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O ASSASSINATO DE MARIELLE FRANCO: OLHAR PSICOSSOCIAL SOBRE POLARIZAÇÃO EM UM RECORTE DO PENSAMENTO SOCIAL

EL ASESINATO DE MARIELLE FRANCO: UNA MIRADA PSICOSOCIAL A LA POLARIZACIÓN EN UN RECORTE DEL PENSAMIENTO SOCIAL

MARIELLE FRANCO’S MURDER: PSYCHOSOCIAL APPROACH AT POLARIZATION IN A SOCIAL THINKING EXTRACT

Resumo:

O trabalho explora comentários online no jornal “O Dia” dos dias subsequentes ao assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes e analisa a expressão da polarização nesse material. Recorremos aos estudos de polarização de Martín-Baró, Lozada, Villa Gómez e à perspectiva de Moscovici e Jodelet sobre pensamento social. Foram reunidos 1330 comentários de 40 matérias, submetidos ao programa IRaMuTeQ e análises de conteúdo complementares. As classes encontradas trataram das duas vítimas, do assassinato e de outras mortes, menos cotadas; das homenagens; da segurança pública, da política e da desigualdade/precariedade do trabalho. Os principais achados foram os indícios de representação social do crime e de Marielle; a negação da existência do racismo; indícios de que a polarização, além dos extremos, tem outros tons e intensidades; a polarização assimétrica, predominando o polo conservador; e a direita como possível minoria ativa que tenta influenciar a mudança do senso comum em marcha.

Palavras-chave:
Polarização; Psicologia Social; Pensamento social

Resumen:

Este trabajo explora comentarios en línea del diario “O Dia” en los días subsecuentes al asesinato de Marielle Franco y Anderson Gomesy analiza la expresión de la polarización en este material. Recurrimos a los estudios sobre polarización de Martín-Baró, Lozada, Villa Gómez y a la perspectiva de Moscovici y Jodelet acerca del pensamiento social. Se reunieron 1330 comentarios de 40 materias, sometidos a IRaMuTeQ y a un análisis de contenido complementario. Las clases detectadas tratan de las dos víctimas, del asesinato y de otras muertes, menos estimadas; los homenajes; la seguridad pública, la política y la desigualdad/precariedad del trabajo. Los hallazgos más sugerentes fueron los indicios de representación social del crimen y de Marielle; la negación de la existencia del racismo; los indicios de que la polarización, más allá de los extremos, tiene otros tonos e intensidades; la polarización asimétrica, predominando el polo conservador; y la derecha como posible minoría activa que intenta influenciar el cambio del sentido común en marcha.

Palabras-clave:
Polarización; Psicología Social; Pensamiento social

Abstract:

This paper analyzes on line comments from Brazilian newspaper “O Dia” following the murder of Marielle Franco and Anderson Gomes. Analyze polarization in this material. Analysis was based on polarization studies by Martín-Baró, Lozada, Villa Gómez, besides those on social thinking by Moscovici and Jodelet. 1330 comments from 40 articles were submitted to the IRaMuTeQ software and complementary content analyses. The content analysis pointed out the categories: characterization of the victim, of the death, of the killer, and showed how they interconnect. Polarization centered on the city’s problems, and issues such as human rights and same sex marriage, with a conservative bias. The most thought-provoking findings were the denials of the existence of racism; discrete indications that polarization has various tones and intensities; the asymmetric polarization, with a predominance on the conservative pole; and the right wing as a possible active minority that tries to influence the change of common sense in progress.

Keywords:
Polarization; Social Psychology; Social thinking

Introdução

Em 14 de março de 2018 Marielle Franco, vereadora pelo PSOL, negra, ativista pelos direitos humanos, lésbica, foi alvejada junto com o motorista Anderson Gomes, no centro do Rio de Janeiro. Era ano de eleições presidenciais, passado o impeachment de Dilma Roussef e dois anos do governo de Michel Temer. Este trabalho propôs captar a expressão da polarização social de então por meio do estudo dos comentários on line do público de um jornal do Rio de Janeiro sobre o fato.

O crime, trabalho de profissionais, aconteceu num contexto em que a responsabilidade pela segurança pública tinha passado para o Exército, com uma intervenção federal no Rio de Janeiro1 1 A Intervenção Federal no Rio de Janeiro, decretada em fevereiro de 2018, visava “por termo ao grave comprometimento da ordem pública” (Câmara dos Deputados, 2018, s/p). Para muitos juristas, diante da imagem desgastada do governo Michel Temer, ela tiraria o foco da frustrada reforma da previdência, promoveria um giro na agenda política brasileira, como medida emergencial e popular que dominaria as pautas do Congresso e da mídia (Bighetti, 2018). As forças da ordem passaram do comando estadual para o federal, com o general Walter Braga Netto como interventor. Encerrada no fim de 2018, seu balanço é controvertido, apontando a falta de um plano claro e abrangente para lidar com a segurança pública em suas raízes, bem como a tensão entre as operações militares em áreas de favelas e bairros populares visando reduzir a criminalidade, e a defesa dos direitos fundamentais da população afetada e, por conseguinte, a legitimidade das ações da segurança pública (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2019). A proposta era atacar os efeitos do crime organizado para diminuir os altos índices de violência, mas a presença do Exército nas ruas apenas coibiu crimes contra o patrimônio, que muitas vezes são ataques de oportunidade no cotidiano urbano, enquanto a criminalidade organizada, paramilitar, seguiu gerindo seus negócios (Bighetti, 2018). . Mídias de todo tipo, manifestações, debates, testemunharam a efervescência do momento, que possibilita, como diz Serge Moscovici (1976Moscovici, Serge (1976). La représentation sociale de la psychanalyse. PUF., 2013Moscovici, Serge (2013). Le scandale de la pensée sociale. Editions de l´EHESS.), ver a sociedade pensante em ação, com seus sábios amadores emitindo juízos, formulando teorias leigas. Para ele, buscamos dar sentido à novidade, ao estranho, ao controverso, por meio da comunicação, à base de informação, crenças, afetos, representações, imaginários, substância do pensamento social - “epistemologia do senso comum, estudo das teorias implícitas, saberes ingênuos e espontâneos”, segundo Denise Jodelet (2017, p. 51Jodelet, Denise (2017). Pensamento social e historicidade. In Representações sociais e mundos de vida (pp. 53-62). Fundação Carlos Chagas/PUCPress.). Outros teóricos do mesmo campo convergem quanto às características deste tipo de pensamento, dono de lógica própria: o forte apelo afetivo, a distância do pensamento dito racional. Para Michel-Louis Rouquette (1973Rouquette, Michel-Louis (1973). La pensée sociale. In Serge Moscovici (Dir.), Introduction à la Psychologie sociale (pp. 298-328). PUF., 2009Rouquette, Michel-Louis (2009). La pensée sociale. Érès.), ele traduz a influência dos fatores sociais sobre o pensamento, e trata de realidades importantes coletivamente (Juárez-Romero & Rouquette, 2007Juárez-Romero, Juana & Rouquette, Michel-Louis (2007). El pensamiento social: arquitectura y formas de estudio. In Miguel Ángel Aguilar & Anne Reid (Coords.), Tratado de psicología social: perspectivas socioculturales (pp. 43-66). Anthropos.; Rouquette, 1973Rouquette, Michel-Louis (1973). La pensée sociale. In Serge Moscovici (Dir.), Introduction à la Psychologie sociale (pp. 298-328). PUF.); ele é o pensamento da gestão cotidiana. Para Christian Guimelli (2004Guimelli, Christian (2004). El pensamiento social. Universidad Nacional Autónoma de México.), ele filtra e integra elementos do mundo exterior que confirmem a sua própria lógica; prioriza o vínculo social, a interação.

Observa-se a focalização dos estudiosos em fenômenos diferentes. Jodelet (2017Jodelet, Denise (2017). Pensamento social e historicidade. In Representações sociais e mundos de vida (pp. 53-62). Fundação Carlos Chagas/PUCPress.) considera a representação social como via para compreender a dinâmica desse tipo de pensamento, e enfatiza-o como construção mental de objetos do mundo que afetam o devir social. Rouquette (1992Rouquette, Michel-Louis (1992). La rumeur et le meurtre. Presses Universitaires de France.) estudou boatos e outras elaborações coletivas como exemplos de expressão desse pensamento. Nós escolhemos como objeto o fenômeno da polarização, no contexto específico do ano de 2018, já mencionado. Nosso objetivo é entender a expressão da polarização no debate em torno do assassinato de Marielle. Ver a polarização como integrante ativa do pensamento social, contido nos comentários que produzem afetos, explicações, opiniões, na busca de sentido para algo inesperado, violento e perturbador. O trabalho tem um caráter exploratório, ao se indagar como se manifesta a polarização diante de um fato de grande repercussão, que escapa aos estudos mais comuns sobre polarização (eleições, guerras). Que características psicossociais ela comporta neste caso? O que ela revela sobre o pensamento social e sobre a sociedade naquele momento e contexto?

Partimos da noção de polarização segundo Ignacio Martín-Baró e retomada por Mireya Lozada e outras/os, como apoio teórico. Registramos, a partir do dia do acontecido, comentários às notícias de jornais cariocas online até que eles cessaram, para uma análise do ponto de vista psicossocial. O material foi processado pelo programa IRaMuTeQ e ganhou análises de conteúdo complementares.

O olhar psicossocial sobre a polarização

Diferente da polarização estudada pela psicologia social até os anos 1980 (Lamm & Myers, 1978), a polarização social não tem por objetivo alcançar o consenso dentro de um grupo nem negociá-lo entre dois grupos (Doise, 1969Doise, Willem (1969). Intergroup relations and polarization of individual and collective judgments. Journal of Personality and Social Psychology, 12(2), 136-143. https://psycnet.apa.org/doiLanding?doi=10.1037%2Fh0027571
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). Definida por Martín-Baró (1983Martín-Baró, Ignacio (1983). Polarización social en El Salvador. Estudios Centroamericanos (ECA), 38(412), 129-142. https://www.uca.edu.sv/coleccion-digital-IMB/articulo/polarizacion-social-en-el-salvador/
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, 1990Martin-Baró, Ignacio (1990). Psicología social de la guerra: Trauma y terapia. UCA Editores.) como um processo psicossocial em que as posições na sociedade vão se contrapondo até se reduzirem a visões esquemáticas opostas, ela pode disseminar a oposição radical entre dois polos para toda a sociedade, espessando a divisória entre “nós, os bons” e “eles, os maus”. Essa separação radical também se manifesta hoje, e aparece na ciência política também como “construção do inimigo” (Teles, 2018Teles, Edson (2018). O abismo na história: ensaios sobre o Brasil em tempos de Comissão da Verdade. Alameda., 2021Teles, Edson (2021). Os militares apresentam suas armas. Blog da Boitempo. https://blogdaboitempo.com.br/2021/07/28/os-militares-apresentam-suas-armas/
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; Tortosa Blasco, 2003Tortosa Blasco, José María (2003). La construcción social del enemigo. Convergencia Revista de Ciencias Sociales, 33. https://convergencia.uaemex.mx/article/view/1588
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). A psicologia política inclui a polarização em estudos de extremismos políticos (Hur & Sandoval, 2020Hur, Domenico U. & Sandoval, Salvador (2020). Psicologia Política da polarização e extremismos no Brasil: neoliberalismo, crise e neofascismos. In Domenico Uhng Hur & José Manuel Sabucedo (Orgs.), Psicologia dos Extremismos Políticos (pp. 117-146). Vozes. ). Na polarização social, política e/ou ideológica radical não se trata de convencer nem converter o outro, mas sim de derrotá-lo, e até eliminá-lo, e de manejar uma situação recorrendo à polarização. Martin-Baró - revisitado pela psicologia política na América Latina (Ramírez & Gómez, 2021Avedaño Ramírez, Manuela & Villa Gómez, Juan David (2021). Polarización política y relaciones familiares: prácticas relacionales y mecanismos de configuración de la postura política como barreras psicosociales para la democracia y la paz en Medellín. El Ágora USB, 21(1), 34-60. https://doi.org/10.21500/16578031.5472
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; Lozada, 2004Lozada, Mireya (2004). El otro es el enemigo: Imaginarios sociales y polarización. Revista Venezolana de Economía y Ciencias Sociales, 10(2), 195-211. https://www.redalyc.org/pdf/177/17710214.pdf
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; Martins & Lacerda, 2014) - considera a polarização como um dos componentes psicossociais da guerra, juntamente com a institucionalização da mentira e a generalização da violência (três fatores que já fazem parte do cotidiano em tempos de paz).

A polarização ocorre também diante de crises, questões centrais para a sociedade, situações de risco, escândalos e outros fenômenos, dividindo as opiniões e transbordando para vários temas, como direitos reprodutivos, meio ambiente, dentre outros. É uma forma de expressão do pensamento social que se observa no mundo de hoje, e também entre nós, quando as polaridades e divergências se extremizam, podendo chegar até o rompimento do diálogo. A vida cotidiana então se vê afetada, pois a radicalidade gera angústia, atinge as relações pessoais e outros espaços da existência. Para Manuela Avedaño Ramirez e Juan David Villa Gómez (2021, p. 38Avedaño Ramírez, Manuela & Villa Gómez, Juan David (2021). Polarización política y relaciones familiares: prácticas relacionales y mecanismos de configuración de la postura política como barreras psicosociales para la democracia y la paz en Medellín. El Ágora USB, 21(1), 34-60. https://doi.org/10.21500/16578031.5472
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), “a principal dinâmica da polarização é a categorização, a classificação, segmentação e organização da vida social e suas relações em torno da concepção destes grupos ‘opostos’”.

Segundo Pablo Ortellado, Ribeiro e Marcio Zeine (2022Ortellado, Pablo, Márcio M., & Zeine, Leonardo (2022). Existe polarização política no Brasil? Análise das evidências em duas séries de pesquisas de opinião. Opinião Pública, 28(1), 62-91. https://doi.org/10.1590/1807-0191202228162
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), embora muito comentada em editoriais e textos das diversas mídias, os estudos acadêmicos sobre ela ainda são poucos no Brasil. Sob o olhar psicossocial, são menos ainda, enquanto em nosso continente já emergem. Lozada (2011Lozada, Mireya (2011). Nosotros o ellos? Polarización social y el desafío de la convivencia en Venezuela. In Polarización política y social en Venezuela y otros países: experiencias y desafíos. Temas de formación sociopolítica, 49. http://hdl.handle.net/10872/13630
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) reúne estudos dos países andinos, Domenico Hur e Salvador Sandoval (2020Hur, Domenico U. & Sandoval, Salvador (2020). Psicologia Política da polarização e extremismos no Brasil: neoliberalismo, crise e neofascismos. In Domenico Uhng Hur & José Manuel Sabucedo (Orgs.), Psicologia dos Extremismos Políticos (pp. 117-146). Vozes. ) de outros países do continente: Colômbia, palco de uma longa guerra de guerrilhas; Venezuela, cenário político conflituoso; Argentina e Brasil, com a construção do outro inimigo na vitória dos presidentes Macri e Bolsonaro. Por outro lado, como vimos em outra ocasião (Arruda, 2021Arruda, Angela (2021). A polarização sob o olhar psicossocial. In A. Roso et al. (Orgs.), Mundos sem fronteiras. Representações sociais e práticas psicossociais (pp. 43-83). ABRAPSO. https://site.abrapso.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Mundo-sem-fronteiras.pdf
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), o efeito da polarização aguda no convívio atinge âmbitos diversos da vida, para além da política (Ramírez & Gómez, 2021; Minerbo, 2017Minerbo, Marion (2017). Polarização: um caso de daltonismo emocional. https://loucurascotidianas.wordpress.com/2017/10/22/polarizacao-um-caso-de-daltonismo-emocional/
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), fraturando o tecido social e o sentido comum (Lozada, 2011). A polarização diante de um fato de grande repercussão, contudo, escapa aos estudos mais comuns sobre ela (em eleições e guerras). A repercussão do assassinato de uma vereadora negra, filha da favela, de oposição, oferece a oportunidade para esse estudo e merece a atenção do olhar psicossocial, num momento em que um governo utiliza estratégias como a polarização para manter sua base próxima e mobilizada com discurso de ódio (Hur & Sandoval, 2020; Rocha, 2021Rocha, João C. C. (2021). Guerra cultural e retórica do ódio: crônicas de um Brasil Pós Político. Caminhos.).

Nossa escolha tem um caráter exploratório em dois sentidos. Um, justificado pela incipiente produção brasileira comentada acima. A exploração “in natura”, a partir de comentários de pessoas comuns, leitores do jornal O Dia, logo após o acontecido, e não do discurso de autoridades, é outra particularidade deste estudo. Do ponto de vista metodológico, está o esforço de explorar os dados para produzir uma leitura densa dos resultados, tentando articulá-los com recursos além dos oferecidos pelo programa.

Lozada (2004Lozada, Mireya (2004). El otro es el enemigo: Imaginarios sociales y polarización. Revista Venezolana de Economía y Ciencias Sociales, 10(2), 195-211. https://www.redalyc.org/pdf/177/17710214.pdf
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, 2011Lozada, Mireya (2011). Nosotros o ellos? Polarización social y el desafío de la convivencia en Venezuela. In Polarización política y social en Venezuela y otros países: experiencias y desafíos. Temas de formación sociopolítica, 49. http://hdl.handle.net/10872/13630
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), inspirada em Martin Baró e baseada em sua pesquisa e intervenção na Venezuela, aponta um conjunto de características do fenômeno, entre elas o estreitamento do campo perceptivo, levando à percepção desfavorável e estereotipada do grupo oposto que gera uma visão dicotômica e excludente, “nós-eles/as”; a forte carga emocional, que acarreta a aceitação e rejeição sem matizes; o envolvimento pessoal, em que tudo afeta o/a indivíduo/a; a quebra do sentido comum, quando posições rígidas e intolerantes suplantam a discussão; o diálogo entre visões diversas. Juan David Villa-Gómez, Lina Quiceno, Valentina Ramírez e Edward Ledesma (2019Villa Gómez, Juan David , Quiceno, Lina Marcela, Ramírez, Valentina Aguirre, & Ledesma, Edward Causil (2019). El fenómeno de polarización entre ‘Petristas’ y ‘Uribistas’ de la ciudad de Medellín. Revista Kavilando, 11(2), 266-287. https://www.kavilando.org/revista/index.php/kavilando/article/view/345
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), a partir da situação colombiana, apontam o risco da cristalização de identidades e da naturalização da violência nas relações cotidianas, formas de pensar, sentir e agir, configurando uma subjetividade problemática para a reconciliação. Pelo seu peso nas relações sociais e políticas, a polarização que atravessa o pensamento social é nosso maior foco de interesse. No século 21, no Brasil, ela se manifesta mais abertamente a partir de 2013, quando grandes manifestações apartidárias contra aumento do preço dos ônibus ampliam seu conteúdo, passando a protestos contra a corrupção, contra a política e contra o Partido dos Trabalhadores (PT). A partir daí, a direita ganha as ruas e vence por primeira vez desde a ditadura, eleições presidenciais, iniciando um governo conservador que saberá utilizar a polarização em proveito próprio, para motivar suas bases, para encobrir discussões que não lhe convêm, para controlar o processo político.

A proposta

Aqui veremos apenas o material relativo ao jornal O Dia, de 14 a 29 de março de 2018: 1330 comentários de 40 matérias. Depois disso, o tema desaparece e não há mais comentários. O Dia é um jornal dirigido às camadas populares e voltado para questões do cotidiano; seu público provém das classes B e sobretudo C (Oliveira, 2009Oliveira, Márcia R. A. R. (2009). Jornal Popular X Jornal Tradicional: Análise léxico-gramatical da notícia a partir da Linguística de Corpus - Um estudo de casos dos jornais cariocas “O Globo” e “O Dia”. Veredas online - Linguística de Corpus e Computacional, 2,07-19. https://www.ufjf.br/revistaveredas/files/2009/11/ARTIGO-M%c3%a1rcia-Regina-Alves-Ribeiro
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). Foram digitados na integralidade os comentários de todas as matérias que mencionassem o nome de Marielle e/ou de Anderson. Os apelidos usados pelos interlocutores foram substituídos por nomes fictícios e codificados. O programa IRaMuTeQ versão 0.7 alpha2 (Ratinaud, 2009Ratinaud, Pierre (2009). IRAMUTEQ: Interface de R pour les Analyses Multidimensionnelles de Textes et de Questionnaires [Computer software]. http://www.iramuteq.org
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) processou os textos, e análises de conteúdo o complementaram. As variáveis escolhidas foram o jornal (O Dia ou Extra), o número de comentários e a data.

Resultados e discussão

O programa identificou 5 classes (Figura 1), as formas que caracterizam cada uma segundo o valor do qui-quadrado e os textos em que elas se inserem. O aproveitamento foi de 85% do banco de dados, composto de 1549 segmentos de texto, com 380.880 caracteres. Além da análise da Classificação Hierárquica Descendente, dos grifos e outros elementos que não cabem neste espaço, foi feita uma análise de conteúdo categorial temática do conjunto dos comentários de cada classe (não apenas a partir das formas mais significativas). A distribuição do conjunto de comentários e daqueles relativos ao tema da pesquisa foi identificada e numerada manualmente (Tabela 1).

Figura 1
Dendrograma dos comentários em O Dia

Tabela 1
Distribuição dos comentários gerais e sobre Marielle por classe

Classe 1

A classe 1, a menor delas (17,6% do banco de dados), reuniu 52 comentários de 6 matérias. Com grande densidade, teve a mais alta taxa de alusões a Marielle e sua morte: mais de metade dos comentários da classe (59,6%, Tabela 1). As palavras com chi-2 mais significativo foram: munição, comando, vagabundo e perdoar. Os comentários traçam explicações de Por que mataram Marielle? A sociedade pensante (Moscovici, 1976Moscovici, Serge (1976). La représentation sociale de la psychanalyse. PUF.) em pleno movimento. Cada comentário traz a identificação do/a autor/a pelo seu código (por exemplo, Oro), da matéria segundo a sua numeração (por exemplo, m119) e data de publicação.

Defensora do Comando Vermelho deu mole. Foi defender o Terceiro Comando Puro, agora é isso que acontece (Oro, m119, 15/3/2018)

Esta senhora apoiava vagabundo e teve o que policiais têm constantemente. Quem matou nossos policiais que nos defendem diariamente? (Paf, m152, 21/3/2018)

O assassinato aparece como consequência de atos e concepções da vítima. Quando estes são vistos negativamente, a vítima teve o castigo merecido; quando vistos positivamente, podem ter atraído a ira assassina. Também aparecem atribuições da autoria das mortes: facções, traficantes, vagabundos, pontuando a marca da vingança. Inicia-se, assim, a expressão da polarização, com duas narrativas sobre Marielle: uma como defensora dos direitos humanos, questionadora da polícia, e outra como envolvida com o mundo do crime.

Para entrar numa favela, só com ordem de vagabundos ou dos traficantes. ... eles mandam quem mora votar; fica nas mãos deles, tem que fazer o que eles mandam. Coração de bandido é na sola do pé, quem ganha voto deles tem que arcar com as consequências. (Paf, m139, 16/3/2018)

Um mundo lexical, contido numa classe (Reinert, 1990Reinert, Max (1990). ALCESTE, une méthodologie d'analyse des données textuelles et une application: Aurélia de G. de Nerval. Bulletin de Méthodologie Sociologique, 28, 24-54. https://doi.org/10.1177/075910639002600103
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), não é homogêneo. Para uma descrição mais densa do objeto, uma análise de conteúdo indicou as categorias: caracterização da morte; caracterização da vítima; suposto/a/s assassino/a/s. Elas configuram o universo semântico da classe, abarcando o conjunto dos seus enunciados. Os tipos de morte e seus agentes foram três: a morte merecida (10 comentários), que é a punição devida; a morte em contraste com outras (9 comentários), pela disparidade de valorização entre as vidas perdidas; e a execução (4 comentários), outra forma de punição, outro posicionamento de quem comenta, como veremos.

A principal caracterização de Marielle foi de defensora de bandidos (7 comentários) - vítimas da sociedade - e relacionada com o tráfico (4 comentários). Sua posição crítica à ação da polícia foi apontada mais discretamente (3 comentários). A Tabela 2 sintetiza o entrelaçamento, a coocorrência de algumas categorias.

Tabela 2
Relações entre categorias encontradas na classe 1

As coocorrências retraçam narrativas. A morte merecida encabeça a narrativa predominante que ecoa aforismos comuns no pensamento social, como “aqui se faz, aqui se paga”, “ajoelhou, tem que rezar”. As características da vítima, base da explicação para a morte, colocam as pessoas em campos diferentes: quem vê Marielle como defensora de bandidos, envolvida com o tráfico ou crítica da polícia, pode atribuir sua morte a bandidos e traficantes. Já a execução parece ligada a outra perspectiva: ressalta a violência e não culpabiliza a vítima; uma punição injusta? Não para os perpetradores apontados: um matador profissional, o exército, policiais militares.

Culpa do exército. Os bandidos que a executaram devem usar farda; nem latrocínio foi, esta situação. (Urr, m140,17/3/2018)

Tudo eleitor do Jair Bolsonaro: não consegue nem saber que foi uma execução, provavelmente feita por policiais militares. (Leo, m140, 17/3/2018).

O estreitamento perceptivo, característica da visão polarizada (Lozada, 2004Lozada, Mireya (2004). El otro es el enemigo: Imaginarios sociales y polarización. Revista Venezolana de Economía y Ciencias Sociales, 10(2), 195-211. https://www.redalyc.org/pdf/177/17710214.pdf
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), é assinalado no último exemplo ao atribuir aos bolsonaristas a dificuldade de identificar o sentido daquela morte. Para muitos/as comentaristas, a culpa pela morte seria da própria vítima. Marielle talvez reverbere visões do antigo imaginário sobre a mulher como figura do mal, do perigo: eleita como bode expiatório, é queimada como as bruxas no passado. Seria uma ancoragem disparada pela posição protagonista da mulher negra no universo masculino da política? Difícil afirmar, mas se insere numa narrativa com valores, afetos e concepções articuladas num registro conservador. Outra possibilidade é a banalização da morte nas camadas mais pobres, a quem o tratamento dado a uma das suas componentes (mas não a outras) surpreende e irrita.

A desqualificação da vítima recorre à imputação de defender bandidos. Deslegitimar faz parte das estratégias discursivo-afetivas da polarização: a produção de narrativas deslegitimadoras da adversária, difundindo a perda de respeito e a falta de empatia (Arruda, 2021Arruda, Angela (2021). A polarização sob o olhar psicossocial. In A. Roso et al. (Orgs.), Mundos sem fronteiras. Representações sociais e práticas psicossociais (pp. 43-83). ABRAPSO. https://site.abrapso.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Mundo-sem-fronteiras.pdf
https://site.abrapso.org.br/wp-content/u...
; Bar-Tal & Hammack, 2012Bar-Tal, Daniel & Hammack, Phillip L. (2012). Conflict, delegitimization, and violence. In Linda R. Tropp (Ed.), The Oxford handbook of intergroup conflict (pp. 29-52). Oxford University Press.). Ao longo do material sobressai um polo que, beneficiando interesses políticos de grupos conservadores, eleitores do então candidato da direita à presidência, vai desacreditar a pessoa e o legado de Marielle, cujo partido se situa no extremo oposto do espectro político. Essa é a polarização assimétrica, em que um lado é o responsável por polarizar. O conceito surge em análises da polarização político partidária norte-americana, identifica aquele lado como geralmente conservador (Fuks & Marques, 2020Fuks, Mário & Marques, Pedro (2020). Afeto ou ideologia: medindo polarização política no Brasil? In Anais do 12º Encontro da ABCP, Universidade Federal da Paraíba (pp. 1-15). https://cienciapolitica.org.br/web/system/files/documentos/eventos/2021/01/afeto-ou-ideologia-medindo-polarizacao-politica-brasil-2578.pdf
https://cienciapolitica.org.br/web/syste...
; Hacker & Pierson, 2015Hacker, Jacob S. & Pierson, Paul (2015). Confronting asymmetric polarization. In Nathaniel Percily (Ed.), Solutions to political polarization in America (pp. 59-70). Cambridge University Press.), e parece pertinente para a situação e o contexto que se vê aqui.

Os vagabundos da favela... ordenaram votar nela. Aquela foto, ela sentada no colo do chefe do Comando Vermelho, é montagem não: é ela, não é o Papai Noel. Só vagabunda se mistura e tira foto com bandido. Já foi tarde. (Urr, m119, 15/3/18)

O que ... esperar de uma pessoa que só defende bandido? e as famílias dos inocentes assassinados pelos bandidos? quem pede um minuto de silêncio em memória a sete bandidos mortos?... policiais... mortos por bandidos, ela nunca foi visitar os familiares e levar o tal de direitos humanos às famílias enlutadas (Prax, m132)

Outras narrativas, em outro polo, ainda que lacunares, sugerem mais possibilidades. No registro dos afetos, expressões de empatia, apoio, tristeza pelo sucedido e as de satisfação e até parabéns comparecem, assim como a indignação pela comoção diante da morte da vereadora. Algumas respostas à pergunta que é síntese da classe, quem matou Marielle, podem apontar atores de narrativas/campos opostos: traficantes ou policiais/militares. A culpa pela morte é da própria Marielle, que sofre o processo de alterização pela via da deslegitimação. Temos, portanto, nesta classe, indícios da representação social do assassinato, que inclui no seu campo a imagem das vítimas e dos matadores, articuladas pela explicação da motivação. Essas imagens objetivam figuras de projetos opostos, como se viu2 2 A objetivação, processo de construção das representações sociais (Jodelet, 1984), condensa numa figura algo que parece vago, estranho ou confuso, enxugando suas características para torná-lo claro, concreto. O campo da representação (Jodelet, 1984), uma das dimensões da representação social, reúne o conjunto dessas suas figuras, que são icônicas, modelos, e articulam-se entre si. . A polarização iniciada aqui se desdobrará a seguir.

Classe 2

Na classe 2, um pouco mais volumosa (20,6% das unidades de contexto), são 68 comentários de 7 matérias e apenas 22 deles (32,4%, Tabela 1) se referem a Marielle. Destacam-se as palavras Síria, série, baixar(ia/baixada), alheio, clamar, anta, cidade, povo, intervenção. Denominamos a classe como As outras mortes pelo clamor contra o descaso de que são alvo: apesar de violentas, não ganham holofotes nem comoção. Elas estão em 32 comentários (47,1% da classe). A polarização se estampa.

Todos são iguais perante a lei, não é mesmo?...por que numa cidade na qual morrem centenas de pessoas todos os dias, só a morte dela choca? Esse partido defendia os bandidos, e agora, de que lado fica? (Paf, m124, 15/3/2018)

Plantaram abacaxi agora querem colher maçã, vão ter que comer abacaxi. ONU condena assassinato de uma vereadora mas não faz nada contra a morte de mais de 150 crianças na Síria, ONU seletiva nos pedidos de justiça. Aliás, ... morreu também vítima de assalto uma moradora da Baixada fluminense. (Gram, m129, 15/3/2018)

Uma forte conotação afetiva pontua os comentários que se respondem e se encadeiam - a indignação pelo descaso com a morte das pessoas comuns, em contraste com a de celebridades, e pela segurança pública ausente, a intervenção federal omissa.

Ninguém fala do pai de família... morto na frente do filho, ... visto como mais um (Plat, m130, 15/3/2018). ... morrer gente do povo chacinada, executada, agentes públicos, pode, né? Agora, quando morre um de vocês, aí vocês se revoltam... (Ginsb, m130, 15/3/2018)

Essa insatisfação vai ancorar outras vitimações. As notícias da guerra na Síria recrudescem em fevereiro-março de 2018, facilitando aproximar a situação daqui e de lá. Em duas matérias há críticas a entidades por não se preocuparem com as mortes de inocentes. Em três fala-se da Síria. A ideia de que estamos em guerra parece ancorar estas aproximações:

O Rio... vive uma guerra há anos, policiais morrem todos os dias, crianças, trabalhadores, e nenhuma autoridade fez nada para tudo isso parar. (Kar, m126, 15/3/2018)

A intervenção federal, com Exército na rua, joga uma ponte entre a sensação da guerra e uma aparente solução, desconhecendo os interesses políticos em jogo, já que o Rio não tinha a exclusividade do índice de violência elevado na época (Cerqueira, 2018Cerqueira, Daniel (Coord.). (2018). Atlas da Violência no Brasil, 2018. IPEA/Secretaria de Segurança Pública. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/6831-atlasmunicipios2018comp.pdf
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). Ela é uma das marcas da classe, em 5 comentários, com 8 citações. Alvo de intensa discussão, traz três perspectivas: o questionamento da sua eficácia (3 comentários), a relação com a execução de Marielle (2 comentários), e o apoio à continuidade (1 comentário):

Intervenção federal na parte da manhã na Vila Kennedy é mole! quero ver fazer patrulhamento à noite na zona norte, aí sim digo que existe intervenção federal. Fizeram o maior alarde com o exército; cadê o exército? (Pach, m147, 20/3/2018)

Povo, ... foi uma execução e muito provavelmente pela banda podre da polícia militar, pois [Marielle] fiscalizava justamente a intervenção federal no Rio..., estamos à mercê dos corruptos, traficantes, milicianos... (Urr, m136, 16/3/2018)

A intervenção federal tem que continuar e não acabar, como querem esses defensores de bandidos, com o tal direitos humanos; [isso] foi feito para o povo de bem, não para marginais... (Karen, m126, 15/3/2018)

A polarização implica um sistema representacional em que setores diferentes elaboram grandes conflitos da sociedade. Ela se refere a conflitos de maior ou menor centralidade e produz reações de maior ou menor radicalidade: pode ter intensidades diferentes. Trata-se de um processo, passando por gradações diversas em fases diversas, embora tenda ao radicalismo. Esse processo pode não ser linear, contínuo. As pessoas aderem com intensidades diversas ao polo que abraçam antes de atingir - ou não - uma posição radical. A polarização pode não se restringir aos dois polos em disputa, oferecendo outras escalas, 3as e 4as vias, até os que não tomam posição. Ao ser assimétrica, talvez favoreça a expressão destes matizes, mas isso demanda mais pesquisa. Grandes temas polarizadores se articulam e impõem perfis sociais, culturais, políticos. Um desses temas, segurança pública, por exemplo, propõe uma oposição entre a ideologia da ordem, baseada no punitivismo, na visão das classes perigosas, e do outro lado, os direitos humanos, o respeito às garantias individuais etc. Favelas e favelados/as (5 comentários) aparecem nessa narrativa como parte do problema:

A violência cresce por conta dos assassinos que existem nas favelas e nas polícias, seu ódio racista e de classes sociais é que incitam ao assassinato de mais de três mil pessoas no Rio de Janeiro só este ano (Parm, m124, 15/3/2018)

A modernização do centro da cidade no início do século 20 selou a associação entre os/as pobres e as encostas, continuidade da necropolítica (Mbembe, 2019Mbembe, Achille (2019). Necropolítica. N-1 edições.) após a longa escravidão: ambos se instituíram no imaginário social como lugares e pessoas marginalizadas (Valladares, 2000Valladares, Licia (2000). A gênese da favela carioca. A produção anterior às ciências sociais. Revista Brasileira de Ciências Sociais, 15(44), 05-34. http://libmast.utm.my/Record/doaj-art-2419fea994524dd2a89000eb792eb879
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), logo, descartáveis. Velhas representações hegemônicas (Moscovici, 1988Moscovici, Serge (1988). Notes towards a description of social representations. European Journal of Social Psychology, 8(3), 211-250. https://doi.org/10.1002/ejsp.2420180303
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) se transmutam para sobreviver. A política institucionalizada tem gerado rejeição nos últimos anos, incluindo os políticos, os partidos e, mais acentuadamente, a esquerda (Borges & Vidigal, 2018Borges, André & Vidigal, Robert (2018). Do lulismo ao antipetismo? Polarização, partidarismo e voto nas eleições presidenciais brasileiras. Opinião Pública, 24(1), 53-89. https://doi.org/10.1590/1807-0191201824153
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; Ortellado & Ribeiro, 2018Ortellado, Pablo & Ribeiro, Márcio M. (2018). Polarização e desinformação online no Brasil. Análise 44. Friedrich Ebert Stiftung Brasil. https://www.opendemocracy.net/pt/polariza-o-e-desinforma-o-online-no-brasil/
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)3 3 O Partido dos Trabalhadores (PT) passa de cerca de 8% das preferências em 1989 para 19% em 2002, e chega a um pico de 25% em 2012. Este crescimento começa a decair a partir de 2014 (Borges & Vidigal, 2018). , como visto em alguns comentários (6). A forte rejeição às esquerdas (11 comentários) as inflaciona, atingindo dos intelectuais à ONU, ao Papa etc., num espectro nacional e internacional. O PSOL (outros 9 comentários) aparece como mais um exemplo da antiga divisão entre direita e esquerda. Hoje essa distribuição se modificou: segundo pesquisa Datafolha publicada pela Folha de São Paulo (Tavares, 2022Tavares, Joelmir (2022, 4 de jun.). Datafolha: identificação com a esquerda cresce e vai a 49% da população; direita recua. Folha de São Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2022/06/datafolha-identificacao-com-a-esquerda-cresce-e-vai-a-49-da-populacao-direita-recua.shtml
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), a identificação com a esquerda passou a 49%, e com a direita, 34%, com 17% no centro. Em 2017, esses números eram 41% e 40% em relação à esquerda e a direita, respectivamente, indicando a clara divisão da sociedade antes das eleições.

Os políticos só quiseram roubar o Brasil, deixaram o país largado agora vem com hipocrisia e moralismo; são eles os principais culpados pelo sangue derramado todos os dias pelo país. (Oro, m124, 15/3/2018)

Hipócritas é o que vocês da esquerda são, pseudomoralistas intelectuais... (Ginsb, m130, 15/3/2018). Esse bando de safados do tal Podemos espanhol é tudo esquerdista; quantos policiais e pessoas comuns foram assassinadas por bandidos e eles não se manifestaram? (Cam, m130, 15/3/2018). Os partidos de esquerda não prestam para nada. (Ari, m130, 15/3/2018)

Pois é, não vejo nenhum representante do PSOL visitar vítimas desses bandidos; agora que a pimenta ardeu neles, estão enfurecidos (Lol, m129, 15/3/2018)

Em suma, nesta classe, elaborar o assassinato de Marielle e Anderson traz a discussão sobre segurança pública centrada na intervenção federal e na posição antipolítica. Recheada de opiniões, crenças, afetos - raiva, indignação, temor, agressividade -, desenha a divisória entre “nós” e “eles/as”, característica da polarização. Predomina uma posição punitivista e antiesquerda. À pergunta sobre como os que se solidarizaram depois do assassinato de Marielle reagiriam, diante da morte de centenas de policiais e cidadã/o/s, um exemplo fora da curva:

A reação é a mesma, ... lutar por um estado mais justo para todos; justiça para todos e não vingança para todos. ... é denunciar o desprezo do estado em relação às nossas leis, mas para quem só lê twitter de Jair Bolsonaro, o antolhos se resume em cadê, qual, quem. (Praxe, m124, 15/3/2018)

Ele sinaliza a possibilidade de matizes da polarização (Kfouri, 2019Kfouri, Juca (2019, 5 de set.). Entre Vistas com a antropóloga Isabela Kalil [Video]. Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=EKLIvWa11f4
https://www.youtube.com/watch?v=EKLIvWa1...
): sem se desligar totalmente dela, pode haver variantes situadas num lado que abraçam visão mais abrangente, ou que buscam a via do meio. Assim, delinearam-se aqui eixos de polarização presentes em todo o material, a partir de problemas que geram conflito na sociedade. Polarizar é uma maneira de responder a esses conflitos como a violência urbana, com sua esteira de mortes anônimas, gratuitas, e o contraponto da Ordem, através da punição. Trata-se de uma ancoragem do duplo assassinato ao contexto vivido pelo público, em acordo com a posição política de cada um. A oposição direita-esquerda é um ângulo dessa polarização, que não é, porém, a única forma de resposta.

Classe 3

Esta classe tem o mesmo volume da anterior (20,6%) e o mesmo número de matérias - 7; são as classes mais próximas no dendrograma. Os comentários desta são mais que na outra (94 x 68, Tabela 1), e as duas têm menos comentários sobre Marielle: a classe 3 é a de menor proporção (classe 2, 22 = 32,4% e classe 3, 25 = 26,6%, Tabela 1). Palavras destacadas: homenagear, Sor, Rot, Oro, Kant, Sart, roupa, esgoto, referir, maconheiro. Inclui apelidos dados a comentaristas no corpus. A classe foi nomeada Homenagens a Marielle. Objeto e objetivação da classe, elas são alvo de polarização e tema de cada matéria: 1ª matéria - Temer afirma que morte da vereadora e do motorista é inadmissível; 2ª - Marcelo Freixo escreve sobre Marielle: velha conhecida e amiga querida; 3ª e 4ª - homenagens de celebridades estrangeiras: Katy Perry e Viola Davis; 5ª - Ato ecumênico marca 7 dias da morte de Marielle; e 6ª - Casa das Pretas faz homenagem.

Baseado em quê os seguranças... [no Maracanã] reprimiram a ...justa homenagem...? (Paf, m156, 23/3/2018) ... Justa homenagem a uma politiqueira! O corpo [dela] está sendo explorado por outros carreiristas... pensando na eleição! Se quer homenagear, estenda uma faixa a todo cidadão carioca morto... na nossa guerra do narcotráfico. (Prax, m156, 23/3/2018). Cala a boca, seu merda. (Parme, m156, 23/3/2018) Torcida de frouxos... deixaram levar [a faixa]; quem quer homenagear que o faça. (Oro, m156, 23/3/2018) A bandeira foi retirada por estar tampando a visão do pessoal... e não [por] estar homenageando a vereadora...; mais um caso de vitimismo típico dessa extrema esquerda. (Rot, m156, 23/3/2018)

Homenagear Marielle se mostra uma novidade polêmica, incômoda para alguns. Como lidar com ela? Os afetos respondem primeiro, são um componente incontornável do pensamento social, para Juárez-Romero e Rouquette (2007Juárez-Romero, Juana & Rouquette, Michel-Louis (2007). El pensamiento social: arquitectura y formas de estudio. In Miguel Ángel Aguilar & Anne Reid (Coords.), Tratado de psicología social: perspectivas socioculturales (pp. 43-66). Anthropos.). Homenagens de celebridades estrangeiras receberam comentários ácidos. Os comentaristas de nomes significativos tendem a convergir em cada matéria.

Um pai foi assassinado no mesmo dia por bandidos na frente do filho... e a imprensa não fala nada. Coloca a Viola [Davis] no saco e sai daqui. (Sar, m149, 20/3/18). Comentário perfeito. (Rot, m149, 20/3/2018)

Para desmerecer as homenagens, se desvaloriza quem as faz, o que provoca o desvalor da homenageada - mais uma estratégia da polarização: a deslegitimação da/o outra/o (Bar-Tal & Hammack, 2012Bar-Tal, Daniel & Hammack, Phillip L. (2012). Conflict, delegitimization, and violence. In Linda R. Tropp (Ed.), The Oxford handbook of intergroup conflict (pp. 29-52). Oxford University Press.). A crítica aos políticos e partidos (21 comentários), presente na classe 2, é o tema mais debatido nesta classe. A convergência dos comentaristas se repete na crítica às esquerdas. Outros comentaristas e novos alvos aparecem, incluindo mais palavras significativas da classe.

O que este canalha de merda [Temer] sabe sobre democracia? (Oro, m127, 15.03.18). Atentado à democracia foi o nascimento desse senhor. (Sor, m127, 15/3/2018). Quando um traficante mata alguém ...os defensores de direitos humanos se calam, OAB, PSOL, O Dia etc., mas agora a hipocrisia reina (Kant, m127, 15/3/2018). Nosso presidente está brincando, como se estivesse muito preocupado com o povo brasileiro. (Roth, m127, 15/3/2018)

E agora, Marcelo Freixo, [diante do assassinato] direitos humanos para bandidos? (Kant, m137, 16.03.2018) ...Lindo o relato do ...Freixo (Sar, m137, 16/3/2018). Freixo tem a cara do político hipócrita (Rot, m137, 16/3.2018). Esses defensores de bandidos, falsos políticos como... Benedita..., Marcelo Freixo... estão tomando chopp no Leblon, na Cinelândia; precisamos valorizar as pessoas honestas que ...madrugam antes das cinco da manhã pra trabalhar, ... nossos professores, policiais, ...trabalhadores desse Brasil, e investir em educação; chega de hipocrisia. (Sor, m137, 16/3/2018).

Chico, o vermelho peronista, subverteu a igreja mesmo; agora ateus, comunistas, esquerdopatas, pervertidos, maconheiros e toda a nata do esgoto social têm direito a ato ecumênico, crucifixo e o cacete; salve-se quem puder. (Rot, m150, 20/3/2018)

Sobre a morte de Marielle, voltam categorias das classes anteriores: a comparação com a desatenção a outras mortes se destaca (17 comentários); o uso político dessa morte (11 comentários); a expressão de apoio, empatia com Marielle e família, sempre menos presente (3 comentários). E um novo tema - a negação do racismo (10 comentários):

Não somos um povo racista porque não somos um povo branco, somos uma mistura de todas as raças, por isso somos tão bonitos; ...da selva do norte ...até a garoa dos pampas; o que sobrar na cabeça das pessoas é doença. (Kant, m150, 20/3/2018)

Elas mesmas criam situações embaraçosas para si e depois ficam pousando de discriminadas; pode criar a Casa das Pretas, das Marrons, estou cansando dessas palhaçadas; parece que querem é chamar a atenção (Ern, m155, 22/3/18). Só vagabundo, maconheiro, traveco e puta frequenta esse lugar (Hil, m155, 22/3/2018). Tem que parar com essa bosta de Marielle Franco e de pretos; não gostam do Brasil, vão para a África (Beck, m155, 22/3/2018). Esses comentários me dão nojo. (Ter, m155, 22/3/2018)

A alusão ao racismo provoca reação analisada por Rouquette (1973Rouquette, Michel-Louis (1973). La pensée sociale. In Serge Moscovici (Dir.), Introduction à la Psychologie sociale (pp. 298-328). PUF.): a convicção se declara logo de saída e o discurso só faz repeti-la. O julgamento fica congelado: não é o pensamento da descoberta (nem da persuasão), mas o da afirmação, que recusa outra alternativa - uma afinidade do pensamento social com a polarização. Acima vimos duas formas complementares da negação do racismo, herdeiras do mito da democracia racial. Uma volta à ideia da miscigenação como unificadora da nação e vantagem brasileira. Outra culpabiliza quem afirma a existência da discriminação, por ter o propósito de tirar vantagem dela: “ser discriminado” como oportunidade. O último comentário aconselha os incomodados a voltarem à terra-mãe, que não é o Brasil. Após a morte de Marielle viu-se nas manifestações a reação à naturalização do racismo, apesar do redesenho da alteridade radical, descrita por Jodelet (2004Jodelet, Denise (2004). Formes et figures de l´altérité. In Margarita Sanchez-Mazas & Laurent Licata (Eds.), L`Autre: regards psicosociaux (pp. 23-47). PUF.).

Em síntese, homenagear, aqui, é analisador para um eixo de polarização: a diferença entre a atenção dada a essa e às outras mortes, da/o/s “cidadã/o/s de bem”, pessoas comuns, inocentes e policiais. O crivo do bem e do mal separa também os políticos, as autoridades de toda ordem (o próprio Papa), as celebridades, a partir de um olhar que deslegitima Marielle e quem a homenageia. A classe estampa, por um lado, o justo ressentimento diante da naturalização da violência urbana, do descaso com as inúmeras mortes na cidade, e, por outro, a indignação pela comoção com o assassinato de uma representante eleita, mulher e negra. Essa reação negativa é o terreno comum entre as classes 2 e 3. A desqualificação da/o outra/o é uma forma de lidar com a alteridade absoluta (Arruda, 2019Arruda, Angela (2019). Polarización política y social: la producción de alteridades. In S. Seidmann N. Pievi (Orgs.), Identidades y conflictos sociales. Aportes y desafíos de la investigación sobre representaciones sociales (pp. 232-251). Belgrano. ), aquela que não a/o vê como semelhante, ou contendor/a, mas como inimiga/o passível de eliminação: a polarização extrema desumaniza para legitimar o mau trato e isentar de remorso (Bar-Tal & Hammack, 2012Bar-Tal, Daniel & Hammack, Phillip L. (2012). Conflict, delegitimization, and violence. In Linda R. Tropp (Ed.), The Oxford handbook of intergroup conflict (pp. 29-52). Oxford University Press.; Moscovici, 1987Moscovici, Serge (1987). The conspiracy mentality. In C. Friedrich Graumann & Serge Moscovici (Eds.), Changing conceptions of conspiracy (pp. 150-169). Springer-Verlag.).

As classes 1, 2 e 3, as mais interconectadas no dendrograma, sinalizam a produção de alteridades extremas: Marielle, comunistas, ateus, maconheiros - o “esgoto social” - junto com negros e defensores de direitos humanos, indicando a força desse processo para a polarização - como polarizar sem ter um “bode expiatório”? Também se observa aí afinidade com características da polarização brasileira confirmadas por pesquisas de ciências políticas com eleitores: ela parte em grande medida de eleitores da direita (é assimétrica); é mais afetiva que ideológica; é mais personalista do que partidária, como outros fenômenos da política brasileira (Fuks & Marques, 2020Fuks, Mário & Marques, Pedro (2020). Afeto ou ideologia: medindo polarização política no Brasil? In Anais do 12º Encontro da ABCP, Universidade Federal da Paraíba (pp. 1-15). https://cienciapolitica.org.br/web/system/files/documentos/eventos/2021/01/afeto-ou-ideologia-medindo-polarizacao-politica-brasil-2578.pdf
https://cienciapolitica.org.br/web/syste...
). Numa classificação dos 1330 comentários quanto ao posicionamento político, vimos que metade (49,5%) é de teor conservador, enquanto muito menos é progressista (11,9%) e quase um quarto ambíguo (24,1%). Com relação a Marielle, quase um quarto dos comentários são de desaprovação (25,3%) e aprovação bem menor (10,8%).

Classe 4

Esta é a classe de maior proporção de ucis - 23,5%, com 8 matérias e 340 comentários. Deles, 117 (34,4%, Tabela 1) se referem ao crime contra Marielle. As palavras que mais se destacam são: prático, bico, milícia, necessário, lamentável, perda, segurança. Foi intitulada de Inseguranças públicas no Rio de Janeiro.

Duas palavras, em particular, indicam a sua singularidade: bico e milícia são traços do perfil da cidade - a precariedade no trabalho e a violência urbana, com perdas e lamentos desaguando na problemática da segurança pública. O programa traz indícios destes aspectos centrais da vida no Rio de Janeiro como específicos desta classe.

O motorista também morreu, não tinha nem carteira assinada, trabalhava fazendo bico; esse é o PSOL querendo moralizar o país; a família vai ficar na pior. O corpo [dele] está no cemitério de Inhaúma; ela está na Câmara Municipal do RJ, vai ser enterrada no memorial do Caju. (Bor, m121, 15/3/2018)

Anderson Gomes torna-se alvo de discussão, outra peculiaridade da classe, em 22 comentários. A situação trabalhista é outra expressão da polarização: entre o discurso dos partidos de esquerda e sua prática; sobre os direitos humanos e o descaso pela morte de quem não tem privilégios. O bico, assim, se torna uma objetivação da desigualdade. A outra palavra que singulariza fortemente a classe é milícia:

Foi quadrilha de policiais, que prende o culpado e troca pelo inocente pra receber o arrego, ou matadores de aluguel das milícias; 70% dos policiais do RJ são corruptos, muitos salários de menos de 3.000 reais, carros importados, casas de luxo não compatível com salário de polícia;... uma vergonha para o RJ... (Paf, m121, 15/3/2018)

Será que a vereadora morreu pra passar recado avisando quem manda no estado? se ela defendesse polícia, o tráfico matava; como defendia pobre e bandido, a milícia mata; melhor deixar eles se matarem. (Ril, m133, 15/3/2018)

Apesar do contexto de polarização, pode aparecer numa narrativa de caráter mais ambíguo, explanatório e sofisticado.

Lamentável o caso do pai assassinado, dada uma aparente abordagem errônea da PM, não recebendo a ... consternação ... merecida. A vereadora ... também foi vítima, a diferença ... é que ... como assessora e cria de Freixo, incluindo [na] CPI das milícias, conhecia os riscos a que estaria exposta dada sua militância, tráfico e denúncias ...[N]ão é a dor pela perda de uma mulher brutalmente assassinada mas a exploração da tragédia por segmentos políticos e sociais que ... usam a dor da perda ... como tábua de salvação para suas carreiras e futuro. (Pach, m135, 15/3/2018)

Essas duas marcas da cidade, com resultados opostos para seus praticantes, decorrem da deterioração das condições de sobrevida no Rio de Janeiro e da globalização hegemônica (definida como de cima para baixo, por Boaventura de Souza Santos, 2002Santos, Boaventura S. (2002). As tensões da modernidade. Fórum Social Mundial. DHNet. http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/boaventura/boaventura4.html#1
http://www.dhnet.org.br/direitos/militan...
). Nenhuma tem comentários de total desaprovação e as milícias não sofrem ataques como outros vistos aqui.

Esta é a primeira classe com muita repetição de comentários. Um exemplo, que aparece 8 vezes, em mais de uma matéria, reforça os grandes problemas discutidos, citando várias palavras significativas. Num bom exemplo da mentalidade conspiratória (Moscovici, 1987Moscovici, Serge (1987). The conspiracy mentality. In C. Friedrich Graumann & Serge Moscovici (Eds.), Changing conceptions of conspiracy (pp. 150-169). Springer-Verlag.), alega que o governo de Temer não tinha intenção de que a intervenção federal desse certo:

Não deu recursos nem autonomia necessários, a fim de criar um desgaste dos militares junto à opinião pública, e teve a colaboração da banda podre da mídia (Axe, m121, 15/3/2018)

No gráfico de similitude da classe (Figura 2), cinco dos clusters encadeiam palavras deste comentário (teorizar, temista, Raul, Jungmann, tropa etc.). A repetição seria mais um elemento da estruturação do material produzido on line e do pensamento social. Quatro comentaristas repetem comentários entre 5 e 10 vezes. As pesquisas de Asch (1966Asch, Solomon (1966). Psicologia social. Editora Nacional.) sobre influência social e a leitura de Moscovici (1979Moscovici, Serge (1979). La psychologie des minorités actives. PUF.) mostraram como esse pode ser um recurso da minoria ativa para marcar posição e influenciar socialmente. A proporção de repetições aqui, embora seja a maior entre as classes, é relativamente pequena, e a presença de variações na redação dos trechos repetidos leva à suspeita de tratar-se de uma reprodução manual. Ainda assim, cabe alertar sobre esse aspecto sobretudo quando é amplificado por robôs e calculado por algoritmos nas redes sociais. A indagação preocupante sobre quem é - ou não é - minoria ativa (Moscovici, 1979Moscovici, Serge (1979). La psychologie des minorités actives. PUF.) hoje, apoiado no ativismo digital, demanda pesquisa e aprofundamento teórico.

Figura 2
Gráfico de similitude da Classe 4.

Os principais comentários repetidos na classe 4 sinalizam o peso da discussão sobre segurança pública (8 repetições em 3 matérias) e da visão autoritária-punitivista (9 repetições em 3 matérias). Também sugere a presença da polarização no caso das repetições sobre comentários de ódio (4 em uma matéria).

A análise de conteúdo mostrou os mesmos temas observados nas outras classes com pequenas variações. A caracterização principal de Marielle é a de defensora de bandidos na mesma proporção que a empatia/apoio (19 comentários cada uma), o que também singulariza a classe. Bandidos/traficantes continuam sendo os executores mais apontados (25 comentários), porém, uma outra categoria ganhou ênfase notória aqui como na classe 2: o contraste com mortes menos alardeadas (20 comentários).

As coocorrências mais frequentes vão na direção já observada na classe 1 (Tabela 2). A presença do contraste com mortes menos prestigiadas se encaixaria na focalização da classe sobre o Rio de Janeiro, em que a morte também expõe a desigualdade, na importância que recebe. A milícia, fenômeno tão carioca/fluminense, aparece entre possíveis autores do crime.

Tabela 3
Relações entre categorias encontradas na classe 4

Classe 5

A classe 5, de mesmo aproveitamento que a classe 1, 17,6%, é a que tem mais comentários, 776, em 6 matérias, com as formas significativas: considerar, milhão, companheiro, Barr, escola, dito, rir, belo, Milt, Malt, Kohler, divulgar, Sing, pertencer, parente, Blak, momento, falecida e viúva. Inclui pseudônimos de 6 comentaristas. Foi denominada Corrupção, costumes, considerações. Tem 315 comentários sobre nosso tema, quase metade dos comentários da classe. Apenas esta e a classe 1 mostram proporção significativa de comentários sobre Marielle (cf. Tabela 1).

Considerar aparece só em 6 comentários, mas não é desprezível: a maioria deles convida à reflexão, ilumina um ponto de vista, o que é ainda mais raro nas demais classes:

apuração de crimes tem 2 parâmetros: os desvendados e ..., digamos, os quase perfeitos, se considerarmos a dificuldade que os policiais têm para apurar; nossos policiais não são piores que ninguém; a polícia não dispõe das ferramentas necessárias para executarem seus serviços; ... a elucidação de um crime é o troféu que o policial exibe. Estou falando da banda boa da polícia. (Sar, m143, 18/3/2018)

Milhão teve 20 menções, 12 na expressão “5 milhões 217 mil 970”, número de votos de Sérgio Cabral na reeleição para governador do Rio em 2010, em comentários sobre a falência do estado, atribuída à corrupção de governantes, aliados etc.

Quero saber da falta de segurança no Cachambi, onde um pai foi morto na frente de seu filho ... (Glass m143, 18.04.18). Pergunte ao Luiz Fernando Pezão e ao Marcelo Crivella, e ... também aos 5 milhões 217 mil 970 corresponsáveis pela falência do Rio. (Zet, m143, 18/4/2018)

Milhões parece objetivar a corrupção, apropriação de recursos públicos para benefício próprio, incluindo outros corruptos como Geddel Vieira, Eduardo Cunha, além das consequências: superfaturamentos e a Lei Rouanet, usada por Zezé di Camargo. Os comentaristas incluídos na lista de palavras estão em 5 das 6 matérias da classe, e tendem a se juntar contra um colega de posição diferente, numa polarização mais adjetivada que substantiva.

Chic tá surtando, acreditando nas próprias mentiras: Lula é condenado, ...será preso; ...essa esquerda ...vil, nefasta, parasitária, e traidora da nação será reduzida a quase zero após as eleições 2018 (Barr, m143, 18/3/2018) Chic, tá louco, Lula presidente nunca mais, chega de bandidos no poder. (Sing, m143, 18/3/2018) ... covardia do PT colocar uma pessoa esquizofrênica nascida de 7 meses pra ficar nas redes sociais lhe representando. (Malt, m143, 18/3/2018)

Escola, com 8 comentários, tem 5 sobre Marielle. Dito, com 5 comentários, 4 sobre ela e rir tem 3. São novas indicações para a caracterização de Marielle, que incluem os estratagemas do silêncio - não pronunciar seu nome, assinalando que era uma desconhecida - a invisibilização, além da zombaria, que desvaloriza.

Risos, foi mulher de bandido, Marcinho VP não gostou muito da fruta, aí virou sapata. Só rindo mesmo, e ainda vai ser nome de escola. Já viu, né, o que esses alunos vão ser, rindo até 2060... Fala sério! Valores invertidos. (Clem, m144, 18/3/2018)

E quem conhecia a dita cuja? (Paf, m148, 20.03.18) Eu nunca ouvi falar dessa vereadora, é uma pessoa como ... os outros; todos merecem respeito. (Salm, m148, 20/3/2018)

A novidade desta classe - a questão homoafetiva, com o casamento do mesmo sexo - vem pela forma viúva, com 77 menções (5 vezes são outras viúvas). São comentados: benefícios para a viúva, com prejuízo aos cofres públicos (pensão, candidatura política no futuro); a estranheza diante do termo; a reprovação desse tipo de casamento, incluindo a zombaria, a galhofa.

a verdadeira viúva nada irá receber,... a vereadora não assinava a carteira do motorista; já a viúva da vereadora terá 19 mil mais benefícios ... de pensão vitalícia. Depois falta dinheiro para hospitais e escolas (Pafu, m144, 18.03.2018). Soa raro..., viúva de Marielle Franco. Como pode uma mulher ser viúva de outra? (Jac, m144, 18/3/2018)

A inversão de valores na sociedade de hoje é vergonhosa, deus tenha piedade de nós (Lew, m154, 22/3/2018). Barriga no tanque e lavar umas roupas essas duas não querem, né? Daqui a pouco viram vereadoras..., estão se promovendo! O pior foi a suposta viúva dizer: minha mulher, risos, hilário demais. (Aug, m154, 22/3/2018)

A união de pessoas do mesmo sexo e seus desdobramentos geram estranheza, e sua elaboração revisita velhos preconceitos. Mônica Benício - “a viúva” - jamais é nomeada. Mais uma vez silenciar o que contraria? Posicionamentos dissonantes mostram outras perspectivas:

não era efetivamente viúva, mas era companheira na forma da lei e terá o devido amparo como se viúva fosse; a dor e o trauma com certeza são iguais e disso devemos nos compadecer, não? (Tere, m144, 18/3/2018)

Trata-se, portanto, de mais uma forma de caracterizar Marielle, o que se diversifica nesta classe. A análise de conteúdo reuniu as características detectadas em 5: (a) casamento e a viuvez de Mônica Benício (77 comentários); (b) alvo de empatia, respeito pelo ser humano, a morte trágica (68 comentários); (c) aspectos criticáveis: ser crítica à atuação policial, defender direitos humanos, pobres, ser de esquerda etc., com valoração negativa, como ser defensora de bandidos, LGBTQ, a favor da liberação da maconha, do aborto (77 comentários); (d) aspectos elogiáveis: ser lutadora, idealista, inteligente, militante, ter peso político (23 comentários); (e) negra e lésbica aparecem por primeira vez como característica, geralmente negativa (23 comentários; 2 comentários positivos contaram nos elogiáveis). Com relação à morte, o contraste com outras mortes e o uso político da sua morte são as principais categorias. Há poucas indicações sobre autoria do crime e poucas coocorrências. Nas “considerações”, comentários a contracorrente têm intuito de esclarecer sem polarizar:

Se a vítima tivesse sido... Carlos Bolsonaro, haveria tanta ou mais mídia. É como ... clube desconhecido, [acidente] no interior, ninguém liga; quando é de mais importância, vira assunto do momento. Isto não tira a dignidade das vítimas, a hierarquização é normal; vítima desconhecida, ... só familiares e amigos se importam. Ela era política, seus apoiadores, inimigos, são políticos...; políticos agem politicamente, como comerciantes agem comercialmente. (Lip, m143, 18/3/2018)

São mais de dez comentários “comedidos”, somados aos de “apoio, empatia” (68). Estes, mesmo críticos ao PSOL, ou a características de Marielle, desejam a punição dos culpados, lamentam pelo ser humano e se compadecem da família. Introduzem um alerta sobre a polarização “pronta para consumo”, concentrada apenas nos extremos dos polos, que perde de vista as gradações e as linhas de fuga do fenômeno, como insiste Kalil (Kfouri, 2019Kfouri, Juca (2019, 5 de set.). Entre Vistas com a antropóloga Isabela Kalil [Video]. Youtube. https://www.youtube.com/watch?v=EKLIvWa11f4
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). Pode-se divergir sem odiar. Numa classificação com relação à atitude quanto a Marielle nos 1330 comentários (25,3% negativa e 10,8% positiva; a maioria não a menciona - 43,2%), também se insinua um território intermediário, discreto, onde ambivalência e neutralidade se encontram (12,5%).

Conclusão

Uma primeira conclusão se impõe de imediato: o assassinato de Marielle e Anderson não é o foco dos debates. O fato alavancou a discussão sobre grandes problemas do Rio de Janeiro e padeceu do contexto da eleição presidencial que escolheria Bolsonaro. Conclusão que conduz a outra, metodológica: programas de análise léxica, ao focalizarem o que distingue cada classe, podem desbotar o pano de fundo, e a especificidade de cada classe nem sempre é tudo que interessa. Relacionar com o contexto que o programa fornece e o contexto social/político mais amplo é o trabalho da/o pesquisador/a. Ao mesmo tempo, apesar dos indícios que contém (vítimas, perpetradores e motivos, articulados), o material digital só autoriza a atribuir as representações sugeridas do crime ao público do jornal, de perfil bastante vago.

A análise respondeu às perguntas formuladas para a investigação, que se entrelaçam nos achados. As características psicossociais da polarização e o que ela revela sobre o pensamento social e sobre a sociedade naquele momento e contexto, descritos no texto, merecem alguns destaques.

A figura de Marielle é uma incômoda novidade porque contraria um imaginário social legado pela colonização e as representações hegemônicas de mulher negra, de origem humilde, ao escancarar uma trajetória inusual, interrompida de forma violenta. A conjuntura eleitoral facilitaria o recrudescimento da polarização, com os posicionamentos antiesquerda e antipolítica. Elaborar essa conjugação múltipla desatou o pensar social expresso nos comentários. A polarização faz parte do modo de dar sentido a esta figura, a partir da experiência, dos saberes, afetos de quem fala, de suas preferências e do contexto político. A caracterização predominante de defensora de bandidos soa como uma “acusação” ao protagonismo: por que se destacar defendendo os da mesma origem (os eternos suspeitos)? Cumplicidade ofensiva, quando os direitos humanos não são universais, mas destinados apenas a/o/s cidadã/o/s de bem? E por que fugir do destino obrigatório para transgredir no terreno sexual?

A polarização implica práticas de vários tipos, inclusive as discursivas, com seus dispositivos e estratagemas. Dentre eles destacou-se a deslegitimação: de Marielle e de suas escolhas, dos que a homenagearam, do seu partido, dos partidos, da política, das esquerdas, dos que pensam diferente. Como no estupro, a vítima é a culpada - seu passado a condena. No caso, também seu futuro: a viúva. Um processo de desmonte da alteridade para chegar à exclusão - simbolicamente a companheira é eliminada ao mesmo tempo. O silêncio, não mencionado nas pesquisas revisadas, ao desnomear as duas, é mais uma manobra de apagamento das alteridades extremas.

As outras mortes, menos visibilizadas nos noticiários, na sociedade, são uma grande personagem da narrativa dominante - as reais vítimas: os ditos cidadã/o/s de bem: policiais, trabalhadora/e/s, mães, que vêm apagar o sentido político do assassinato de Marielle, mais uma forma de descaracterizá-lo. O público manifestou maior tendência conservadora, mas expressões de intolerância também surgiram em posições mais progressistas.

Quanto ao que a polarização revela sobre o pensamento social e sobre a sociedade naquele momento e contexto, a forte presença do pensamento conservador nos comentários polarizados/polarizadores assinala a emergência da direita “de raiz” (a franja em torno de 30% da população brasileira fiéis do presidente, segundo pesquisas recentes) e alerta para o desenvolvimento de possíveis minorias ativas com a chegada da extrema direita ao poder, que utiliza a polarização como dispositivo de manejo dos afetos (Arruda, 2021Arruda, Angela (2021). A polarização sob o olhar psicossocial. In A. Roso et al. (Orgs.), Mundos sem fronteiras. Representações sociais e práticas psicossociais (pp. 43-83). ABRAPSO. https://site.abrapso.org.br/wp-content/uploads/2021/11/Mundo-sem-fronteiras.pdf
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), influência social, controle político e mobilização das suas bases, recorrendo a várias táticas como a cortina de fumaça, o bode expiatório, a eliminação (simbólica, virtual e física), e também a difusão e propaganda de suas ideias. Tendemos a concordar com Ortellado, Ribeiro e Zeine (2022Ortellado, Pablo, Márcio M., & Zeine, Leonardo (2022). Existe polarização política no Brasil? Análise das evidências em duas séries de pesquisas de opinião. Opinião Pública, 28(1), 62-91. https://doi.org/10.1590/1807-0191202228162
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) quanto aos ventos de mudança de consenso na sociedade, e essa minoria os insufla na sua direção, recorrendo à polarização. A questão da minoria ativa deve ser posta em relação com os dispositivos eletrônicos de influência política, e ainda precisa de aprofundamento teórico e pesquisa. Possíveis temas para investigação futura da relação entre minorias ativas e polarização seriam: até que ponto esses grupos conservadores são portadores de inovação? Geram representações polêmicas ou apenas repaginam velhas representações hegemônicas, como a democracia racial? A prática discursiva polarizadora, tão ao seu gosto, ao abandonar a persuasão e coibir a dúvida, remodela o estilo de comportamento identificado por Moscovici (1979Moscovici, Serge (1979). La psychologie des minorités actives. PUF.) para os grupos minoritários?

Uma outra contribuição do trabalho é o interesse de aprofundar para além dos extremos polarizados. O material, que foge da predominante dos estudos de polarização, a polarização partidária e ideológica, mostra uma rede complexa, com um meio de campo poroso, embora reduzido; onde bom senso, esforços de compreensão, explicitação, com graus variados de aproximação a um polo ou outro, tentando escapar do cabo de guerra. Dialogismo, linhas de fuga arriscam a aproximação em vez da exclusão. Esses elementos ainda pouco estudados podem vir a ser úteis em cenários de despolarização como na Colômbia hoje, na Venezuela em breve, para ressoldar o tecido social esgarçado pelas disputas político-ideológicas.

Outra contribuição da análise é a identificação da polarização assimétrica, reforçando o olhar sobre o fenômeno estudado num segmento médio/popular da população do Rio de Janeiro.

Estamos cientes das limitações do texto diante da riqueza e complexidade do material. É impossível desenvolver todos os pontos que os resultados sugerem no espaço deste artigo. A análise da segunda parte do material, coletado um ano depois, quando as escolas de samba trouxeram Marielle e Anderson de volta ao asfalto, deverá conter respostas a algumas destas questões, e esta reflexão, sobre a qual temos nos debruçado, continuará a ser aprofundada.

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  • 1
    A Intervenção Federal no Rio de Janeiro, decretada em fevereiro de 2018, visava “por termo ao grave comprometimento da ordem pública” (Câmara dos Deputados, 2018, s/pCâmara dos Deputados (2018). Câmara autoriza intervenção federal na segurança pública do Rio de Janeiro. Agência Câmara de Notícias. https://www.camara.leg.br/noticias/532120-camara-autoriza-intervencao-federal-na-seguranca-publica-do-rio-de-janeiro/
    https://www.camara.leg.br/noticias/53212...
    ). Para muitos juristas, diante da imagem desgastada do governo Michel Temer, ela tiraria o foco da frustrada reforma da previdência, promoveria um giro na agenda política brasileira, como medida emergencial e popular que dominaria as pautas do Congresso e da mídia (Bighetti, 2018Bighetti, João V. S. (2018). A intervenção federal no Rio de Janeiro. Revista Jus Navigandi, 23(5577). https://jus.com.br/artigos/69394.
    https://jus.com.br/artigos/69394...
    ). As forças da ordem passaram do comando estadual para o federal, com o general Walter Braga Netto como interventor. Encerrada no fim de 2018, seu balanço é controvertido, apontando a falta de um plano claro e abrangente para lidar com a segurança pública em suas raízes, bem como a tensão entre as operações militares em áreas de favelas e bairros populares visando reduzir a criminalidade, e a defesa dos direitos fundamentais da população afetada e, por conseguinte, a legitimidade das ações da segurança pública (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada [IPEA], 2019Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (2019). A intervenção federal no Rio de Janeiro e as organizações da sociedade civil. Relatório de Pesquisa. https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/arquivos/artigos/8695-182358intervencaofederalrio.pdf
    https://www.ipea.gov.br/atlasviolencia/a...
    ). A proposta era atacar os efeitos do crime organizado para diminuir os altos índices de violência, mas a presença do Exército nas ruas apenas coibiu crimes contra o patrimônio, que muitas vezes são ataques de oportunidade no cotidiano urbano, enquanto a criminalidade organizada, paramilitar, seguiu gerindo seus negócios (Bighetti, 2018).
  • 2
    A objetivação, processo de construção das representações sociais (Jodelet, 1984Jodelet, Denise (1984). Représentations sociales: phénomènes, concept et théorie In Serge Moscovici (Dir.), Psychologie sociale (pp. 357-378). PUF.), condensa numa figura algo que parece vago, estranho ou confuso, enxugando suas características para torná-lo claro, concreto. O campo da representação (Jodelet, 1984Jodelet, Denise (1984). Représentations sociales: phénomènes, concept et théorie In Serge Moscovici (Dir.), Psychologie sociale (pp. 357-378). PUF.), uma das dimensões da representação social, reúne o conjunto dessas suas figuras, que são icônicas, modelos, e articulam-se entre si.
  • 3
    O Partido dos Trabalhadores (PT) passa de cerca de 8% das preferências em 1989 para 19% em 2002, e chega a um pico de 25% em 2012. Este crescimento começa a decair a partir de 2014 (Borges & Vidigal, 2018).
  • Financiamento: Não houve financiamento

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Mar 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    04 Jul 2021
  • Revisado
    06 Jul 2022
  • Aceito
    02 Set 2022
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