortado. Os projetos não necessariamente se referiam a um futuro radiante, cheio de possibilidades. Eram muito diversos, pois podiam evidenciar pequenas aspirações, mais imediatas, rotineiras, mas também chegar a utopias de transformações mais amplas, envolvendo ideais coletivos.

A interpretação desses projetos foi estabelecida a partir de uma análise hermenêutica de base ricoeuriana, que os diferenciou a partir da relevância significativa que ganhavam para as pessoas relacionada a dimensões das suas vivências: o mundo dos afetos, do trabalho, da espiritualidade, do saber, da militância, ou da memória. Interpretamos as narrativas dos nossos interlocutore/as ao modo de “um texto”, ou seja, pelas qualidades que “um discurso fixado pela escrita” nos apresenta, na perspectiva de Paul Ricoeur (1989Ricoeur, P. (1989). Do texto a acção: ensaios de hermenêutica II. RÉS-Editora., p. 141). Essa fixação, segundo o autor, lhe garante uma autonomia semântica, que valoriza o que o texto significa (“o dito como tal”), sem perder de vista a situação dialógica que o antecede - o fato do discurso ter sido dito por alguém, para alguém e em um contexto específico (Ricoeur, 1976, p. 42Ricoeur, P. (1976). Teoria da interpretação: o discurso e o excesso de significado. Edições 70.). Essa dupla face permite uma interpretação que se objetiva pela abertura ao mundo e à intertextualidade aportada pelo/a leitor/a, ao mesmo tempo que filtra a polissemia do texto pelo contexto no qual ele é apresentado e pela própria intenção do autor. Produz-se, portanto, a partir de um círculo hermenêutico, que reconstrói o sentido (a dinâmica interna do texto) e a referência do texto (a geração de um mundo pelo texto).

Em seguida, fizemos uma proposta de agrupamento desses projetos interpretados nos seus significados experienciais em modalidades que se aproximaram das acepções de saúde apresentadas por Fassin (2000Fassin, D. (2000). Entre politiques du vivant et politiques de la vie. Pour une anthropologie de la santé. Anthropologie et Sociétés, 24(1), 95-116.), com o objetivo de destacar o cerne das tensões presentes que apontavam para uma resolução no futuro.

Fassin (2000Fassin, D. (2000). Entre politiques du vivant et politiques de la vie. Pour une anthropologie de la santé. Anthropologie et Sociétés, 24(1), 95-116.) avança na sua concepção de saúde, recorrendo às diferenças entre os termos salus, sanitas e salubritas. Com isso, ele busca sair do reducionismo médico-corporal de interpretar a “nebulosa saúde” para reacender seus aspectos jurídicos, morais, intelectuais e tecnológicos.

No decorrer da nossa análise, agrupamos o primeiro conjunto de projetos em torno da noção de salus, no domínio das tensões entre o físico e o cívico, o bem e o direito. São relatos que remetem às interações sociais, habilidades e fazeres desenvolvidos no campo dos afetos, do trabalho, ou das materialidades, que precisariam ser resgatados para a ocupação de um novo lugar social. Transitam por quatro subgrupos, que incorporam: (a) Laços, interações e papéis sociais; (b) Atividades cotidianas, habilidades e trabalho; (c). Estudar, pesquisar, tornar-se profissional; e (d) Dinheiro, bens e desejos de consumo.

O segundo grupo de projetos gira em torno da noção de sanitas, no domínio da tensões entre o patológico e a norma, a racionalidade e o valor. São relatos que resgatam modos de andar a vida mais saudáveis, sob novas normatividades, e apontam para um encantamento do mundo. Incluem três subgrupos que se referem a: (a) a esfera do sagrado; (b) higiene de vida e saúde; (c) autonomia e liberdade.

O terceiro grupo de projetos gira em torno da noção de salubritas, no domínio da tensões entre o individual e o coletivo, a técnica e a política. São relatos que se dirigem para o coletivo, para um legado que se deseja deixar na terra ou de ações de ajuda para outras pessoas, participações políticas e na luta, com o objetivo de favorecer a continuidade do projeto político ou do projeto de um cuidado melhor. Dividem-se em dois subgrupos: (a) A militância; (b) A escrita de si e a memória.

O anonimato de todos os interlocutores foi preservado e identificados por pseudônimos no corpo do texto. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) do Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, sob o número de parecer 023-12.

As múltiplas acepções de saúde nos projetos de vida de pessoas em sofrimento psíquico

Salus: os afetos, o conhecimento, o trabalho e os bens

Laços, interações e papéis sociais

O desejo de reatar laços, melhorar interações sociais e desempenhar papeis sociais interditados pelo incremento ou reorganização das relações sociais responde às perdas que as pessoas tiveram na qualidade das relações estabelecidas, fruto de preconceitos. Frequentemente julgadas como imaturas, instáveis, ou perigosas e, portanto, responsáveis pelo desenvolvimento de relações conflituosas ou inadequadas, o que se observa, em muitos dos casos, é o oposto: pessoas em sofrimento psíquico reagem a provocações ou a tipificações estereotipadas.

Preconceitos, no entanto, são tão arraigados que, não raras vezes, são incorporados pela própria pessoa acometida de uma vivência dessa natureza. Em decorrência desses preconceitos e de muitos estigmas, galgar determinadas posições sociais e ocupar determinadas funções lhes é um feito árduo, às vezes quase impossível. Diante disso, muitos projetos de pessoas em sofrimento psíquico buscam superar empecilhos, conquistar possibilidades de inserção, ou resgatar laços perdidos em decorrência dessas reações sociais.

Notadamente, relações de parentalidade não se realizam na sua plenitude em decorrência de julgamentos que questionam a capacidade moral, psíquica ou fisiológica de pessoas com experiências de sofrimento de serem bons pais ou boas mães (Barbosa, Jucá, Torrenté, Jesus, & Carneiro, 2017Barbosa, A. S., Jucá, V. J. S., Torrenté, M. O. N., Jesus, C. M. S., & Carneiro, U. S. S. (2017). Loucura e abuso de substâncias psicoativas: Desinstitucionalização e as vicissitudes da parentalidade. Estud. Psicol. (Natal), 22(2), 183-194.). Assim, Roque, que sofre impedimentos por parte da ex-mulher de estar com a filha, pelo fato de ser usuário de drogas, manifesta a sua intenção de ter mais lazer com a menina, poder ensiná-la e interferir na sua vida. Avalia que já alcançou uma situação importante de redução de danos, que permite que ele desempenhe esse papel.

Luísa, cujo filho é criado por sua tia, tem o desejo de poder sair e ficar regularmente com ele, embora não queira criá-lo, por saber que não tem condições de arcar materialmente com os custos da sua educação e alimentação e lidar com a eventual necessidade de interromper as medicações. O tema da maternidade aparece enquanto projeto ambivalente, entre o desejo, as reminiscências, as impossibilidades e as interdições medicalizadas, elementos contabilizados na projeção da situação de saúde:

Eu penso melhorar. Penso em diminuir os medicamentos, porque a injeção que eu tomo, eu já fiz um teste, não consigo deixar de tomá-la. Aí eu falei com o médico, ele disse: é bom cuidar da sua saúde, é melhor cuidar da sua saúde do que ter um filho, se preocupar com o filho e ter problema de saúde e não poder cuidar do filho.

Outro projeto que surge nas narrativas, com certa eloquência, é o de constituir uma relação amorosa, ou então renunciar à mesma. Muitos tabus foram construídos em torno desse tema, desde aqueles de ordem genético-eugenista, voltados para a busca de não reprodução da doença pela hereditariedade, até outros mais afeitos às vidas das relações, de acordo com os quais pessoas com problemas psíquicos teriam menos condições de estabelecer uma vida de casal, ou de cumprir suas obrigações e responsabilidades. Esses pressupostos podem justificar-se por desejos de tutela por parte de familiares, chegando à intenção de controle de benefícios financeiros dos quais algumas dessas pessoas possam dispor.

No sonho de construir relações amorosas, nossos interlocutores expressam a vontade de romper com essa difícil concretização. Essa dificuldade se delineia como uma impossibilidade a partir de situações repetidas, e não necessariamente como interdição explícita. São pequenos movimentos interceptados e gestos aparados, refletidos na héxis corporal e na expressão dos sentimentos, chegando à elaboração de justificativas para o seu adiamento, ou esquecimento.

João deseja constituir família e comenta a interferência negativa da mãe nesse projeto: “Eu tenho um sonho muito grande em me casar... Minha família vai ser minha mulher, quando eu casar, que eu sei que está perto. Já tive alguém, e deixei, porque a mãe não queria. Hoje estou estudando a Bíblia”. Aqui, a referência a uma vida religiosa aparece como uma garantia moral que favorece a aposta. Segundo registrado por um dos pesquisadores, Luísa, antes de conhecer o atual companheiro, “começa a me comentar que gostaria de ter um namorado, mas acha que vai morrer sozinha” (Diário de campo).

Senhorita Souza fala do seu desejo de casar, progressivamente distanciado pelas expectativas de seu pai de ter tido um filho do sexo masculino, que fortemente influenciaram a elaboração de sua corporeidade e de sua performance de gênero. Jandira chega a dizer que não lembra dos sonhos: “Eu pensava em me casar. Eu não me lembro não. Eu tinha sonhos, assim, mas não me lembro não”. De forma oposta, Loreta afirma renunciar a ter um homem na sua vida, denunciando, por vivências reais ou imaginárias, violências que a fazem enterrar o que já foi um interesse em sua vida:

Loreta: Eu não gosto desse dormitório, não (refere-se à Residência Terapêutica).

Entrevistadora: Não gosta de morar na casa?

Loreta: Sempre, quando eu acordo, tô com uma pessoa que fui estuprada.

Entrevistadora: Mas os homens daqui já fizeram alguma coisa com você?

Loreta: Não, que eu saiba, não.

Entrevistadora: Você fica com receio que aconteça?

Loreta: É, e, hoje, eu me acho uma mulher heroica, não ligo mais pra homem, de jeito nenhum, piorou mulher, né? Que eu não sou sapatona... O homem, eu venci o homem, não quero mais homem na minha vida...Vou isolar eles todos, até o rei da Inglaterra, príncipe, me pedindo, quero não.

Em outras palavras, na elaboração de cada projeto enquanto práticas de cuidado de si, observa-se um percurso de tentativas e de reconhecimento de eventuais impossibilidades.

Atividades cotidianas, habilidades e trabalho

Esse grupo de projetos se situa no universo laborativo, ou dos fazeres, no qual se inserem as atividades cotidianas, as habilidades e o trabalho. As impossibilidades nesses planos são, por vezes, ainda maiores do que aquelas que envolvem o universo das relações afetivas. Remetem ao que Castel (1977/1978)Castel, R. (1978). A Ordem Psiquiátrica - A idade de ouro do alienismo. Graal. aponta como a forjada incompatibilidade entre os loucos e o mundo do trabalho, desde o momento da constituição da loucura como doença mental, justificada pela insígnia da irresponsabilidade e da desrazão que a caracterizariam. Os doentes mentais passam a ser regidos por normas que não os sujeitam a tarefas, mas que os mantêm sob tutela. Essa insígnia se revela em nossos dias pela constatação da perda de poder aquisitivo de pessoas com diagnósticos psiquiátricos, associada à dificuldade de inserção no mercado de trabalho formal, ou à perda, afastamento do emprego, ou aposentadoria precoce.

Como um círculo vicioso, estar desempregado também é um fator de risco para desenvolver transtornos mentais comuns e pessoas com diagnóstico de transtorno mental. Uma vez afastadas por essa razão, têm grande dificuldade de retorno ao trabalho (Neves, Nunes, & Magalhães, 2015Neves, R. F., Nunes, M. O., & Magalhães, L. (2015). As interações entre os atores no retorno ao trabalho após afastamento por transtorno mental: uma metaetnografia. Cadernos de Saúde Pública, 31, 2275-2290.). Para agravar a situação, os sintomas, as crises e o uso de medicamentos debilitam as pessoas e reduzem muito a sua capacidade para o trabalho em determinados momentos da vida, e, por vezes, as tornam inaptas ao trabalho. Essas dificuldades se expressam nos projetos delineados pelo(a)s entrevistado(a)s, como tensões a serem superadas.

Bárbara reconhece que a crise psíquica a deixa abatida e sem dinâmica. Isso se reflete em atividades que eram muito fáceis e costumeiras, como costurar as fraldas dos bebês da família. Fazer as compras para confeccionar o enxoval da neta que vai nascer é um projeto que antecipa a restauração dessa capacidade, atribuindo-lhe um valor na família situado no universo do feminino. Para alguns, o mais difícil não é trabalhar, mas manter-se no trabalho, como dizem Leonardo e João. São reconhecidos e valorizados pela grande capacidade de trabalho, mas instáveis no emprego por causa da tendência à impulsividade e à briga, por terem baixa tolerância a interferências ou pressões de terceiros. Em uma visão mais politizada, resistem a práticas de humilhação e exploração, projetando na mira novos trabalhos.

Em que pesem as limitações para o exercício de atividades laborativas, o trabalho é uma realidade na vida da maioria dessas pessoas, sendo múltiplas e variadas as tarefas que executam. O trabalho, pensado em senso largo, não apenas é muito valorizado, mas é realizado com diversos graus de intensidade e de elaboração. Dona Candelária, aposentada por invalidez e baiana de acarajé, se encarrega de uma lista de tarefas a resolver até o fim do ano, sendo os primeiros itens relacionados a ajudas concretas para as suas filhas, que dependem dela para se sustentarem. Matias, por sua vez, demonstra uma vontade de empreendedorismo após ter sofrido um atropelamento (suspeita-se de tentativa de suicídio) e perdido um braço. Manifesta um desejo de mudança, de “tocar a vida de outra forma”. Para isso, acredita que seria útil receber o seguro de acidente ao qual tem direito, para investir em um projeto de trabalho.

Prospectivamente, várias dessas pessoas manifestam o desejo de retomar uma rotina interrompida de atividades, almejam se ocupar das tarefas domésticas das suas casas e ter a possibilidade de gerenciá-las. Algumas gostariam de sair de uma situação de instabilidade e precarização em trabalhos eventuais, no estilo de biscates, e passarem a ter uma renda mais estável e maior, como reivindicado por Rosa, que alega que o problema da saúde mental é social, e sua solução envolve o direito à renda. Esse desejo de ter uma renda mais constante e condizente com as suas necessidades vai aparecer também no próximo grupo de projetos.

Estudar, pesquisar, tornar-se profissional

O desejo de estudar, pesquisar e tornar-se profissional aparece em continuidade com o exercício de atividades laborativas, destacando-se, neste grupo de projetos, o aspecto da aquisição de conhecimentos, ou a valorização daqueles já acumulados pela experiência de adoecimento. Observam-se desde os clássicos projetos de acessar o mundo dos estudos, ou retomar uma trajetória escolar rompida, até reivindicações pautadas em uma nova militância, na qual se reconhece a necessidade de potencializar, pelo seu aprofundamento e por meio de pesquisas, o conhecimento que nasce da própria experiência de ter problemas psíquicos. Aqui, há um projeto de utilizar-se desses conhecimentos para ajudar outras pessoas, mas também para aquisição de capital simbólico, sendo reconhecido e valendo-se disso na inserção social e na possibilidade de ganhar dinheiro. Isso pode ser visto no depoimento de Lázaro, usuário que frequentemente dá palestras em universidades, e que deseja montar uma equipe de pesquisa: “Eu não queria ser diretor de finanças. O que entendo disso?... Cabe a mim ser inteligente de fazer uma equipe de pesquisa pra trabalhar comigo, porque eu não sou otário. Se eu não sei trabalhar com isso, vou fazer com gente que entenda.”

A esse diferencial concedido pela experiência própria do adoecimento se acrescenta o aspecto de literacy, ou seja, da vontade de se informar sobre transtornos mentais. E, mais do que isso, o propósito de desenvolvimento da escuta e da capacidade de aliviar dores alheias, que aparecem no projeto profissional de Tiago:

Hoje me vejo totalmente, toda terça, agora, tenho que fazer uma pós de psicologia, tenho que ler, tenho não sei o quê, e tenho que fazer psicologia. É um meio de ajudar e de ganhar dinheiro, também. Então, eu acho que eu vou ser um profissional mais diferenciado que “qualquer outro profissional que tem no Brasil” (aumento do tom de voz), que eu tenho experiência de pessoas, de ouvir pessoas, de fazer minha própria pesquisa de campo, lá.

Dinheiro, bens e desejos de consumo

O quarto conjunto de projetos se relaciona intimamente aos dois anteriores, ou seja, ao mundo do trabalho e à necessidade de aquisição de conhecimentos, embora não necessariamente se coadune com os mesmos. São projetos ligados a ganhar dinheiro, adquirir bens e desejos de consumo. Aqui, o que se destaca é a relação com os bens materiais. Esses projetos podem vir da participação das pessoas no mundo do trabalho, mas podem estar também vinculados a outras possibilidades. Entre essas, destaca-se o recebimento do BPC, mas também desejos de fortuna repentina, como ganhar na loteria ou receber um seguro de acidente de trânsito.

Dentre os bens anunciados, a casa própria aparece como aquele mais cobiçado: um bem que produz reconhecimento e prestígio, mas também indica um espaço identitário e de proteção. Esse é um dado significativo, se pensamos que o manicômio é o inverso da casa, já que é o lugar investido de idiossincrasias (como extensão do próprio corpo), é um espaço de resguardo de ataques de terceiros e é um espaço de valorização de si, onde não se fica à mercê de humilhações, nem de conflitos, nem de relações indesejadas.

Loreta tece planos de uma casa própria, negados a ela por anos de internação psiquiátrica, e agora precariamente reparados pela moradia em um Serviço Residencial Terapêutico (SRT). A casa própria simboliza a possibilidade de ter escolhas próprias - por exemplo, escolher os alimentos que quer comer - e de realizar desejos muito singelos ligados ao cotidiano: “Diz que, se morasse sozinha, ia cozinhar, fazer bolo... Nas atividades do SRT ela diz que só ajuda a lavar os pratos” (Diário de campo).

Agnaldo relaciona a obtenção de uma moradia ao momento de sair das drogas. Insinua uma relação de dependência com uma mulher por depender da casa dela e se sente atormentado. A casa própria seria uma possibilidade de maior liberdade:

Ô, e eu queria o quê? Com essa oportunidade, eu podia ter a oportunidade de ser, de sair das drogas, porque eu vou ter uma hora de sair, vou ter uma hora de chegar, vou ter uma hora de ir pra igreja, vou ter uma hora de ir pra qualquer lugar certo; errado não. Que de errado eu já passei, véi, vinte e poucos anos, trinta anos já, eu já tô com quarenta e três anos, pô. Quer dizer que eu vou ter uma mulher que é cheia de filho, que eu vou ficar sempre... ela, ela lá pau pau em mim e eu precisando de um socorro?

A aquisição de bens materiais aparece também como prova de uma trajetória de estabilização, um pacto social de normatização capitalística. Esse aspecto surge tanto na referência ao desejo de consumir quanto no valor associado a ter mais ambição de si, como vemos em Alma: “eu preciso ter minha casa agora, o que demanda mais dinheiro. Eu preciso desenvolver um pouco mais a ambição em mim”. Também se observa esse aspecto na fala de Lázaro sobre desejo de consumo:

Antigamente eu não ligava, como eu digo, pra uma roupa, pra um sapato. Do jeito que tivesse estava bom. Hoje não. Hoje eu quero sair, ver o que o mercado oferece, uma roupa legal, uma marca de pasta de dente, não sei o quê... A vaidade, realmente, bateu na nossa porta, do usuário de saúde mental que tá compensado, e a vida fica cara.

Sanitas: novas normas, exercícios corporais e o encantamento do mundo

A esfera do sagrado

Esse grupo de projetos elabora-se pelo simbólico do sagrado. Um grande número de referências dos entrevistados a seu respeito aborda-o como um campo de trabalho e de produção, especialmente voltado para uma ação sobre os outros, ao modo de uma “missão a cumprir”. Nessa perspectiva, as pessoas se colocam mais em lugar de profetas/curadores/cuidadores. A prática de si pelo exercício do poder espiritual aparece como chave nesses projetos.

Assim, Lázaro manifesta uma aspiração de ascendência hierárquica na vida de santo, o que se concretizaria em tarefas que exigem maior conhecimento e responsabilidade. Afirma esse desejo a partir do reconhecimento do qual diz desfrutar por parte de pessoas de cargos mais altos no candomblé. Já Dona Candelária concebe sua função de rezadeira como missão ligada à sua ancestralidade, relacionando-à sua avó, que foi ela mesma beneficiária da Lei do Ventre Livre.

Na festa em que se consagram seus três anos de iniciada no candomblé, ela afirma publicamente em um discurso a sua missão de rezar: “Se o poder do pai de santo é o candomblé, o dela são suas rezas e diz que essa é sua missão” (Diário de campo). Loreta, por sua vez, expressa essa missão de forma certamente delirante, mas subjetivamente profética e associada a um desejo de morte, fruto de sofrimentos e conflitos ligados ao seu próprio estado de sofrimento na relação com o mundo. Esse desejo de morte é desafiado pelo que interpreta como sua missão terrena de salvação, como se observa no diálogo abaixo:

Loreta: Eu tenho que desfazer de mim... Aplicar uma injeção pra eu morrer.

Entrevistadora: Por que você tem que morrer?

Loreta: Porque eu já não aguento mais ofender as pessoas, esse negócio todo, que vem da minha cabeça, ofendendo, essas coisas, eu não gosto não. Eu acho que eu não tenho mais volta não, se eu morrer.

Entrevistadora: E você ofende as pessoas?

Loreta: Mentalmente, eu ofendo, deveria ter a morte.

Entrevistadora: É? Porque falando, tipo, assim, o tempo que eu tô com você, não vi você fazer isso nenhuma vez; muito pelo contrário, acho você até muito cuidadosa, né? Com as coisas que você fala, com as pessoas.

Loreta: Eu vim salvar o mundo.

Entrevistadora: Você veio salvar o mundo?

Loreta: Eu não tô fazendo só pr’aqui, pra Bahia, não, eu tô fazendo pra todos os territórios.

Dos entrevistados que ressaltam a posição de estar sendo cuidado no sistema terapêutico religioso, Matias diz ter vontade de se consultar com o jogo de búzios e de retornar para o candomblé para esclarecer coisas que ficaram para trás e que poderiam desembaraçar a sua vida. O oráculo possibilitaria, assim, um olhar preditivo em direção a uma vida melhor. Em um cuidado de si, ou cuidado do outro, múltiplas epistemologias e práticas são chamadas a colaborar com a produção de uma saúde regida por novas ecossociabilidades.

Higiene de vida

Houve também projetos vinculados a uma higiene de vida necessária para alcançar a saúde, que envolvem disciplina corporal, incluindo, com frequência, uma expectativa de redução na quantidade de medicações utilizadas e higiene alimentar, ambos vistos como uma limpeza do corpo, como se pode ver no depoimento de Loreta:

É. Que minha vida é só de remédio, tem que ter limpeza estomacal e arterial... Pra eu começar a comer, tem que tirar o feijão, tem que tirar as carnes, a pessoa se alimentar do sangue de um bicho, comer o sangue do fígado... Eu gostaria que toda Justiça comesse arroz, macarrão, presunto, mortadela e queijo. Com esses três, você já faz milhares de pratos.

Luísa afirma esse desejo de reduzir a quantidade de medicações ingeridas, manifestando o entendimento de que o medicamento tem um “potencial de nocividade” (Bosi, 2015Bosi, M. L. M. (2015). Problematizando o conceito de risco em diretrizes éticas para pesquisas em ciências humanas e sociais na Saúde Coletiva. Ciência & Saúde Coletiva, 20(9), 2675-2682.). Para ela, essa diminuição aparece como pré-requisito para ter um filho: “É. Melhorar de vida para poder ter um filho. Melhorar a saúde também, diminuir os medicamentos, tirar os medicamentos, que não afetem a criança”.

Autonomia e liberdade

Referindo-se a desejos de autonomia e de liberdade, vários projetos confrontam-se com uma percepção das limitações atreladas às repercussões do adoecimento na vida, à excessiva necessidade das pessoas, aos vínculos de tutela. Os desejos explicitam a necessidade de liberar-se de um aprisionamento emocional, físico - quando existe a subtração da liberdade pelo encarceramento -, ou simbólico, quando o estigma diminui o espaço de circulação da pessoa.

Alma quer sair da casa da mãe e assumir sua vida completamente. Já João manifesta seu desejo de independência do hospital, embora com a suspeição de que ele sempre estará lá: “Porque eu não queria ser dependente como sou hoje. Quando não estiver o SUS, quando não estiver o [hospital psiquiátrico], vai sempre estar o Juliano, mas quem sabe?”.

Tiago, ainda quando internado em Hospital de Custódia e Tratamento (HCT), desenvolveu táticas de proteção por ser capaz de enxergar os obstáculos que sofreria pelo estigma de ex-presidiário, preto e louco, em uma liberdade vindoura. Calculava a permanência no HCT como um tempo “carimbado” de três anos, e imaginava o que poderia ajudá-lo a resistir nesse tempo. Vislumbrando a liberdade desejada, desenvolveu exercícios de cuidados de si que o preparavam para tal:

Aí, você pergunta: “Como assim, cara? Você já tá em liberdade!”, mas, aí, vem o peso do estigma, que tem escrito na discriminação, da discriminação, por ser preto, por ser bipolar e por ser ex-presidiário... Aí, eu fui mentalizando, meditando, fazendo várias yogas lá, sabendo que ia ser difícil... E venho superando essas barreiras, venho superando essas barreiras até hoje, em qualquer circunstância e sei que tem problema, por ter tido, por ter sofrido, por ter sido assim, ou por ser assim, agora...

O paradoxo da institucionalização involuntária, nesse caso, é que ela se torna, na mente de uma pessoa extremamente resiliente, um tipo de retiro, um espaço espiritual e físico que poderia vir a possibilitar o crescimento necessário à concretização do projeto de vida.

Salubritas: entre o testemunho pessoal e a ação coletiva

Militância

Este grupo de projetos tem a ver com atuação política. Aqui se localizam projetos desenhados em grupos ou associações, com apresentação de metas ligadas à transformação social, à mobilização de coletivos, ao questionamento e problematização das injustiças, preconceitos, discriminações da sociedade, descasos do Poder Público, ausências do Estado e ineficiência das instituições. Aqui, aparecem o trabalho associativo, o trabalho social e o movimento social.

Roque manifesta o desejo de criar uma associação para denunciar o que ocorre no Centro de Atenção Psicossocial (CAPS), mas também de fazer um trabalho social onde mora. Ao inverso, Lázaro, militante de longa data no movimento da luta antimanicomial, revela o desejo de encerrar o ciclo dos movimentos sociais, deixando de estar na linha de frente e iniciar “o tempo das pessoas normais”, onde pode ser proprietário de bens, voltar à terra natal e rever a família. Observa-se, porém, que essa passagem é justamente fruto das conquistas militantes, que propiciaram voltar ao lugar de origem, assumindo outra posição social.

Escrita de si e memória

Por fim, aparece um conjunto de projetos que diz respeito à experiência de si enquanto memória ou como legado. Essa expressão “de si” registra um testemunho que serve como modelo para outros, garantindo-lhes força e identidade, aumentando-lhes a autoestima; mas também serve para si, atribuindo-se reconhecimento, mudando-se o lugar social, retirando-se de uma marginalidade sofrida, ou de uma invisibilidade incômoda. Acede a uma imortalidade que se confronta com uma vida inteira construída tão à beira da morte (simbólica ou real), marcada que é por inúmeros riscos, vulnerabilidades e violências de diversas ordens.

Roque, incentivado por profissionais de saúde mental, em cuja equipe trabalha como redutor de danos, quer escrever um livro e insinua poder contar com a ajuda da pesquisadora. Tiago anseia compor e lançar um livro de poesias. Associa esse desejo ao de ficar famoso: diz ele que poderia até se matar, uma vez imortalizado pela literatura:

eu pensava em compor, em lançar um livro de poesia e as pessoas gostarem de minha poesia, e eu ficar famoso, eu tinha essa vibe assim, e depois me matar, pá!: “Estourou o livro de Tiago, estourou”; depois uma fantasia louca... mas fazia parte de uma mente doentia, de uma mente que não via, não via prosperidade, em cada ano que passava.

Rosa quer deixar um livro como legado para tentar mudar a própria vida e a dos outros, ressentindo-se disso não ter acontecido com Eduardo Araújo, um grande militante da luta antimanicomial baiana:

e aí continuei minha caminhada e tentando mudar a minha vida e a vida dos outros, e deixar alguma coisa escrita é muito importante, porque Eduardo morreu, não deixou nada aí, e era um grande homem, um grande homem... E eu quero deixar, sim, pra que meus filhos entendam que a mãe deles foi louca, sim, mas lutou.

Senhorita Souza, por sua vez, expressa essa imortalidade de forma sui generis: quer deixar o corpo para a ciência para estudo post mortem, no intuito de viabilizar o acesso a evidências científicas sobre o funcionamento e o poder benéfico de certas medicações:

se caso eu morrer primeiro do que a senhora, professora, é, tá aí registrado publicamente que meu corpo é um instrumento pra estudo dessas situações que tão aí, né, que eu acho ainda que muita gente vai passar por essas situações e que pode ser superado através de descobertas novas...

Em todos esses desejos de imortalizar-se, seja pela literatura, seja através da ciência, observa-se uma resposta ambígua: ao mesmo tempo em que a fixação da evanescência da vida aparece como reparação pelos males de uma vida sofrida, também a notoriedade advinda do culto à memória revela o exemplo a ser seguido e produz o mito que transcende o limite da história e das suas vicissitudes e amarras.

Considerações finais

No seu livro As encruzilhadas do labirinto, Castoriadis (1982Castoriadis, C. (1982). A instituição imaginária da sociedade. Paz e Terra.) apresenta a importância do imaginário radical como produção social que indica o que, como sujeitos e como sociedade, somos capazes de visualizar para além do que existe, em uma força instituinte, produtora do novo. Há correlação entre presente e futuro, mediada pelo agenciamento: o que vai acontecer de fato depende do que já está sendo gestado no presente, em relação à forma como a sociedade se vê, como ela distingue afetos aceitáveis e não aceitáveis e o que ela define como as finalidades da ação. Isso guarda uma analogia com a ideia de que os projetos formulados por nossos interlocutores só terão força instituinte se forem exercitados enquanto práticas de si, com efeitos éticos, estéticos e relacionais.

Como adverte Foucault (1984/2004, 1982/2014), no cuidado de si é necessário que o sujeito escolha e desenvolva técnicas e estratégias de se relacionar com os outros que façam valer a sua liberdade e a liberdade dos outros. Se a vida presente indica múltiplas amarras manicomiais, a ruptura se inscreve na indicação da superação dos nós (tensões) que mantêm as amarras atadas. A consciência dos limites, por si só, já é instituinte.

Namorar, casar, ter uma casa própria, trabalhar, ganhar dinheiro justo, ter uma missão de cura, aprender com a própria experiência, cuidar do outro, transmitir o papel de militante para os mais jovens na luta, poder desfrutar do descanso merecido, ser reconhecido e imortalizar-se pelo registro da memória, todos esses são projetos antimanicomiais que colocam em marcha os seus devires. A substância ética que os torna formuláveis, aquela nascida com o movimento da reforma psiquiátrica, faz parte da argila com a qual são moldados.

No entanto, para servir de lastro simbólico, essa substância não pode ser apenas ideológica; ela necessita ser operativa, o que se reconhece nos gestos e ações também daqueles que, não tendo nos corpos a experiência do sofrimento psíquico, têm, na cumplicidade e na solidariedade, as razões para engajar-se na disputa e na conquista de um novo imaginário social que acolha a diferença como riqueza. A defesa antimanicomial da vida precisa (re)conhecer as sutilezas dos seus obstáculos, que se inscrevem nas infinitesimais tensões que se materializam em várias esferas onde a saúde está sendo performada, quer seja como direito, como formas de normatividade, como técnica ou como política.

Na perspectiva de um tal reconhecimento, que precisa acontecer na esfera pública, são necessários novos estudos que analisem outras vozes (de familiares, profissionais, de pessoas comuns da sociedade mais vasta), mas também diferentes contextos históricos, na legitimação atribuída a projetos de futuro enunciados por pessoas em sofrimento psíquico, buscando como esses projetos se confrontam com realidades sociais e com (im)possibilidades concretas de realização. Seria importante também destrinchar essa problemática por uma perspectiva de interseccionalidade, acreditando que gênero, classe, raça, entre outros atributos, potencializam situações de desvantagem social associadas a pessoas já estigmatizadas pela identidade da loucura, mas também podem conferir-lhes particularidades na experiência própria, logo na projeção de futuros diversos, ou quiçá, divergentes.

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  • Financiamento: Primeira autora Bolsista de Iniciação Científica da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo - FAPESP, processo número 2019/11023-8. Segundo autor Bolsista de Produtividade em Pesquisa do CNPq.
  • 3
    Aprovação, ética e consentimento: O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (processo CAEE número 52867216.2.0000.5407)

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    20 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    12 Ago 2020
  • Revisado
    27 Nov 2020
  • Aceito
    27 Nov 2020
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