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NEOLIBERALISMO E A CONSTRUÇÃO DO SUJEITO CRIATIVO

NEOLIBERALISMO Y CONSTRUCCIÓN DEL SUJETO CREATIVO

Resumo:

O presente artigo visa a problematizar o lugar da categoria “sujeito criativo” na contemporaneidade, assim como suas vinculações com os padrões estabelecidos pelas práticas de mercado. Foram analisados dois discursos midiáticos proferidos no programa Saia Justa (GNT) e em um comercial do programa Shark Tank (ABC), ambos voltados à criatividade e ao empreendedorismo no contexto da pandemia de covid-19. A metodologia de análise teve como base a Análise de Discurso de linha francesa. Os resultados evidenciam um sujeito criativo construído a partir de um mecanismo neoliberal que (a) silencia discursivamente a contradição desigualdade-universalidade; (b) atribui valor à criatividade (e ao sujeito criativo) a partir da lógica de mercado (consumo e concorrência); e (c) induz, pelo processo de interpelação, o sujeito a identificar-se com este Outro neoliberal e regular suas volições criativas a partir desse.

Palavras-chave:
Sujeito; Criatividade; Discurso; Meios de Comunicação de Massa; Neoliberalismo

Resumen:

Este artículo busca problematizar el lugar de la categoría “sujeto creativo” en la época contemporánea, así como sus vínculos con los padrones establecidos por las prácticas de mercado. Se analizaron dos discursos mediáticos pronunciados en el programa Saia Justa (GNT) y en un comercial del programa Shark Tank (ABC), ambos enfocados en la creatividad y el espíritu empresarial en el contexto de la pandemia covid-19. La metodología de análisis se basó en el Análisis del Discurso de matriz francesa. Los resultados muestran un sujeto creativo construido a partir de un mecanismo neoliberal que (a) silencia discursivamente la contradicción desigualdad-universalidad; (b) asigna valor a la creatividad (y al sujeto creativo) desde la lógica del mercado (consumo y competencia); y (c) induce, a través del proceso de interpelación, al sujeto a identificarse con este Otro neoliberal y regular sus voliciones creativas a partir de él.

Palabras clave:
Sujeto; Creatividad; Discurso; Medios de Comunicación de Masas; Neoliberalismo

Abstract:

This article aims to problematize the position of the “creative subject” category in contemporary times, as well as its relations with the standards established by market practices. Two media discourses were analyzed, one uttered in the Saia Justa (GNT) TV show and the other in a commercial from the Shark Tank (ABC) TV show, both of them focused on creativity and entrepreneurship in the context of the COVID-19 pandemic. The analysis methodology was based on the French approach of Discourse Analysis. The results show a creative subject built from a neoliberal mechanism that (a) discursively silences the inequality-universality contradiction; (b) assigns value to creativity (and to the creative subject) based on the market logic (expenditure and competition); and (c) through the process of interpellation, induces the subject to identify him/herself with this neoliberal Other and regulate his/her creative volitions based on it.

Keywords:
Subject; Creativity; Discourse; Mass Media Communication; Neoliberalism

Introdução

O discurso da criatividade é recorrente na contemporaneidade. Os textos transmitidos pelas mais diversas fontes midiáticas (televisão, internet, jornais impressos etc.), os discursos acadêmicos (palestras, aulas, artigos etc.), as narrativas literárias (biografias, romances etc.) são apenas algumas das muitas fontes em que podemos observar colocações, discussões e debates sobre a criatividade. Em âmbito acadêmico, o estudo da criatividade obteve maior interesse da comunidade científica a partir de meados do século XX, quando Joy Guilford (1954Guilford, Joy P. (1954). Creativity. American Psychologist, 5(9), 444-454.), na época presidente da Associação Americana de Psicologia, publicou o artigo denominado Creativity, no qual aponta para a negligência em relação a esse tema por parte dos pesquisadores (Rhodes, 1961Rhodes, Mel (1961). An analysis of creativity. The Phi Delta Kappan, 42(7), 305-310.; Sternberg & Lubart, 1999Sternberg, Robert J. & Lubart, Todd I. (1999). The concept of creativity: Prospects and paradigms. In Sternberg. Robert J. (Ed.), Handbook of creativity (pp. 3-15). Cambridge University Press.). Desde lá, uma miríade de proposições e abordagens teóricas emergiram, incluindo contribuições da psicanálise (e.g. Winnicott, 1990Winnicott, Donald W. (1990). Living creatively. In Clare Winnicott, Ray Shepherd, & Madeleine Davis (Eds.), Home is where we start from (pp. 39-54). Norton.), da psicologia humanista (e.g. Maslow, 1968Maslow, Abraham H. (1968). Toward a psychology of being. Van Nostrand Reinhold.; Rogers, 1954Rogers, Carl R. (1954). Toward a theory of creativity. A Review of General Semantics, 11(4), 249-260.), da teoria comportamental (e.g. Skinner, 1974Skinner, Burrhus Frederic. (1974). Sobre o behaviorismo. Cultrix.), dos modelos sistêmicos de criatividade (e.g. Amabile et al., 1996Amabile, Teresa M., Conti, Regina, Coon, Heather, Lazenby, Jeffrey, & Herron, Michael. (1996). Assessing the work environment for creativity. The Academy of Management Journal, 39(5), 1154-1184.; Csikszentmihalyi, 1996Csikszentmihalyi, Mihaly (1996). Creativity: Flow and the psychology of discovery and invention. Harper Collins.; Simonton, 2000Simonton, Dean K. (2000). Creativity: Cognitive, personal, developmental, and social aspects. American Psychologist , 55(1), 151-158.; Sternberg, 2006Sternberg, Robert J. (2006). The nature of creativity. Creativity Research Journal, 18(1), 87-98.), dentre outras.

Apesar de sua multiplicidade de definições e abordagens, parece haver um consenso, na literatura científica, em associar a criatividade ao novo, a ideias originais/inovadoras e que tenham valor (utilidade) para uma determinada sociedade e cultura (e.g. Amabile, 1982Amabile, Teresa M. (1982). Social psychology of creativity: A consensual assessment technique. Journal of Personality and Social Psychology, 43(5), 997-1013.; Boden, 2004Boden, Margaret A. (2004). The creative mind: Myths and mechanisms. Routledge.; Craft, 2001Craft, Anna (2001). Little c creativity. In Anna Craft, Bob Jeffrey, & Mike Leibling (Eds.), Creativity in education (pp. 45-61). Continuum.; Csikszentmihalyi, 1996Csikszentmihalyi, Mihaly (1996). Creativity: Flow and the psychology of discovery and invention. Harper Collins.; Elliott, 1971Elliott, Ray K. (1971). Versions of creativity. Journal of Philosophy of Education, 5(2), 139-152.). Contudo, pesquisas recentes têm evidenciado que tal associação, ou mesmo sua aproximação com o próprio fazer produtivo humano, é uma elaboração socioculturalmente construída e historicamente datada (Albert & Runco, 1999Albert, Robert S. & Runco, Mark A. (1999). A history of research on creativity. In Robert J. Sternberg (Ed.), Handbook of creativity (pp. 16-31). Cambridge University Press.; Lan & Kaufman, 2012Lan, Lan, & Kaufman, James C. (2012). American and Chinese similarities and differences in defining and valuing creative products. The Journal of Creative Behavior, 46(4), 285-306. https://doi.org/10.1002/jocb.19.
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; Lubart, 1999Lubart, Todd I. (1999). Creativity across cultures. In R. J. Sternberg (Ed.), Handbook of creativity (pp. 339-350). Cambridge University Press.; Niu & Sternberg, 2006Sternberg, Robert J. (2006). The nature of creativity. Creativity Research Journal, 18(1), 87-98.). Ao realizarem uma revisão de literatura, Weihua Niu e Robert Sternberg (2002)Niu, Weihua & Sternberg, Robert J. (2002). Contemporary studies on the concept of creativity: The East and the West. Fourth Quarter, 36(4), 269-288. observaram que as concepções de criatividade no Oriente apresentam características diferenciadas, tendendo a expressar valores sociais e morais, enquanto que, na contraparte ocidental, o foco está em pressupostos individuais1 1 Todavia, os autores salientam que, atualmente, por sofrer influências das concepções ocidentais contemporâneas de criatividade, o Oriente integra em sua noosfera as características de ambas as tradições ( Niu & Sternberg, 2006 ). . No Ocidente, a noção de criatividade atribuída exclusivamente ao indivíduo, e não inspirada por Deus ou deuses, é uma concepção moderna (Dacey, 1999Dacey, John (1999). Concepts of creativity: A history. In Mark A. Runco & Steven R. Pritzker (Eds.), Encyclopedia of creativity , vol. 1 (pp. 309-322). Academic Press.), fruto do Iluminismo, que possibilitou a exaltação dos direitos individuais e acompanhou o crescimento da ciência e da tecnologia (Niu & Sternberg, 2006Niu, Weihua, & Sternberg, Robert J. (2006). The philosophical roots of Western and Eastern conceptions of creativity. Journal of Theoretical and Philosophical Psychology, 26(1-2), 18-38. https://doi.org/10.1037/h0091265.
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). A criatividade, considerada pelos gregos como um atributo dos poetas2 2 Para os gregos, a poesia estava acima de todas as artes. Platão remete o termo poesia (em conformidade com o sentido etimológico da palavra poiesis) ao próprio conceito de criatividade. Segundo ele, tudo o que passa do não-ser ao ser é poesia (Platão, 2012/2017). , agora se inscreve em várias esferas da vida (nas ciências, nas artes, na literatura etc.), incluindo, também, a cotidiana (Beghetto & Kaufman, 2007Beghetto, Ronald A. & Kaufman, James C. (2007). Toward a broader conception of creativity: A case for “mini-c” creativity. Psychology of Aesthetics, Creativity, and the Arts, 1(2), 73-79.; Boden, 2004Boden, Margaret A. (2004). The creative mind: Myths and mechanisms. Routledge.; Runco, 1996Runco, Mark A. (1996). Personal creativity: Definition and developmental issues. New Directions for Child Development, 1996(72), 3-30.). A cultura ocidental, por sua característica individualista (em contraposição à cultura coletivista presente no Oriente), enfatiza uma noção individualista de criatividade, sendo essa impulsionada, ainda no séc. XVII, por meio de homenagens (premiações, patentes etc.) oferecidas por alguns países europeus a indivíduos que obtivessem soluções para problemas tecnológicos (Niu & Sternberg, 2006Niu, Weihua, & Sternberg, Robert J. (2006). The philosophical roots of Western and Eastern conceptions of creativity. Journal of Theoretical and Philosophical Psychology, 26(1-2), 18-38. https://doi.org/10.1037/h0091265.
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Nesse sentido, as ideias de inovação, de destaque individual e de valor útil de um produto criativo a um determinado segmento social são construções modernas, e irão permear o entendimento de criatividade da chamada indústria criativa, motivando o investimento anual de milhões de dólares em programas de treinamento de criatividade (Sternberg, O’Hara, & Lubart, 1997Sternberg, Robert J., O’Hara, Linda A., & Lubart, Todd I. (1997). Creativity as investment. California Management Review, 40(1), 8-21.). Para o Department for Digital, Culture, Media & Sport (DCMS) do Reino Unido, comumente utilizado como referência nessa área, a “Indústria Criativa” envolve indústrias que têm sua origem na criatividade, habilidade e talento individuais e que têm um potencial de criação de riqueza e empregos por meio da geração e exploração da propriedade intelectual (DCSM, 2016Department for Digital, Culture, Media & Sport - DCMS. (2016). Focus on employment. https://www.gov.uk/government/statistics/creative-industries-2016-focus-on
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).

A criatividade, como geração do novo, possui sua legitimação contemporânea, nesse contexto, associada às práticas de mercado e consumo, sendo capaz de gerar bem-estar e lucro nos mais diversos setores da sociedade. Adriana Oliveira (2016Oliveira, Adriana L. (2016). Discurso da criatividade: Lógicas de produção, convocações para o consumo e gestão de si. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo.), ao pôr em análise o discurso governamental3 3 Cabe mencionar, devido à polissemia do termo “governamental”, o trabalho de Michel Foucault. Para ele, a governamentalidade é o “conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança” (Foucault, 1978/2017, p. 429). A análise de Oliveira (2016) se desenvolve nessa perspectiva, que, no entanto, não é a nossa, uma vez que partimos da perspectiva pêcheuxtiana sobre o discurso. O trabalho de Oliveira, ainda assim, permanece uma referência necessária por tratar especificamente do discurso sobre a criatividade, tema que aqui desenvolvemos. , aponta para a estreita ligação existente entre as injunções ao uso da criatividade, o “dispositivo contemporâneo por excelência” (Oliveira, 2016, p. 11Oliveira, Adriana L. (2016). Discurso da criatividade: Lógicas de produção, convocações para o consumo e gestão de si. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo.), e as práticas de consumo. Delineando o que chama de “discurso da criatividade”, a autora indaga seus mecanismos, em especial aquele que diz respeito à forma como a “inclusão social” leia-se: entrada nas práticas de consumo passa a ocupar espaço privilegiado no discurso governamental, funcionando através da representação da criatividade como um ativo econômico e social e do mercado como um espaço onde se pressupõe todos incluídos. Um dos efeitos disso é o surgimento de “um novo modo de relação entre capital e subjetividade” (Oliveira, 2016, p. 11Oliveira, Adriana L. (2016). Discurso da criatividade: Lógicas de produção, convocações para o consumo e gestão de si. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo.), estando em jogo, na produção e no consumo contemporâneos, o conhecimento, os afetos, as experiências, os desejos: em suma, o saber vivo dos sujeitos. O discurso contemporâneo da criatividade, portanto, insere-se como uma faceta da produtividade neoliberal, reproduzindo, no nível do sujeito, um conjunto de valores que se apresentam como naturalizados, “necessários”. Conforme salienta Michel Pêcheux (1975/2014)Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp., todo e qualquer discurso é determinado por posições ideológicas que estão em jogo no processo sócio-histórico, fenômeno este também presente no discurso da criatividade. No entanto, esse autor também salienta que todo discurso, assim como toda interpretação, “é o índice potencial de uma agitação nas filiações sócio-históricas de identificação” (Pêcheux, 1988/2006, p. 56Pêcheux, Michel (1988/2006). O discurso: Estrutura ou acontecimento. Pontes.), isto é, uma possibilidade sempre presente de deslocamentos, para além da repetição e da estrutura.

Buscamos, portanto, problematizar o lugar da categoria “sujeito criativo” na contemporaneidade, bem como a forma como ela se relaciona com padrões estabelecidos pelas práticas de mercado, entre elas o consumo e a concorrência. Para isso, embasamo-nos na Análise de Discurso (AD), mais especificamente nas análises propostas por Michel Pêcheux (1969/2014Pêcheux, Michel (1969/2014). Análise automática do discurso. In Françoise Gadet & Tony Hak (Orgs.), Por uma análise automática do discurso: Uma introdução à obra de Michel Pêcheux (pp. 59-158). Editora da Unicamp., 1975/2014Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp., 1984/2015Pêcheux, Michel (1984/2015). Metáfora e interdiscurso. In Eni P. Orlandi (Org.), Análise de discurso: Michel Pêcheux (pp. 151-161). Pontes., 1988/2006Pêcheux, Michel (1988/2006). O discurso: Estrutura ou acontecimento. Pontes.) e Eni Orlandi (1995Orlandi, Eni P. (1995). Texto e discurso. Organon, 9(23), 111-118., 2007Orlandi, Eni P. (2007). As formas do silêncio: No movimento dos sentidos. Editora Unicamp., 2009Orlandi, Eni P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Pontes., 2017Orlandi, Eni P. (2017). Discurso em análise: Sujeito, sentido e ideologia. Pontes.), buscando, assim, vislumbrar a materialidade discursiva e a produção de sentidos no discurso da criatividade. Esse estudo foi realizado pelo Grupo de Pesquisa em Criatividade Musical, através da linha de pesquisa “Artes musicais: processos criativos e subjetividade”, vinculado à Universidade Federal do Rio Grande (FURG). O grupo visa a compreender, através de uma abordagem interdisciplinar, as relações entre a criatividade e a (inter)subjetividade humana. O mesmo projeto, recentemente, publicou uma pesquisa na qual é analisada a forma como diferentes concepções de criatividade podem levar a diferentes autopercepções de indivíduos como criativos (Nazario, Ultramari, & Pacce, 2020Nazario, Luciano Costa, Ultramari, Leonardo R., & Pacce, Benjamin. (2020). The production of broad and strict senses in the discourse on musical creativity and their influences on the self-concept of musicians as creative. Psychology of Music, 49(6), 1686-1700. https://doi.org/10.1177/0305735620973435.
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).

Assim, a análise que se estabelece neste trabalho pode ser entendida como complemento ou desenvolvimento em relação àquela, por meio de uma abordagem crítica e integrativa do tema.

Perspectiva e metodologia de análise

A metodologia de análise desta pesquisa se estabelece sobre os princípios da AD, tal como são pensados por Pêcheux e Orlandi. Nessa perspectiva, a autonomia do objeto da linguística é relativizada, fazendo aparecer no funcionamento do discurso a intervenção da ideologia4 4 conceito de ideologia empregado no texto é o proposto por Louis Althusser. A ideologia tem existência material e sempre existe num aparelho, em sua prática. A ideologia aqui não é vista num sentido negativo, como negação da realidade. A ideologia é uma estrutura essencial da vida histórica das sociedades (Althusser, 1970/1992). , da história, do inconsciente, sendo a língua o lugar em que tais instâncias são materializadas. De acordo com Pêcheux (1984/2015, p. 151)Pêcheux, Michel (1984/2015). Metáfora e interdiscurso. In Eni P. Orlandi (Org.), Análise de discurso: Michel Pêcheux (pp. 151-161). Pontes., a materialidade discursiva “remete às condições verbais de existência dos objetos (científicos, estéticos, ideológicos…) em uma conjuntura histórica dada”. Interrogamos, portanto, a evidência do sujeito criativo enquanto categoria psicológica, e buscamos vislumbrar os processos discursivos envolvidos na sua produção.

Conforme Pêcheux (1975/2014)Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp., os estudos historicamente constituídos no campo da semântica (mais especificamente, a semântica formal e estrutural) guardam estreita ligação e dependência em relação ao idealismo epistemológico, ora sob a forma do realismo metafísico, ora sob a do empirismo lógico. Dirigindo-se a uma teoria do discurso e buscando se opor às formas idealistas de compreensão dos processos de significação, Pêcheux sustenta o “caráter material do sentido” (p. 146) em duas teses fundamentais. A primeira delas é a de que “as palavras, expressões, proposições etc. mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam” (Pêcheux, 1975/2014Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp., p. 146, grifo do autor). Isso não significa apenas que palavras, expressões ou proposições não contêm em si mesmas o seu sentido ou que esse deve ser buscado em elementos extralinguísticos. Mas que, para além do contexto imediato (que não deixa de ser relevante), o sentido depende direta e indiretamente das formações ideológicas, isto é, das posições relativas de contradição, dominação e subordinação inscritas em uma prática social determinada no seio de um contexto sócio-histórico e cultural dado. As formações discursivas representam, no interior do discurso, tais formações ideológicas, funcionando de modo a estabelecer, em uma situação determinada, “o que pode e deve ser dito” (Pêcheux, 1975/2014, p. 147Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.), bem como o que deve ser silenciado. Nesse sentido, Orlandi (2007, p. 102)Orlandi, Eni P. (2007). As formas do silêncio: No movimento dos sentidos. Editora Unicamp. adverte que o discurso implícito “é o não-dito que se define com relação ao dizer”. Compreende-se o não-dito como uma técnica que consiste em não assumir a responsabilidade direta de dizer algo, porém dizendo-o de maneira subentendida (Lins, 2013Lins, Neilton F. (2013). Os ditos e não ditos nas capas da ISTOÉ e VEJA. Revista de Divulgação Científica em Língua Portuguesa, Linguística e Literatura, 9(17). http://www.letramagna.com/17_11.pdf
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). O discurso silenciado, por sua vez, “não é o não-dito que sustenta o dizer, mas é aquilo que é apagado, colocado de lado, excluído” (Orlandi, 2007, p. 102Orlandi, Eni P. (2007). As formas do silêncio: No movimento dos sentidos. Editora Unicamp.).

A segunda tese aborda o trabalho da ideologia no interior das práticas discursivas. Diz respeito ao fato de que “toda formação discursiva dissimula, pela transparência do sentido que nela se constitui, sua dependência com respeito ao ‘todo complexo com dominante’ das formações discursivas” (Pêcheux, 1975/2014, p. 148, grifo do autorAmabile, Teresa M., Conti, Regina, Coon, Heather, Lazenby, Jeffrey, & Herron, Michael. (1996). Assessing the work environment for creativity. The Academy of Management Journal, 39(5), 1154-1184.). Essa dissimulação diz respeito à forma como sujeito e sentido são atravessados pela ideologia. O sentido aparece como não problemático, como algo “natural”, encapsulado no interior das palavras, expressões e enunciados precisamente porque, no funcionamento cotidiano da linguagem, “esquece-se” que o dizer sempre pode ser outro, que existe um hiato, uma falha, em todo ato de linguagem. Falamos, desse modo, daquilo que Pêcheux denomina esquecimento nº 2, responsável pela ilusão de que existe uma relação direta entre pensamento, linguagem e mundo (Pêcheux, 1975/2014Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.). No entanto, conforme Louis Althusser (1970/1992, p. 93)Althusser, Louis (1970/1992). Aparelhos ideológicos do Estado. Graal., “a ideologia interpela os indivíduos em sujeitos”, isto é, a forma de existência sócio-histórica do indivíduo é com e sob a ideologia. Ser sujeito, assim, é simultaneamente ser assujeitado, já que, de acordo com Jacques Lacan (1973/2008, p. 184)Lacan, Jacques. (1973/2008). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Zahar., “o sujeito só é sujeito por ser assujeitamento ao campo do Outro”. Eis o funcionamento do esquecimento nº 1: fazer a naturalização intervir no espaço da relação do indivíduo com seu discurso, produzindo, no que chamamos de consciência, a ilusão de que o sujeito é a origem, e não efeito de seu discurso (Orlandi, 2017Orlandi, Eni P. (2017). Discurso em análise: Sujeito, sentido e ideologia. Pontes.; Pêcheux, 1975/2014Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.).

A partir disso, surge a noção de interdiscurso, o todo complexo com dominante das formações discursivas (Pêcheux, 1975/2014Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.). Esse conceito designa “aquilo que fala antes, em outro lugar, independentemente” (Orlandi, 2009Orlandi, Eni P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Pontes., p. 31), ou seja, o conjunto de enunciados, expressões ou proposições já ditas por alguém, em algum lugar e em algum momento. O interdiscurso, assim, fornece a condição para que o saber discursivo, a história e a ideologia se façam presentes em todo dizer (e em todo não dizer).

Orlandi (2009Orlandi, Eni P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Pontes.) utiliza, também, a noção de formações imaginárias como o conjunto de relações estabelecidas entre os interlocutores em um processo discursivo. Essa noção implica que “não são os sujeitos físicos nem os seus lugares empíricos ... que funcionam no discurso, mas suas imagens que resultam de projeções” (Orlandi, 2009, p. 40Orlandi, Eni P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Pontes.). Esse conceito permite, assim, estabelecer a passagem do lugar social para as posições dos sujeitos no discurso.

Por conseguinte, a ideologia, no processo de interpelação, opera fornecendo ao sujeito um imaginário, uma realidade como “conjunto de significações percebidas” (Pêcheux, 1975/2014, p. 149Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.). Constitui-se, assim, a forma-sujeito do discurso. O autor utiliza essa noção para dar conta do modo como o sujeito não reconhece sua subordinação ao Outro, o que ocorre precisamente pelo fato de, através do funcionamento do inconsciente, dos esquecimentos e, portanto, da ilusão de transparência da linguagem, o sujeito perceber a si mesmo como essencialmente autônomo em relação à exterioridade e à história (Pêcheux, 1975/2014Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.). Tal noção indica que o sujeito o é precisamente porque as práticas sociais o constituem como tal, uma vez que não há uma prática que não seja social, e não há existência fora da determinação das formas de existência histórica (Henry, 1977/2013Henry, Paul (1977/2013). A ferramenta imperfeita: Língua, sujeito e discurso. Editora da Unicamp.). Do mesmo modo, Pêcheux (1975/2014)Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp. utiliza a noção de posição-sujeito, designando a relação que se estabelece entre o sujeito enunciador e a forma-sujeito, relação essa de identificação.

Nessa perspectiva, parte-se de uma diferenciação fundamental entre texto e discurso. O texto é entendido como uma sequência linguística qualquer, fechada sobre si mesma e circunscrita a uma prática dada (Pêcheux, 1969/2014Pêcheux, Michel (1969/2014). Análise automática do discurso. In Françoise Gadet & Tony Hak (Orgs.), Por uma análise automática do discurso: Uma introdução à obra de Michel Pêcheux (pp. 59-158). Editora da Unicamp.; Orlandi, 1995Orlandi, Eni P. (1995). Texto e discurso. Organon, 9(23), 111-118.). Diferentemente, o discurso é definido como o efeito de sentido entre posições de interlocutores (Pêcheux, 1969/2014Pêcheux, Michel (1969/2014). Análise automática do discurso. In Françoise Gadet & Tony Hak (Orgs.), Por uma análise automática do discurso: Uma introdução à obra de Michel Pêcheux (pp. 59-158). Editora da Unicamp.). Efeito de sentido porque não se restringe ao texto, podendo se dar por meio de uma imagem, um som, um sinal, uma marca qualquer, e entre posições porque o sentido é sempre referido e dependente das posições ocupadas pelos interlocutores, bem como da imagem que fazem da posição um do outro.

Assim, as noções e conceitos apresentados permitem-nos construir uma análise cujo corpus é composto por dois discursos midiáticos sobre criatividade e empreendedorismo. Sob a perspectiva da AD, a perscrutação desses discursos nos possibilita vislumbrar o contexto que viabilizou suas produções, uma vez que o material aqui analisado carrega em si interdiscursos presentes em outras narrativas5 5 Discursos similares são recorrentes em nossa contemporaneidade, estando presentes em programas televisivos, anúncios, biografias, romances, documentários educativos, produção científica etc. A título de exemplo, podemos citar as narrativas presentes no documentário Brazil criativo.DOC: economia criativa do Brasil (https://www.youtube.com/watch?v=NfuiJDpfcn4) e na reportagem do Fala Brasil disponibilizada pela emissora Record TV (https://recordtv.r7.com/fala-brasil/videos/criatividade-e-diferencial-no-mercado-de-trabalho-saiba-desenvolver-essa-caracteristica-02102021). Da mesma forma, Teresa Amabile vem desenvolvendo uma extensa pesquisa sobre a criatividade voltada para uma ótica de produção e desempenho em ambientes organizacionais (Amabile, 1988; Amabile et al., 1996; Amabile et al., 2005). , as quais, através do processo de interpelação-identificação preconizado por Pêcheux (1975/2014)Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp., possuem forte potencial de impacto na construção da subjetividade dos indivíduos. O primeiro discurso faz parte do programa Saia Justa6 6 https://globoplay.globo.com/v/8906032/ , veiculado pelo canal GNT (Globosat News Television), de propriedade do Grupo Globo7 7 Tanto o canal GNT quanto o portal Globo.com pertencem ao Grupo Globo, maior rede de mídia e comunicação do Brasil e da América Latina. . O segundo é um anúncio do Shark Tank8 8 Shark Tank é um programa de televisão em que empreendedores se apresentam para grandes investidores, visando a obter destes financiamento para suas ideias ou produtos. , programa veiculado, nos Estados Unidos da América (EUA), pela emissora ABC (American Broadcasting Company)9 9 American Broadcasting Company (ABC) é uma rede multinacional de transmissão televisiva estadunidense. e, no Brasil, pelo Sony Channel10 10 Sony Channel pertence à Sony Entertainment Inc., empresa de entretenimento com sede em Nova Iorque, nos EUA. . Ambas as produções midiáticas abordam temas alusivos à pandemia de covid-19.

Formações imaginárias, discursivas e ideológicas nos programas Saia Justa e Shark Tank

A importância econômica da criatividade e da economia criativa no empreendedorismo tem sido um tema recorrente em diversos veículos de comunicação nacionais e internacionais. O programa Saia Justa evidenciou essa temática durante sua transmissão no dia 30 de setembro de 2020. Tal transmissão fez parte do evento preparatório para o “Prêmio Profissionais do Ano”, que premia anualmente os melhores publicitários e campanhas publicitárias. Na ocasião, a jornalista Astrid Fontenelle abordou a problemática da pandemia de covid-19 e seus efeitos sociais e econômicos que afetaram, especialmente, as mulheres. A jornalista abriu o programa com a seguinte fala, doravante denominada Sequência Discursiva Saia Justa (SD-SJ):

Pandemia, desemprego e a eterna busca pelo momento “volta por cima”. O secretário geral da ONU, António Guterres, informou recentemente que a pandemia já reverteu décadas de progresso na igualdade de gênero e nos direitos das mulheres. E não é só. As mulheres estão no grupo que representa um aumento da taxa de pobreza. A economia criativa [expressão acompanhada de movimentos com as mãos indicando aspas], né? que já teve seus dias de glória, ressurge como possibilidade para incrementar o orçamento doméstico. Antes da gente colocar na roda o assunto, a gente foi conversar com a Keka Morelle, chefe de criação no mercado publicitário e homenageada do evento Women to Watch 2020. Ela falou com a gente sobre a importância da criatividade para superar os desafios do mercado de trabalho nesse momento. Bora prestar atenção.

A base teórica da AD empregada neste artigo compreende que “as palavras simples do nosso cotidiano já chegam até nós carregadas de sentidos que não sabemos como se constituíram e que no entanto significam em nós e para nós” (Orlandi, 2009Orlandi, Eni P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Pontes., p. 20). Tal processo de significação ocorre através da relação entre língua e ideologia, tornando possível a produção de sentidos (Garcia, Barbosa, & Vinhas, 2020Garcia, Dionatan, Barbosa, Monize, & Vinhas, Luciana (2020). Religião e subjetivação: análise do dizer de uma apenada pelo viés de uma semântica de base discursiva. Memorari, 7(1), 209-222.).

Paul Henry (1977/2013Henry, Paul (1977/2013). A ferramenta imperfeita: Língua, sujeito e discurso. Editora da Unicamp.; 1990Henry, Paul (1990). Construções relativas e articulações discursivas. Caderno de Estudos Linguísticos, 19, 43-64.) utilizou o termo pré-construído para designar o que “remete a uma construção anterior, exterior, mas sempre independente, em oposição ao que é ‘construído’ pelo enunciado” (Pêcheux, 1975/2014, p. 89Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.). O pré-construído é o modo pelo qual o interdiscurso se faz presente no intradiscurso. Assim, o Quadro 1 evidencia como determinadas formações ideológicas materializam-se discursivamente, produzindo certos sentidos e, ao mesmo tempo, silenciando outros. Temos: (a) o discurso em si, que estabelece, pelo vínculo a uma formação discursiva, o que pode e deve ser dito; (b) o não dito, mas que, por meio do interdiscurso, constrói sentidos e tende a sustentar uma representação ideologicamente determinada da realidade; e (c) o que deve ser silenciado, ou seja, uma censura implícita que viabiliza a produção de um determinado discurso por meio de uma intervenção de forças nas circunstâncias de sua enunciação, e impossibilita que ele diga aquilo que poderia dizer, mas foi proibido (Orlandi, 2007Orlandi, Eni P. (2007). As formas do silêncio: No movimento dos sentidos. Editora Unicamp.):

Quadro 1
O dito, o não dito e o silenciado na Sequência Discursiva Saia Justa (SD-SJ)

Nos recortes presentes no Quadro 1, o dito é o sentido que se propõe evidente e transparente. Tal sentido se sustenta no não dito, ou seja, nas representações ideológicas produzidas historicamente e sustentadas indiretamente no fio do discurso através do dito. Do ponto de vista da criatividade, tema de nosso estudo, os discursos aqui apresentados (destacados em negrito) são naturalizados, e seus sentidos são apresentados como evidentes ao interlocutor a partir de suas relações com o interdiscurso, de onde provêm pré-construídos que associam a criatividade ao talento individual e à criação de riquezas (como por exemplo, o discurso do DCMS apresentado na introdução deste artigo). O fazer criativo, desse modo, aparece como uma ferramenta, uma habilidade/capacidade, que o indivíduo pode utilizar para superar as adversidades e obter sucesso/lucro, independentemente da natureza de tais adversidades. Contudo, evidenciamos no Quadro 1 o discurso silenciado, o qual é referenciado por estudos acadêmicos que contradizem, subvertem ou questionam o discurso dominante, demonstrando que os dizeres sempre podem ser outros.

Impõe-se, no entanto, um primeiro problema, que pode ser exposto da seguinte maneira: pensar a criatividade como ferramenta supõe: (a) um jogo onde essa ferramenta tem um valor (o mercado); (b) uma norma, num terreno mais ou menos estabilizado, que define o uso “correto” dessa ferramenta (no caso, o consumo e a concorrência); e (c) excluir desse jogo, pela via do silenciamento, ora aqueles sujeitos ou discursos que não usam essa ferramenta “corretamente”, ora aquelas condições materiais de existência que impõem empecilhos à universalização do seu uso. Em resumo: conceber a criatividade como ferramenta só se sustenta na medida em que se opera o apagamento das margens de sua universalização.

Situação análoga, em que criatividade e produtividade financeira/econômica são representadas na mídia como intimamente relacionadas, é percebida em um comercial do programa Shark Tank. No comercial11 11 https://www.youtube.com/watch?v=jK4kmhjweUw&feature=youtu.be , chamado The Sharks Address The Coronavirus Crisis, os integrantes do programa dedicam ao público palavras de apoio e incentivo, além de orientações com relação ao enfrentamento da crise de covid-19. Tal comercial foi produzido em 2020, enquanto o mundo todo começava a sofrer os efeitos da pandemia. Apresentamos abaixo trechos das falas presentes no anúncio de interesse em nosso estudo, sendo seu conjunto doravante referido como Sequência Discursiva Shark Tank (SD-ST):

Robert Herjavec: Whether you’re a small-business owner or just trying to help your family, we’re here with some advice.

Lori Greiner: Don’t look at this times as a setback. Look at them as an opportunity. Start to improve your social-media presence. Improve your website. Do the things that you never had time to do before. Get active.

Daymond John: This is a true time to reflect on your “why”. Why did you start a business? Why are you working where you’re working? Why are you trying to change people’s lives? Now is the time that your “why” is put to the test.

Barbara Corcoran: These are the times that will make warriors out of entrepreneurs. It will show you what you’re made of. And once you see this through, you’ll build the confidence to know you can get through anything.

Kevin O’Leary: There’s no end to entrepreneurship in America. Right now, the next giant company is being invented in somebody’s basement.

Daymond John: There will always be some challenge in the world, but true entrepreneurs and survivors know how to adjust and become stronger, and this is what makes us unstoppable.

Lori Greiner: When we come out of this, know we will be more united than ever.

Mark Cuban: And when we get to the other side, when we get to America 2.0, we can and will make it a better place.

Percebe-se que o discurso do comercial visa a estimular o empreendedorismo por meio de injunções e incentivos ao público estadunidense. Da mesma maneira que na sequência SD-SJ, mas indiretamente, a criatividade se apresenta como uma ferramenta para lidar com as adversidades, seja por meio de estímulos de realizações inéditas (Do the things that you never had time to do before), seja através da capacidade de adaptação dos empresários perante os problemas enfrentados (true entrepreneurs and survivors know how to adjust and become stronger) ou, ainda, pela criação de uma futura grande empresa (Right now, the next giant company is being invented in somebody’s basement). Tais discursos também silenciam outros dizeres, que apontam para uma grande desigualdade de oportunidades econômicas nos EUA, dificultando drasticamente o crescimento econômico individual (Bradbury & Triest, 2016Bradbury, Katharine & Triest, Robert K. (2016). Introduction: Inequality of economic opportunity. RSF: The Russell Sage Foundation Journal of the Social Sciences, 2(2), 1-43.)12 12 De acordo com esses estudos, a desigualdade econômica estaria relacionada à renda familiar, à educação, à vulnerabilidade de subgrupos (negros, filhos de mães solteiras etc.), à localização geográfica, dentre outros fatores (e.g. Chetty, Hendren, Kline, & Saez, 2014; Corak, 2013; Mazumder, 2011; Bradbury & Triest, 2016). .

O anúncio, ainda, movimenta diferentes formações imaginárias e discursivas para dar consistência aos sentidos que reproduz. Conforme demonstrado no Quadro 2, sustentam-se representações imagéticas dos sujeitos envolvidos no processo discursivo, relacionadas aos apresentadores do Shark Tank e àqueles a quem eles se dirigem. Numa formação imaginária 1, à qual corresponde uma formação discursiva FD1, existem as posições-sujeito You (você (s)) e We (nós). A primeira, marcando a posição daqueles que estão passando por dificuldades e que, portanto, precisam ou podem se beneficiar das orientações que os apresentadores oferecem. A segunda, ocupada por aqueles que fornecem tais orientações. Estabelece-se, assim, nessa formação imaginária, um corte entre posições: há aqueles que podem falar, que detêm um saber, que possuem as respostas, que conhecem o caminho, e há aqueles que precisam aprendê-lo, os iniciados, os que devem ouvir. Duas posições distintas, hierarquicamente dissimétricas, que, não obstante, compõem juntas e simultaneamente sentidos que se propõem totais:

Quadro 2
A absorção entre posições-sujeito na Sequência Discursiva Shark Tank (SD-ST)

No entanto, conforme podemos observar no Quadro 2, há um ponto de divisão entre as formações imaginárias e suas formações discursivas correspondentes. Enquanto a formação discursiva FD1 apresenta, em sua formação imaginária, as posições-sujeito You (você (s)) e We (nós), a formação discursiva FD2 apresenta apenas a posição-sujeito We (nós). Estabelece-se uma divisão a partir do pronome indefinido Somebody (alguém), colocando em suspensão a verticalidade e a desigualdade entre as diferentes posições-sujeito envolvidas no processo até então, sobrando apenas uma única. A partir desse ponto, We (nós) inclui todos, não há mais corte entre os que detêm um saber e os que precisam aprendê-lo. We (nós) e You (vocês) são unificados (deixam de ocupar posições-sujeito distintas no discurso), caracterizando uma relação de horizontalidade e universalidade. É possível observar um processo similar nas formações imaginárias e discursivas presentes na sequência SD-SJ. Nela há um discurso impessoal e indireto proferido pela apresentadora Astrid Fontenelle, o que pode ser atestado pela ausência de algumas marcas linguísticas (como pronomes na primeira pessoa: eu/nós) e pela referência a um discurso outro. Porém, há um “ela” (a chefe de criação no mercado publicitário Keka Morelle) que oferece informações e orientações aos interlocutores (a gente/nós), sendo esses entendidos de maneira universal na posição-sujeito (através do não dito) como capazes de obter lucro por meio de seus atos criativos. Nesse caso, podemos estabelecer que o dito está vinculado à FD1 (formação discursiva caracterizada pela desigualdade entre posições-sujeito), enquanto o não dito é filiado à FD2 (ligada à universalidade das posições-sujeito).

Tal contradição (desigualdade-universalidade) entre as formações discursivas FD1 e FD2 opera no interior dos discursos, produzindo efeitos de sentido pela transparência da linguagem. Do mesmo modo, o silenciamento não é vazio, sendo visto, na AD, como um horizonte de interpretação. O silêncio é, assim como o próprio discurso, uma condição de produção de sentido, que pode ser vista quando uma autorização sobre o dizer faz com que a voz de quem é desautorizado não produza efeito (Orlandi, 2007Orlandi, Eni P. (2007). As formas do silêncio: No movimento dos sentidos. Editora Unicamp.). No entanto, a AD postula que os dizeres só podem produzir sentidos pela relação com a exterioridade. Dessa forma, a ligação entre os fenômenos do silenciamento e da contradição desigualdade-universalidade toma um caráter especial quando consideramos tal exterioridade, isto é, suas condições sócio-históricas e ideológicas de produção (Orlandi, 2009Orlandi, Eni P. (2009). Análise de discurso: Princípios e procedimentos. Pontes.; Pêcheux, 1975/2014Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.).

Conforme Pierre Dardot e Christian Laval (2019Dardot, Pierre & Laval, Christian. (2019). Common: On revolution in the 21st century. Bloomsbury Publishing.), a partir da década de 1980, o neoliberalismo, ao estender a lógica de concorrência a toda sociedade, gera um novo conjunto de normas sociais. Os autores caracterizam esse novo conjunto e postulam que a norma da concorrência é universalizada, ultrapassando as fronteiras do Estado e atingindo, até mesmo, a subjetividade dos indivíduos e sua relação consigo (Dardot & Laval, 2016Beghetto, Ronald A. & Kaufman, James C. (2007). Toward a broader conception of creativity: A case for “mini-c” creativity. Psychology of Aesthetics, Creativity, and the Arts, 1(2), 73-79.). Assim sendo, a criação deste novo sistema produz alterações nas formas de trabalho e nos comportamentos e pensamentos dos sujeitos, tendo como consequência a introjeção subjetiva da lógica de competitividade e superação. Luc Boltanski e Ève Chiapello corroboram com essa ideia ao afirmarem que a partir da década de 1990 a criatividade e a flexibilidade passam a ser as novas palavras de ordem do sistema capitalista. Demanda-se, dessa forma, que os sujeitos conduzam todas as suas capacidades para sua atuação profissional, inclusive as mais pessoais. A partir disso, a demanda do capital que antes era direcionada à dedicação e ao conhecimento técnico dos trabalhadores, passa a exigir criatividade e sagacidade no exercício laboral. Tais noções tornam-se parte da composição do imaginário social a respeito do que é necessário para ser um bom profissional. Logo, tais concepções passam a gerar uma diferenciação entre os trabalhadores, entre os ditos dotados de tais qualidades e os não dotados, influenciando diretamente em sua empregabilidade e em suas oportunidades dentro da lógica de concorrência do sistema capitalista. (Boltanski & Chiapello, 2009Boltanski, Luc & Chiapello, Ève (2009). O novo espírito do capitalismo. Martins Fontes.).

Precisamos, assim, que o entendimento da criatividade como ferramenta possui um lugar geográfico, sociocultural, histórico e ideológico determinado. No neoliberalismo, o sujeito é visto como empresário de si mesmo (Han, 2017Han, Byung-Chul (2017). Sociedade do cansaço. Vozes.) ou como indivíduo-empresa (Dardot & Laval, 2016Dardot, Pierre & Laval, Christian. (2016). A nova razão do mundo: Ensaio sobre a sociedade neoliberal. Boitempo.), e frente ao fracasso de seus projetos e de suas ações criativas (consideradas neste contexto como não criativas ou insuficientemente criativas), é entendido como responsável exclusivo por tais infortúnios. Para Byung-Chul Han (2017)Han, Byung-Chul (2017). Sociedade do cansaço. Vozes., esta é a base da inteligência do regime neoliberal: o uso da autoexploração meritocrática, a qual é capaz de evitar resistências contra o sistema. A partir disso, a responsabilização pelos efeitos de diversas conjunturas político-econômicas recai apenas sobre os sujeitos individualmente. Assim, a contradição desigualdade-universalidade (FD1-FD2), presente nos discursos, deve ser concebida como correlata das contradições que permeiam o neoliberalismo enquanto modo de produção e forma de laço social, as quais consistem, por um lado, na universalização da norma da concorrência, e por outro, nas desigualdades inerentes ao sistema.

As sequências SD-ST e SD-SJ, nesse sentido, sustentam uma representação particular, vinculada ao neoliberalismo, dos percalços enfrentados pelos indivíduos no decorrer da pandemia. Trata-se da capilarização dessas dificuldades, bem como das ferramentas para seu enfrentamento. Abstendo-se de abordar as questões sociais e políticas que permeiam esta crise pandêmica e direcionando a responsabilidade aos próprios interlocutores na sua capacidade de utilizar a criatividade para auxiliar no “orçamento doméstico”, o discurso engendra, como visto, o silenciamento dos obstáculos à universalização de tal ferramenta. Esse silenciamento funciona em dois níveis: (a) o do discurso, em que os dizeres contraditórios são desautorizados por um jogo de forças nas circunstâncias de enunciação; e (b) o do sujeito, quando esse é identificado de forma inequívoca ao conjunto daqueles que podem e devem utilizar a ferramenta “criatividade”.

O mecanismo do silenciamento da contradição desigualdade-universalidade opera em um sistema de retroalimentação. O silenciamento apaga a desigualdade, universalizando a categoria do sujeito criativo; ao mesmo tempo, tal universalização funciona como base e legitimação para a reprodução do neoliberalismo; por fim, ocorre a manutenção das contradições e desigualdades inerentes ao sistema. Demonstramos, desse modo, como o sujeito criativo se torna um mecanismo de interpelação na sociedade neoliberal. Mais do que uma categoria psicológica, o sujeito criativo é uma categoria discursiva, na medida em que funciona sustentando uma representação da realidade (isto é, dos indivíduos, suas relações uns com os outros e com o mundo) filiada ao neoliberalismo. Boltanski e Chiapello, muito perspicazmente, nos apontam a contraditoriedade que o próprio capitalismo pode impor a esse discurso de criatividade. Se por um lado a criatividade é uma importante peça do tabuleiro que possibilita justificar o acúmulo econômico13 13 Segundo os autores, a “Cidade inspirada” - uma das seis “cidades” (isto é, convenções) que possuem caráter universal, voltadas ao bem comum, e que justificam o espírito do capitalismo - tem a criatividade como uma das manifestações que validam a grandeza daqueles que a possuem (Boltanski & Chiapello, 2009). , por outro, a crítica artística tem acusado que o próprio sistema capitalista pode oprimir manifestações criativas, submetendo-as à dominação do mercado como força impessoal que designa os homens e produtos/serviços desejáveis ou não (Boltanski & Chiapello, 2009Boltanski, Luc & Chiapello, Ève (2009). O novo espírito do capitalismo. Martins Fontes.).

No neoliberalismo, é o mercado (por meio da lógica do consumo e da concorrência) que dita, portanto, que sujeito merece ou não ser considerado criativo, seja nas artes, no empreendedorismo ou em qualquer outro aspecto do fazer humano. Não há reconhecimento de uma ideia criativa sem o mercado, ou seja, sem a possibilidade de haver consumidores que compartilhem valores similares e que estejam dispostos a “comprar” o saber vivo dos sujeitos, as ideias postas “à venda”. Para além de uma prática econômica, o consumo, nesse contexto, é entendido em sentido amplo, envolvendo o gozo e o usufruto nas esferas do simbólico e do social. Essas relações socioculturais atuam como moeda de troca no que diz respeito à criatividade e influenciam nas motivações intrínsecas e extrínsecas do sujeito quanto ao seu ato criativo.

Conforme preconiza a AD, o processo de interpelação-identificação ocorre pela via do discurso (Pêcheux, 1975/2014Pêcheux, Michel (1975/2014). Semântica e discurso: Uma crítica à afirmação do óbvio. Editora da Unicamp.). A identificação, como primeira consequência do laço social, é uma relação com um Outro que já era aí mesmo antes do indivíduo nascer (Lacan, 1975/2009Lacan, Jacques. (1975/2009). O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Zahar.). Ao longo do desenvolvimento desse, vão sendo incorporadas demandas dos mais variados âmbitos do corpo social em que o sujeito está inserido. Esse Ideal do Eu (Freud, 1914/2010Freud, Sigmund (1914/2010). Introdução ao narcisismo. In Obras completas, volume 12: Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916) (pp. 9-37). Companhia das Letras.), que comporta valores e anseios, advém no sujeito a partir da posição que o Outro o deseja (Lacan, 1973/2008Lacan, Jacques. (1973/2008). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Zahar., 1975/2009Lacan, Jacques. (1975/2009). O seminário, livro 1: os escritos técnicos de Freud. Zahar.). Segundo Alex Starnino (2016Starnino, Alexandre (2016). Sobre identidade e identificação em Psicanálise: Um estudo a partir do Seminário IX de Jacques Lacan. DoisPontos, 13(3), 231-249.), somos interpelados a nos identificar com a ideologia dominante, sendo o Outro vetor da identidade e da identificação. Para Lacan (1973/2008Lacan, Jacques. (1973/2008). O seminário, livro 11: os quatro conceitos fundamentais da psicanálise. Zahar., p. 200), “o Outro é o lugar em que se situa a cadeia do significante que comanda tudo que vai poder presentificar-se do sujeito, é o campo desse vivo onde o sujeito tem que aparecer”. O sujeito advém a partir da sua alienação perante o Outro, que opera em um nível simbólico, interpela os sujeitos e submete-os a uma complexa rede de regras e pressupostos, estando presente em todo processo discursivo (Žižek, 2010Žižek, Slavoj (2010). Como ler Lacan. Zahar.).

Assim, na sociedade neoliberal, cujos valores e normas são, cada vez mais, presentes em nossas práticas sociais, os indivíduos são universalmente interpelados em sujeito e identificados à categoria do indivíduo-empresa. A ideia de autonomia, portanto, de que o sucesso está exclusivamente em nossas mãos e em nossas habilidades e capacidades pessoais, nos impulsiona a buscar reconhecimento social e ganho financeiro. Logo, o sujeito criativo aparece como aquele que, dotado da autonomia e da ferramenta necessária, a criatividade, deve-se utilizar dessa para entrar no jogo neoliberal do consumo e da concorrência.

Considerações finais

No decorrer deste artigo, buscamos problematizar a categoria “sujeito criativo”, quais suas condições de produção, em que lugar ele se inscreve e quais forças disputam a sua narrativa e legitimidade para contar sua história. As análises das sequências SD-ST e SD-SJ tornam manifesto o discurso dominante, que liga criatividade à utilidade, ao lucro e ao mercado, fenômeno esse que, no entanto, não é exclusivo da sociedade contemporânea. Contudo, evidenciamos que a lógica indivíduo-empresa neoliberal atribui discursivamente ao sujeito a responsabilidade pelo “valor” de sua criatividade, silenciando as condições de produção desse valor. Nesse sentido, o sujeito criativo aparece como um mecanismo de manutenção e reprodução dessas formações ideológicas.

Esta é uma das marcas das sociedades contemporâneas: a criatividade como uma forma de manifestação do valor do sujeito. Sujeito esse que é universal, na medida em que todos somos convidados a ocupar esse lugar, e ao mesmo tempo é excludente, porque são poucos os que, de fato, são autorizados a falar a partir desse lugar e a identificar-se com ele. Os discursos apresentados (sequências SD-ST e SD-SJ) omitem essa lógica, atribuindo ao sujeito uma responsabilidade criativa que lhe possibilitaria (ou não) obter sucesso.

No entanto, nosso percurso fornece mais perguntas que respostas. Quais são os efeitos da racionalidade neoliberal nos produtos criativos? Que impactos isso tem nas formas de (r)existência desses sujeitos? É possível pensar em um novo sujeito criativo dentro do neoliberalismo? São provocações de que temos apenas um prelúdio, mas que certamente podem levar a discussões muito enriquecedoras, as quais poderão potencializar reflexões futuras acerca desse assunto.

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Notas

  • 1
    Todavia, os autores salientam que, atualmente, por sofrer influências das concepções ocidentais contemporâneas de criatividade, o Oriente integra em sua noosfera as características de ambas as tradições ( Niu & Sternberg, 2006 Niu, Weihua, & Sternberg, Robert J. (2006). The philosophical roots of Western and Eastern conceptions of creativity. Journal of Theoretical and Philosophical Psychology, 26(1-2), 18-38. https://doi.org/10.1037/h0091265.
    https://doi.org/10.1037/h0091265...
    ).
  • 2
    Para os gregos, a poesia estava acima de todas as artes. Platão remete o termo poesia (em conformidade com o sentido etimológico da palavra poiesis) ao próprio conceito de criatividade. Segundo ele, tudo o que passa do não-ser ao ser é poesia (Platão, 2012/2017Platão. (2012/2017). O banquete. EDIPRO.).
  • 3
    Cabe mencionar, devido à polissemia do termo “governamental”, o trabalho de Michel Foucault. Para ele, a governamentalidade é o “conjunto constituído pelas instituições, procedimentos, análises e reflexões, cálculos e táticas que permitem exercer esta forma bastante específica e complexa de poder, que tem por alvo a população, por forma de saber a economia política e por instrumentos técnicos essenciais os dispositivos de segurança” (Foucault, 1978/2017, p. 429Foucault, Michel (1978/2017). A governamentalidade. In Microfísica do poder(pp. 407-431). Paz e Terra.). A análise de Oliveira (2016)Oliveira, Adriana L. (2016). Discurso da criatividade: Lógicas de produção, convocações para o consumo e gestão de si. Dissertação de Mestrado, Programa de Pós-graduação em Comunicação e Práticas de Consumo da ESPM, Escola Superior de Propaganda e Marketing, São Paulo. se desenvolve nessa perspectiva, que, no entanto, não é a nossa, uma vez que partimos da perspectiva pêcheuxtiana sobre o discurso. O trabalho de Oliveira, ainda assim, permanece uma referência necessária por tratar especificamente do discurso sobre a criatividade, tema que aqui desenvolvemos.
  • 4
    conceito de ideologia empregado no texto é o proposto por Louis Althusser. A ideologia tem existência material e sempre existe num aparelho, em sua prática. A ideologia aqui não é vista num sentido negativo, como negação da realidade. A ideologia é uma estrutura essencial da vida histórica das sociedades (Althusser, 1970/1992Althusser, Louis (1970/1992). Aparelhos ideológicos do Estado. Graal.).
  • 5
    Discursos similares são recorrentes em nossa contemporaneidade, estando presentes em programas televisivos, anúncios, biografias, romances, documentários educativos, produção científica etc. A título de exemplo, podemos citar as narrativas presentes no documentário Brazil criativo.DOC: economia criativa do Brasil (https://www.youtube.com/watch?v=NfuiJDpfcn4) e na reportagem do Fala Brasil disponibilizada pela emissora Record TV (https://recordtv.r7.com/fala-brasil/videos/criatividade-e-diferencial-no-mercado-de-trabalho-saiba-desenvolver-essa-caracteristica-02102021). Da mesma forma, Teresa Amabile vem desenvolvendo uma extensa pesquisa sobre a criatividade voltada para uma ótica de produção e desempenho em ambientes organizacionais (Amabile, 1988Amabile, Teresa M. (1982). Social psychology of creativity: A consensual assessment technique. Journal of Personality and Social Psychology, 43(5), 997-1013.; Amabile et al., 1996Amabile, Teresa M., Conti, Regina, Coon, Heather, Lazenby, Jeffrey, & Herron, Michael. (1996). Assessing the work environment for creativity. The Academy of Management Journal, 39(5), 1154-1184.; Amabile et al., 2005).
  • 6
    https://globoplay.globo.com/v/8906032/
  • 7
    Tanto o canal GNT quanto o portal Globo.com pertencem ao Grupo Globo, maior rede de mídia e comunicação do Brasil e da América Latina.
  • 8
    Shark Tank é um programa de televisão em que empreendedores se apresentam para grandes investidores, visando a obter destes financiamento para suas ideias ou produtos.
  • 9
    American Broadcasting Company (ABC) é uma rede multinacional de transmissão televisiva estadunidense.
  • 10
    Sony Channel pertence à Sony Entertainment Inc., empresa de entretenimento com sede em Nova Iorque, nos EUA.
  • 11
    https://www.youtube.com/watch?v=jK4kmhjweUw&feature=youtu.be
  • 12
    De acordo com esses estudos, a desigualdade econômica estaria relacionada à renda familiar, à educação, à vulnerabilidade de subgrupos (negros, filhos de mães solteiras etc.), à localização geográfica, dentre outros fatores (e.g. Chetty, Hendren, Kline, & Saez, 2014Chetty, Raj, Hendren, Nathaniel, Kline, Patrick, & Saez, Emmanuel (2014). Where is the land of opportunity? The geography of intergenerational mobility in the United States. Quarterly Journal of Economics, 129(4), 1553-1623.; Corak, 2013Corak, Miles (2013). Income inequality, equality of opportunity, and intergenerational mobility. Journal of Economic Perspectives, 27(3), 79-102.; Mazumder, 2011Mazumder, Bhashkar (2014). Black-white differences in intergenerational economic mobility in the United States. Economic Perspectives, 38(1). https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=2434178
    https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?...
    ; Bradbury & Triest, 2016Bradbury, Katharine & Triest, Robert K. (2016). Introduction: Inequality of economic opportunity. RSF: The Russell Sage Foundation Journal of the Social Sciences, 2(2), 1-43.).
  • 13
    Segundo os autores, a “Cidade inspirada” - uma das seis “cidades” (isto é, convenções) que possuem caráter universal, voltadas ao bem comum, e que justificam o espírito do capitalismo - tem a criatividade como uma das manifestações que validam a grandeza daqueles que a possuem (Boltanski & Chiapello, 2009Boltanski, Luc & Chiapello, Ève (2009). O novo espírito do capitalismo. Martins Fontes.).
  • Financiamento: Não se aplica

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    05 Abr 2021
  • Revisado
    15 Abr 2022
  • Aceito
    18 Abr 2022
Associação Brasileira de Psicologia Social Programa de Pós-graduação em Psicologia, Universidade Federal de Pernambuco, Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFCH), Av. da Arquitetura S/N - 7º Andar - Cidade Universitária, Recife - PE - CEP: 50740-550 - Belo Horizonte - MG - Brazil
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